Luz Embaixo D'Água por Maya
Capítulo 4
Descubra Quem Você
You said the air was singing
It's calling you, you don't believe
These things you never see
And never dream
Os planos de Harry de arrastar Malfoy pra um canto e dar-lhe uma lição de jeito foram frustrados pois ele, novamente, andava cercado de Slytherins para onde fosse.
Ele era extraordinariamente popular - considerando-se o fato de que ele era um babaca sacana e sem consideração que marcava compromissos e não dava as caras!
Apenas a perspectiva de dar uma bronca em Malfoy induziu Harry a aparecer no lago no dia seguinte.
Ser forçado à essa indignidade deixava-o ainda mais irritado.
A última gota foi a visão de Malfoy, sentado perto da margem do lago, levantando-se para ir embora assim que viu Harry.
- O que te atrasou, Potter? - exigiu Malfoy.
Ele parecia completamente livre de qualquer sentimento de culpa.
Aquele foi o limite.
- Onde diabos você estava ontem à noite?
Malfoy ergueu uma sobrancelha pálida, parecendo estar levemente surpreso com a pergunta:
- Eu estava jogando baralho na minha sala comunal.
- Por que? - perguntou Harry bruscamente, percebendo através de sua raiva que ele estava na verdade... chateado.
Malfoy não estava mais tão indiferente:
- Porque os meus colegas de casa me pediram, e eles são Slytherin.
- E daí? - Harry atirou a pergunta raivosa pra cima de Malfoy.
Malfoy, que claramente havia ensaiado todo o decorrer da cena, pegou-a no ar com graça:
- E daí que eles sempre vem primeiro - ele retrucou - Você não entende, não é? Bem, eu estou deixando claro.
- Deixando claro - repetiu Harry friamente.
Malfoy começou a andar com as mãos atrás das costas, o rosto apático:
- A minha posição.
Você quer dizer na beira de um lago com uma lula gigante dentro?
- Do que você está falando? - explodiu Harry.
- É uma questão de lealdade. Eu devo a minha lealdade aos Slytherins. Porque é assim que deve ser.
E o que isso tem a ver com faltar compromissos?
- Por que? - Harry achou-se, para sua surpresa, perguntando, ao invés de chutar Malfoy pra dentro do lago.
Malfoy parou e virou-se para ele de repente. O vento soprava seus cabelos prateados para trás e seu rosto parecia menos confiante sem a presença daquela moldura brilhante.
- Você já ouviu alguma coisa ruim sobre Slytherin?
- Se já ouvi? Eu já disse coisas ruins sobre Slytherin - Harry contou-lhe - Vocês são uns bastardos trapaceiros em Quidditch.
- Oooh, e os Gryffindors são inesperadamente evasivos. Você sabe muito bem do que eu estou falando... a opinião geral de que a casa Slytherin é um campo de treinamento para Comensais da Morte.
Harry sabia que a expressão em seu rosto traíra-o, então não disse nada.
Mas ele se lembrou: Não havia uma bruxa ou bruxo transviado que não fosse Slytherin.
A expressão de Malfoy estava sob muito melhor controle. Harry não encontrou emoção alguma enquanto observava-o.
- Dá pra ver que sim. Bem, Potter, isso é uma guerra, e você sabe como os preconceitos explodem durante guerras. Cada vez que uma pessoa desaparece as pessoas afastam-se mais de Slytherin. E nós não reclamamos pra ninguém. Nós não damos uma de bonzinhos com as outras crianças, porque ser bonzinho não é divertido. Nós somos Slytherins, e isso quer dizer que nós somos maliciosos e não somos de confiança... mas nem todo Slytherin tem um desejo ardente de se tornar ajudante do Dark Lord.
- Eu nunca disse que você tinha - disse Harry com a memória desconfortável de ter implorado ao chapéu, Slytherin não...
- É mesmo? - inquiriu Malfoy - Você nunca disse uma palavra? Nunca deu ouvidos a esse tipo de conversa? O pensamento não teria entrado na sua cabecinha pura de Gryffrindor?
