Capítulo 8: Como entender os seres
A verdade foi que a história com Troy Belarus parecia a Mitch uma coisa nova, mesmo considerando-se que Mitch tinha uma amiga e um irmão em Sonserina. E mais: parecia refletir um pouco a situação de Malfoy no Expresso de Hogwarts.
"O que será que o Belarus esconde? E o Malfoy? Qual é o seu segredo?", perguntava-se Mitch, enquanto ajeitava suas coisas para as aulas daquela sexta, que seria, sendo sua primeira semana, as primeiras nas suas duas últimas matérias optativas:
- Bem, vejamos: Trato de Criaturas Mágicas e depois Magia Forense, e em seguida, à tarde, Defesa contra as Artes das Trevas e Poções... Não é o que se pode dizer de um grande dia, mas também não posso me queixar. - disse Mitch, apanhando o Monstruoso Livro dos Monstros (que ele tinha tido a cautela de afagar bem antes de por na mochila) e a sua cópia de Análise Forense de Magias e das Leis dos Bruxos.
Mitch então desceu, acompanhado de Nathan, Carlos, Tim, Dennis e Gustavo Freire, um negro amigo de Carlos e ex-aluno de uma outra escola de Magia, o Liceu Brasileiro de Magia (Cedric Gryffindor, seu outro companheiro de quarto, tinha sérios problemas com animais e nem quis saber da matéria, aproveitando o tempo livre para fazer Estudos dos Trouxas), e encontrou-se com as meninas que iriam estudar a matéria: Olivia, Helen, Nakuru e a surpresa: a senegalesa Wanda Willtaker.
- Willtaker? Você vai estudar Criaturas Mágicas? - perguntou Mitch.
- Por que, McGregor? Alguma coisa contra? - disse Willtaker monocordicamente.
Willtaker era negra, alta, um corpo bem delineado, dentes branquíssimos contrastando com sua pele ebânea, musculatura bem-delineada, mas não masculinizada, e sim bem feminina para os seus poucos 13 anos. E acima de tudo, alta, bem alta, condizente com sua descendência zulu, sendo mais alta que o próprio Mitch. Olhos negros fundos, quase sem pupilas, redondos e levemente saltados das órbitas. Pernas sensualmente grossas e ombros largos com braços também bem torneados completavam seu físico.
Mas o mais interessante sobre ela era o ar de mistério: ela não falava nada sobre os pais (ambos bruxos de sangue puro, informação essa que já fora arrancada a custo pelos demais terceiro-anistas grifinórios) e muito menos sobre si própria. Suas motivações eram, assim como seu passado e seus sentimentos, desconhecidas e seu jeito, sempre misterioso e soturno. Porém, sua lealdade a Grifinória e a Hogwarts era inquestionáveis, mesmo que o seu tom monocórdico discordasse disso.
Willtaker, ao menos até onde todos sabiam, escrevera-se apenas para Trato de Criaturas Mágicas. Nem mesmo para Estudos dos Trouxas, matéria que habitualmente era assinada por bruxos de sangue puro, ela havia se inscrito.
- Nada, só que eu nunca vi você demonstrar interesse por Trato de Criaturas Mágicas... - disse Mitch
- Na verdade, nem para Criaturas Mágicas e nem para nenhuma matéria. - disse Carlos.
- E isso irá fazer alguma diferença, Carlos Jaeger Amaral? - disse Willtaker em seu tom habitualmente monocórdico, ainda mais fleumático que o de Snape, para surpresa de Carlos - ninguém, à exceção de Gustavo, sabia o seu nome completo, coisa que parecia que ele não revelaria nem sob efeito da Maldição Imperdoável Cruciatus.
Uma das habilidades mais estranhas de Wanda parecia ser a capacidade que ela tinha de observar, memorizar, coletar e processar informações. Na verdade, Wanda era uma das pessoas mais bem-informadas de Grifinória, e talvez até mesmo de Hogwarts. Foi a primeira a saber que Lupin era um lobisomem, com exceção de Mitch, Harry, Rony e Mione, só de coletar comentários, opiniões e diz-que-diz-ques que surgiam em todos os lugares de Hogwarts. Talvez isso tornasse Wanda temida por todos, o que explicava uma outra característica esquisita sobre ela: ela não tinha nenhum amigo conhecido em Hogwarts. Parecia sempre andando com alguns alunos da Corvinal, mas mesmo eles a consideravam mais "respeitável" que uma amiga.
