Luz Embaixo D'Água por Maya

Capítulo 3

No Pub

So walk with me, talk with me

Tell me your stories

I'll do my very best to understand you

You're flesh and blood

Harry dissera a Ron e Hermione que sim, aquele era o Malfoy - ele queria falar com ele sobre o incidente do lago.

Harry não disse mais nada à eles.

Ele não queria mentir para eles, não estava com vergonha, mas sentia que... a questão toda era frágil. Tudo estava indo muito bem por enquanto, mas adicione Ron ( a Razão pela qual Ruivos Ganharam a Boa Fama) à mistura e Draco Malfoy se tornaria um ponto no horizonte. Um ponto no horizonte apontando para Harry e Ron dizendo: "Eles tentaram me matar, Professor Snape!"

Harry não queria que isso acontecesse. Harry surpreendeu-se com o quanto ele não queria que isso acontecesse.

Não era que Malfoy houvesse sido agradável. É claro, um Malfoy doce, benevolente, mandaria Harry correndo para o Dumbledore gaguejando sobre Polyjuice Potion. Malfoy havia sido o menino mimado e maldoso de sempre, quase chegando a hostil e passando de insultoso.

Mesmo assim, as coisas haviam ido bem.

Por algum motivo, isso deixava Harry feliz.

Harry não havia falado com Ron e Hermione sobre a situação por mais um motivo. O motivo incompreensível de que ele se sentia... meio possessivo quanto à questão.

Havia muito tempo ele não tinha nada só para ele que a mídia não pulasse em cima, que Ron e Hermione não soubessem enquanto mantinham seus próprios segredinhos "de casal".

Ele tinha um pressentimento de que eles ficariam bastante chateados quando descobrissem.

Ele não contou, mesmo assim.

E no café-da-manhã, no dia seguinte, vendo Malfoy entrar e Blaise Zabini colocar uma mão em seu cotovelo, encorajando-o a sentar-se ao seu lado, Harry sentiu uma pontada do mesmo sentimento possessivo.

O que você acha que está fazendo, Zabini? Não há necessidade de ser chiclete.

Harry Potter, o Menino que Enlouqueceu.

- Estou tão feliz que você não parece estar tão deprimido ultimamente, Harry - disse Hermione.

- Deprimido? - replicou Harry distraidamente, olhando Malfoy sentar-se ao lado de Zabini.

- Por que eu estaria deprimido?

Voldemort. A guerra. Cedric. A pena repressora à sua volta. A culpa entorpecente.

Ah... isso.

Eu esqueci, pensou Harry meditativo, Eu esqueci.

Hermione demonstrou aprovação:

- Por motivo nenhum. Você está certíssimo, Harry.

Eu nunca deveria esquecer, pensou Harry. Mas esqueci, e me senti bem fazendo-o.

- Vamos, Defesa Contra as Artes das Trevas é a primeira aula - disse Ron - Será que é o Lupin ou o Sirius que vai dar aula?

Harry levantou-se, ajudando Hermione com sua bolsa abarrotada de livros.

Deixando o salão, ele viu Malfoy e Blaise Zabini em meio a uma animada discussão. Ele leu os lábios de Malfoy dizendo "Mágica Criativa" e quase sorriu, observando o interesse fingido de Zabini.

Um impulso o fez parar ao passar pela mesa Slytherin e dizer:

- Oi, Malfoy.

Pansy Parkinson, Crabbe, Goyle e Zabini lançaram olhares de Morra, Potter, Morra! em sua direção.

Malfoy, plácido, como se não estivesse cercado de lobos sedentos de sangue em forma humana, pegou um pedaço de torrada e respondeu:

- Bom dia, Potter.

Harry sentiu uma espécie de triunfo maldoso ao ouvir essas três palavras, que levaram Ron e os Slytherins a engasgar de incredulidade.

É claro, depois daquilo ele teve que dar mais explicações, pois Ron estava a ponto de declarar que Voldemort havia tomado Polyjuice Potion e se transformado em Harry e portanto devia ser exterminado imediatamente.

- Eu apenas decidi ser mais amigável - disse Harry enquanto eles se dirigiam à aula de Defesa Contra as Artes das Trevas - Eu quero descobrir o que foi aquele negócio do lago.

- Bem, é, isso dá pra entender - concordou Hermione, em sua compulsiva busca por conhecimento - Mas realmente, Harry, Malfoy...