Slytherin fedido.
Por que não botar logo todos os Slytherins pra fora?
Harry ficou quieto.
- Como eu pensava.
Essa conversa não estava indo nada como Harry havia planejado.
- Isso não significa que você pode...
- Te decepcionar? - Malfoy sorriu - Significa sim. Que eu posso. Que eu vou. Que eu quero. Ficou claro, agora?
- Como cristal. Vocês Slytherins tem que se unir, então você vai me tratar que nem lixo a hora que quiser.
Harry esperou algum tipo de negação. Ao invés disso, Malfoy direcionou-lhe um estranho sorriso, e fez que sim com a cabeça devagar.
- Bem... - disse Harry - A perspectiva não me parece agradável.
- Ah, sei não... - retrucou Malfoy - Você também não tem que ser particularmente legal comigo. Eu nunca coloquei um prêmio muito alto na consideração. Chegue atrasado, seja grosso, nem apareça. Estou te oferecendo uma chance de não dar uma de bonzinho com as outras crianças, pra variar.
Ele sorriu de novo, meio safado, mais relaxado:
- Se não tem apelo pra você então se manda. Eu sei que eu não sou uma pessoa fácil de am... - ele parou, considerando - ser amigo.
Harry pensou no assunto.
Ele não esperava que o... confronto se desse assim. Ele havia antecipado, e até pressentido, uma briga de moleques entre Gryffindor nervosinho/Slytherin sacana.
O que quase havia acontecido, mas... Malfoy tinha certa razão.
Harry conhecia os Slytherins. Eles andavam em gangues. Eram ferozmente partidários - e isso incluía o Snape.
Malfoy estava sendo justo - de forma torturante. Ele quis dar o aviso a Harry. Malfoy sempre havia sido honesto sobre sua posição.
Harry não tinha certeza de nada. Mas ele era, afinal de contas, um Gryffindor. Gryffindors se atiram de penhascos sem pensar.
E também, ele estava intrigado. Se ele virasse as costas agora, a curiosidade provavelmente o mataria.
Harry sorriu de volta:
- Você é uma pessoa quase impossível de ser gostar, Malfoy. Mas eu acho que estou pegando o jeito.
Malfoy parecia entediado:
- Agora que tirou isso do sistema, anda logo.
- Malfoy, eu não vou pro Pub de novo... eu me senti podre o dia inteiro ontem.
- Ir pro Pub de novo? - Malfoy sentiu-se afrontado - Que espécie de bastardo previsível você acha que eu sou?
Antes de conseguir responder, Harry balançou a cabeça.
- Não, nós vamos pro campo de Quidditch.
Harry olhou em volta para o crepúsculo concentrado no céu. Considerou o fato de que ainda estava meio abalado pela ressaca anterior.
Ele olhou para Malfoy e levantou as sobrancelhas:
- Tá, tudo bem, se você ainda não cansou de ser humilhado.
- Vamos, Potter, me mostra o que você tem.
Harry olhou para Malfoy sem compreender. Malfoy devolveu o olhar com expectativa, a postura impecável, como se fosse um fidalgo numa leitura de poesia, e não um garoto num campo de Quidditch fazendo exigências bizarras.
- Sinto muito, mas...?
Malfoy suspirou:
- E devia sentir mesmo. Vamos, mostra o que você sabe.
Harry não sabia bem o que fazer. Malfoy havia acabado de alegremente (e aos olhos de Harry, com muita competência) arrombar a sala de equipamentos de Quidditch, pego duas vassouras, jogando uma para Harry, e voado para o campo de Quidditch mandando Harry...
Fazer o quê, exatamente?
Harry jogou sua vassoura no chão e sentou-se no outro extremo do banco.
- Malfoy, do que diabos você está falando?
- Voar - respondeu Malfoy perplexo, ruguinhas se formando entre suas sobrancelhas - Você sabe... brincar com a sua vassoura.
Harry ficou escandalizado demais para se importar com a aparência de Malfoy quando estava reflexivo.
- Malfoy, se você está sugerindo...!
