Luz Embaixo D'Água por Maya

Capítulo 6

Expedições

The serious stuff, and the light-hearted

Looking in your eyes and I'm just getting started

Tell me your secrets, all your hopes and wishes too

I want to know everything there is to know about you

Harry Potter observava Draco Malfoy há anos.

É claro, ele nunca percebera até agora, mas era um fato. Ele tinha memórias de escanear a mesa Ravenclaw procurando pelo rosto de Cho, mas sua queda havia provado ser bem mais efêmera que seu ódio por Malfoy. Harry nunca começava um ano sem procurar por Malfoy em meio às multidões no trem e na mesa Slytherin. Ele não conseguia relaxar enquanto aquela odiada cabeça loira não fosse avistada, e ele podia se sentar, com o inimigo localizado, e encará-lo por um minuto.

Ele não tinha percebido até agora. Agora que ele estava experimentando esse conceito novo de amizade ele podia notar o quanto ele já sabia sobre o dia-a-dia de Malfoy. Era incrível como ele podia ver mais ainda agora que seus olhos não estavam mais semi-cerrados.

O padrão da vida de Malfoy era que não havia padrão nenhum. Às vezes ele aparecia para o café num horário respeitável, mas quando o fazia era sempre com um ar severo.

De vez em quando Pansy e Blaise Zabini arrastavam-no para o refeitório, tentando forçá-lo a comer enquanto ele exigia café, de mau-humor. Na maioria das vezes, ele simplesmente não aparecia. Ele não era uma pessoa diurna, e perdia refeições demais.

Mas Harry conseguia discernir um certo padrão. Ele mesmo o formou. Toda manhã, quando Malfoy aparecia, Harry sempre passava pela mesa Slytherin e dizia bom dia. E Malfoy sempre respondia, embora não se voluntariasse para cumprimentá-lo primeiro.

E toda Sexta-Feira, Malfoy chegava um pouco atrasado para o café, mas com os olhos brilhando e alegria mal-disfarçada, falando sem parar e comendo quantidades quase obcenas de comida.

Harry não entendia o porquê, até que arrancou de Hermione que Mágica Criativa era a primeira aula sexta de manhã.

Toda vez que Malfoy recebia um pacote com doces de casa, ele tinha um padrão bem visível de comportamento. Ele abria os pacotes lindamente embrulhados com cuidado, devagar, lançando olhares sádicos para os seus escravos Crabbe e Goyle. Então, com um movimento exagerado, ele despejava os doces caros em seu prato.

Isso feito, ele jogava a cabeça para trás e observava toda a mesa Slytherin, assegurando-se de que tinha a atenção de todos. Ele era sempre o príncipe caprichoso e arrogante, distribuindo doces para aqueles merecedores, deliberadamente e com malícia.

Quando ele via que alguém estava de olho em um doce particular, ele o comia, presunçoso. Harry não gostava de assistir a essa demonstração, mas o fazia mesmo assim - e sorria.

E ele ficou meio decepcionado em ver, depois dessas semanas de amizade, o padrão ser quebrado.

O correio chegou durante o café-da-manhã numa quinta. A coruja-águia com pedigree de Malfoy sobrevoou a mesa Slytherin com a mesma graça preguiçosa de seu dono, cada batida de suas asas declarando que ela não nascera para fazer movimentos desastrados, muito obrigado.

Harry a viu antes de Malfoy, apesar de ele não ter demonstrado surpresa quando ela pousou. Mas quando ele viu a carta ele hesitou.

Harry percebeu que Malfoy nunca recebia cartas. Haviam os pacotes usuais com doces, e até os presentes caros e de bom gosto ocasionais... Harry não se lembrava de ele ter recebido cartas antes.

Exceto que agora ele segurava uma, e virava-a nas mãos, seu rosto um vazio cuidadoso, como se não soubesse ao certo que emoção mostrar. Ele jogou a carta no colo de Pansy, indiferente, preocupado e... sim, isso era ajaz incomum.

Malfoy pareceu tomar uma decisão. Ele se ergueu vagaroso, e agora haviam emoções passando brevemente por seu rosto. Havia uma certa apreensão e abatimento. Harry continuou olhando para o outro enquanto ele passava pelas mesas, dirigindo-se à saída. Harry pensou se deveria ficar preocupado.

Então os olhos de Malfoy acenderam-se na direção de Harry. Ele deu um sorriso breve e luminoso:

- Bom dia.

É claro. Uma coisa que Harry devia ter aprendido nesse negócio do Malfoy era que às vezes quebras no padrão eram bem-vindas.


Apesar do cumprimento de Malfoy tê-lo reconfortado, Harry continuou se lembrando do choque no rosto dele, manuseando a carta de forma atrapalhada.

Então ele pagou suas desculpas a Hermione e Ron, e seguiu Malfoy até a sala de Poções.

Eles dois tinham aula de Poções primeiro na quinta.

Ele encontrou Malfoy na sala de aula vazia. Malfoy estava sentado em cima de uma carteira, as costas apoiadas na parede, os joelhos levantados até o peito. Ele tinha a cabeça baixa, e parecia pensar profundamente.

Malfoy levantou a cabeça quando Harry entrou, os olhos escancarados de surpresa. O resto de seu rosto permaneceu o mesmo.

- Potter - ele disse.

- Malfoy - respondeu Harry - Eu... vim ver se você está bem?

- Preocupado? Muito Ministro Gryffindor da sua parte - não havia nenhum ressentimento na voz de Malfoy, mas também não havia nenhum desejo de contar a Harry sobre os seus infortúnios.

Harry notou a carta amassada em uma das mãos de Malfoy.

- Espero que o Professor Snape venha - disse Malfoy subitamente.

Snape não estava muito... presente. É claro, todos sabiam a razão - para espionar - e toda vez que ele se ia, havia uma chance de ele não retornar.

E pensar que chegaria um dia em que Lupin estaria substituindo na aula de Poções, e Harry sentiria muito.

- Eu pensei que você gostava do Professor Lupin.

- Eu não desgosto dele - respondeu Malfoy - Mas eu prefiro o Professor Snape.

Era verdade, claro. Malfoy estava sempre um pouco mais tenso quando Snape estava fora. Gostar do Snape de livre e espontânea vontade - Harry não achava que fosse possível.

Por alguma razão, essa curta troca pareceu relaxar Malfoy um pouco. Ele se inclinou pra frente, o peito pressionado contra os joelhos, e disse abruptamente:

- Foi o meu pai que quis ter um filho.

Harry não tinha idéia do que dizer:

- Ah, é?

Malfoy olhou para o papel amassado em sua mão. A curva no seu lábio inferior o fez parecer uma criança descontente e ignorada:

- Ele costumava passar tempo comigo. Agora que ele se foi, ela se acha na obrigação de mostrar interesse.

- O que sua mãe diz na carta?

Era estranho, por algum motivo, dizer "mãe" (mum) para Malfoy. Malfoy podia até ter um pai (father) e uma mãe (mother), mas nunca um papai (dad) e uma mamãe (mum).

É claro, não dava para imaginar Lucius Malfoy levando seu filho para assistir um jogo. Talvez um jogo que envolvesse uma cabeça de Muggle encolhida.

- Ela quer me ver. Marcou da gente passar um dia em Hogsmeade.

Não havia traço de emoção em sua voz, mas Harry podia sentir algo por baixo do exterior apático. Harry pensou no quão natural seria atravessar a sala até Malfoy agora e colocar uma mão em seu ombro ou algo assim. Mas Malfoy não era o tipo de pessoa que gostava de ser tocada casualmente.

- É claro que ela quer te ver - disse Harry.

- Oh, sim. É próprio de uma mãe querer ver o filho. Ela sempre faz o que é apropriado.

- Eu, ãn, tenho certeza que ela te ama.

Malfoy levantou as sobrancelhas e olhou para Harry com surpresa, e Harry sentiu como se tivesse interpretado a situação tudo errado.

- Amor - repetiu Malfoy, dando um riso suave e incrédulo - Você é um bebezão, não é não, Potter?

Harry franziu a testa.

