Luz Embaixo D'Água por Maya
Capítulo 7
Conversa Direta
If you want me all you have to do is ask a thousand questions
Could you put a name to someone elses's sigh?
Could you put a face to someone elses's eyes?
Is it someone that you'd maybe recognize?
But it all fades into morning when you open your eyes.
Draco olhou em volta como um caçador procurando a presa, de pé embaixo das folhas verdes das árvores das pastagens de Hagrid, fazendo muchocho.
- O fim de março – ele rosnou – Trazendo o início de abril. Anunciando a primavera e os dias brilhantes, que por sua vez, se transformam em doces céus de verão.
Ele pronunciou cada inicial como se fosse uma afronta pessoal a ele.
Harry segurou um sorriso.
- E isso te incomoda porque...?
- Eu odeio o verão – disse Draco, apertando os olhos e pronunciando a palavra como se o verão fosse ver uma coisa se ele colocasse as mãos nele.
- Certo – disse Harry indulgente, olhando para a pálida luz do Sol e depois para Draco – Me diz porque.
- O Sol, é claro – contou-lhe Draco – Todo mundo exibindo seus bronzeados podres. Eu acho inaceitável que eu não consiga um. Eu já fiz de tudo. E voc, eu suponho, deve se bronzear?
Harry piscou ao receber o olhar acusador de Draco:
- Bem... um pouco.
Draco bufou indignado:
- Claro. Deixa estar! Eu não ligo. Eu não estou despeitado – ele informou a Harry com despeito – Eu continuo apenas branco que nem um fantasma a cada ano que passa. É ótimo.
O canto de seus lábios curvou-se e ele chutou a grama um tanto maliciosamente.
Harry segurou outro sorriso. Draco agia como um moleque mimado e rabugento às vezes, mas, mesmo assim, de alguma forma, Harry estava começando não só a aceitar o fato, mas a achá-lo estranhamente adorável.
Nunca havia ocorrido a Harry que a pele pálida de Draco pudesse incomodá-lo. Era... parte de Draco, não era?
Harry olhou para Draco. A gola de sua camisa havia descido um pouco, expondo parte da clavícula. O tom de pele fazia seus ossos parecerem mais salientes, como se fossem cortar através da carne delicada. Havia algo de frágil em sua pele, algo que, associado aos cabelos, fariam-no parecer uma criança não fosse pela fria inteligência de seus olhos.
Ninguém tinha a pele que nem Draco.
- Revoltante – ele concluiu como se enojado.
Harry piscou de novo:
- Oh... olha, não. Quer dizer, você é... er... você sabe, muito bonito.
Ele evitou olhar para Draco. Draco olhou para ele escandalizado:
- Seu idiota quatro-olhos! Eu sou lindo pra cacete – ele disse, cruzando os braços – Muito bonito, até parece! Eu nunca fui tão ofendido na vida.
Harry suspirou:
- Deixa pra lá. Talvez esse verão você consiga um bronzeado... ou crie sardas, sei lá.
Draco ficou ainda mais ultrajado:
- Sardas! Isso não tem graça, Potter...
- Er... foi mal.
- Eu diria que sim – murmurou Draco – Muito bonito. Sardas. Uma profanação da minha pele aristocráticamente clara. Um dia, Potter, alguma garota vai te dar um tapa na cara.
- Você vive me fazendo promessas, mas elas nunca se cumprem – brincou Harry – Você me prometeu atenção se eu comprasse essas roupas estúpidas, e elas tiveram absolutamente nenhum efeito.
- É claro. Ginny Weasley apenas aconteceu de querer derrubar mingau no colo.
- Eu... aquilo não teve nada a ver comigo!
Draco abaixou a cabeça para esconder um sorriso afetado, o que era o mais perto que ele podia chegar, Harry pensou, de tentar poupá-lo do ridículo.
- Bem, Potter. Alguma garota um dia vai pescar esse peixe sem noção de moda ou tato... mas eu não estou dizendo que ela não vai ser uma garota de sorte – ele afastou a franja da testa com um movimento de cabeça – Mas não tão sortuda quanto a garota que me pescar, é claro.
- Oh, é claro.
Draco mordeu o canto do lábio pensativo:
- Na verdade, seria uma honra muito grande para não ser dividida. Talvez eu possa ser compartilhado por um grupo seleto.
