SOB UM CÉU VERMELHO SANGUE

32 Eu daria tudo.

"Eu daria tudo pra ter continuado odiando."

"Eu daria tudo para ter mantido a boca fechada."

"Eu daria tudo para sumir, esquecer... morrer."

... "Eu daria tudo... por um beijo... dele."

Pensamentos confusos? Se isso não fosse rotina em sua vida cretina estaria preocupado. Tio Tom resolvera se intrometer na questão e sua cicatriz doía tanto que não conseguia comer, dormir, ou manter uma conversa coerente por muito tempo... queria saber mais que profecias e intimidades da Ordem... queria saber das suas... queria suas memórias, lembranças... se forçou a estudar e ignorar a supervisão mais ferrenha de Hermione e de Rony porquê não? Afinal reparando bem os dois eram quase inseparáveis.

Que inveja. Se bem que agora, sorrindo feito um bobo nada parecia importar...

Estava reforçando feitiços para animar com Gina, era ótimo... como queria viver sob efeito permanente daquele feitiço...

Gina... vou contratar você para me fazer isso todo o dia.- disse encostado na cadeira.

Feitiços para animar consecutivos causam perda de memória e depressão em longo prazo.- disse Hermione.

Gina estava feliz, em feitiços estava certa de que iria bem, só estava penando em poções.O que a fez dizer girando a varinha.

Se eu acertasse o Snape com um desse ele ia deixar de ser rabugento... e talvez largasse do nosso pé Harry.

Hermione o olhou preocupadamente, mas agora, agradecia pelo feitiço, estava animado demais para considerar as palavras da garota... Além do mais Snape voltara a tática do distanciamento, o que infelizmente significara cortar as aulas de oclumência... a única coisa que o preocupava, não que fizesse sentido, afinal, de nada adiantavam, do incidente só restaram as duas detenções dadas por McGonagall, ambas para copiar as regras da escola, ambas tediosas e longas que o preocuparam, afinal enquanto copiava as infinitas regras quase adormecia e uma ou duas vezes se pegou sentindo o prenuncio de uma invasão por parte de Voldmort.

Saíra ainda mais cansado e enjoado da última delas... passou a noite em claro e não conseguiu comer nada o dia inteiro, para desespero de Hermione. Sua aparência andava lastimável... sempre abatido e amassado, parecia eternamente saído de um duelo particularmente difícil. Não que sua vida não parecesse aproximadamente com isso, um duelo com o tempo...

Durante o dia, aulas, Ad e quadribol pareciam entupir seu tempo, a noite... sobrava todo o minuto que faltava durante o dia e por vezes ficava madrugada adentro estudando...

Por tudo que é mais sagrado Harry... vá dormir.- Hermione o cutucou.

Estou sem sono.- disse.

Você está no automático... dá pra me dizer que livro é?

Ah...- sabia que estava quase corando.- Ah... sobre...

Você nem sabe mais o que está lendo... reparou que faz quase meia hora que você parece uma criança do primário soletrando desse jeito?

Corou... certo, estava mesmo com os olhos ardendo.

Anda... vai dormir.- disse ela o empurrando.

Tá certo Mione... porquê você tá acordada?

Agora era ela que corava.

Ah... entendi... entendi.- disse se arrastando para a escada.- Da próxima vez... só me diz que eu saio... mando ele descer?

Harry!

Quando chegou ao dormitório percebeu o silêncio na cama do amigo... sorriu torto, se aproximou e abriu a cortina de Rony de supetão.

Rony enfiou a mão na boca para não gritar... Harry sorriu.

Todo arrumado... tsc,tsc... esses dois monitores não prestam mesmo. ela tá te esperando...

Como assim? Como você sabe...

Hermione quase teve um treco e me enxotou lá de baixo... pode ir... eu vou dormir... só se cuidem hein...

Vá dormir panaca.- Rony se levantou de cara amarrada vendo Harry fazendo caretinhas imitando abraços e beijos.

Boa sorte.- disse rindo.

Eu já tenho.- sorriu Rony ao fechar a porta.

Deitou olhando a janela entre as cortinas, a mente distraída com os amigos vagueou pelo céu escuro cheio de flocos de neve...

Então a dor veio forte. Virou-se... enfiando o rosto no travesseiro, torceu o cobertor com a mão...