- Ela pode até sentir uma certa afeição por mim - disse Malfoy depois de uma pausa - Mas eu não a conheço muito bem. Quando eu saio com ela eu sempre levo um amigo pra gente poder trocar gentilezas, e fingir que se conhece.

Harry olhou para o rosto de Malfoy, que estava calmo mas quase sombrio, tentando entender. Você está triste ou não?

O estranho era que ele achava que Malfoy estava tentando ser sincero.

- Eu não a culpo pela falta de interesse - contou-lhe Malfoy - E eu não contaria isso pra qualquer um, então se você soltar um pio pra Granger ou pro Weasley eu vou moer os ossos deles e colocar no seu pão envenenado.

- Malfoy! - exclamou Harry, mordido - Eu não contaria pra ninguém!

Malfoy deu de ombros.

- Bem, eu não achei que você fosse - ele continuou, fazendo Harry sorrir de leve - Afinal, você é Harry Potter. Acredita na verdade e na justiça, e na própria alma da honra.

Você é Harry Potter.

Harry parou de sorrir.

- Desculpa se a minha base moral te ofende, Malfoy.

Malfoy sorriu safado:

- Nah, eu não me importo. É novidade pra mim - ele fez uma pausa - Não que não seja meio patético, Potter.

- Ah, claro - Harry abaixou a cabeça tentando esconder um sorriso recíproco - Ei, umm, você quer fazer par comigo? Em Poções?

- Se eu quero induzir um ataque do coração no meu Professor preferido? Fala sério, Potter. De qualquer forma, Goyle explodiria as masmorras sem a minha ajuda - mas ele estava sorrindo - Mas se você estiver a fim de induzir um ataque naquele ex-guarda-chaves, a gente conversa.

Cuidados com Criaturas Mágicas era depois do intervalo.

Harry deu outro sorriso e fez que sim com a cabeça de leve quando Snape adentrou a sala. Snape pegou a cena e fcou escandalizado, como se Harry estivesse passando drogas para o seu aluno favorito. Harry observou o prazer mal-escondido de Malfoy ao ver Snape, e conseguiu até olhar para ele sem ressentimento.

Ele e Malfoy foram parceiros estudando salamandras em Cuidados com Criaturas Mágicas. O animal, é claro, rebelou-se e Malfoy cometeu a baixeza de abandoná-lo, fugindo e se trancando dentro da cabana.

- Típico Slytherin - disse Harry, como teria dito a qualquer hora durante esses seis anos.

Mas ele estava rindo, e Malfoy também.


- Roupas? - perguntou Harry, o rosto em branco.

Ele e Malfoy estavam na beira do lago, observando a grande expansão das águas. Apesar das objeções freqüentes de Malfoy ao frio, eles sempre se encontravam lá.

- Sim, Potter. A gente usa pra proteção no inverno, decência no verão, e no seu caso, pra cometer crimes horrendos contra a moda.

Harry franziu o nariz:

- Horrendos é meio forte...

Malfoy balançou a cabeça veemente:

- Não, não é forte o bastante. Quer dizer, as suas vestes são mais ou menos, é difícil errar com vestes, mas as roupas Muggle? Eu achei que você tinha sido criado por aquele bando.

Harry se virou para o lago, retraindo-se pois o vento bateu bem em seu rosto. Esse fato disfarçou sua expressão quando ele disse:

- Eu fui. Esse é o problema.

Malfoy, que estava sentado em uma pedra, alongou as pernas e passou a estudá-las ao invés de olhar para Harry. Essa, Harry começou a perceber, era a sua forma de tato.

- Certo, eu me lembro. Você era forçado a vestir as roupas do seu primo, que tem a própria órbita de gravidade. Mas você tem dinheiro, não tem? Comprou algumas roupas novas?

- Claro - concordou Harry sentindo-se desconfortável.

- Então a culpa é sua. Deixa eu ver, as roupas que você comprou seriam aquelas coisas um pouco mais bem-ajustadas, mas monótonas e pardacentas, que você usa de vez em quando?

- Olha, eu nem sei como a gente começou esse assunto de moda... elas são sóbrias, ok? Quer dizer, roupas não são tão importantes.

As sobrancelhas de Malfoy subiram até a linha da sua franja:

- Mas você não se preocupa em ficar bonito? - ele inquiriu, no tom escandalizado de alquém que não vai entender a situação se a resposta for não.

Bem, Harry estava para responder, seria meio fútil se preocupar com roupas quando há uma guerra, não seria? Além do quê, eu sou o Menino-que-Viveu, tenho expectativas para cumprir, eu não posso muito bem ser vaidoso, posso...?

Então ele se lembrou de que falava com Malfoy, que podia dar-lhe uma resposta à altura.

Ele também se lembrou da ansiedade aguda que sentiu em relação a algumas roupas usadas do Dudley - aquele casaco de tricô! - aquele uniforme tingido de verde que ele nunca teve que usar - como ele costumava desejar ardentemente ser como as outras crianças.

- Claro que sim - ele disse devagar - Mas... eu não sei...

Ele olhou para Malfoy, que usava uma camiseta cinza e jeans com os ares geralmente associados a veludo e renda.

- Você... você entende de roupas Muggles, não é? - ele disse.

- Bem, eu certamente não vou andar por aí vestido que nem você, sua vítima da moda monstruosa.

- É, mas... porque você as usa?

Malfoy pendeu a cabeça para um lado, e parou pensativo antes de responder:

- É uma... declaração. Slytherins não entram na Ordem Juvenil. Slytherins não usam roupas Muggle. E eu não faço o que esperam de mim - ele semicerrou os olhos - E eu certamente não uso marrom. Você me dá nojo, Potter.

- Que roupas você acha que eu deveria comprar? - perguntou Harry desamparado.

Malfoy se virou para ele e mediu-lhe com um olhar.

Harry desviou os olhos. Malfoy tinha um jeito de olhar para as pessoas que era terrivelmente embaraçante. Ele não tinha a mínima vergonha, e sua atitude era a de alguém checando ítens em uma lista.

- Umm - ele fez finalmente, e se levantou - Vamos.

- Onde estamos indo? - perguntou Harry apreensivo.

- Não vamos roubar uma loja, seu bobão. Primeiro nós vamos limpar o seu guarda-roupa, e depois vamos re-estocá-lo na próxima vez que formos a Hogsmeade. Abriram umas lojas legais de roupas Muggle lá.

Malfoy se virou e começou a andar.

Malfoy tinha tendência a agir por impulso. Harry pensou em mencionar que aquela era uma qualidade Gryffindor, mas não estava a fim de provocar uma troca de socos.

- Espera - chamou Harry - Você não vai ter que... é, entrar na sala comunal Gryffindor... vai ter que ouvir a senha, certo?

- Sem dúvida.

- Umm.

Houve uma pausa. Harry parecia desditoso. Malfoy divertido.

- Você acha que eu vou entrar escondido e pixar as paredes da sala comunal?

- Algo do gênero... - admitiu Harry - Só que um pouco mais diabólico.

Malfoy deu de ombros:

- Não vou dizer que o pensamento não cruzou a minha mente. Deixa eu pensar... - ele fez uma pausa - A senha Slytherin é Vici.

Harry sorriu:

- Wizard Wheezes.

- Tão Gryffindor - disse Malfoy, revirando os olhos - Sem imaginação. Ocorreu a você, Potter, que eu poderia ter facilmente inventado uma senha? Ou que eu poderia trocar senhas com você só para poder cometer atos ilícitos, e confiar que você, como honrado Gryffindor, não se vingaria?

Bem, estava ocorrendo a ele agora.

- Er...

- Acontece que não pretendo fazer nada disso - informou-lhe Malfoy severamente - Mas eu poderia. Você não devia sair confiando assim em gente que nem eu.

- Por que? Corro o risco deles jogarem metade das minhas roupas fora?

- Oh, cale-se e anda logo.


Slytherins eram astutos. Slytherins eram maliciosos.

Harry sabia de tudo isso.

O que as pessoas esqueceram de mencionar é que Slytherins tem um talento nato para fazer caretas.