As sobrancelhas de Malfoy atingiram as beiras de sua franja:
- Deus do céu, Potter, vocês Gryffindors tem uma imaginação febril! Deve ser ficar dentro do quarto jogando xadrez que faz isso com vocês - ele fez uma pausa, afastando uma mecha que havia sido deslocada pelo vento com um leve sorriso - Xadrez forçaria qualquer um a pensar em safadezas.
- Não acho que haja necessidade de te forçar, Malfoy - disse Harry cauteloso - Agora você poderia por favor me dizer do que estava falando?
Malfoy estava muito ocupado sorrindo maroto para Harry pra fazer qualquer outra coisa.
Harry achou que amizade devia envolver menos querer dar tapas em Malfoy.
Mesmo depois que parou, Malfoy insistiu em continuar nos mesmos tons:
- Dá até pra ver a Granger e o Weasley, passando o tempo durante as horas do inverno. "Assim, baby, me dá um check-mate, com força!" - a careta instintiva de Harry fez Malfoy dar de ombros - Você é um chato. Oh, vamos... você nunca deu uma voadinha quando era criança?
- Não, Malfoy. Fui criado em um lar Muggle, lembra-se? Nós usamos vassouras pra varrer sujeira.
O sorriso de Malfoy era incrédulo:
- Que bizarro... embora eu preferrise varrer sujeira a voar em algumas vassouras que andam usando por aí - ele deu de ombros novamente, o gesto de "deixa pra lá" do menino mimado que Harry conhecia tão bem - É, mas você deve ter voado um pouquinho. Você conhecia Quidditch.
- Er... não, eu não conhecia.
Malfoy virou-se para ele, fazendo um gesto de "como é que pode?".
Harry notou mais uma vez que Malfoy se comunicava muito com as mãos. Ele gesticulava o que queria dizer com tanta facilidade e brilhantismo tanto como quando fazia suas pequenas imitações cruéis.
- Mas... quando a gente se conheceu na loja de vestes, eu comentei sobre Quidditch e você disse que não jogava. E na primeira aula de vôo aquela obviamente não foi a sua primeira vez numa vassoura...
- Foi sim... - interrompeu Harry.
A chama bruxuleante da emoção tingiu o rosto de Malfoy por um segundo:
- Sério? Eu me ressenti daquela suposta mentira por anos - ele fez uma pausa e refletiu sobre algo - Potter... qualquer coisa que eu tenha dito pode ser interpretada como um cumprimento?
- Acho que pode sim.
- Vamos fingir que não pode. Eu não faço cumprimentos - Malfoy levantou-se batendo as mãos, que Harry não podia conceber estarem empoeiradas - Agora... se você nunca fez isso antes, eu vou ter que te ensinar - ele suspirou como se martirizado - Você é tão incrivelmente cansativo, Potter. Está bem, então... me segue e vê se não cai.
Harry pegou a vassoura e sentiu o peso dela nas mãos, aquela conhecida onda de auto-confiança invadindo-o:
- Não se preocupe, eu não vou cair. E se você der sorte, eu posso até tentar te pegar se você cair.
- Eu, cair! Eu não fui criado por Muggles.
- Não, e você também não foi o seeker mais jovem do século.
Malfoy levantou as sobrancelhas, como se pego de surpresa. O que ele disse, foi:
- Você vai ver, Potter... isso não é exatamente Quidditch.
Com isso, ele agarrou sua vassoura e saiu pelos ares.
Harry havia se esquecido que Malfoy se movia como uma cobra.
Ele o seguiu.
Era um dia de ventania, e Harry teve que apertar os olhos para poder ver o outro.
Ele estava indo muito, muito alto. Normalmente não se voava muito alto em Quidditch - seria contraprodutivo, pois o Snitch aparecia sempre perto do solo e nunca muito acima dos aros.
Harry começou a ficar nervoso quando percebeu que não estava enxergando bem não só por causa dos cabelos, mas por causa das nuvens.
- Malfoy! - ele gritou - A gente está alto pra cacete!