Mitch não sabia o que dizer sobre Wanda: a única certeza que Mitch tinha era que aquilo não era uma máscara. Talvez ela fosse naturalmente fleumática, talvez ela fosse uma pessoa que, embora tendo sentimentos, não conseguisse os expressar. Mesmo assim, Wanda era ainda misteriosa, e isso sempre foi um motivo de estranheza naqueles três anos em que aqueles grifinórios conviviam juntos.
Mitch e seus amigos começaram a atravessar os gramados do jardim de Hogwarts em direção à cabana do guarda-caça e professor de Trato de Criaturas Mágicas Rúbeo Hagrid, que ficava na orla da Floresta Proibida.
- Mitch... - disse uma voz ao lado dele.
- Ah, Helen. - disse Mitch - Puxa, desculpe. Acho que eu...
- Não, não é nada disso! É que eu percebi que você está preocupado com a Wanda...
- Helen, ela já chegou a comentar alguma coisa com vocês? Vocês dormem no mesmo quarto, não?
- Sim, mas a verdade é que ela não comenta muito sobre si própria. É como se ela guardasse uma verdade da vida para si própria, sei lá... Ela é misteriosa até demais!
- O que foi, McGregor? - perguntou Willtaker.
- Wanda, por que você não fala nada sobre você?
- E o que isso mudaria aqui?
- Acho que poderia fazer as pessoas terem menos medo de você...
Mitch sentiu-se culpado de dizer isso, ao ver que os olhos de Wanda liberaram uma única e significativa lágrima. Aquela lágrima solitária foi sinal para Mitch: ele tinha avançado o sinal com Wanda.
- Desculpe, Wanda.
- Por que será que é tão difícil deixar alguém em paz... - disse ela, sempre monocórdica.
Mitch não sabia nem o que responder: por algum motivo, seu Sangue Auror, seu dom de percepção das pessoas, não tinha nenhum efeito. Ele não falhava: simplesmente não funcionava de forma e em hipótese alguma. Aquilo deixava Mitch intrigado, enquanto terminavam a descida para a cabana de Hagrid.
Claro que também vinham chegando alunos das outras casas, entre os quais Mitch reconheceu pessoas como os gêmeos Wittlesbach, Augustin e Fiorucci, Troy Belarus, Erika Stringshot e Galahad Starshooter. Claro que Starshooter fazia piadinhas, sempre acompanhado em tudo por seu dois "gorilas particulares" Dennis Elminster e Nicolas Flanders, mas sempre recebia cortadas violentas de Sally Wittlesbach, o que impressionava a todos, que achavam os lufanos naturalmente passivos, e de Teo Fiorucci, para olhar de desaprovação de seu irmão.
Nos fundos da cabana, havia uma espécie de picadeiro, aonde Hagrid aguardava a todos:
- Bem, bom dia! - disse Hagrid, sempre bombástico - Vamos então ver algumas criaturas interessantes hoje, não é gente? Bem, escolhi uma coisinha que deve agradar vocês. Esperem um momentinho.
Hagrid entrou na Floresta Proibida, e começou a voltar com alguns cães enormes. Eles tinham pelugem negra e pareciam mastins gigantescos, com olhos espectrais em branco. Mitch parecia tranqüilo, mas muitos não estavam assim: para falar a verdade, apenas Mitch e Wanda pareciam tão tranqüilos.
- Bem, vejamos então quem pode me dizer o que são eles...
Mitch e Wanda ergueram a mão, mas Wanda foi mais direto ao assunto, no seu tom habitualmente monocórdico:
- Church Grims. Cães espectrais que podem tornar-se materiais. Protegem as igrejas cujas comunidades são respeitosas com os bruxos. Uma pessoa que não o seja pode ser atacado por eles. Podem causar na pessoa um medo tão intenso que ela se torna incapaz de mexer o corpo, atacar com garras em suas patas e com o poderoso rabo preensível, dotado de pelos especiais que podem tornar-se rijos como o aço sob comando, formando farpas altamente cortantes. São extremamente inteligentes, naturalmente dóceis e podem até mesmo serem treinados para responderem a comandos comuns, como "pare", "lute" e "ataque".
- Muito bem, Willtaker. São 20 pontos para Grifinória por isso. Bem, hoje veremos como cuidar dos Church Grims. Portanto, vamos começar com alguns voluntários. Alguém?