Malfoy fez outra cara horrível enquanto remexia em seu guarda-roupa. Harry estava sentado em sua cama, entretido.

- Oh, credo, Potter, você tira os óculos quando vai fazer compras? Não acredito que estou tocando nisso, é nojento!

Ninguém podia demonstrar tanto fastio quanto Malfoy. Ele pegava as roupas cautelosamente, como se noção deficiente de moda fosse uma doença contagiosa.

- Umm. Essa aqui vai pra pilha das "Que Mal Dá pra Suportar", essa vai pra pilha "Que Vai Tudo pro Lixo", e essa vai pra pilha das "Que Serão Queimadas, Pois Eu Não Posso Viver Num Mundo Onde Elas Existem".

Malfoy jogava as roupas para cima casualmente, mas quando a terceira camiseta ainda estava no ar ele se virou a apontou sua varinha:

- Incendio!

As cinzas flutuaram preguiçosas até o chão.

- Malfoy! Você não pode incinerar as minhas roupas!

Malfoy apertou os olhos:

- Observe.

Harry observou, meio sem ação. Ele também estava dando um risinho maroto, mas era porque ele havia sido esperto e escondido seu pijama favorito.

Malfoy deu uns rosnados quando descobriu algumas das piores roupas usadas de Dudley.

- Ninguém é tão enorme - ele disse finalmente - Você tá de brincadeira.

- Eu queria estar.

- Eu já aceitei que nem todo mundo pode ter a minha figura esbelta, mas isso é um ultraje. Deve haver algum tipo de grupo...

- Pra ajudá-lo a emagrecer? Tem sim, mas...

- Bem, não - Malfoy franziu a testa para as vastas calças - Eu estava pensando mais do tipo que faz eutanásias.

- Malfoy!

- É incrível, a quantidade de virtude escandalizada que você consegue infundir em uma palavra. Oh. oh, isso é vil.

Malfoy havia descoberto a pilha embaraçosa de suéteres de tricô do Dudley.

- Incendio! Incendio! Incendio!

- Malfoy, pára de queimar as coisas!

Malfoy sorriu plácida e angelicalmente, enquanto as cinzas caíam em torno dele. Harry não conseguia parar de rir.

Ron Weasley abriu a porta, olhou horrorizado para Malfoy e imediatemente bateu a porta atrás de si.

Houve uma pequena pausa.

- Um dormitório coletivo sempre causa esse tipo de problema - observou Malfoy - Assim, como é que vocês fazem quando trazem alguém pro quar... péraí, Gryffindors não tem vida amorosa. Esquece.

- Nós temos vida amorosa sim! Ron e Hermione...

- Potter, pára! Essa imagem é horrível.

- Com certeza nossas vidas amorosas devem ser melhores que as de Crabbe e Goyle...

- Potter, putz, essa é pior ainda!

- Eu... o quê... Malfoy!

Malfoy abandonou o guarda-roupa alarmantemente vazio e afundou na cama, encostando-se a uma das postas.

- De novo a virtude escandalizada, Potter - ele disse preguiçoso - Umm. Lidar com o armário de um desastre da moda é cansativo. Acho que eu vou me enfiar no meu bom e quietinho quarto de monitor.

Ele apoiou as costas na posta da cama, semicerrando os olhos. Seus cabelos eram ainda mais pálidos contra o vermelho profundo das cortinas.

- Monitores não tem quartos especiais - apontou Harry.

- Talvez não na sua casa. Haha.

- A Professora McGonagall diz que dar privilégios a monitores não é justo.

- A Professora McGonagall e o conceito de justo ambos não contam na minha casa - Malfoy deu um sorriso afetado, mas o efeito foi arruinado pois o resto de seu rosto permaneceu relaxado e quase amigável - Slytherins reinam. E quando não, eles matam os concorrentes e usurpam o trono. Eu tenho um quarto particular muito ajeitado, muito obrigado. Sinta-se livre pra aparecer por lá e babar de inveja a qualquer hora.

Harry se levantou da cama e olhou para a pequena pilha de roupas que sobraram para ele vestir com um certo desânimo.

- Malfoy, tem sete peças de roupa ali?

Malfoy abriu os olhos.

- Tudo isso? Eu sabia que estava sendo relaxado!


- Foi horrível, Hermione - disse Ron de forma sombria.

Hermione estava sentada ao lado dele em frente à lareira da sala comunal. Ele caiu no sofá e enterrou o rosto nas almofadas. Ela se espreguiçou, relaxada, feliz pelas horas de leitura quieta e só um pouco mistificada.

- O que foi? - ela perguntou indulgente, acariciando os cabelos macios e vermelhos dele.

- Malfoy! - Ron cuspiu a palavra - No nosso dormitório! Fazendo coisas com as roupas de Harry!

"Homens que Amam Dragões Demais" caiu do colo de Hermione.

- O quê! E o que o Harry estava fazendo?

- Sei lá - respondeu Ron com voz abafada e melancólica - Ele estava lá na cama. Parecia feliz com o negócio todo.

- Eu... oh, Ron.

- Eu sei. Isso está indo longe demais.

- Bem, eu diria que sim!

Nesse ponto, Harry e Malfoy vieram descendo as escadas. A voz de Harry era clara e divertida. A voz de Malfoy era mais baixa, mas de qualquer forma, aqueles tons manhosos de Slytherin pareciam murmúrios lascivos até quando ele lia uma lista de igredientes de Poção.

Harry deu uma olhada para Malfoy quando os viu, um olhar mais de preocupação do que de culpa.

Certo, pensou Hermione. Harry estava com medo dos Gryffindors malvados maltratarem Malfoy. Quando Malfoy aparentemente estava arrancando as roupas de Harry lá em cima!

- Oi, gente - ele disse sem graça.

- O que você estava fazendo com ele? - exigiu Hermione, agitada demais para se preocupar com preliminares.

- Ele estava ajudando a limpar o meu guarda-roupa - respondeu Harry confuso.

- Oh.

Oh. Oh, então era isso. Tudo bem, eu posso respirar agora.

Malfoy encostou-se ao muro de pedra e curvou os lábios para eles.

Hermione devolveu o gesto com um olhar cortante.

Harry parecia preocupado:

- Ron, você está pronto pro treino de Quidditch?

Ron sentou-se ereto, apesar do fato horrível de Malfoy estar no processo de envenenar o ar Gryffindor com sua presença.

É claro, refletiu Hermione, a menção do treino de Quidditch poderia trazer Ron de volta do túmulo.

A voz fria de Malfoy cortou o silêncio:

- Ah, é - ele disse pensativo - Treino de Quidditch. Eu vou me atrasar.

Se Ron fosse um cachorro, seus pêlos teriam se eriçado.

- Você não vai jogar - ele explodiu - Nós reservamos o campo.

Harry, graças a Deus, olhou para Malfoy com reprovação.

- Ron está certo - ele disse a Malfoy - Lembra? Reservas não podem ser movimentadas. Ficou combinado ano passado.

"Combinado" é um termo tão amigável, pensou Hermione. Harry e Malfoy precisaram ser restringidos para não se matarem quando Malfoy mudou a quinta reserva feita pelos Gryffindors e Dumbledore foi forçado a se envolver.

Olhando para Malfoy e Harry de pé lado a lado como companheiros, ela sentiu falta dos dias homicidas.

- Eu não quis dizer treino no campo - disse Malfoy sem ligar muito - Te vejo mais tarde, Potter.

Ele saiu da sala olhando para Ron e Hermione com aquela curva de desdém na boca.

Harry observou-o, claramente intrigado com a última declaração do outro. Ron assediou Harry antes mesmo da porta se fechar atrás de Malfoy.

Hermione se abaixou e pegou seu livro.


Harry sabia que só era capitão do time porque ele era Harry Potter.

Tradicionalmente o posto era dado a alguém de família, que conhecia Quidditch desde criança e podia formular planos baseados em jogos que tinham em memória, e estratégias discutidas em casa. Mas é claro, excessões sempre eram abertas para Harry Potter.