- Com medo, Potter? - Malfoy gritou de volta.
- É ruim, hein! Mas essas vassouras são da escola... Fred e George me contaram que algumas vassouras da escola vibram se forem alto demais!
No que Harry podia interpretar a expressão de Malfoy, ele parecia interessado.
- Eles mencionaram quais?
- Malfoy!
Malfoy deu de ombros, sorriu e virou de cabeça pra baixo em sua vassoura.
- Malfoy! - Harry fez um movimento pra baixo e encarou o rosto demente e invertido de Malfoy.
Ele estava rindo.
- Vai, Potter, experimenta...mas segura firme!
Harry hesitou. Ele não era louco o bastante pra tentar isso.
Ou talvez ele era.
Ele experimentou.
O mundo inteiro estava abaixo dele, bem abaixo dele, e por um momento Harry teve intensa vertigem. Havia apenas as suas mãos segurando firme para salvá-lo, ele estava alto demais...
Era muito excitante.
Harry lembrou-se de que estava em uma vassoura. Ele podia qualquer coisa em uma vassoura.
Malfoy viu que ele estava pegando o jeito e, sendo o bastardo sádico que é, trocou para outra coisa.
- Nada mal, Potter - ele disse, virando-se de volta para cima - Que tal isso?
- Malfoy, pára com isso! Você vai cair!
Malfoy estava equilibrando-se em pé sobre sua vassoura, um olhar de intensa concentração no rosto.
Nunca que Harry ia tentar isso. Tudo bem pro Malfoy, ele era gracioso em terra. Harry pensava ser mais do tipo Krum - era apenas gracioso sentado em uma vassoura.
- Difícil demais pra você, Potter?
- Não nessa vida!
Foi nesse ponto que Harry entendeu que os professores que diziam que ele era irresponsável tinham certa razão.
Eu não quero fazer isso, ele pensou enquanto se apoiava nos joelhos. A vassoura deu um tranco alarmante. Eu não quero fazer isso, eu não...
Ele se levantou, largando a vassoura.
A vassoura ainda flutuava pra frente, e ele estava a uma tremida ou um movimento de cair livremente. Ele estava aterrorizado, os braços estendidos pela quantidade patética de equilíbrio que proporcionavam, as vestes chacoalhando-se ao vento.
- Eu acho que eu vou morrer! - ele gritou.
Malfoy riu:
- Está se divertindo?
- Muito!
- Oh, meu cabelo - disse Malfoy com arrependimento algum tempo depois, quando estavam de volta ao solo - É a pior coisa de voar, meu cabelo...
Ele tentava sem sucesso amansar as mechas que cercavam seu rosto, um pouco como um halo bagunçado.
Harry suspeitava que ele próprio devia estar parecendo um porco-espinho, mas ele não ligava. Ele estava ofegante e suado, mas aí Malfoy também estava. Ele havia ficado na cola dele. Achava que havia se saído bem.
Parecia que Malfoy achava o mesmo, pois este lhe lançou um olhar aprobatório:
- Não foi nada mal, Potter. A primeira vez que tentei aquele truque eu estava a uns dez centímetros do chão.
Harry ficou de queixo caído. Malfoy continuou sem remorso:
- Ora, é claro que sim. Aquilo é perigoso pra caramba. Você acha que eu sou algum idiota suicida?
- Na verdade... - disse Harry numa voz estrangulada - Sim. Eu estou a dois segundos de te matar de pancadas com a minha vassoura.
Malfoy não se abalou:
- Um pouco de prática, Potter, e você aprende a manipular um pau direito.
- E um pouco de prática, Malfoy, e você talvez consiga me vencer em Quidditch - Harry revirou os olhos.
Malfoy era a figura da dignidade:
- Eu realmente não posso me rebaixar a esse bate-rebate infantil com você.
- Desde quando?
- Ah, sai fora, Potter. Eu te vejo amanhã - Malfoy estava pensativo - Eu acho que a gente vai fazer algo que não envolva danos ao cabelo.
- Slytherins são tão vaidosos - observou Harry - E com tão pouca razão.