Ron estava quase cuspindo:

- Eu não consigo entender! Aquilo foi claramente um esquema dos Slytherins! Você confia demais, Harry. Aqueles Slytherins não são como nós. Eles são monstros, eu digo, loucos, ferozes...

Ele interrompeu sua pantomima para cumprimentar o Professor Lupin.

- Oi Professor. Eu estava pensando se seria você ou o Sirius. Não está chegando perto da... - ele fingiu estar uivando para a Lua.

- Por favor, sentem-se - disse Lupin com um sorriso indulgente.

- Certo - continuou Ron - Onde eu estava?

- Me dizendo como os Slytherins são monstros loucos e ferozes - respondeu Harry - Mas aí você se distraiu com o Lobisomem.


Harry checou seu relógio e não pôde acreditar.

Os minutos estavam se arrastando e Malfoy não aparecia para o almoço.

Perdendo refeições o tempo todo, pensou Harry. É assim que se fica doente.

- Por que você está tão agitado, Harry?

- Eu não estou agitado! - exclamou Harry indignado. Hermione deu de ombros e mordeu sua maçã.

Talvez Malfoy estivesse doente. Ele certamente era pálido o bastante.

Madam Pomfrey devia prestar mais atenção nessas coisas. Vitaminas deviam ser providenciadas. Aquelas masmorras provavelmente eram prejudiciais a pessoas delicadas.

Harry remoeu esses pensamentos por horas, até o momento em que foi surpreendido pela chegada de Malfoy ao lago, descendo pela grama, uns vinte minutos atrasado - a imagem cuspida da saúde.

- Vem, Potter - ele disse brevemente, voltando por onde viera.

Harry correu para alcançá-lo, para seu próprio desprezo.

- Ei, Malfoy. Você está atrasado. Pra que você acha que existe educação?

Malfoy parecia entediado:

- Eu acho que ela existe pras outras pessoas. Vamos.

- Onde nós estamos indo? - perguntou Harry desconfiado.

- Eu não vou convidar a morte pegando ar naquele lago - informou Malfoy - De qualquer forma, ontem eu notei que você tinha problemas de coerência. Então nós estamos indo pro Pub.

- Pro Pub? E isso é pra me fazer mais coerente?

- Oh, sim. O álcool te dá uma incrível sensação de falso conforto - Malfoy assegurou-lhe.

- É verdade que eu preciso de conforto, estando na sua companhia... onde você está indo?

- Pra escola - disse Malfoy prontamente - Tem uma passagem secreta que leva a Hogsmeade atrás da estátua da...

- Bruxa de um olho só - terminou Harry vagarosamente - Como você sabe?

Malfoy ficou todo convencido:

- Eu juntei as peças quatro anos atrás - ele respondeu - Weasley não estava falando sozinho na entrada de Hogsmeade. Ele não é sutil, aquele seu garoto. E presumi que você tinha tomado algum atalho através da escola naquela sua Capa de Invisibilidade... e eu o encontrei.

Então ele faz o mesmo, pensou Harry. Ele se esforça para me expor. Eu importo para ele do mesmo jeito.

O que ele disse foi:

- Você sabe sobre a minha Capa?

Malfoy disse com escárnio:

- Não, Potter, eu realmente pensei que estava alucinando. É claro que eu sei, e da próxima vez que a gente for no Pub você pode levá-la.

- Da próxima vez...? Eu nem concordei em ir dessa vez!

Harry dava passadas largas atrás de Malfoy, sentindo-se mais e mais como um cachorrinho levado para passear. Malfoy não disse palavra até eles chegarem ao corredor onde estava a estátua.

Então ele deu uma olhada rápida por trás dos ombros, e disse casualmente:

- Eu não acho que você absorveu a situação de todo, Potter.

Harry sentiu um murro por trás das costelas, como se alguém houvesse cutucado o seu peito com força.

- O... o que você quer dizer?

- Eu não aceitei você como meu amigo pra eternidade, você sabe - o sorriso de Malfoy era frio como neve inesperada - Eu sou perfeitamente capaz de te levar de volta pra loja se você não servir.

Harry sentiu o início da indignação:

- Você quer dizer que se eu não for beber com você...

O brilho de dentes brancos:

- Exatamente.

