A autora da fic adverte: apesar da pesquisa e conhecimento que fiz e tenho de diversos tipos de magia e religiões, o ritual apresentado e seus preparativos são obra de ficção! (portanto nada de sair bebendo coisas, jogando erva no fogo e muito menos abrindo as mãos dos outros com punhais!!!) Existem rituais semelhantes em diversas vertentes mágicas, com o objetivo de se encontrar o espírito oculto, seu guia, anjo da guarda ou animal totem... mas esse não é um deles... pelo menos não desse jeito.
(O Athame (o punhal de cabo negro, lê-se Adâme)e o Ythame (punhal de cabo branco, lê-se Ídâme) são realmente utilizados em rituais...)
PS: leia devagar, porque em certo ponto é impossível marcar em Negrito a mudança de ponto de vista...eu detesto fazer essa marcação...
SOB UM CÉU VERMELHO SANGUE
17 Um Mundo Em Escuridão
Aproveitou a distração do rapaz para segurar a mão pequena de dedos longos, Potter nem havia percebido que havia segurado o punhal de cabo branco... melhor assim, sem sofrimento prévio e desnecessário, e por mais que tenha sido rápido, reflexo de alguém acostumado a gestos precisos, não pode deixar de por um segundo pensar em não ferir a pele tão branca...
Rápido o sangue correu, segurou a mão que por reflexo foi puxada, mas estranhou não haver protesto, levantou o olhar para ver o rosto surpreso do jovem que mordia de leve o lábio.
A mão de Snape segurou a sua firmemente até que algum sangue caísse sobre a mistura de poção e ervas... não disse nada... não sabia o que dizer, na verdade queria amaldiçoar Snape.
Em seguida viu o bruxo virar a mão ferida e colocar a lâmina fria do Ythame sobre o ferimento. Houve um certo alívio na ardência do corte, em seguida Snape pegou um outro grupo de ervas da caixa e retirando o Ythame de cima do corte deixou cair as ervas trituradas e enrolou a mão no pano branco e comprido nas quais os punhais estiveram envoltos antes...
-Evite mexer muito essa mão... pela manhã se tudo correr bem estará cicatrizado.- Snape disse usando a lâmina do Ythame para misturar o sangue na poção.
-Podia ter me avisado.- Harry disse puxando a mão... o corte ardia mas era suportável... pra quem já tinha tido detenções com Umbridge e sofrido com algumas cruciatus na verdade era apenas incômodo.
-Para quê? Para sofrer em antecipação?- Snape disse sério.- Creio que desta forma houve menos dor...
-E isso? Achei que só magia negra usasse sangue...
-De certa forma sim... mas estamos tomando um atalho... creio que não está preparado para ficar uma semana sem ver a luz do dia em minha companhia, eu não tenho esse tempo disponível Potter. Além do mais precisaríamos ser bons em legilimência... em um grau razoavelmente avançado.
Podia perceber o descontentamento do rapaz, mas não pôde deixar de saboreá-lo, era óbvio que o sangue para Potter estava ligado a magia negra, sabia muito bem o motivo disso, levando em consideração que Potter teve o próprio sangue utilizado no ritual que trouxera o Lorde de volta aos vivos... sangue poderoso... impregnado de magia...
Pode sentir ao vê-lo correr...
Em seguida não pode deixar de se censurar por velhos gostos e hábitos, a menos que desejasse se reencontrar com aquela maldita Hidra... não, concentração era necessária olhou a vasilha e disse.
-O ritual se divide em cinco partes... primeiro devemos nos desligar da realidade, você não deve fazer resistência a minha entrada no seu "mundo" particular... vamos usar essa ligação de sangue para facilitar essa harmonização... em seguida você vai procurar sua própria natureza,isso pode ser um tanto demorado, é importante aceitar o que se revelar... depois vai confronta-la... autodomínio Potter... é chave para isso... depois deve conquistar seu espírito oculto e ele irá trabalhar para você, vai ajuda-lo quando necessário. Em seguida podemos encerrar a ligação e retornarmos a realidade.