Malfoy fez cara feia:
- Vai escovar o cabelo, Potter. Você parece um porco-espinho.
No dia seguinte, um pensamento ocorreu a Harry, quando ele estava quase pra sair.
Estou te oferecendo uma chance de não dar uma de bonzinho com as outras crianças, pra variar.
Não era tanto por isso. Era que... Harry não podia simplesmente aceitar o comportamento do Malfoy. Ele nunca havia aceitado nenhuma sacanagem vinda do Malfoy.
Ele também queria saber se Malfoy tinha falado sério.
Vagarosamente, Harry colocou a capa de volta no lugar, e então adentrou a sala comunal.
- Ron? Tá a fim de jogar Exploding Snap?
Ron concordou com alegre rapidez, que Harry tinha certeza não estaria presente se ele não estivesse passando tanto tempo com Draco Malfoy.
Então ele permaneceu no calor aconchegante da sala comunal, e o fato de que ele poderia estar em outro lugar com outra pessoa, que ele tinha certeza queria-o lá, fazia tudo muito mais saboroso.
O jogo de Exploding Snap foi meio interrompido pela discussão animada de Harry e Ron, sobre como o último havia finalmente aprendido a dar o Wronski Feint. Ele era o chaser mais entusiasmado mas menos tecnicamente habilidoso do time.
Hermione, lendo o último livro que adquirira perto da lareira, revirou os olhos quando eles chegaram ao terceiro replay:
- Mulheres do mundo Muggle reclamam sobre homoerotismo e a obssessão masculina com o futebol - ela comentou - Elas deviam tentar viver em um mundo onde o esporte de escolha tem quatro bolas e os jogadores estão montados em símbolos fálicos voadores.
Ron engasgou.
- Snap - disse Harry, tirando vantagem do momento de fraqueza do outro.
Ron se recuperou, mas olhou para ambos com uma expressão magoada no rosto.
- E mesmo que esteja trapaceando, Harry - ele continuou, depois de reprendê-los - É bom ter você de volta.
- É, nós dois gostamos muito de você - disse Hermione, sorrindo por sobre seu livro - Não consigo imaginar porque.
- Não seja boba - retrucou Harry - Vocês são meus melhores amigos.
- E é bom que você não se esqueça disso - admoestou Hermione - Eu ainda não acredito que você está passando tempo com Malfoy de livre e espontânea vontade. É puro masoquismo.
- Ah, sei lá - disse Harry, mostrando uma carta - Ele até que não é mau.
- Eu ainda digo que é algum truque - disse Ron, fazendo uma careta de desagrado - Você não pegaria ele sendo nem meio agradável com ninguém mais.
Harry considerou essas palavras.
- Aí está uma idéia.
- O que... que idéia? - Ron pareceu vagamente em pânico.
- Ah, nada - Harry mostrou outra carta - E falando nisso, Snap!
Assim que a fumaça se dissipou, ele sorriu:
- E o jogo é meu.
No dia seguinte, Harry se dirigiu ao lago dererminado a esperar apenas cinco minutos.
Para sua surpresa, Malfoy chegara primeiro. Suas longas vestes negras contrastavam com uma calça jeans e camiseta, mas como ele era Malfoy, ele vestia o conjunto maravilhosamente bem.
- Me deixou esperando, hein - ele disse.
- Desculpa eu não ter aparecido ontem - disse Harry, sentindo-se provocado a causar uma reação - Eu tive que passar tempo com os Gryffindors.
Malfoy não reagiu.
- Ah, você não apareceu? Eu não notei. Vem, Potter...
- Não.
Malfoy levantou uma sobrancelha interrogativa.
- A gente sempre faz o que você quer - explicou Harry - Eu quero escolher.
Uma sombra caiu sobre a expressão de Malfoy:
- Eu gosto de sempre fazer o que eu quero.
- Eu reparei - disse Harry secamente - Vamos, Malfoy.
- Onde você quer que eu vá?
- Bem - Harry parou - É assim. O Ron disse que você não é nem meio agradável com mais ninguém...