Ron podia ser considerado uma enciclopédia ambulante de todos os jogos na História dos Chudley Cannons, e agora estava esquadrinhando um dos truques fracos do keeper deles para a nova keeper Gryffindor, Natalie McDonald.

Harry estava meio afastado, sorrindo polido enquanto as vozes soavam em torno dele.

Ron devia ser capitão.

- Espero que Ron não esteja assustando Natalie - disse Dean Thomas de trás dele.

Harry se virou um pouco. Dean estava sorrindo para ele, o sorriso quieto e simpático com o qual todos os companheiros de quarto de Dean estavam acostumados.

Era tão fácil conversar com Dean. Harry relaxou um pouco.

- Por que ele assustaria Natalie?

- Ele assusta a mim - disse Dean arrepiando-se de brincadeira - Toda essa falação sobre inumeráveis jogos passados me deixa tonto. É claro... eu nunca fui muito fã de Quidditch.

Era verdade. Dean sempre havia demonstrado um entusiasmo moderado em relação a Quidditch, embora tivesse grande habilidade técnica, e havia se mantido fiel ao seu futebol e à sua arte.

- Então por que você entrou no time?

Dean ficou um pouco envergonhado:

- Bem... eu queria passar mais tempo com Ginny.

Harry olhou para o cabelo vermelho de Ginny. Ela falava animada sobre os Chudley Cannons, com a voz alta e alegre de sempre.

O casal formado por Ginny e o introspectivo Dean nunca havia feito muito sentido para Harry.

- Sinto muito que não tenha dado certo... má sorte.

Agora Dean estava namorando Parvati, é claro, então estava tudo bem. Ele era tão legal - Harry não havia entendido porquê Ginny terminara com ele.

Ginny olhou em volta e pegou-os olhando para ela. Ela ficou vermelha.

- Bem, podia ser pior - disse Dean filosófico - Eu podia ser um dos pobres tolos no time Slytherin.

Harry olhou para ele sem entender.

- Malfoy administra aquele bando como um sargento maníaco - explicou Dean - Você deve ter notado.

O que Harry notou foi a forma sem rancor com que Dean pronunciou o nome de Malfoy.

Dean podia ser quieto, mas era observador.

- Eu não tenho nada contra o Malfoy - disse Dean - Eu mal o conheço, mas ele nunca me incomodou. Ouvi falar que vocês são amigos agora?

- Bem. Sim.

- Ele é uma pessoa interessante - observou Dean dando de ombros - Dá medo, mas é único.

- Dá med...

Nesse momento, Malfoy apareceu para provar que Dean estava certo. Ele corria pelos gramados que cercavam o campo de Quidditch, perseguindo Crabbe e Goyle com ardor. Seus cabelos voavam selvagens pra todos os lados, seus olhos tinham um brilho maníaco e ele carregava uma sacola pesada. Seus dois beaters marchavam pesadamente o mais rápido que podiam enquanto ele atirava bolas contra eles ferozmente.

- Vocês nunca vão chegar a lugar nenhum se tem medo de uma bludger! Voltem aqui! Parem e levem boladas como homens!

Nem Crabbe nem Goyle eram estúpidos a esse ponto. Eles continuaram correndo, uivando ocasionalmente quando Malfoy dava sorte e acertava uma.

- "And power-hungry Slytherin loved those of great ambition" - citou Dean, mas ele estava sorrindo - Malfoy está determinado a arrasar com os Ravenclaws de novo. Como eu disse, dá medo.

Malfoy descobriu que sua sacola estava vazia ao mesmo tempo que chegou na direção de Harry e Dean. Crabbe e Goyle, não cientes do fato, continuaram correndo.

- Imbecis! - gritou Malfoy para as costas deles.

Ele olhou para Harry e Dean, e cumprimentou-os com um movimento preciso de cabeça. Ele estava exausto, afastando as mechas loiras e suadas de seus olhos, mas virou-se e saiu correndo com mais energia que nunca.

Harry sorriu para Dean:

- Mas como você disse, único.

Ele foi falar com Ron e Natalie.

- Ei, a gente pode falar um pouco menos e jogar um pouco mais de Quidditch? Todo mundo no ar!

Dean sorriu:

- Sim, capitão.


Na outra Segunda-Feira, na aula de Poções, Harry chegou mais cedo para falar com Malfoy de novo.

Malfoy havia estado ocupado com sua vitória espetacular sobre os Ravenclaws aquele fim-de-semana, e Harry havia passado o tempo com Ron e Hermione. Eles não conversavam sozinhos fazia um tempo e... ele estava surpreso em constatar que estava com um pouco, bem, de saudades.

- Parabéns pela vitória - ele disse - Eu não tive a chance de te desejar boa sorte antes do jogo.

Malfoy ergueu o queixo. Ele não havia mostrado nenhum sinal de ter sentido saudades, mas ele havia chegado mais cedo, não havia?

Harry estava começando a entender o jeito de Malfoy.

- Slytherins não precisam de sorte - ele disse - Nós usamos táticas.

- É, e as suas táticas consistem em quebrar todas as regras no livro.

- Existem setecentas maneiras de se trapacear em Quidditch - informou-lhe Malfoy sublime - Eu não me daria ao trabalho de aprender todas elas.

- Você é impossível, Malfoy, alguém já te disse isso?

O rosto de Malfoy suavizou-se um pouco.

- Meu pai me dizia isso o tempo todo - ele fez uma pausa, e adicionou abruptamente - Eu não posso encontrar você hoje.

A primeira emoção que Harry sentiu foi gratificação. Malfoy nunca havia se dado ao trabalho de avisá-lo assim antes. Aparecer ou não sempre parecia ser uma questão de capricho.

Ele também ficou desapontado.

- Ah... por que não?

- Sexo louco e apaixonado. Você sabe como é.

As bochechas de Harry apenas começaram a ficar furiosamente vermelhas quando Malfoy levantou as sobrancelhas e sorriu:

- Fala sério Potter, seu idiota crédulo. Estou extremamente lisonjeado que você acha que eu tenho tempo pra pegar coisinhas bonitas. Se não reparou, você anda me mantendo ocupado ultimamente.

Harry relaxou visivelmente.

- Então o famoso charme Malfoy que consegue conquistar uma garota no espaço de dois minutes perdeu a eficiência?

- Nunca duvide do charme, Potter. Ele ainda está operando, mas eu não tenho dois minutos para tirar do dever de casa de Astronomia.

- Bom, já que você já vai estar na Torre de Astronomia, é só abrir um armário e se enfiar num cantinho.

Malfoy estendeu a pena para ele.

- Agora você está pensando como um Slytherin. Mas, infelizmente, eu não vou pra Torre de Astronomia. Eu vou precisar estar em expansões abertas de terra pra poder cobrir a extensão do meu projeto. E a não ser que eu queira começar rendez-vous com vacas...

Malfoy teve um arrepio. Harry inclinou-se sobre sua carteira pensativo.

- Parece que vai ser um saco - ele comentou.

- É.

- ... eu podia ir com você, se você quiser?

Malfoy ergueu os olhos, extremamente cinzas. Era uma cor que não revelava nada.

- Você não faz Astronomia - ele disse - Outro exemplo puro da sua estupidez, Potter, pois é uma ótima matéria. Não me diga que a sua vida é tão patética que você quer sair pra deitar em campos monótonos por diversão?

Harry baixou os olhos para a madeira da carteira:

- Hermione e Ron estão planejando sair juntos. Essa noite está prometendo ser tão patética que é capaz de eu fazer isso mesmo. Além do mais, eu achei que você ia gostar da companhia.

Ele inclinou a cabeça para trás e sorriu de lado para Malfoy:

- Mas já que você quer se livrar de mim pra ter mais tempo de conquistar coisinhas bonitas...

Os lábios de Malfoy se contorceram:

- Eu disse isso? Ah, tá, você pode vir então. Agora foge, Gryffindorzinho, antes que o mestre de Poções malvado te pegue.

Harry notou que Snape estava presente e carrancudo e saiu correndo para a sua carteira.


Harry estava deitado sobre o cobertor, sentindo-se estranhamente calmo.