Harry não conseguiu segurar o riso. Estava um dia bonito, o Sol brilhava, e em um minuto Draco faria caretas para as últimas monstruosidades de Hagrid. Harry recostou-se à cerca, fechou os olhos e sorriu de novo.
O grito cortou o ar.
E antes de sua mente poder registrar o que havia ouvido, antes de seus olhos poderem abrir-se, seus instintos fizeram-no rapidamente agarrar-se ao braço de Draco enquanto este começava a correr em direção à escola.
Eles adentraram o Great Hall, onde um grande alvoroço tinha lugar.
Harry olhou em volta frenéticamente para a confusão de rostos em pânico, rostos que ele não reconhecia, e tentou entender as palavras que não eram nada além de gritos e... era tudo um mar de barulho e medo, mas ele ainda segurava o braço de Draco.
Aquilo o fez sentir-se... seguro, como o rápido olhar de Draco que parecia dizer também precisar do conforto.
Ele mal havia registrado a informação quando o rosto manchado de lágrimas de Hermione apareceu à sua frente, e ele sentiu uma terrível consternação e uma pontada de desânimo, pois ele teria que ir até ela... e ele não queria largar Draco.
Hermione inclinou-se sobre ele ao mesmo tempo que Draco se afastou, e ele o perdeu. Ele assistiu enquanto a cabeça loira sumiu na multidão de Slytherins ao mesmo tempo que ele era cercado de Gryffindors.
Ele viu o rosto aberto e amedrontado de Ron, as lágrimas de Neville descendo por sua bochecha, a cabeça vermelho-vivo de Ginny pressionada ao ombro de Dean por um segundo, e ele soube, ele soube com um horror frio e crepitante antes mesmo da Hermione começar a falar:
- Doze estudantes foram levados – ela murmurou, a voz falhando – Todos de uma vez, Harry, gente de todas as casas e... Seamus se foi. Ele simplesmente... ele...
Ela torcia as mãos e chorava, Hermione, que sempre fora tão brava, Hermione, que nunca se sentia desamparada. Harry segurou a mão dela e ela apertou forte por um segundo, desesperadamente. Então ela enterrou o rosto no peito de Ron e eles se abraçaram, os dedos trêmulos dele nos cabelos dela. Ela ainda segurava a mão de Harry. Harry encostou-se a eles um pouco, os olhos semi-serrados, fingindo... que não sabia. Que eles eram calorosos, unidos, e igualmente dedicados uns aos outros, como quando eles eram mais novos e viviam aventuras mágicas, e nada podia atingi-los.
Seamus. Seu companheiro de quarto, seu amigo. Seamus que ainda guardava a memorabília da Copa do Mundo de Quidditch e tinha uma queda secreta mas amplamente discutida por Padma Patil. Seamus.
Não, pára de pensar nisso!
- Q... quem mais?
O rosto de Ron estava pálido e doentio. Ele parecia não saber informar.
Harry olhou para Dean, que era sempre centrado, mas Ginny ainda estava encostada a ele e sua namorada Parvati parecia desolada. Ele estava ocupado.
Eventualmente, foi Hermione quem falou novamente, a voz abafada pelas vestes de Ron. Hermione era sempre brava o bastante para assumir o controle em situações de crise, mesmo que estivesse tremendo e a ponto de cair aos pedaços.
- Eu... eu não sei. A maioria estudantes mais novos... Orla Quirke, e o irmãozinho de B... Blaise Zabini, e... alguns calouros. Eu não sei o nome deles, eu... - a voz dela se tranformou em choro – Eu não sei...
- Hermione, está... - começou Harry.
Ron, que nunca fora de demonstrar muito, beijou o cabelo dela e a apertou contra si.
- Está tudo bem, amor – ele disse, encaixando a cabeça dela sob seu queixo – Está tudo bem.
O irmãozinho de Blaise Zabini... Harry não pôde evitar olhar para onde estavam os Slytherins.
Draco estava ajoelhado. Harry nunca o havia visto nessa posição. Sua face era pálida e determinada, enquanto falava com um estudante do primeiro ano.
Harry viu seus lábios formarem as palavras: "você não está com medo", uma ordem quase brutal, mas a confiança de Draco pareceu ser transferida para o menino.
Harry continuou observando, sem saber porque a cena o tocara tanto.
Draco então virou-se para Zabini.
Harry tentou ver a expressão no rosto de Zabini, mas sua cabeça estava abaixada.
