SOB UM CÉU VERMELHO SANGUE

20 NEGANDO

Foram poucos segundos, entre o despertar... e sentindo o rosto repuxar, passar a mão por ele sentindo pequenas cascas de sangue seco.

Quando acordava assim, com a cabeça doendo e corpo fatigado, geralmente se preparava para o pior, pois não era um homem de beber... então sentou-se de súbito achando-se ferido... mas achou-se nu.

E o olhar em torno caiu no corpo também nu estendido ao seu lado, agarrado a sua veste embolada entre eles.

Isso em poucos segundos... em outros poucos segundos de surpresa se pôs em pé absorvendo tudo que via e tudo que lembrava... chegou a andar para trás.

"Isso não poderia ter acontecido..." repetiu algumas vezes.

Mas acontecera não? Acontecera com toda a força de algo impossível de controlar, com esse pensamento, "incontrolável" virou-se e foi até o caldeirão soltou um suspiro resignado.

A poção estava marrom... devia estar cinza após o tempo de uso... olhou em torno e se lembrou...

"acrescente a essência de Sílfia"

Estendeu a mão para os frascos, mas nem precisava, a essência requerida estava li, intocada, pegou o frasco vazio...

Belladona.

Venenosa e alucinógena... perigosa no contexto geral, principalmente na quantidade ingerida.

"Potter, sua criatura Burra!"

Como sempre, a culpa era da vítima... andou de volta com passos mais seguros... não havia mais o que se fazer... contra o fato... sentiu-se estranho... errado, talvez pelo ato imoral e criminoso...

Não que não que tivesse cometido atos imorais e criminosos na vida não é mesmo?

Foi talvez nesses dois minutos de surpresa e um estranho sentimento de algo estar terrivelmente errado que o olhou mais intensamente que nunca na vida... e o rapaz lhe pareceu, ali no chão, deitado e longe de parecer a romântica figura delicada e calma de um jovem... pela primeira vez...

Potter lhe pareceu real... bonito até.

Talvez exatamente por ele estar todo manchando de sangue e poção, claramente murmurando algo com um expressão preocupada no rosto jovem agarrado a sua veste... talvez só agora ele deixava de ser uma abstração e se tornasse real.

Se tornasse real... se tornasse a sua vista algo... diferente.

Mas foram alguns minutos, porque a máquina fria e lógica retornava ao seu raciocínio, felizmente a sala estava muito bem trancada e magicamente isolada, aquilo poderia ser sua desgraça... não que já não fosse em parte uma desgraça... agora era hora de remediar a situação e o melhor a fazer...

O melhor era fazer o que sempre fazia.

Poucas magias simples, uma de limpeza e o ar retornou a sua limpidez assim como seus corpos livres de qualquer mácula, outra magia e estavam definitivamente vestidos... mais uma e sentou-se numa poltrona olhando-o ainda...agora vestido e encolhido com as mãos embolada na própria veste de estudante e depois olhando as suas próprias mãos sobre sua perna... sentiu-se velho... errado, mau...mas a resolução era firme.

O tom alto e imperativo da voz o despertou de algo que parecia um sonho frio... algo da qual não conseguia...

-Potter! POTTER!

Abriu os olhos e encontrou a sala... a sala, sim...

O grunhido impaciente o fez lembrar do outro homem... olhou-o.

Snape parecia muito contrariado... e acima de tudo... desviou os olhos para sua veste sentindo um arrepio gelado lhe percorrer as costas.

"Ah... não..."

-Falhamos Potter... você deveria ter avisado que não estava em condições!- ele disse friamente como se falasse de mais um erro nas aulas de poções.

Mas sua mente estava trabalhando tortuosamente... não estava encontrando coragem para encarar o outro... "falhamos?"

Encarou-o, não sabendo se corava ou se estava ficando pálido, só sentia que não deveria olhá-lo por muito tempo... ou algo aconteceria...

Talvez uma parte sua se perdesse na escuridão daquele olhar frio.

-Falhamos?- murmurou debilmente.

Ele se levantou, imponente, grande, poderoso e cruel no olhar frio e voz acusadora.

-Falhamos! Você dormiu no meio do ritual! A quanto tempo não dorme Potter? Você se afastou da fogueira e não voltou! Tive que interromper o ritual... pensei que algo havia ocorrido... mas imagine não é? Você só estava dormindo, convenhamos você não leva nada a sério Potter!

A torrente acusatória cessou brusca como começara, ele parecia estar esperando algo... mas como assim não voltara? Chegou a desviar o olhar novamente, as lembranças do... dele... e... suas...

-Como assim não voltei... nós conversamos...- disse debilmente.