Mitch ergueu a mão, junto com Helen, Carlos, Erika, Nathan e Nakuru. Os seis entraram no picadeiro e começaram a cuidar dos Church Grims, que exigiam um trato de qualidade: Mitch quase teve problemas, pois não tinha mãos muito adequadas para alisar com carinho um cachorro de quase 1,65 m. de altura. Mas ele conseguiu com calma e jeito pegar a amizade daquele cachorro gigantesco.
Em seguida todos os outros alunos entraram e começaram a tentar cuidar dos Church Grims. Conforme iam conseguindo, até mesmo faziam pequenas brincadeiras. Sally Wittlesbach, com um talento nato para animais deu um show em todos, fazendo o seu Church Grim fazer proezas como responder a quase todos os comandos simples que podiam ser ensinados a um cachorro.
Foi quando:
- Se... controla... seu... cachorro... pirado...
Mitch virou-se e viu Wanda se engalfinhando em uma luta contra o seu Church Grim, que parecia enlouquecido de raiva contra a garota. Mitch conseguiu perceber que a menina já tinha sido atacada no rosto de forma que ficaram algumas marcas feias. Mitch pegou sua varinha e apontou para o cachorro, pensando no que fazer:
- Não, Mitch! - gritou Helen - Se você errar, vai machucar a Wanda!
Mitch percebeu que, realmente, os dois, o Church Grim e Wanda Willtaker estavam engalfinhados de forma muito poderosa, sem demonstrar o mínimo de vontade de ceder um milésimo de milímetro que seja um ao outro. Wanda estava, pela primeira vez, demonstrando algum sentimento: raiva, ódio com aquela criatura, sentimento que era recíproco do Church Grim para Wanda.
Foi então que Mitch percebeu que teria que fazer alguma coisa mais séria, e ele pensou em uma idéia:
- Nathan, você conhece algum Feitiço de Sono?
- Sim, mas não é muito funcional. Podíamos estuporar os dois e resolver o problema... - respondeu Nathan.
- Não, nada de estuporamento. Estou falando de sono mesmo...
- Certinho...
Nathan pegou sua varinha, apontou para os dois e disse:
- Morphierus!
Uma pequena nuvem de poeira caiu sob os dois combatentes, que foram ficando mais e mais lentos, mais e mais vagarosos, até que os dois foram a nocaute. A nuvem de poeira, então, desapareceu:
- Quanto tempo esse feitiço dura?
- Uns 15 minutos, mas dá a sensação de que a pessoa dormiu por algumas horas. Vamos ter tempo de separar os dois, com tranqüilidade.
- Ótimo. Vamos então fazer isso! - disse Mitch.
Mitch, porém, percebeu que isso era mais fácil de falar do que de fazer. Os dois eram muito pesados e não era fácil tirar nenhum dele de cima do outro: eram pesados e fortes, sendo difícil até mesmo para Mitch e seus amigos deslocarem-os, separando-os. Foi necessária a ajuda dos gêmeos Wittlesbach e de Teo Fiorucci, para que Wanda e o Church Grim fossem separados. O Church Grim foi levado por Hagrid de volta para a Floresta Proibida, enquanto Mitch, Helen, Carlos, Erika, Nakuru e Nathan cuidavam de Wanda Willtaker:
- Como ela está? - perguntou Mitch.
- Veremos. - disse Erika - Revelae Vitallis!
Erika fez aparecer os aparelhos que mediam as estatísticas vitais de Wanda:
- Ela está bem, só os efeitos do Feitiço de Sono estão presente. Está dormindo como um anjinho.
- Então ela vai ficar legal? - perguntou Hagrid, que havia acabado de retornar da Floresta Proibida.
- Claro. Ela só está dormente...
- Tudo bem! Mitch, Erika, vocês cuidam dela para mim? - disse Hagrid - Os demais, de volta à aula!
Todos voltaram a cuidar de seus Church Grims, enquanto Mitch e Erika cuidavam de Wanda Willtaker, que, ao começar a despertar, olhou para Mitch e perguntou, ainda embriagada pelo sono:
- O que foi...
- Tivemos que colocar você e o Church Grim para dormir, senão vocês iam se matar...
- Obrigada, McGregor! - disse Wanda, com um sorriso.
- Tudo bem, Wanda. E pode me chamar de Mitch...
Novamente uma lágrima solitária, desta vez de alegria, correu pelo rosto da senegalesa Wanda Willtaker. E isso mostrava a Mitch que ele tinha quebrado o gelo com Wanda.