- Oh, Harry – sussurrou Ginny – O que vamos fazer?
Harry pegou na mão dela e apertou, e ela chegou mais pra perto dele agradecida. Pobre e doce Ginny. Ele ainda podia ser um herói para ela... ou talvez um amigo.
- Eu não sei – ele disse, notando os olhos molhados dela – Mas não chora, Ginny. Por favor.
Ela encostou-se a ele, agarrando-se ao seu braço.
Harry viu o cabelo de Draco tocar de leve na manga de Zabini.
E então os sons de tristeza e desespero acalmaram-se, pois Dumbledore havia se levantado e estavam todos olhando para ele.
O diretor estava mais velho e frágil agora, mas não era a visão da figura dele mas a crença que tinham nele que ajudava.
O único bruxo que Você-Sabe-Quem já temeu.
Hermione e Ginny estavam ambas tentando conter suas lágrimas.
O Professor Dumbledore ainda tinha uma mágica muito poderosa.
- Nós estamos em guerra – ele disse com simplicidade – Em uma guerra, horrores são inevitáveis. Minha consolação está na crença de que vocês sofrerão com coragem. Aqueles que foram levados, eu acredito que vamos recuperar. Aqueles que ficaram, eu sei que irão continuar lutando.
Haviam faces refletindo esperança desesperada por todo o salão.
- Eu sei que posso confiar que vocês serão bravos. O Professor Lupin estará discutindo precauções futuras nas reuniões da Ordem Juvenil, mas a coisa mais importante para vocês agora é que encarem o perigo, e mantenham a convicção de que estamos lutando pelas razões certas e não seremos derrotados.
A tensão foi aliviada em torno de Harry, e uma convicção surgiu nos rostos que o cercavam.
Os Slytherins, Harry notou, olhavam para Dumbledore com respeito mas sem a fé que brilhava através das outras casas. Ele nunca representara para eles o mesmo que para o restante da escola. Draco estava de pé agora, resoluto e loiro e parecendo um pouco um cavaleiro de armadura, se você não percebesse seus olhos. Os Slytherins estavam reunidos em torno dele. Sua mão descansava sobre o braço de Blaise Zabini.
Eles continuaram cercando-o enquanto deixavam o salão, e Harry pensou: cadê o Snape? Eles precisam de alguém... Draco precisa de alguém...
Ele queria poder ter falado com ele um pouco mais, mas Draco estava com os Slytherins agora. Ele era deles.
Então Harry vestiu uma expressão corajosa e colocou um braço fraterno em torno de Ginny, e retornou com eles até a Torre Gryffindor. Eles ficaram todos juntos na sala comunal pois ninguém queria encarar as camas vazias, e além do mais, havia segurança em números.
E Harry disse para si mesmo que pertencia ali, com eles, e era tudo de que precisava, e ele sentia-se reconfortado.
Hermione e Ron encolheram-se no sofá da sala comunal e caíram no sono, segurando-se com força, protegendo-se da dor. Era tarde da noite quando Harry colocou Dean e Neville pra dormir, exaustos e assustados.
- Boa noite, Harry – disse Ginny ao se retirar.
- Boa noite.
Ele pensou no que Draco estaria fazendo agora.
O caminho até sua cama foi percorrido rápido, terrivelmente rápido. Ele tentou não olhar para a cama vazia de Seamus, tentou ignorar os outros fazendo o mesmo, e fingiu que cada movimento dele não era rápido e amedrontado. Harry tentou não pensar que estava sozinho, e que às vezes as pessoas eram levadas durante o sono. Ele tentou convocar a luz do Sol e as risadas de mais cedo.
Não funcionou. Ele se revirava pensando em quem podia ser o próximo: Hermione, Ron, Ginny, Dean... e cercado de pesadelos e ânsia, ele dormiu e...
...Ele estava nadando no lago à noite. Sentia-se peculiarmente pesado na água, como se fosse afundar a qualquer momento.
Mas isso significaria se afogar, não? Ele se sentiu estranhamente em paz com a idéia.
Hermione passou por ele em um dos botes que Hagrid usava para transportar calouros, uma lanterna iluminando o livro que lia.
Ele chamou por ela, e ela disse: "Harry, eu estou muito ocupada. Eu tenho uma guerra para lutar. Você podia ficar quieto?"