Havia algo maravilhoso sobre o céu esta noite - algo que o lembrava da felicidade que sentia quando jogava Quidditch. Até nesse momento, negro e vazio, ele parecia um vasto playground. E o campo estava calmo, a escuridão protegia, e ninguém esperava nada dele.

Ele olhou para Malfoy, seu perfil contra a noite, pressionando os omnioculars de encontro à vista. De vez em quando ele se inclinava sobre o pergaminho e fazia anotações com sua pena, afastando os cabelos dos olhos e sorrindo casualmente para Harry enquanto o fazia.

Malfoy certamente não dava a Harry a impressão de querer nada dele, nem mesmo a sua companhia. Malfoy era uma criatura tão auto-suficiente; havia sobrevivido sem amigos de verdade por anos - se você não contasse Crabbe e Goyle. Harry refletiu que provavelmente não fazia diferença para Malfoy se ele estivesse ali ou não. Aquilo o incomodava um pouco.

Era um sentimento tão novo para ele - para Harry Potter - querer que alguém prestasse mais atenção a ele.

Harry sorriu de novo, a cabeça descansando sobre suas palmas abertas enquanto ele observava o céu.

- Por que você está sorrindo assim, Potter? - perguntou Malfoy distraído, escrevendo mais uma nota.

- Oh... nada. Eu estou apenas... contente.

Contente. Essa era a palavra.

- Num campo congelado no meio da noite? Alguém já te disse que você tem uma expectativa de vida muito baixa?

Harry socou Malfoy de leve no braço.

- Ah, entendi. Você está contente porque pode sair batendo num pobre e indefeso Slytherin. Você sabe, sadismo não é a resposta pra vida.

- Achei que era a única resposta pra vida dos Slytherins.

- Ah - fez Malfoy, sem negar nada - Mas você não é um Slytherin.

Harry ergueu-se em um cotovelo:

- Eu quase fui.

Malfoy deixou cair seus omnioculars.

- O qu?

Harry sentiu uma faísca de triunfo irracional pois agora tinha a atenção de Malfoy.

- O Sorting Hat queria me botar em Slytherin - ele admitiu, e então adicionou quieto, esperando que Malfoy não se ofendesse - Eu disse que não.

Malfoy nem notou a sua tentativa de ser delicado.

- Você - ele se admirou - Harry Potter, a epítome de todas as coisas Gryffindor. Quase foi jogado no ninho das cobras - ele começou a rir de repente, uma risada gostosa e solta - Putz, essa eu queria ter visto.

Harry se deitou de novo, as estrelhas brilhando na frente de seus olhos.

- É - ele disse - Ia ser ótimo.

- Ah, os jeitos múltiplos que eu ia encontrar pra fazer da sua vida uma miséria - disse Malfoy com arrependimento - A gente dividiria um quarto por cinco anos. Eu poderia ter te enlouquecido.

Harry fechou os olhos, o ar da noite brincando em seu rosto. O único som familiar era a voz de Malfoy e o arranhar da pena dele.

- Umm. Então você não acha que teríamos nos tornado amigos mais cedo?

- Nós somos amigos agora?

Harry ergueu-se, piscando como se houvesse uma luz forte brilhando na frente de seus olhos, e olhou para Malfoy.

A expressão de Malfoy era de dúvida e não de rancor, e Harry sentiu um fluxo de alívio intenso percorrê-lo.

- Eu sei - disse Malfoy, a voz precisa e sem paixão como o seu dever de casa - Que você pediu pra ser meu amigo, e eu disse que sim. Mas você é meu amigo?

Harry se sentou, sem saber o que falar, querendo dizer algo especial.

Finalmente, tudo que ele pode botar pra fora com esforço foi:

- Sim.

Ele esperou uma resposta sentindo-se um pouco tenso.

- Ah, bom - respondeu Malfoy, erguendo a cabeça para as estrelas e terminando o seu mapa com um movimento exagerado.

Harry esperou, sentindo-se meio estranho, que Malfoy lhe desse uma resposta apropriada, que reciprocasse com palavras que indicassem alguma emoção.

Essa amizade era tão esquisita, tão diferente da camaradagem familiar e confortável que tinha com Ron e Hermione, e do companheirismo sem exigências de Seamus e Dean. Isso era algo muito novo, novo o suficiente para que ele sentisse tensão e incerteza, mas ao mesmo tempo era... intenso. Significava mais para ele do que Seamus e Dean e... tinha a capacidade de machucá-lo sem a segurança oferecida por Ron e Hermione.

E agora ele estava deitado aqui, os nervos à flor da pele, esperando por algo que Malfoy parecia não ter a intenção de dar.

Ele sentiu um desejo obscuro de revidar:

- É claro, então eu nunca teria feito amizade com Ron e Hermione - ele disse, pronunciando os nomes com afeição deliberada.

- É, teria sido uma tragédia - disse Malfoy.

- Eu não sei porque você os odeia tanto - disse Harry.

Malfoy estava guardando os livros e não olhou para Harry quando respondeu, o seu perfil revelando nada mais que uma certa abstração:

- Eu não os odeio. Mas você sabe como eu me sinto em relação aos... tudo bem, nascidos Muggle. E quanto àquela matilha de Weasleys... - seus lábios ondularam-se - Meu pai me contou tudo sobre eles.

- Os Weasleys são gente muito boa - disse Harry com raiva, sentando-se.

O rosto de Malfoy estava bem próximo do seu agora, ajoelhado ao lado de sua bolsa, e a raiva não era recíproca em seus olhos. Ele parecia ao contrário, muito centrado.

- O pai dele atacou o meu numa livraria. Eu não ligo se eles são inimigos, não tem desculpa pra esse tipo de comportamento. E os filhos dele são do mesmo jeito. Aqueles gêmeos costumavam rosnar pras crianças que haviam acabado de ser colocadas em Slytherin. As pessoas me chamam de preconceituoso, mas eu não desço tão baixo. E quanto ao seu bichinho de estimação Weasley - ele é igual aos irmãos. Ele não gosta de mim por causa da minha família, e eu não gosto dele pelo mesmo motivo. É assim que as coisas são, embora os Weasleys não precisassem agir como selvagens.

- Não é verd...

Eu ouvi sobre a família dele. O meu pai diz que... o pai de Malfoy não precisou de uma desculpa pra passar pro Lado das Trevas.

Harry lembrou-se da risadinha de escárnio de Ron quando ouviu sobre esse menino Malfoy chamado Draco. Ele havia se sentido no direito de ser desagradável por causa de quem Malfoy era.

Uma coisa positiva de não ter pais. Harry não havia herdado seus ódios e opiniões.

- Ron é uma boa pessoa - disse Harry cansado, deitando-se e olhando as estrelas novamente - Você não devia julgar uma pessoa só por causa da família à qual ela pertence.

A família inteira é podre.

- Diz isso pra ele - disse Malfoy com desdém.

- Eu vou - respondeu Harry - E vou continuar dizendo pra você também.

Malfoy empurrou sua bolsa pro lado e se esticou no cobertor.

- Ah, não enche, Potter. Ou eu mando os meus capangas te pegarem.

- Hah - riu Harry - Eu não tenho medo de você.

- Naturalmente. Harry Potter não tem medo de nada - disse Malfoy zombeteiro.

- Cala a boca!

- Potter destemido. Você é o único na escola cujo sangue não congela de medo de vez em quando.

- E por que o meu sangue congelaria?

- O Menino que Era Completamente Cego. Por um ano as pessoas desapareceram no mundo lá fora, e Hogwarts estava segura. E agora estudantes desaparecem bem debaixo do nariz de Dumbledore, e a nossa escola não é mais segura que esse campo, e todos nós sabemos que é alguém de dentro que está ajudando ele. Você nunca fica com medo?

- Eu nunca te peguei tremendo com a cabeça enfiada embaixo das cobertas.

- Isso é porque eu tenho nervos de aço - anunciou Malfoy com grandeza - Potter! Seu bastardo, você tem um travesseiro?