- O que? - explodiu Malfoy - Que descaramento!
Harry balançou a cabeça com prudência:
- Então eu achei que deveríamos provar que ele está errado.
- Mas com certeza. Como ele ousa, eu sou um Malfoy, eu fui criado pra ter maneiras impecáveis... - Malfoy continuou balbuciando coisas do tipo enquanto Harry guiava-os até seu destino.
Quem sabe, pensou Harry. O medo poderia ser curado de ambos os lados, e poderia... você sabe... ajudar a provar que o Malfoy era uma pessoa pelo menos um pouco decente. Poderia ser bom pra ele.
E tinha o potencial de ser extremamente divertido.
- Eu vou mostrar pra ele, aquele... - Malfoy olhou para cima, e seus olhos se arregalaram de medo - Potter, o que nós estamos fazendo aqui?
- Provando que você pode ser decente - respondeu Harry inocentemente.
- Não, aqui, não vai dar não! Não, absolutamente não! Me solta agora!
Harry agarrou o braço de Malfoy e bateu na porta da casa de Hagrid ao mesmo tempo.
Hagrid abriu a porta quase imediatamente e olhou para Harry, que determinado segurava Malfoy, este debatendo-se ferozmente.
- Oi - ofegou Harry - Posso entrar pra tomar um chá? Eu trouxe um amigo.
Harry empurrou Malfoy pra dentro da casa.
O rosto de Malfoy estava branco sob a luz do hall de entrada de Hagrid.
Do canto dos lábios, ele disse:
- Potter, você vai morrer por isso.
- O que foi, Malfoy? Assustado?
Malfoy apertou os olhos:
- Oh, mal e mal.
- Então prova.
Hagrid ainda olhava para eles com extremo espanto. Harry viu os olhos de Malfoy subirem até o rosto de Hagrid, a trajetória inteira até lá em cima.
Ele também viu a curva instintiva se formando no canto dos lábios do outro rapaz.
Vamos, Malfoy...
Malfoy impediu o sorriso zombeteiro de se formar com visível esforço.
- Casa bonita - ele disse com traços quase imperceptíveis de desdém - Er... relativamente falando. Comparada à cabana.
A casa era bonita, na verdade. Quando Beauxbatons esgotou-se ao ponto de fechar, Madame Maxime insistira em uma casa.
Malfoy pensou se esse era o Malfoy tentando ser simpático. Não parecia tão diferente do Malfoy das outras horas.
Hagrid olhou para Harry como quem diz: O que diabos ele está fazendo aqui?
Harry tentou mostrar-se despreocupado.
Hagrid limpou a garganta:
- Er... então é melhor vocês entrarem.
- Obrigado - disse Harry rapidamente, agarrando a camisa de Malfoy e impelindo-o para frente.
- Pára de me manobrar, Potter - Malfoy disse com um silvo - Eu disse que ia provar que Weasley estava errado e ainda pretendo fazê-lo.
Ele soltou-se com um puxão e entrou na sala de visitas, onde Madame Maxime estava sentada ao lado do berço.
Malfoy jogou os cabelos para trás e uma expressão determinada dominou seu rosto, a mesma que Harry conhecia dos jogos de Quidditch.
A expressão usada por Malfoy quando estava pra cometer uma falta espetacular.
Ele deu um sorriso brilhante, caminhou até Madame Maxime, e beijou-lhe a mão.
Deus meu! O que diabos ele está planejando?
- Muita gentileza sua me receber - disse Malfoy, olhando profundamente nos olhos dela.
Madame Maxime ficou vermelha:
- Encantada.
Harry arregalou os olhos.
- Você quer ver o bebê? - perguntou Madame Maxime, ainda um pouco rosada.
- Com prazer - respondeu Malfoy com suavidade.
Isso estava virando uma lovefest.
Ela colocou o bebê nos braços de Malfoy. Uma marca de grande favor.
Malfoy quase caiu. Ele lançou um olhar que dizia ajude-me! a Harry e este, segurando um sorriso, foi ajudar Malfoy a segurar o bebê.