Quando o próximo bote passou, ele viu Ron, absorto em diagramas com estratégias de Quidditch. Ele gritou seu nome, mas Ron levantou a cabeça e disse: "Sinto muito, Harry, mas depois que eu terminar aqui eu tenho que passar tempo com a Hermione."
Ele pesava mais e mais.
"Sorvete de limão."
Harry se virou e deu de encontro com Draco na água.
"O... o que você disse?"
Draco riu, um som como as reverberações do lago. Ele nadou para trás, a pele molhada brilhante e pálida.
"Em quem você confia?"
Harry estendeu a mão para o outro, e acordou.
A noite o cercava, e sua cama era mais fria que o lago. Dean e Neville dormiam, ele podia ouvi-los, e ele precisava se afastar da ausência do ronco suave de Seamus.
Ele queria ir falar com Draco, mas era o meio da noite e era para ele estar dormindo. E além do mais, percorrer os corredores a essa hora... Harry se levantou e sentou-se no umbral da janela, assistindo à pálida aurora.
- Acordado, Harry? - perguntou Dean.
- Eu... é. Eu tive um sonho esquisito.
Ele podia falar com o Draco no café-da-manhã.
- Sobre o quê?
Harry franziu a testa:
- Eu... não me lembro.
Draco não estava presente no café-da-manhã, e eles não tinham nenhuma aula conjunta com os Slytherins naquele dia. Durante o almoço ele estava cercado de gente; durante o jantar Harry estava ocupado discutindo com os Gryffindors sobre a separação de Dean e Parvati aquela manhã e pensando se o fato tinha alguma coisa a ver com Ginny Weasley, e Draco havia reservado o campo de Quidditch para aquela noite.
Por algum motivo, Harry assistiu ao treino da janela da Torre, mas ele não viu Draco propriamente até a reunião da Ordem Juvenil.
Draco recostava-se em sua cadeira, sua face muito pálida. Ele tinha pequenas olheiras, e seus cabelos estavam levemente desarranjados. Parecia que ele não havia dormido.
Isso é um absurdo. Alguém devia cuidar dos Slytherins. Ele vai adoecer. Pansy agarrara uma de suas mãos, o que ele permitiu com ares de realeza. Blaise Zabini estava sentado encostado a ele. Todos os Slytherins amontoavam-se em torno dele, mais próximos do que nunca.
Harry entendeu o porquê nas primeiras palavras de Lupin:
- O Professor Snape está fora, tentando juntar informações para ajudar a explicar o recente ataque. O Professor Black e eu tomaremos seu lugar.
Harry refletiu vagamente se eles estavam desesperados o bastante para deixar Sirius dar aula para os Slytherins de novo. Havia sido proibido desde a Guerra de Pontos do sexto ano, quando Sirius e Snape começaram um ciclo vicioso de remoção de pontos e Gryffindor e Slytherin ambos acabaram com pontos negativos. Harry também se lembrava de ter havido uma confusão na frente do escritório de Dumbledore quando todos pararam de gritar e partiram um pra cima do outro. Harry se lembrou de estar tentando quebrar a cabeça de Draco contra a parede quando Dumbledore apareceu.
Draco sempre havia gostado de Snape, e obviamente sabia de antemão sobre sua ausência. Algumas garotas Slytherin pareciam prestes a chorar.
Draco estava olhando para Lupin, e parecia calmo e absorto. Harry não achou que ele parecesse muito abalado.
- Existem novos regulamentos de segurança – continuou Lupin – Estudantes do primeiro ao terceiro anos estão proibidos de deixar suas salas comunais sem um professor. Um monitor estará encarregado de fazer com que isso se cumpra. Ninguém pode deixar o castelo a não ser que seja para uma aula, e os treinos de Quidditch serão supervisionados por Madam Hooch. Não é permitido a ninguém andar por aí sozinho, por nenhuma razão. Isso inclui os Jovens Conselheiros. Harry Potter, eu te vi vagando sozinho pela escola ontem. Não quero que se repita.
Harry viu a expressão preocupada no rosto de Lupin e se sentiu culpado. Mas eu estava indo encontrar Draco. Se a gente não pode sair sozinho para se encontrar, e não pode sair da escola, quando eu vou poder vê-lo?
- Eu sei que muitos de vocês estão tristes – disse Lupin suavemente – Mas a informação que temos de Snape é que as pessoas que perdemos não estão mortas. Vocês-Sabem-Quem anda demonstrando um grande interesse pelo encantamento Captus.