-Falando assim parece complicado...- Harry suspirou.
-Será se não houver esforço de sua parte e uma mente aberta. Espero não pedir demais esperando que você tente ao menos.
Os olhos se encontraram...
Havia algo de desafio arrogante nos olhos do professor, não era tão ingênuo a ponto de ignorar que depois daquilo Snape fatalmente teria mais poder sobre ele, sabia que o professor em questão estaria muito perto dele, o problema era que no momento Harry não conseguia nem sentir a si mesmo por perto, mas não ia vacilar... não.
-Vamos começar ainda hoje?- disse em tom de desafio.
-Agora.- disse Snape.- espero que controle sua língua Potter, devemos falar somente o mínimo, até as palavras não serem mais necessárias.- pegou a vasilha e passou o dedo na mistura de poção Obdormiam e o sangue de Potter.
Um ponto em sua testa, no que os orientais tradicionalmente chamavam de terceiro olho... sim, sincronizar com a mente de Potter era uma tarefa complicada em legilimência comum... penetrar em sua alma devia ser das tarefas mais ingratas...
-Preciso marca-lo Potter. Não se mova, esses símbolos são complexos...- disse e se aproximou do rapaz.- feche os olhos.
Fechou os olhos tenso, sentindo o dedo úmido de Snape em sua testa... mas não conseguia imaginar o que estava sendo desenhado, a mão naturalmente pesada revelou um toque suave, quase efêmero ao passar o líquido denso e com cheiro forte em sua fronte... em seguida algo passou-lhe sobre os olhos. Snape puxou a mão direita e fez um desenho nela, já tinha visto-a em um dos livros de Hermione.
-É uma runa de proteção e força.- Disse ao ver o rapaz olhar a marca na mão direita.- Para lhe dar armas para enfrentar seu espírito oculto se ele for hostil... a mão direita é a mão da conciência e da força...- Snape segurou a mão esquerda enfaixada.- Essa é a mão do coração e da sensibilidade... não vamos usa-la.
Harry deixou-a cair quando Snape a largou... sentindo algo estranho... um pouco vazio.
-Vire-se de frente para a lareira... é nela que você irá se concentrar... o fogo é um bom canal para a meditação.
-Certo.- Harry se virou para a lareira, recebendo um dos frascos com a poção.- Bebo?
-Sim.- disse Snape bebendo o conteúdo do outro frasco.- Vou segurar seu ombro, apenas para que você tenha consciência da minha presença por enquanto, logo isso será desnecessário.
Harry concordou e entornou o líquido de cheiro forte e gosto ardido, observando o professor jogar um punhado de ervas no fogo que ficou mais forte... mais frio, um odor leve de baunilha e brisa tomou a sala.
Snape segurava com a outra mão o Athame.
E Harry não se importou, não conseguia olhar o fogo, olhando o outro... Sempre negros como poços vazios... poços negros... que brilhavam com a luz do fogo, voltou a olhar a chama...
Tempo suficiente para os olhos lacrimejarem...
-Você não está se concentrando...- Snape sibilou ao seu lado. A mão no ombro pesou um pouco mais.- Olhe o fogo como se ele fosse a luz no fim do túnel... como se fosse uma saída.
"Uma saída para quê?" pensou aborrecido.
-Uma saída para quê? Para a vida?
-Uma saída até sua alma...
"Não seria uma entrada?"
"Entrada, saída, não faz diferença alguma... tudo é caminho."
-Entrada não é um começo? Saída um fim? Uma fuga? O caminho é a vida?
"Se a vida é um caminho tente lembrar por onde já passou... mergulhar em lembranças..."
"Não quero andar por onde já andei... não há boas lembranças em número suficiente..."
-E os dias que se ergueram em paz, e as noites que foram gentis?
"Noites caem muito rápido sobre o caminho... a escuridão apaga os rastros... excluem os sentidos."