Dormia, o que mais fazia desde o incidente, dormia, se queria fugir do mundo ou encontrar seu velho dragão, ter uma visão, desde que Dumbledore disse que iria assumir as aulas de oclumência do rapaz depois do natal... tudo parecia complexo demais.

E nem era medo, culpa, pena... era o nada.O vazio de ter perdido o que tanto lutara para perder.

Sabia que sentiria isso, era a mesma sensação de quando o jogava para fora, quando o maltratava.Sentia-se sujo como antes... quando era jovem e acreditara em mentiras... mas agora fazia a coisa certa.

Potter era um presente que não podia, devia nem merecia ter.

Não estava dormindo, estava se revirando na cama... pensando besteiras... pensando em olhos verdes que na melhor das hipóteses nada deviam significar além de "Menino protegido de Dumbledore...", "Filho de Potter", "Afilhado de Black", "Grifinório."

E não de algo que parecia doer na alma, na carne. Levantou-se fungando irritadamente e indo ao laboratório... teria que preparar a poção para Lupin de qualquer forma... melhor começar agora.

Trabalho era o único refúgio, o tempo sobre o fogo do caldeirão... e agora, até as poções lhe lembravam o rapaz... menino desastrado...

Lembranças... memórias... podia vê-las como estrelas, ou flocos de neve, ou vaga-lumes... muitas imagens poéticas para o pano de fundo em sua mente... estavam ali brilhando e pulsando como vivas... perto elas se abriam, como memórias, as imagens apareciam... lembranças... memórias.

Afaste-se delas.- disse agonizantemente.

O vulto de olhos vermelhos as colhia como frutas... esmagando-as, sorvendo-as, pelo menos as mais importantes ainda estavam distantes... mantidas como que por mera força de vontade.

Mas o esforço para mantê-las lá distantes...

Sabia que em sua cama... l�, parecia em outro mundo, mas era onde estava, não parecia... mas na cama estava se retorcendo... sofrendo em agonia... mas sua mente, essa exausta ainda lutava.

Viu, já estão separados... mente e corpo.

Um jogo de pegar e deixar cair... equilibrar, manter a mente no corpo e nas próprias lembranças... como se fossem dois, três, muitos.

Indefesos.

A profecia, uma indicação... uma pessoa, um ponto fraco... é questão de tempo e saberei algo importante.

Lugares, palavras, pessoas... pessoas... pessoa em especial, sua mente se recusava a se focar, ao mesmo tempo que seu corpo precisava de foco... salvaria-se se pensasse em algo querido, mas cada imagem conhecida era descartada pelo outro.

Não... mais... novidades... informações úteis... questão de tempo.-sibilava Voldmort em seu ouvido afastando cada imagem querida mais conhecida na qual tentava se apoiar...

A esfera de luz fria e com brilho intenso foi capturada por suas próprias mãos... mantida escudada pela própria alma, sua própria consciência.

Porque isso é importante?- a voz perguntou maldosamente sibilante.

Saia daqui!

O que é isso?

Não se aproxime...

É alguém... alguém que você ama.

Se chegar mais perto irá se arrepender.

Alguém cuja identidade você protege tanto... quem é?

A criatura se revela, sua forma algo vermelho, uma serpente talvez? Não... os olhos... imensos olhos vermelhos, as mãos brancas como aranhas pálidas... esticadas para tomar aquilo que é importante.

Acima de tudo, ele não tem culpa de suas falhas... ele corre perigo mais que mortal se descoberto, ele é mais que importante, importante a todos... ele é amado.

QUEM É!

"Eu o amo... apesar de tudo."

"Eu daria tudo para protegê-lo."

As garras se aproximam ávidas como presas num bote.

"Eu daria minha alma, por sua segurança..."

"Mas falhar é um insulto ao seu esforço..."

As presas cravam na alma... e presas ficam.

Voldmort não esperava o contra ataque mental de alguém tão debilitado, mas a fúria do instinto protetor é imensa. Sente sua mente violada, invadida, ferida, e no seu esconderijo urra de dor... mãos pálidas na cabeça, sobressaltando os comensais presentes no local.

No dormitório, em Hogwarts, o grito longo como um uivo desperta toda grifinória... interrompendo o casal de monitores que namoravam na sala comunal... acordando de modo assustador os colegas de quarto de Harry.

Após o grito... o silêncio.