Foi Ginny quem timidamente levantou a mão e perguntou do que se tratava.
Lupin, que sempre encorajava discussão, perguntou se algum outro estudante se habilitava a explicar, e a força da mão de Hermione subindo quase à fez levitar da cadeira.
Mas foi Draco quem falou sem ser chamado, sua voz preguiçosa e quase distraída:
- É um novo formato de um feitiço antigo – ele elucidou devagar; Harry observou seus dedos longos e pálidos brincarem abstraídos com uma pena – Antigamente, quando os bruxos eram mais poderosos e haviam mais de nós, podíamos criar um mundo inteiro, contido em uma pequena esfera, e prender pessoas reais dentro dela. Os bruxos então entravam na esfera, e aquele mundo tornava-se seu reino, e as pessoas seus escravos.
Ele não parecia repelido pela idéia. Pelo contrário, ele parecia intrigado, e um pouco como um desenho daqueles bruxos antigos dos livros do Professor Binn, com traços de puro-sangue, e crueldade refinada.
Ron murmurou algo como:
- Típico de voc, saber...
- Sua namorada também sabe, Weasley – explodiu Draco – A mágica de criar mundos foi perdida, mas acredita-se que magia negra tenha sido usada recentemente para criar prisões dentro de esferas. Mil Azkabans pequenininhas que Você-Sabe-Quem guarda nos bolsos, que Dementores patrulham e das quais ninguém pode escapar. A vantagem para ele, é que ele pode torturar gente do nosso lado para obter informação, e convertê-los, talvez usar os puro-sangues para reprodução arranjada mais tarde. A vantagem para nós é que... há a possibilidade de resgatá-los.
A voz de Ron soou um pouco mais alta:
- Estranho que você entenda tanto de magia negra, Malfoy.
Draco recostou-se em sua cadeira:
- Conheça seu inimigo, Weasley.
- Porque é claro, sua família sempre foi tão oposta à magia negra – devolveu Ron – O seu papai te ensinou...
- Ron, pára! - exclamou Harry.
- Não abre a boca pra falar do meu pai!
A voz de Draco falhou e Pansy estendeu as mãos para ele... ele a afastou com um gesto imperioso. Harry, cuidadoso, não devolveu o olhar chocado de Ron.
- Eu acho que podemos nos reprimir de ataques pessoais, senhores – a voz de Lupin era calma, mas o efeito foi instantâneo – Bem explicado, Sr Malfoy, obrigado. Alguém tem alguma pergunta?
A voz cortante de Blaise Zabini era quase uma acusação:
- É verdade que tem alguém dentro de Hogwarts ajudando o Dark Lord, não é?
Draco andou falando com ele.
Mas fazia sentido, como fez quando Draco contou a Harry. Era algo que todos sabiam, mas que ninguém comentava a não ser na forma de sussurros malformados.
Lupin olhou nos olhos de Zabini. Harry sabia que Lupin não mentiria pra um de seus estudantes.
- Sim... eu acredito que sim. Mas não temos idéia de quem possa ser. Eu só posso pedir a vocês que sejam discretos e fiquem de olho em qualquer sinal de que alguém esteja se comunicando com o outro lado.
Todos os estudantes se olhando com medo e desconfiança podia facilmente evoluir e se tornar paranóia. E talvez esse fosse o plano de Voldemort.
Harry ficou horrorizado ao se pegar olhando para os rostos à sua volta, procurando algum sinal de culpa.
- Obrigado. Os monitores podem acompanhar os outros até suas salas comunais agora. O Conselho Juvenil precisa discutir mais medidas de segurança.
Harry sorriu para Ginny quando esta se levantou, pois ela estava tão branca e assustada, como se não houvesse ainda digerido as palavras de Lupin. Ela sorriu de volta, mas seus lábios estavam trêmulos.
Harry considerou apertar a mão dela, mas se distraiu com a visão de Pansy dando um beijo hesitante no rosto de Draco. Draco permitiu, os lábios de Pansy tocando de leve na linha suave e branca da sua maçã do rosto, e Harry pensou, mas ele não gosta que as pessoas toquem nele, ele não quer que ela faça isso...
Então ela se retirou, acompanhada de suas amiguinhas Slytherins e de Crabbe e Goyle, deixando Blaise e Draco. Harry notou que Blaise trouxe sua cadeira mais próxima a Malfoy depois que eles se foram.