Harry estava para dizer a Malfoy onde ele podia enfiar a sua "amizade", e sugerir que ele enfiasse mais uma varinha e uma vassoura no mesmo lugar, quando algo inexperado aconteceu.

Malfoy notou que ele estava com raiva, e sorriu.

Charme não era algo que Harry associasse a Draco Malfoy, mas no entanto...

Harry sentiu o impulso de piscar.

Para Malfoy, a maioria dos seus atos era calculada. Sorrir era uma arte.

Uma arte terrivelmente sutil. A luz crepitava gradualmente através da face pálida e fria, fazendo os seus olhos brilharem como o Sol sobre a geada.

Ele estava ali, em pé, no corredor vazio, sorrindo aquele sorriso rico e ladino, até que Harry foi obrigado a piscar.

No momento em que Harry abriu os olhos, o sorriso esvaíra-se. Harry sentiu a obscura picada do desapontamento.

- Vamos logo, Potter - Malfoy tentou persuadi-lo - Eu adiei o meu dever de casa de Mágica Criativa pra ir beber com você.

- Oh, estou tão honrado - disse Harry, com mais fraqueza do que sarcasmo.

- E deveria estar.

Malfoy virou-se e continuou andando, na completa convicção, não infundada, de que Harry o seguiria.

- E aí você pode me contar todos os seus segredos sórdidos - ele adicionou satisfeito.

Malfoy feriu-se com o olhar cético que recebeu de Harry:

- O quê? Eu te conto os meus!

- É - disse Harry secamente - Mas Slytherins adoram se gabar dos seus feitos

malignos. A troca não me parece justa.

Malfoy olhou para Harry rápido, com surpresa, mas depois deu de ombros e riu.

A risada ecoou atrás deles enquanto eles entravam atrás da estátua.


- Malfoy, essa pergunta é pessoal!

- Então a resposta é "ninguém", certo?

- Malfoy, você às vezes é um completo blastardo.

Harry apertou os olhos pois as luzes no Three Broomsticks pareciam muito mais brilhantes do que quando ele havia chegado.

Péraí, a última palavra não havia soado direito...

- Você está mamado, Potter - Malfoy disse divertido.

Harry se concentrou no rosto de Malfoy. No começo ela era apenas uma mancha dourada, misturada à lâmpada que emprestava brilhos prateados aos seus cabelos e olhos, mas depois de alguns segundos a imagem dissolveu-se em um sorriso.

- Eu não estou, não - disse Harry com dignidade. Ele estava achando um pouco difícil formar palavras.

- Depois de três cervejas, Potter... Seu peso-pena.

Malfoy havia bebido pelo menos cinco, e estava apenas um pouco mais relaxado. Esses Slytherins precisavam ser vigiados.

- Responde à pergunta, Potter - exigiu o babaca imperioso - Essa enrolação não é coisa de homem.

- Oh... está bem... duas.

Malfoy engasgou na bebida.

- Oi, Potter, seu Gilderoy Lockhart.

- Cala a boca, Malfoy!

- Mas péraí. Você está falando de beijinhos de tia solteirona no rosto? Foi de língua?

- Malfoy, você não pode perguntar coisas assim... não com a primeira.

Malfoy estava fraco tentando segurar a risada.

- E quem foi essa pobre desafortunada?

- Cho Chang - respondeu Harry com relutância - No quinto ano.

Harry lembrava-se claramente daquele momento. Cho Chang havia chamado-o para um canto, e dito a ele que não conseguia lidar com as memórias - que ela iria tranferir-se para Beauxbatons no sétimo ano, adicionando que ela não culpava Harry. E enquanto ele olhava abstraído para aquele belo rosto, ela inclinou-se e beijou-lhe suavemente a boca.

Ele havia esperado tanto por aquele momento, e quando aconteceu...

Ele degustou a pena nos lábios dela, a caridade pressionada contra a sua boca. O beijo de Cho Chang oferecera-lhe o mesmo que todo toque e palavra durante aquele ano.

Cho afastara-se e ele olhara aquele rosto, com o qual havia sonhado, uma vez mais, e desejou desolado nunca vê-lo novamente.

Draco Malfoy assoviou.

- Chang? Nada mal, Potter... e deixa eu ver, a segunda. Aquele rumor sobre a Ginny Weasley é verdade?

- Sim - respondeu Harry com relutância.