- Adivinhe a idade dela - disse Madame Maxime, olhando para a criança com ternura.
- Er... quatro - chutou Malfoy.
- Você é esperto, não? Ela tem exatamente quatro meses.
- Meses? - disse Malfoy, ainda vacilando sob o peso - Quero dizer, ãn... eu sou bom em adivinhar.
- Minha garotinha - murmurou Madame Maxime.
- E que garotinha linda ela é! - disse Malfoy de forma conquistadora.
Hagrid suavizou-se visivelmente. O que significa que ele olhava para Malfoy como a maioria das pessoas olha para um blast-ended skrewt, antes dele picá-las.
Hagrid era apaixonado pela filha, apesar de ela não possuir presas afiadas e cabeças extras.
- Sentem-se, ambos, e tomem um chá - convidou Madame Maxime graciosamente.
Malfoy entregou o bebê com gratidão. Quando eles sentaram-se em torno da mesa para o chá, Harry pegou-o discretamente tentando massagear a vida de volta a seus braços.
- Os bolos endurecidos estão com a cara muito boa , Mad... Sra Hagrid - disse Harry.
Ele tinha que começar a se acostumar com o nome. Eles estavam casados, afinal, fazia um ano e meio. Não havia levado muito tempo para ele se acostumar à culinária aperfeiçoada na casa de Hagrid.
- Me chame de Olympe - ela pediu - Vocês dois.
- Que nome lindo - disse Malfoy.
Não levo mais ele pra lugar nenhum.
- Vem tomar um chá, Ruby - disse Madame Maxime.
Malfoy tentou esconder um sorriso por trás de sua caneca.
Hagrid ficou um pouco vermelho.
- O Ruby adora chá - continuou Madame Maxime, sua voz tornando-se um pouco mais dura - Ele não bebe nenhuma outra coisa.
Hagrid começou a ficar tristonho. Malfoy tentava desesperadamente sufocar a risada com a caneca.
- Deve ser um grande conforto pra você - ele disse com a voz estrangulada - Conte-me, Olympe, você pretende visitar a França num futuro próximo?
- Não tenho certeza - respondeu Madame Maxime - E isso me traz grande tristeza. A França é um país tão belo.
- É, não é? - concordou Malfoy - Eu fui a Bordeaux verão passado com a minha mãe.
Madame Maxim ficou animada:
- Você já visitou a França?
Malfoy e Madame Maxime começaram uma conversa entusiasmada sobre a França. Harry não conseguiu segurar um sorriso para Hagrid.
Hagrid alegrou-se, e tomou a oportunidade para uma conversa particular:
- Recebi uma carta de Charlie Weasley no outro dia - ele disse - Norbert é o líder de sua manada agora. Dilacerou outro dragão pra conseguir a posição - ele adicionou com orgulho.
- Er... que legal, Hagrid.
Malfoy inclinou a cabeça na direção deles:
- Esse é o dragão que vocês tinham no primeiro ano? - ele perguntou em tons coloquiais - Ele era maravilhoso.
Harry piscou:
- Você... você gosta de dragões?
- Oh, sim. Meu pai me ensinou tudo sobre eles. É de onde vem meu nome, Draco. Ele amava eles também - disse Malfoy - Bem, foi por isso que eu não entreguei vocês de cara. Eu queria dar outra olhada nele. Era um Norwegian Ridgeback, certo?
Hagrid derreteu-se mais ainda:
- Sim.
- Acho que são meus favoritos - contou-lhe Malfoy.
Harry relaxou. Com o que ele estava se preocupando? Afinal, Hagrid gostava de criaturas perigosas.
- Voltem logo, sim? - disse Madame Maxime à porta, seus olhos fixados com aprovação em Malfoy.
Hagrid ainda parecia ter suas dúvidas, e Harry não podia culpá-lo, mas ele limpou a garganta e ascedeu:
- É, acho que vocês podem, e tal.
Quando a porta se fechou, eles ouviram Madame Maxime dizer claramente:
- Que amor de garoto.