"Os sentidos são o ópio da alma... o império da banalidade."
-Então os sentidos atrapalham a alma?
-Não. Os sentidos devem auxiliar a alma, para isso devem ser plenos.
-Mas a plenitude dos sentidos parece... enganação.
"Saber sentir, reconhecer o que se sente é uma necessidade da alma..."
"Sentir parece fraqueza..."
"Deixar de sentir é matar a alma."
Olhou-o... a escuridão do poço, nele brilhava um universo inteiro... não vazio, mas cheio de algo inatingível.
-Achei que você não sentia nada.
-Eu sou humano.
-Eu não quero mais sentir.- Harry disse muito baixo.
-Não quer mais viver?
-Não... ... não faz sentido nada disso... sentir isso assim, enfraquece, fere, inutiliza, mutila... dói.
"Sentimentos são mais do que dor..."
"Achei que acima de tudo fosse preciso esquecer certas coisas..."
"O caminho não segue sem obstáculos."
"E devemos esperar que a superação nos ilumine?!"
"E seria de outra forma?"
-Isso parece... parece uma piada de mau gosto!!!
-Você acha que deve haver um percurso mais simples e indolor?
"Porque não? Já que nem todos os caminhos são iguais... devem haver atalhos... ou estradas... mais planas."
-Não será por caminhos mais fáceis que você ira aprender as coisas importantes...
-Porque o universo inteiro parece se basear no conceito de castigo e recompensa... usado de forma deturpada?
"Talvez por causa de sua percepção deturpada baseada única e exclusivamente na dor..."
"Tento compreender qual é o caminho e ele me foge... o sentido disso não parece justo..."
"E não é!"
"Então não há justiça?"
"Não numa forma pura."
"Então por que eu luto?"
"Pelo que é certo."
"Certo... pelo bem... isso parece tão vago..."
"Porque o conceito de bem e mal é vago e via de regra errado."
"Então como eu vou saber?"
"Você sabe, todos sabem o que o coração pede."
"Achei que eu não devia usar o coração..."
"Você não pode se deixar dominar por ele... é necessário o equilíbrio."
"Equilíbrio... não há equilíbrio! Se houvesse..."
"Você faz seu equilíbrio!"
-Isso é patético e não está indo a lugar algum...- murmurou.
-Porque você resiste.- Snape suspirou irritado.
Harry correu os olhos pela lareira de pedra, vagando pelo sentimento estranho de inutilidade e torpor mesclados a uma irritação frustrada imensa... sua cabeça começava a doer.
-Ah... lá vamos nós de novo.- gemeu.- e você reclama porque eu sinto dor...- gemeu mais alto levando a mão a testa.
Snape segurou o pulso de Harry antes que chagasse a cicatriz.
-Não desfaça a Treskale.
-Eu sinto que... ah, não faça isso.- disse olhando nos olhos do outro.- É muito complicado com os dois dentro... cansa.
-Você tem que fechar sua mente Potter... para o Lorde, como essa sala, só nós dois.- disse sem perceber que apertava o pulso do rapaz.- Feche a porta Potter!
-Eu não consi... acho que ele... está indo... acho que só estava irritado...
-Ele está indo! Porque se quisesse ficava?!- Snape disse alto.- Você não consegue mais expulsá-lo não é?
Potter não respondeu... os olhos fugiram para o fogo... a palidez reforçava a figura de três pontas em sua testa e as marcas no olhos feita com a poção. Havia uma expressão profunda de exaustão na face do rapaz, os olhos estavam quase fechados... então ele o encarou, um brilho frio e furioso, muito parecido com o que ele lhe dera na torre.
-Vocês falam... me cobram... me recriminam eu sei! Mas não sabem o quanto é difícil! Não podem saber! Como ousam me julgar! Como você ousa?! Você não me conhece... não sabe o que eu sei... não sabe o que eu não sei! Não sabe o que eu sinto ou deixo de sentir! Eu não deixei de ser eu só porque Dumbledore acha que eu sou essa arma perfeita dele! Héroi, santo... salvador! Vítima... assassino!Eu não deixei de ser eu! Eu não quero deixar...