- Certo – disse Lupin com quieta intensidade, assim que a porta se fechou atrás do último não-membro do Conselho – A situação é grave. Todos temos que agir nessa emergência, e é algo que não podemos evitar. Aqui estão mapas de Hogwarts, com pontos de perigo e que podem marcar rotas de escape, e também encantado para mostrar a localização de todos dentro da escola.
A versão de guerra do Mapa do Maroto, cortesia dos Sres Moony e Padfoot.
- Os Professores precisarão de ajuda para vigiar esses pontos de perigo, e com a ajuda do Sr Boot eu fiz um horário para vocês...
Lupin distribuiu mapas e horários, e Harry pegou os dele automaticamente, pegando uma pena para escrever seu nome no topo, e ouvindo Lupin listar os participantes.
- E na terça à noite, Padma Patil e Professora Sinistra guardarão a estátua da bruxa de um olho só...
Uma lista de nomes, e Harry a estava lendo junto com Lupin, e...
- ... e Hannah Abbot vigiará...
- Ei! - disse Harry. A sua voz soou alta demais, absolutamente inapropriada para o momento de planejamento prático mas ele não ligou.
- O que eu vou fazer?
Os olhos de Lupin semicerraram-se, como se para proteger-se da dor de Harry. Hermione evitava olhar para ele. Draco olhou, mas de maneira descompromissada.
- Por que o meu nome não está na lista?
- Bem, Harry. Nós todos achamos que seria mais sábio afastá-lo do perigo. Ninguém duvida que você queira ser útil...
Harry riu de forma irregular, e se não fosse pela faísca nos olhos de Draco observando-o, ele teria duvidado que o som saíra dele.
- Vocês não acreditam que eu possa ser útil. Vocês acham que precisam me proteger.
Era uma palavra simples, proteger, uma palavra feita para ser boa, mas que era sufocante e sem misericórdia.
Eu não quero a sua pena. Eu não quero nada disso. E eu não vou mais aceitar isso.
- Não, Harry, seja razoável...
- Se eu não posso ser como os outros Conselheiros, por que me botaram nesse Conselho estúpido? Estamos aqui para proteger o resto da escola, não ser indefeso e paparicado e... não toca em mim...
Hermione puxou a mão de volta como se Harry a tivesse mordido.
- Harry, você tem que entender que é alvo de Você-Sabe-Quem...
- Nós todos somos alvos de Voldemort! - gritou Harry, pronunciando o nome ferozmente – Isso é uma guerra! Eu não quero ficar seguro quando todos os outros correm risco, eu não quero que ninguém sinta pena de mim, eu não quero ser fraco, e talvez eu não queira ser Harry Potter.
E o segredo estava exposto, o fingimento arruinado, tudo mundo estava chateado e Harry Potter não dava mais a mínima.
- Harry...
- Eu não quero ouvir! Eu não sou um órfãozinho fracote, vocês não precisam me proteger ou tentar me consolar. Eu sou um membro do Conselho, e se eu não posso ser tratado com todo mundo então... dane-se o Conselho. Dane-se o Torneio. E vão vocês todos se danar.
E lá estava a faísca de alguma emoção nos olhos de Draco. Parecia até que ele ia dizer alguma coisa, mas Harry escolheu aquele momento para sair como um furacão da sala.
Harry recostou a cabeça na parede, e disse para si mesmo que não ia chorar.
Ele ainda estava furioso, um nó queimando em seu peito, mas a desolação estava começando a invadi-lo. Ele estava tão cansado disso tudo.
Ele havia explodido assim outras vezes. Incidentes comparativamente menores, mas que providenciaram o script usado dessa vez. Depois de esperar uma quantidade de tempo aceitável, Hermione iria procurar por ele. Então ela o levaria de volta para a Torre Gryffindor, onde todos o tratariam com aquela terrível simpatia.
E ele aceitaria. Ele não podia decepcioná-los. Ele era Harry Potter, pobre vítima patética, bravo menino herói.
Harry rangeu os dentes até sua mandíbula doer.
Ele podia visualizar a cena agora. Os passos leves de Hermione soando no corredor dali a meia hora, a batida gentil na porta, o tato, a ausência de raiva pois todos tinham pena de Harry...
A batida que finalmente veio provavelmente danificou a porta.