-Você se perdeu em sonhos no mínimo.- disse com quase desprezo.- Você sabe o que significa? Um enorme trabalho perdido... se não conseguia ficar acordado, ou se não queria colaborar respondendo as perguntas poderia ter avisado! Um pouco de raciocínio não mata Potter!

Ele não o estaria o olhando assim se tivessem... se fosse... ah, não a frieza do outro era quase furiosa... estava confuso... para não dizer que estava mais do que mortalmente envergonhado do que estava lhe passando na cabeça...

Não retornara? Não haviam se falado? Sonhara tudo aquilo? Sonhara... aquilo?

-Dispensado Potter... vá dormir, parece que anda precisando, não parece capaz de nenhum pensamento coerente... parece ainda estar andando em outro mundo! Se não houvessem coisas urgentes a tratar lhe dava uma detenção!

Achou por bem não discutir, na verdade era melhor, porque o que mais queria era sumir dali, sair de perto do outro... porque não conseguia processar a peça que sua mente lhe pregava... o que sentia de estranheza... levantou-se em silêncio e maquinalmente saiu da sala a passos apressados.

Não chegou a correr porque estava entorpecido... sentindo-se quase estuporado pelo próprio universo.

O olhar obviamente perdido do rapaz confirmava que tinha conseguido sua intenção... era o que tinha que ser feito, voltou a sentar-se e fechou os olhos... fizera questão de tratá-lo como a pior das criaturas para ser convicente...

Estava feito, Potter acabaria se convencendo que havia sonhado com aquilo, culparia sua idade, culparia sua solidão, sua carência, relegaria tudo com vergonha e com o tempo esqueceria.

Talvez agora tivesse algo a mais para esconder, e talvez agora o passasse a encarar com aquele misto de confusão e timidez.

Era a coisa certa a fazer, embora fosse mais um peso a acrescentar ao fardo do rapaz... mas era a coisa certa... seria muito pior encarar as consequências do que havia acontecido... na verdade admitia que ele mesmo não queria encara-las... até porque tinha muito mais a perder...

Estava fazendo a coisa certa. Negando.

Mas porque afinal estava repetindo isso pra si mesmo? levantou-se irritado consigo mesmo.

Não voltou para a cama, sentou-se numa poltrona e agarrou as próprias pernas e ficou ali encolhido na sala comunal... e havia chego na sala comunal tão rápido que se perguntassem não saberia que caminho havia tomado... se tivesse passado por alguém... se tivesse algo para ver... tinha andado de modo automático, havia um estranho sentimento de nervosismo, vergonha e receio... muito parecido com o que tinha sentido no torneio Tribruxo esperando encontrar-se com o dragão.

Não era no entanto por algo a vir, e sim pelo que "lembrava" e ao mesmo tempo a reação dele, de Snape, era tão fria...

-Ele me odeia...- murmurou.- Se fosse real... ele teria me matado...

E no entanto sabia muito bem que não, Snape não o mataria porque havia lhe salvo a vida no primeiro ano, não o mataria por causa de Dumbledore... mas ferraria com sua mente se pudesse? Talvez...

E era a sua própria reação que o angustiava... de certa forma sentia-se atraído, excitado talvez? Por aquilo... e também sentia vergonha e nojo... e sentia que se fosse só um sonho, da sua cabeça...

Não podia ser.

Não queria que fosse só um sonho.

E isso assustava.

Mal reparou que havia amanhecido e assustou-se quando a mão pousou em seu ombro.

-Parece que alguém não dormiu essa noite.

-Mione.- sussurrou sentindo o coração na garganta.

Ela sentou-se o analizou clinicamente, ele teve receio por alguns segundos que ela pudesse ver seus sonhos delirantes... desviou o olhar.

-Que horas são?- perguntou sem interesse algum nas malditas horas.

-É cedo, pensei em acordar cedo para ir a biblioteca antes de saírmos...

-Ah...- exclamou descendo as pernas que só agora se tocava que ainda estava abraçando.

-Harry... ah, você vai não vai?

-Onde?- perguntou a olhando.

-Hogsmeade, Harry! Você esqueceu? Ficamos de encontrar os Gêmeos lá!

-Ah... certo, tá... eu tinha esquecido mesmo...

-Estou preocupada com você...

-Só estou cansado, vou subir, tomar um banho para acordar... acordo o Rony e a gente se encontra no salão...

-Harry!- ela segurou sua mão.- Está tudo bem mesmo?

-Está sim.-disse baixo com um sorriso fraco.

Sem se importar se ela acreditaria ou não, porque não estava... felizmente teria paz por uns minutos para se trocar, pois com certeza estariam todos dormindo... pelo menos alguém dormia tranquilo ali.