Aqueles poucos beijos embaraçados com Ginny. Ele ainda se sentia culpado, por usar a irmãzinha de Ron para tentar diluir a solidão. Ele tentara tanto querê-la, querer algo, no sexto ano...

Não havia dado certo. Ele sentira como se Ginny fosse sua própria irmãzinha...

Lembrando-se dos Weasleys e da atitude geral de Malfoy em relação a eles, Harry levantou o rosto com rapidez:

- Você vai fazer algum comentário sobre os Weasleys? - ele exigiu.

Malfoy estava vagamente surpreso:

- Não. Eu sempre tive uma queda por ruivos. A sua Weasley, é claro, sendo uma notável exceção.

- Oh? - Harry estava intrigado - Agora é sua vez, Malfoy, quantas?

- Er... - Malfoy piscou - Espera um minuto.

Ele começou a fazer cálculos furiosos em seu guardanapo.

Ora, realmente. O Snape devia começar a prestar mais atenção à moral de seus estudantes.

- Quem foi a sua primeira então?

- Ah - Malfoy pediu mais uma rodada - Pansy Parkinson, terceiro ano. Você se lembra de quando a minha jovem vida quase foi tirada por aquele Hipogrifo? Ela entrou correndo na Enfermaria e se jogou em cima de mim. Eu praticamente entrei em choque.

- Você não estava tão chocado assim - comentou Harry, sorrindo - Você foi com ela ao Yule Ball no quarto ano.

- Bem - Malfoy deu de ombros - Ela me chamou.

Você não podia deixar de quase admirar a cara lavada de Malfoy.

- O quê? - perguntou Malfoy, vendo a sobrancelha levantada de Harry - Malfoys sempre esperam ser chamados. Ah, e aqui está o número.

Ele entregou o guardanapo a Harry.

Deus do Céu.

- E tem tudo isso de gente na escola?

Malfoy deu um sorriso sacana.

- Se você contar a equipe.

- Ergh!

Malfoy começou a rir da cara que Harry fez. Malfoy estava rindo bastante essa noite, por sinal.

É claro, ele devia estar meio bêbado.

- Existe vida fora da escola, Potter - ele adicionou depois que se acalmou.

Madam Rosmerta veio até Malfoy e entregou-lhes suas bebidas com um brilho divertido nos olhos:

- Vocês não acham que já beberam o bastante?

- Rosmerta! - Malfoy estava ultrajado - Você me conhece melhor do que isso. A noite é jovem e eu também. Nós vamos ficar bem mais bêbados até a hora de ir.

Harry preocupou-se de que se ele ficasse mais bêbado, andar estaria além das suas capacidades.

- Você é terrível, Draco Malfoy - ela suspirou, colocando mais dois copos na mesa - E está tentando corromper o pobre e inocente Harry Potter. Você me deixa horrorizada.

- E você adora! - Malfoy exclamou para as costas dela e então virou-se para Harry dando um sorriso maroto - Mulher bacana. Ela se recusou a me servir no terceiro ano e eu dei em cima dela. Ele disse que eu fui o mais novo a tentar.

- Malfoy, você tem certeza de que não é alcólatra?

- Eu - Malfoy informou em tons excelsos - Não sou o que está bebendo ilegalmente. Eu fiz dezoito em Janeiro.

- Você não tinha dezoito no Baile - murmurou Harry.

- E nem você. E pára de responder pros mais velhos. Umm, bem, eu tinha outra pergunta, mas já que você só beijou duas pessoas eu acho que ela já está respondida.

- O que? ...Ah - para o seu horror, Harry sentiu as bochechas avermelharem-se furiosamente - Malfoy!

Malfoy riu e recostou-se contra a parede:

- Pobre e puro Harry Potterzinho...

- Cala a boca! E quantas milhares incontáveis você colecionou, então?

Os cantos da boca de Malfoy levantaram-se:

- Milhares incontáveis? Desabuse-se da idéia de que todos os Slytherins são pecadores depravados. Ela é apenas... umm... oitenta e nove por cento verdadeira.

- Quantas, Malfoy? - para sua surpresa, Harry percebeu que estava genuinamente curioso.

Malfoy meditou.

- Me devolve aquele guardanapo.

Harry riu, balançou a cabeça, e encheu mais um copo.