-Do que você está falando?- murmurou ao ver o outro tremendo furioso, ainda segurando o pulso do rapaz, mas incapaz de conter o que via transbordando de dentro, escorrendo pelas palavras.
-Eu não quero... -Harry engasgou sob o olhar do outro.- Eu não quero morrer... não quero matar... porquê? Porque tem que ser assim?
-Você não está sendo coerente!
-Você não tem respostas para mim! Ninguém tem... você entende de destino? O que você acha disso? Você acha que o que faz ou deixa de fazer altera o destino? Você acha que pode mudar? se pode... talvez tudo seja em vão! E se não... continua sendo inútil! No fim é tudo inútil!
-Se Acalme!- disse um pouco mais alto e viu o rapaz se calar.
Ele estava com um olhar um pouco surpreso, respirando profundamente, quase podia escutar o tanto que o coração do rapaz tinha acelerado e no entanto, ele ficara ainda mais pálido, soltou o pulso dele e viu o tanto que o apertara ao ver a faixa branca em torno do pulso fino. Estavam ajoelhados um em frente ao outro, o rapaz baixou os olhos e sentou-se em frente a lareira.
-Eu não devia ter dito isso. Não sei o que me deu...- Harry concluiu cansado.
Ainda sob o impacto daquelas palavras Snape se sentou ao lado dele, o silêncio imperou por um tempo. Observou o rapaz olhar o tecido branco que enfaixava o corte, agora manchado de sangue porque ele havia cerrado o punho com força demais...
-Você disse que lhe cobram... falam e recriminam...
-Não devia ter dito, certo? Aposto que você vai se divertir muito me jogando isso na cara... mas eu não quero falar disso.
-Tente ser sincero uma vez na vida Potter.
-Agora sou mentiroso de novo.- disse sem tirar o olho do fogo.
-Não mentiroso... mas você se esconde atrás de uma verdade distorcida... tudo que vejo ás vezes é o Grande Harry potter, garoto dourado da grifinória, o menino-que sobreviveu.
-Só cale a boca e me poupe disso.
-Eu disse ás vezes... em outras eu vejo um enorme vazio escuro onde tudo isso é mentira. E se esse enorme vazio escuro é o seu eu verdadeiro Potter... é mais fácil deixar o Lorde matá-lo logo.
-Vou pensar na sua sugestão...
Snape deixou-se fitar o fogo, frustrado.
-Porque acha que tudo é inútil Potter?
o silêncio prolongado o fez olhar o garoto... que o olhou de volta.
-Porque você deixou de ser Comensal da Morte?
-Minha vida não está em questão Potter.
-Esse é o problema não?
-O que quer dizer?
-A minha... sempre está.
-É o preço da fama.
-Não escolhi ser famoso. Não escolhi ser o que sou.
-Isso é tolice... as pessoas são o que são.
-Isso é destino?
-Está obcecado com isso...
-Você também estaria se soubesse...- Harry disse baixo se levantando.
"Aonde você pensa que vai Potter?"
"Não posso sair posso?"
A figura do rapaz era o retrato da derrota, face cansada e ombros caídos, olhos desfocados.
"Sair de onde não é mesmo?"
Era um imenso nada... algo que lembrava grama no chão e um céu noturno imenso mas praticamente vazio de estrelas e sem lua... a chama da lareira continuava ali, mas parecia uma fogueira fria, fantasmagórica.
"Você está se aproveitando disso pra me confundir! O que quer saber afinal? Façam perguntas diretas e dou as respostas... vocês me cansam."
"Sente-se Potter, alterado desse jeito não vamos a lugar algum!"
O rapaz lhe virou as costas e deu alguns passos no vazio, se limitou a observá-lo e esperar, mais cedo ou mais tarde ele voltaria,e que voltasse rápido porque aquela escuridão fria o angustiava.