Malfoy olhou para a porta com ar triunfante.
- Conte isso pro Weasley - ele ordenou a Harry - Ha Ha. Acho que minhas maneiras foram perfeitas.
- E quando o Hagrid te ofereceu algo que ele mesmo havia cozinhado e você disse: "tá tentando me matar, cara?"
- Lapso momentário.
- Ah, sei.
- Não que eu vá te perdoar por fazer isso comigo - continuou Malfoy - Pra começar, eu acho que aquela criança me aleijou. Como você se sentiria se eu te levasse pra fazer uma visitinha ao Snape amanhã?
- Você não vai fazer isso, vai? - perguntou Harry horrorizado.
- Claro que não, eu gosto do homem. Por que eu iria afligi-lo com a sua companhia? - Malfoy estava pensativo - Não, eu tenho outra coisa em mente pra amanhã.
- O quê? - perguntou Harry apreensivo.
Malfoy deu um sorriso angelical:
- Você vai ver.
- A Floresta Proibida? Você está doente. Você está absolutamente maluco e delirante. Eu não acredito que estou fazendo isso.
- É a minha vez, e eu escolho - disse Malfoy obstinado, medindo a Floresta de maneira relaxada - E eu estou com vontade de dar uma caminhada em meio à natureza.
- Caminhada em meio à natureza? Malfoy, você se lembra da última vez que estivemos na Floresta?
- Bem, sim. Mas acho improvável que o Dark Lord esteja vagando pela Floresta nos dias de hoje. Ele anda um tanto ocupado, se você não percebeu.
- Tem outras coisas perigosas lá dentro. E se a memória não me falha, você tem a tendência de sair correndo berrando feito uma menina em momentos de crise.
- Ao contrário de ficar paralisado de medo? É, isso é muito mais sábio... eu achei que você estava bem atrás de mim, seu idiota. E eu não estava berrando feito uma menina - Malfoy olhou em torno para a Floresta como se fosse sua propriedade - Foi um... grito masculino.
- Certo...
Harry sorriu e seguiu Malfoy, que avançava Floresta adentro. Ele estava começando a perceber que Slytherins tinham idéias muito estranhas sobre o que constituía diversão.
Não que Malfoy tivesse estado exatamente errado quanto ao que constituía diversão.
Até agora.
- Você começa a pensar porque eles construiriam uma escola bem ao lado de uma floresta agourenta - disse Malfoy casualmente - Acho que eles são de opinião que uma certa quantidade de medo congelante ajuda a reforçar o caráter.
Harry pensou que se o caso fosse esse, o seu caráter devia ser impressionante.
Na verdade, a Floresta era bem menos assustadora do que ele se lembrava quando criança. A luz empalidecida fazia com que as folhas parecessem quase transparentes, jogando suaves sombras esverdeadas por sobre a superfície pálida dos cabelos de Malfoy.
Harry relaxou uma fração.
- É, acho que não é tão mau aqui.
Malfoy ficou metido.
- Eu é que tenho lembranças ruins daqui. Aquelas aranhas gigantes que tentaram comer eu e o Ron...- Harry estremeceu.
Malfoy não estava mais metido.
E também parou de andar.
- O qu gigantes?
- Er, aranhas.
- Tá mentindo.
A face de Malfoy estava pálida. Pode ter sido a imaginação de Harry que o pintou mais pálido nesse momento.
- Você está falando sério - disse Malfoy, encarando-o - Seu maníaco! Como pôde deixar eu entrar aqui?
- A idéia foi sua...
- Não era eu quem sabia sobre os aracnídeos sanguinários!
Malfoy deu meia volta e começou a caminhar ganhando velocidade.
Harry tentava não rir:
- E aquela história de que medo reforça o caráter?
- Meu caráter já está reforçado o bastante - disse Malfoy agressivo - E além do mais...
Ele parou, ouvindo. Harry ouviu o barulho de folhas sendo pisadas atrás dele e viu os olhos cinzentos de Malfoy esbugalharem-se.
- Abaixe-se!