Malfoy acenou com a cabeça, aprovando:

- Eu sabia que você não era tão beato - Malfoy comentou - Realmente, você pega as regras da escola e dá nelas com um marretão e todo mundo age como se você fosse um anjo.

Harry levantou as sobrancelhas:

- E o que você acha?

- Eu acho que anjos não ficam bebuns em Bailes, é o que eu acho. Eu também já vi você tendo pensamentos profanos de me dar na cara. Não... você tem uma veia larga de bastardo sacana - a expressão calmamente analítica de Malfoy foi transformada em um sorriso afetado - É por isso que eu resolvi te dar uma chance.

- Estou fora de mim - disse Harry secamente.

Era certamente uma novidade. Ninguém nunca havia esperado que Harry se comportasse mal antes.

- Eu vou tentar pensar em um ato maligno à altura.

Malfoy não gostou dessa idéia:

- Não seja absurdo, você é um noviço. Seja razoável. Faça do meu jeito.

Harry estava ficando convencido de que Malfoy devia estar bastante bêbado. Seus olhos tinham um brilho selvagem, e a sua franja pálida estava levemente desarranjada.

Harry tinha controle limitado de suas funções motoras, e estava num bar bebendo com um Malfoy de julgamento comprometido.

Isso estava ficando interessante.

- Já sei! - anunciou Malfoy - Vamos cantar no karaokê!

Harry encarou o rosto deleitado à sua frente.

- Você é insano...

- E é muito mais divertido - Malfoy assegurou-lhe. Ele se levantou com uma agilidade graciosa que Harry não poderia ter copiado nem sóbrio, e foi tentar arrastar Harry do seu banco.

Foi aí que Hagrid apareceu no Pub, e Malfoy desapareceu para debaixo da mesa.

Hagrid avistou Harry olhando para os próprios joelhos estupefato, e aproximou-se.

- Oh, não - disse Malfoy baixinho.

Harry segurou o riso desesperadamente.

- Olá, Harry! - Hagrid cumprimentou-o com o mesmo calor meio desconfortável de todo Gryffindor. No momento os seus olhos escaneavam o levemente instável Harry e a mesa com dois copos:

- Eu só vim tomar um drink - ele continuou - A Olympe não gosta muito, então eu só vim rapidinho... er... Harry... - ele abaixou a voz para um tom conspiratório - Eu estou interrompendo algo?

Harry olhou para o nada por alguns instantes, até que a luz bateu na sua mente.

Uma obscenidade bem baixinha soou debaixo da mesa.

Harry apressou-se em tossir.

Infelizmente, Hagrid interpretou o gesto como confirmação embaraçada.

- Ah... desculpa Harry... ela está no banheiro, não?

- Umm - fez Harry.

Hagrid acotovelou-o de forma amigável, quase jogando-o do seu banco.

- Fico feliz em saber, Harry. Já era hora de você começar a se divertir um pouquinho mais.

- Vendo-se que você não tem vida - disse uma voz baixa da região dos joelhos de Harry.

Harry resistiu a ambos os impulsos de rir histericamente e chutar Malfoy.

- Eu já vou, então - retumbou Hagrid - Não quero envergonhá-lo. Eu vou tomar apenas um drink. Só me diz uma coisa, Harry... - e lhe deu outro cutucão massivo - Ela é bonita?

- Er - foi a resposta de Harry.

- Extremamente - disse a maldita voz debaixo da mesa.

Hagrid afastou-se amigavelmente. Assim que ele virou as costas, Malfoy emergiu, meio amarrotado, agarrou Harry e arrastou-o para fora do Pub.

O ar da noite veio como um choque enorme para Harry, que se concentrava em ficar de pé reto.

Os olhos de Malfoy ainda tinham o brilho febril, mas fora isso ele estava pálido e parecia aliviado:

- Escapei!

Harry piscou:

- O que você quer dizer com isso?

- Ah, eu morro de medo dele - disse Malfoy candidamente - Desde que eu me lembro. Soltando animais ferozes em cima da gente e nos dando livros sangüinários. Sem mencionar o tamanho atemorizante.

Harry estava aturdido. Malfoy, que sempre havia sido friamente aristocrático perto de Hagrid, por quem Hagrid era secretamente intimidado.

Isso o deixou intrigado. Que tipo de pessoa reagia ao medo daquela forma?