- Eu estou usando a minha capa. Viu, eu visto uma capa. E um suéter. Porque é fevereiro, e está frio, e eu não sou um idiota.

- Como ousa me chamar de idiota? Meus advogados entrarão em contato pela manhã.

Malfoy cometeu a vilania de tentar roubar a capa dobrada, e só conseguiu puxar uma pequena ponta.

- Tá legal - ele disse demonstrando sua insatisfação - Anda pra lá um pouco, Potter.

Harry sentiu uma lambida do cabelo loiro fazer cócegas em sua orelha, e abriu um espaço para Malfoy. O céu estava calmo, e a respiração de Malfoy ao seu lado era regular e reconfortante.

- Você fica assustado? - Harry perguntou depois de um tempo.

- Umm? É claro que sim Potter, eu não sou um Gryffindor metido a valentão. Lembra quando o seu Patronus estúpido veio bem pra cima de mim naquele jogo de Quidditch no terceiro ano? Aquilo foi aterrorizante. O negócio veio bem na minha direção.

Harry riu suavemente.

Certo - Malfoy, Goyle e Flint fantasiados de Dementores.

- Eu... não sabia que tinha ido pra cima de você.

- Se foi.

- Aquilo pode ser interpretado como um cumprimento, Malfoy - informou-lhe Harry - Até fantasiado, eu te reconheci como o adversário.

Malfoy falou de esguelha:

- Se ser perseguido por espectros me confere respeito, eu prefiro ser indigno.

- Ah, pára de choramingar.

É claro, pedir a Draco pra parar de reclamar era o mesmo que pedir ao céu pra se tornar amarelo, e...

Draco.

Harry percebeu que pensara o nome naturalmente. Algumas semanas atrás teria sido... estranho. Um conceito quase absurdo. E agora, bem... o nome dele era Draco, não era? Era... o que ele pensava quando olhava para ele. Era natural.

Não que Harry fosse chamá-lo assim.

- Eu não choramingo! - uma pequena pausa - Está frio - Draco reclamou - A gente devia entrar.

- Ummm - estava tudo tão em paz no campo - Daqui a pouco.


Harry acordou frio e dolorido no dia seguinte. Ele bocejou, apertando os olhos contra a claridade, virou-se e se achou nariz a nariz com Draco.

Ele mordeu a língua e rolou para o outro lado rápido, e então sentou-se reto. As suas roupas estavam molhadas com o orvalho.

- Malfoy, acorda! A gente passou a noite aqui!

Draco resmungou alguma coisa e encostou o rosto na capa de Harry. Ele estava encolhido e dormia profundamente, com o cabelo na cara e os olhos apertados. Era tudo um absurdo.

- Malfoy!

Harry agarrou um ombro e o chacoalhou com urgência.

- Me deixa em paz - disse Draco com a voz abafada.

- Malfoy, acorda!

Draco abriu os olhos um pouco. Então eles se escancararam de repente.

- Potter, o que...oh. Oh, não. Oh, me diz que eu não dormi num campo. Oh, que coisa mais plebéia!

- Sim, é isso que está me preocupando - disse Harry, revirando os olhos - Se isso vai afetar a minha posição social. Todo mundo deve estar morto de preocupação.

- Não os meus companheiros de casa - respondeu Malfoy prontamente - Eles vão presumir que eu dormi com alguém. Ugh, minhas roupas estão nojentas... Potter, eu mencionei recentemente o quanto eu te odeio?

Harry se levantou e começou a bater as calças. Ele ofereceu uma mão a Malfoy.

Draco, que ainda estava deitado, apoiou-se em seus cotovelos e olhou para Harry com azedume.

- Eu te desprezo.

- É claro que despreza, Malfoy.

Draco pegou na mão de Harry e assistiu enquanto o outro dobrava o cobertor sem oferecer ajuda.

- Você pode carregar a minha bolsa - ele ordenou com mau humor.

- Pro inferno, que eu vou - retornou Harry calmamente.

Draco pegou a bolsa.

- Eu te odeio, eu te abomino. Eu...

- "Detesto" é uma boa - ofereceu Harry.

- Obrigado, Potter. Eu te detesto com o fogo de mil Sóis.

- Cala a boca e vem tomar café.


Foi preciso uma certa quantidade de persuasão para convencer Draco a tomar café. Ele parecia afixiado à idéia de conseguir uma escova e um espelho.

- Não seja vaidoso, Malfoy. Você não vai perder o café. Você já perde refeições demais.

- Você não é minha babá, Potter. Eu posso perder o café se eu quiser.

- Eu carrego a sua bolsa.

Pausa.

- Até onde?

Então quando Harry adentrou o Great Hall, ele estava carregando a bolsa do Draco além de tudo mais. Draco o abandonou na porta, se jogou em uma cadeira na mesa Slytherin e exigiu café em tons estridentes.

No caso de todo mundo ainda não estar olhando.

Ron e Hermione o receberam com partes iguais de repreensão e alívio histérico. Aparentemente, Ron pensava que ele estava com uma garota. Hermione não quis dizer o que pensou.

Ambos estavam horrorizados com os fatos.

- Num campo, Harry, o perigo...

- Com Malfoy, Harry, ugh...

Harry olhou para a mesa Slytherin, onde uma interrogação do mesmo gênero acontecia. Draco estava se recusando a responder às perguntas, e tinha o rosto enterrado no ombro de Pansy. Pansy olhava para a cabeça dele com solicitude quase maternal. Blaise Zabini colocou a mão no ombro de Draco.

Hermione tocou o braço de Harry. Ele piscou, surpreso.

- Eu não vou brigar com você, Harry... você parece transtornado e cansado. Mas você precisa ter mais cuidado.

- Desculpa. Eu não quis te preocupar... - disse Harry - E eu não estou transtornado!


Naquela sexta, Draco não apareceu.

Harry não gostou. Desde segunda, Draco parecia ter entendido que devia dar uma desculpa a Harry se não fosse aparecer. Harry gostava menos ainda do fato de ele mesmo ter aparecido todo dia lealmente por semanas.

E... que ele se importava tanto o incomodava. Porque, porra, ele queria ver Draco, e devia ser ok poder admitir.

Eles eram amigos. Ele havia dito as palavras, e agora elas tinham significado para ele.

E Draco havia lhe dado a senha Slytherin, e dito que ele podia aparecer a qualquer hora.

Harry ficou enojado de si mesmo ao achar-se barganhando consigo mesmo pelo prazer de ver Draco.

Eu não vou usar a senha, mas eu posso bater e perguntar se ele está lá. Não seria uma invasão de privacidade. E se ele não estiver fazendo nada importante, ele virá até a porta. Talvez ele até queira que eu vá. Ele gosta de testar as pessoas. Ele gosta de me testar.

É, ele ia dar uma passada nas masmorras Slytherin.

Harry olhou em volta com surpresa ao notar que já estava em frente à entrada de Hogwarts.


Harry soube que havia algo estranho acontecendo assim que a entrada para as masmorras foi aberta. Havia uma quantidade anormal de barulho e confusão, e a garota que abriu a porta estava usando um decote enorme.

Harry educadamente desviou os olhos dos seios expostos, e perguntou se podia ver Malfoy. Foi outra indicação de que havia algo estranho quando a garota piscou e obedeceu imediatamente.

As pupilas dela estavam dilatadas? Alguém tem que ficar de olho nesses Slytherins.

Aquele era Blaise Zabini usando couro?

Esse tipo de coisa simplesmente não era normal.

Oh, bom, ali estava Draco.

Harry piscou.

Draco apoiou o antebraço na entrada, jogando o peso para o lado, e olhou para Harry como quem espera uma resposta.

Ele estava vestindo uma calça jeans preta, e uma camisa cor de prata grudada na pele. Seu cabelo estava macio e brilhante, como se ele tivesse passado horas arrumando-o.

- Umm - fez Harry - Oi.

- Oi - disse Draco, parecendo levemente divertido - Por um acaso estava passando pelo bairro, né? Eu prometo, nenhum sacrifício de virgens está para começar.

- O que está havendo?

Draco pareceu surpreso.