Malfoy piscou, pensativo:

- Ai, saco. Eu acho que nunca teria admitido algo assim se estivesse sóbrio - ele deu de ombros, num gesto que pareceu bizarramente fluído para a visão fraca de Harry - Já era, agora. Sempre há o risco de se deixar algo incriminante escapar.

Harry sentiu-se um pouco afrontado:

- Eu não estou procurando pontos fracos para atacar, Malfoy.

Malfoy inclinou a cabeça para um lado, os cabelos, iluminados por um poste de luz, rivalizando a meia-lua:

- Você faz isso em Quidditch - ele observou - Sinal de um bom jogador.

- Aquilo é diferente. A vida não é um jogo.

Malfoy sorriu aquele sorriso irritante de novo:

- Ah, não?

Nesse ponto, Harry estava muito ocupado tentando permanecer em pé para responder.

- Cuidado, Potter. Desmaiar na sarjeta deve ser reservado a alcólatras de verdade. Aqueles que fizeram por merecer.

- Você me ajudaria se eu caísse na sarjeta? - inquiriu Harry, que duvidava se poderia continuar de pé.

- Quem você pensa que eu sou? Eu ia rir até cair da sua cara.

Oh, excelente.

Frente a essa alternativa, Harry saiu cambaleando para frente. Ele se surpreendeu com o advento da perfeita quietude amigável.

Malfoy, aquele maldito, estivera certo sobre o álcool. Maldito Slytherin devasso.

- Então você me levou pra beber - Harry achou-se comentando - O que está no menu pra amanhã, um bordel?

Qualquer outra pessoa ficaria horrorizada ao ouvir a sugestão de Harry.

Malfoy riu.

- Fala sério - ele repreendeu Harry - A gente tem que guardar alguma coisa pra quinta.

Eles fizeram a caminhada instável de volta para a escola.

Harry tentava andar em linha reta com esforço. Malfoy desviou-se de vários postes.

Eles se separaram no corredor. Harry hesitou, tentando achar algo apropriado para dizer.

Finalmente ele decidiu-se por:

- Mesma hora amanhã?


No dia seguinte Harry acordou com a impressão distinta de que havia sido tudo um sonho.

Sair pra beber com Malfoy? Era bizarro demais.

Então ele tentou se sentar e a ressaca atingiu-o como uma Bludger.

Oh. Então era verdade.

Com muito, muito cuidado, Harry levantou-se. Aí a voz de Ron soou no seu ouvido:

- Harry! Onde você esteve? A gente tava louquinho aqui.

Harry retraiu-se:

- Seria possível você... não falar tão alto?

- Você está horrível - observou Ron com a honestidade revigorante que fazia-o tão bem amado por todos os círculos do inferno.

- Bem, eu me sinto horrível. Eu estou co-ordenado - o sarcasmo de Harry tinha origem na amargura. Os botões do seu pijama pareciam estar grudados nos buracos.

- Harry você está com aparência de alguém que... de alguém que passou a noite inteira bebendo.

- A noite inteira não.

As sardas praticamente pularam do rosto de Ron:

- O quê! Onde você esteve, com quem... oh não, Harry, não vai me dizer que foi com o Malfoy?

- Pode ter sido, meio que, o Malfoy - Harry admitiu.

Ron respirou com força pelo nariz, o vermelho de seu rosto chocando-se violentamente com seu cabelo.

Então ele agarrou o braço de Harry.

- Péraí, eu tenho que me vestir... - protestou Harry, esforçando-se para entrar nas vestes. Ron esperou com mal-controlada impaciência.

- Onde nós estamos indo? - perguntou Harry, caminhando atrás de Ron, sentindo-se distintamente frágil.

- Falar com a Hermione - disse Ron - Ela é melhor do que eu em fazer o discurso rígido maternal.

- Sabe, Ron, ele não é tão m...

Ron virou-se para ele, levantando o indicador.

- Não até encontrarmos Hermione!


- ... não acredito que você foi tão irresponsável, Harry, num dia da semana! Como você vai prestar atenção na aula? Diz que pelo menos fez o dever de casa, Harry...

- Dever de casa é uma ova! - uivou Ron - E o Malfoy?

Isso estava acontecendo havia um tempo. No começo, o Great Hall estava vazio, mas agora uma boa quantidade de Gryffindors tentava escutá-los com níveis variados de sutileza.