- A visita usual à boate. Você sabe, embaixo do Three Broomsticks. Todos os Slytherins mais velhos vão juntos, todo mês. Eu achei que você sabia.

- Não...

- Fazer o quê - Draco deu de ombros - Eu te convidaria pra ir junto, mas eu tenho lembranças horríveis de você dançando. E além do mais, eles te comeriam vivo.

- Oh... é claro. Divirta-se.

- Esse é o plano. Te vejo por aí, Potter.

- Er... tchau.

Harry se sentiu estranhamente desolado quando a entrada se fechou em sua cara.


- Ah, claro, as pequenas orgias dos Slytherins - disse Hermione empertigando-se - Usando a descupa da solidariadade pra ficar bêbado e passar a mão no outro.

Aparentemente, todos sabiam menos Harry.

Típico.

- Bem, Harry, não fica tristonho por causa disso - disse Hermione - Você pode aproveitar que está livre para começar a estudar para os seus N.E.W.T.s.

Ron estava sentado em uma mesa, meio carrancudo, e Hermione desenhava um mapa usando um código de cores. Ginny estava espiando por trás dos ombros de Ron com a expressão feliz de quem só ia tirar os N.E.W.T.s dali a um ano ou mais.

Ron mexeu os lábios dizendo: "Corra! Salve-se!" quando Hermione não estava olhando.

- Emocionante - disse Harry desanimado, adicionando logo depois com energia - Eu não estou tristonho!

Hermione fez cara de alguém que gostaria de contestar essa declaração, mas apertou os lábios e manteve um silêncio discreto.

- É bom ter você aqui - disse Ginny com a voz meio apagada, derrubando sua caneta e ficando vermelha.

- Obrigado, Ginny - disse Harry, comovido. Ginny tornou-se carmin novamente.

- Pelo menos senta longe do fogo - pediu Hermione - Você está aí há horas. Deve estar assando.

- A gente pode dar umas voltas no campo de Quidditch - sugeriu Ron com esperança.

- Ron, esse dever de Herbologia já está atrasado - disse Hermione, fixando um olhar ameaçador em Ron - Você vai fazer isso nem que eu tenha que te amarrar na cadeira.

- Que pervertido, Granger. Quem diria que você tem camadas escondidas?

A balbucio relaxado fez a cabeça de Harry se levantar com um movimento brusco.

Draco escorava-se à entrada Gryffindor. Seu cabelo estava um pouco bagunçado e seu rosto afogueado, mas ele ainda estava arrumado e sua expressão era mais fria do que nunca.

- Malfoy - disse Harry, supreendendo-se com o prazer não disfarçado em sua voz.

Draco inclinou a cabeça:

- A festa estava chata - ele explicou - Eu fiquei entediado. Vim ver se você ainda quer fazer alguma coisa.

Harry não conseguiu conter um sorriso:

- Claro... é claro. Vamos agora.


Draco se recusou a sair da escola com as roupas que estava usando.

- Eu posso pegar um resfriado - ele informou a Harry num tom repreensivo - É um milagre que eu não tenha morrido daquela pequena expedição ao campo. Eu sou frágil, você sabe.

Harry se lembrou desse garoto supostamente frágil atirando bolas nas pessoas, mas resolveu ficar calado.

- Não - ele decidiu - A gente pode ir pro meu quarto. Não haverão Slytherins por lá um bom tempo ainda.

Então eles foram. E Harry estava chocado.

- Esse lugar é ótimo! Você está me dizendo que todo monitor Slytherin ganha um desses?

O quarto era ótimo. Todo decorado com o verde Slytherin, é claro, com uma escrivaninha, e uma lareira, e...

- Você tem dois armários! É ridículo!

Draco fez uma careta:

- Eu sei! Eu disse pro Snape que ele não podia esperar que eu sobrevivesse sem três, mas ele me escuta? O homem tem um coração de pedra.

Harry se jogou na poltrona macia em frente a Draco, e lançou-lhe um longo olhar incrédulo.

- Você não precisa de três armários. Ninguém precisa de três armários.

Draco fez outra careta na direção dele:

- E você entende disso, seu desastre ambulante?

- Eu entendo, graças a você eu não preciso mais nem de um armário.

- Pára de martelar nesse assunto, Potter - Draco se espreguiçou - Eu disse que te levaria a Hogsmeade e te diria o que comprar, e eu vou.

- Você não vai me dizer o que comprar.

Draco fez muchocho:

- Ah.

- Mas a gente pode ir a Hogsmeade amanhã, se você quiser - a voz de Harry era casual.

Draco tornou-se frio subitamente, seus traços relaxados presos gradualmente.

- Não posso. Eu tenho que encontrar a minha mãe pra nossa reuniãozinha.

- Ah.

Harry engoliu em seco, tentando lutar contra a vontade de perguntar você está bem, palavras que Draco não apreciaria, e lutando contra o desapontamento.

Foi aí que Draco, como era de hábito, jogou seus cálculos no chão e pisoteou-os.

- Você pode vir comigo, se quiser - ele disse casualmente.

Harry hesitou. Ele lembrou-se da mulher de expressão soberba, e do fato de essa mulher ser a viúva de Lucius Malfoy. Ele tinha suas dúvidas se queria encontrar Narcissa Malfoy de novo.

Mas por outro lado, ele não tinha mais nada pra fazer... e um dia sem Draco parecia-lhe extraordinariamente sem apelo.

- Tá - ele concordou cauteloso.

Draco lhe deu um breve sorriso brilhante, e recostou-se em sua poltrona, o fogo brincando em seus cabelos, sugerindo então que jogassem baralho.

Foi assim que Harry se achou seguindo Draco meio sem jeito enquanto se dirigiam à mulher esperando na praça de Hogsmeade.

Ela era mais baixa do que Harry se lembrava.

- Olá, mãe - disse Draco - Esse é o amigo que eu disse que traria.

Narcissa olhou para Harry e piscou.

Então ela disse numa voz neutra:

- Esse é Harry Potter.

- Nota máxima pelo poder de observação, mãe - disse Draco calmamente.

Narcissa sorriu e estendeu uma mão a Harry, que a apertou sentindo-se um tanto abobalhado.

- Isso quer dizer que eu não vou receber a próxima edição de "Porque eu Odeio Aquele Babaca Potter, Volume IV, Parte VII"? Que pena. Achei envolvente.

Narcissa não se parecia muito com o filho, que lembrava muito o pai. O cabelo dela era dourado, bem mais escuro, e seus olhos eram de um azul frio. A sua pele era levemente bronzeada.

Mas ela tinha uma certa delicadeza refinada de traços que faziam-na parecer com ele quando falava, ou se movia, e o seu sorriso lento e rico era como o dele.

Harry entendeu o que Draco quis dizer sobre sua mãe. Havia uma frieza em seus olhos, e a forma como ela agia com Draco - graciosa mas distante - era a mesma que usava com Harry. Ainda assim...

- Prazer em conhecê-la - ele disse, pensando se era verdade.

- O prazer é todo meu - respondeu Narcissa secamente - Você parece ser capaz de formar frases coerentes, o que é mais do que eu posso dizer sobre os pobrezinhos Vincent e Gregory.

- Mãe!

Claramente, esse era um assunto favorito da Sra Malfoy.

- Draco não tem bom gosto para amigos - ela continuou - Com a exceção da companhia presente, é claro. Aquela criança, Pansy, sempre me olhou como se eu fosse a namorada não-respeitável que Draco trouxe pra casa, e aquele menino Blaise tentou seduzir pelo menos um de nós.

Harry estava notando que o gosto de Malfoy por conversas chocantes também havia sido herdado.

- Bem, meninos - disse Narcissa - Onde vocês querem ir? Estou inteiramente ao seu dispor.

Os olhos de Malfoy apertaram-se de forma calculista. Harry deu um passo alarmado para trás.

- Não podemos aparecer em público com ele vestido assim.


Robe Wardrobe havia sido uma loja extremamente exclusiva por anos, feita sob medida para atender às necessidades de todo bruxo precisando de um alfaiate. Não obstante, Harry notou que os atendentes fizeram alvoroço em torno de Malfoy com especial ansiedade, quando eles entraram na loja. Draco respondeu às atenções com indiferença entediada, como se estivesse acostumado àquilo. Narcissa sorriu discretamente enquanto caminhava para frente.

Harry desejou ter trazido a sua Capa de Invisibilidade quando Malfoy foi direto a um mostruário de roupas e começou a falar com uma voz alta e imperiosa:

- Seleção pobre, é claro. Oh não, isso ia te deixar ainda mais horrível. Tira esse amarelo de perto de mim e nunca deixem meus olhos verem isso de novo.

Narcissa deu um sorriso calmo de anfitriã graciosa.

- Draco sempre se interessou por roupas. Isso me preocupava bastante quando ele era mais novo.

Harry tentou bater papo com ela:

- Parou de te preocupar quando ele começou a puxar rabos-de-cavalo no parquinho da escola?

Narcissa ficou pensativa.

- Eu não me lembro de ele puxar rabos-de-cavalo. Mas ele deixou algumas pessoas inconscientes batendo nelas com o baldinho e a pazinha. Ele nunca foi de fazer as coisas pela metade.

- Eu fui uma criança encantadora - interveio Draco - Um prazer de conhecer. Tão educado. Tão precoce. E é claro, tão lindo - ele largou uma pilha de roupas nos braços de Harry - Experimenta essas pra começar.

- Os tutores pediam demissão um atrás do outro - murmurou Narcissa, como se estivesse falando de uma criança da qual ouvira falar e não da criança que nascera dela. Ela mostrou onde estavam as cabines para Harry.

- Diziam que ele era um monstrinho despótico. E mordia também.

Harry entrou na cabine hesitante. Para começar, ele não estava acostumado a se trocar em cubículos. E o que era mais, seu trabalho era dificultado pois Draco ficava jogando roupas pra dentro da cabine constantemente.

Era como estar no meio de uma chuva de roupas. E as roupas...

- Malfoy, esses jeans não são do meu tamanho.

- É claro que são - respondeu Draco alegremente - Os que você está usando é que não são.

- Malfoy, nenhuma dessas roupas é do meu tamanho.

- Potter, confia em mim.

- Não!

- Potter, você não quer que todas as meninas fiquem a fim de você?

- Eu... o que... - Harry parou - Elas vão?

- Bem, não - a voz de Draco era pragmática - Mas a gente não pode te "polissucar" em mim por nenhum período de tempo, então isso vai ter que dar.

Com o tempo, a chuva de roupas e os sons de Draco insultando a mercadoria e a equipe a torto e a direito pararam. Harry foi abandonado à dificuldade de entrar nas roupas estúpidas.

- Potter, você não consegue nem se vestir? - gritou Draco - Anda logo, senão eu vou entrar aí pra te dar uma mão.

Harry se vestiu mais rápido do que achava ser humanamente possível. Então ele saiu, sentindo-se inseguro quanto ao caso todo.

- Muito bonito, Harry - Narcissa elogiou.

Draco aproximou as sobrancelhas.

- Mal dá pro gasto, Potter. Próxima!

Ele fez Harry experimentar todas as peças de roupa que havia jogado dentro da cabine. E depois, para coroar a indignidade, ele o fez comprar todas elas.


Narcissa e Harry caminhavam pelo pier do lago de Hogsmeade enquanto o Sol se punha. Harry estava exausto, carregado de sacolas e... sentia-se feliz. Draco não estava por perto.

- Eu presumo que essa estranha camaradagem tenha sido fruto do incidente no Torneio? - perguntou Narcissa de repente.

Ela tinha todo o tato de Draco, por sinal.

- Er, sim - respondeu Harry.

- Mãe, não comece a interrogá-lo - disse Malfoy, aparecendo do nada com um pirulito sabor sangue na mão.

- Onde você conseguiu isso? - perguntou Harry desconfiado.

- Pesquisando.

- Pesquisando o quê?

O sorriso de Draco era luminoso:

- A frase "fácil como tirar doce de uma criança".

- Draco!

- Malfoy!

- Acalmem-se - disse Draco sem dar muita bola, estendendo a mão para o carrinho de doces no fim do pier - Eu disse aquilo pra criar efeito dramático. Ei, eu tive uma idéia.

- Harry, você parece ser um menino doce e bem-criado - observou Narcissa - Não devia se associar a gente como o meu filho.

Draco circulou-os, ainda sorrindo, e encostou-se às grades do pier.

- Vocês podiam se casar - ele sugeriu - Então poderiam juntar seus esforços de me criar como um ser humano decente. Que tal, Potter, você é um herói e tudo, gosta de missões impossíveis.

- Não missões tão impossíveis.

Narcissa e Draco riram.

- Eu acho que os elfos domésticos ficaram com a parte mais pesada de te criar - comentou Narcissa.

O sorriso sumiu do rosto de Draco.

- É - ele disse distante - Eu me lembro.

Ele ficou de pé em cima da grade, e passou a se equilibrar tentando chegar até o fim.

Narcissa observou o filho. Pela primeira vez, Harry percebeu o quão frios eram seus olhos azuis.

- Eu nunca fui uma mulher maternal - ela disse - Nunca me interessei por crianças.

Harry ficou em silêncio, incerto sobre o que dizer.

- O interesse que eu tinha, Lucius desencorajou. Ele não queria que o filho crescesse fraco - a voz clara de Narcissa não demonstrava emoção - Teria ficado tudo bem, se Draco fosse igual a nós. Mas Draco sempre foi um pouco... apaixonado. Ele sente demais, e não consegue esconder o que sente.

Harry pessoalmente achava que Draco era talentoso na arte de ser enigmático. Todavia, ele lembrou-se da voz fria de Lucius Malfoy, da primeira vez que a ouviu, aconselhando seu filho que não era sábio ser nada menos que gentil com Harry Potter. Draco nunca havia dado a mínima atenção ao conselho.

Ele também reconheceu a diferença entre os sorrisos de Narcissa e Draco. Havia um calor por trás do sorriso de Draco, uma paixão que essa mulher não possuía.

Considerando o ambiente onde havia crescido, Draco era bastante demonstrativo.

- Lucius sempre tentou reprimi-lo - meditou Narcissa - Naturalmente, só fez piorar. Você deve ter notado que Draco não é muito receptivo a ser moldado.

Harry murmurou algo mais educado que "isso é totalmente óbvio".

- E agora... Lucius está morto, e fomos ambos deixados sem ele, e Draco acha que... ele, bem. Ele o amava - ela concluiu - E eu deixo ele amá-lo. É mai fácil assim.

Harry olhou para Draco.

- Ele te ama - ele disse num impulso - Deu pra perceber.

A expressão guardada de Narcissa o fez lembrar-se de outro rosto.

- Pobre Harry - ela disse com leveza - Mães ansiosas depositando suas dores em você. Não deve ser nada divertido.

- Eu não me importo - disse Harry baixinho.

- Está frio aqui nessa grade - gritou Draco para eles - Quando é o jantar?

Ele vestia os ares imperiosos novamente, os ares que Harry presumira vinham de sempre ter o que queria. Agora ele refletiu que talvez Draco só conseguisse o que queria se fingisse indiferença.

- Quando você quer jantar, Draco? - perguntou sua mãe.

- Imediatamente! - Draco parou e considerou um pouco - E chocolate quente!

Harry tirou as dúvidas da mente, colocando em seu lugar a incredulidade divertida que sempre o seguia quando estava com Draco.

Narcissa tocou o braço de Harry.

- Estou feliz que seja amigo de Draco - ela disse - Ele queria tanto.

Harry estava ocupado olhando para Draco, que afastava da testa o cabelo tão fino que formava e desformava nós no vento. Ele viu os traços delicados de Narcissa na fineza de seus pulsos, e na estrutura de seu rosto e pescoço.

Ele viu um olhar curiosamente indomável nos olhos que refratavam luz prateada sob o céu pálido.

- Desculpe? - Harry perguntou, distraído - O que foi?

- Nada... deixa pra lá - disse Narcissa.