Harry havia afundado em seu assento, o café-da-manhã ao nível dos olhos.

- Ah, sim, Malfoy - Hermione reprovou - Pelo menos ele fez o dever de casa primeiro?

Ron fez o barulho de uma chaleira prestes a explodir.

Hermione suspirou:

- E Harry, eu sei que você está curioso quanto à questão toda do Torneio. Mas isso não é razão para deixar o seu dever de casa de lado pra passar tempo com um mala que nem o Malfoy. Nós podemos pesquisar na Biblioteca. Mas, é claro, você é um agente livre e pode fazer o que quiser.

Harry e Ron olharam para ela incrédulos.

- Olhe pelo lado bom, Ron - disse Hermione pragmática - Se Harry passar qualquer quantidade de tempo com aquele idiota, vai perder o controle e pular no pescoço dele. Daí você vai poder coletar as suas apostas.

Harry levantou-se de súbito, ignorando a pontada de dor na cabeça:

- Apostas? Que apostas?

- Bem, você se lembra da última partida de Quidditch entre Slytherin e Gryffindor?

O campeonato de Quidditch não havia sido cancelado esse ano pois todas as casas haviam implorado para que os jogos continuassem.

- Você e o Malfoy pareciam que iam pular um no outro - continuou Hermione placidamente, passando manteiga em seu pão - Ron começou a pegar apostas de que você ganharia. Probabilidades favoráveis também, porque o Malfoy tem a fama de brigar sujo.

Harry se sentiu levemente insultado.

- Ron ficou extremamente desapontado - informou-lhe Hermione com voz serena - Mas isso só vai pra mostrar, né? Quer dizer, você nunca fica violento com mais ninguém. Você não suporta o garoto. Não vai conseguir agüentá-lo por muito tempo.

Harry teve que admitir que o ponto era válido, mas mesmo assim não queria concordar.

- Ninguém conseguiria - assegurou-lhe Hermione, afagando seu braço - O Malfoy é insuportável, como eu fico repetindo pra Lavender. Ele não me engana com aquele jeito de menino bonito.

- Bonito! - cuspiu Ron.

Harry lembrou-se da pergunta ignorante de Hagrid e sorriu. Ron estava tendo um ataque apoplético.

- Vamos - disse Hermione - É melhor a gente ir pra aula.

Eles estavam saindo do Great Hall quando Malfoy apareceu, andando preguiçoso, nenhum cabelo loiro fora do lugar - como se houvesse dormido como um anjo a noite inteira.

Ron, que ia na frente como um foguete, chocou-se contra ele.

- Não precisa se apressar desse jeito, Weasley - debochou Malfoy - A frase "tempo é dinheiro" não é literal, você sabe.

- Malfoy! - exclamou Harry.

Hermione apertou os olhos com desagrado.

Malfoy passou direto.

- Eu reconsideraria essa sua história de amizade, Harry - disse Ron mal conseguindo controlar a fúria - Na verdade, eu reconsideraria toda a idéia de que "assassinato é errado" nesse caso.

Harry mordeu os lábios.

Ele estava com raiva de ter ficado surpreso, quando ele sabia exatamente como Malfoy era. Malfoy apenas agira como sempre... e Harry estava com raiva por ter-se deixado esquecer e quase gostar do bastardo.


Harry estava exausto.

Ele havia defendido Malfoy para Hermione e Ron o dia inteiro, o que era um tanto problemático pois ele basicamente havia concordado que não havia desculpa para o comportamento de Malfoy. Ele também queria ter uma discussão séria com Malfoy sobre Ron.

De qualquer forma, ele não estava nem um pouco disposto a desistir dessa... estranha forma de amizade. Ele até sentia antecipação, meio envergonhado, pensando sobre o que Malfoy teria planejado para essa noite.

A noite anterior havia sido... interessante.

E não havia muito que ele achasse interessante ultimamente.

Harry escaneou a paisagem cinzenta procurando por uma cabeça loira, dentro dele a centelha da estranha ansiedade.

Malfoy não estava lá.

E, pelos próximos quarenta e cinco minutos, ficou muito claro que ele não iria aparecer.

Estava frio no lago.

A raiva crescendo em Harry manteve-o aquecido.

No momento em que ele partiu com passadas largas para a escola, a raiva estava vermelho-escaldante.