- Potter! Deixa eu entrar, ou eu vou quebrar essa porta e usar os pedaços pra afundar essa sua cabeça dura!
Draco. Ninguém podia ser tão aristocrático e puto da vida ao mesmo tempo.
- O que você está fazendo aqui?
- Alohomora! - a porta se abriu com um "vush". Draco estava de pé na entrada, olhando em volta não muito impressionado – O Flitwick não guarda a sala de aula de Encantamentos direito.
- Você podia ter esperado eu abrir – disse Harry agressivo.
- Malfoys são conhecidos por sua enorme paciência – Draco deu um sorriso afetado – Ou seja, as pessos apontam para nós, dizem que carecemos severamente da qualidade mencionada, e contam histórias sobre o meu tio, uma sala de espera e um urso.
Harry logo se deu conta do que Draco estava fazendo ali.
Para oferecer simpatia. Ele era amigo de Harry, e havia visto que ele estava chateado, e sentira pena dele. E agora ele estava aqui para bajulá-lo e levá-lo de volta.
Oh, Draco, eu achei que você era diferente!
- Agora – disse Draco vigorosamente – Que eu estou aqui, eu quero saber que diabos foi aquela exibiçãozinha idiótica de auto-comiseração.
Harry piscou.
Ok. Ainda muito diferente.
E um pouco insultante.
- Eu não estava...
Draco inclinou a cabeça:
- Talvez eu não queira ser Harry Potter – ele imitou em falseto – E talvez o Neville Longbottom não queira ser Neville Longbottom. Eu diria que há grandes chances de esse ser o caso. Tenho certeza que muitas pessoas andam sentindo pena de si mesmas ultimamente, mas eu não as vejo atrapalhando reuniões importantes do Conselho.
Harry ergueu a cabeça de supetão:
- Aquilo não teve a ver só com o Conselho! - como Draco ousava agir como se Harry estivesse errado? Como ele ousava forçar Harry a se defender?
- Ah, mas você fica lá – disse Draco com escárnio – Metade do tempo com cara de sofrimento, deixando todo mundo desconfortável. É ridículo. Eu sugiro que você acorde para a vida.
Harry se levantou.
- E eu sugiro que você não meta o nariz em coisas que não entende!
Ele percebeu que seus punhos estavam cerrados. Draco deu uma olhada para os punhos de Harry, e um canto de sua boca ondulou-se.
- Me ilumine – ele sorriu – Ou me bate, Potter, o que for de sua preferência. Conhecimento é poder, e ter poder é divertido, mas uma brincadeirazinha violenta também não iria mal.
- Ah, sai fora e pára de agir como um bastardo!
Ele não ia bater nele. Ele não ia.
- Eu posso provar a minha legitimidade, Potter. Nem que eu tenha que voltar doze gerações atrás.
Bem. Talvez só uma vezinha.
Harry chegou tão perto de Draco que este afastou a cabeça para trás. Hary tentou manter sua voz fria e constante.
- Pára de rir de mim! Você não sabe como é.
- Como é o quê?
A voz de Draco parecia entediada, e aquilo deixou Harry furioso. Então ele respirou fundo e deixou sair tudo:
- Como é ter a escola inteira sentindo pena de você! Como é todos saberem que você falhou e alguém morreu! Como é ser o pobre e frágil órfão que ninguém deixa fazer nada, que todo mundo protege, que todo mundo puxa o saco. Você já viu. Você sabe. Todo mundo sabe. A maneira como me fizeram... capitão do time de Quidditch, e campeão no Torneio, e a maneira como todos tentam fazer eu me sentir melhor e ao mesmo tempo... ninguém me deixa fazer nada pois eles sabem que eu sou inútil! Eu odeio isso... não dá pra agüentar, e é... e é...
Harry parou, recuperando o fôlego. Eu disse tudo, ele pensou, pasmo. Eu disse tudo, e agora o Draco pode ver...
Os olhos de Draco estavam arregalados:
- Merda – ele disse.
- O quê? - Harry piscou.
- Que merda total é essa que você está falando, Potter? - exigiu Draco – Caiu muito de cabeça quando era criança?
- Malfoy, se você vai fazer troça de como eu me sinto...
- É claro que eu vou fazer troça dos seus sentimentos. É o que Malfoys fazem – Draco levantou o nariz para Harry – E eu também vou perguntar por que você resolveu derramar idiotice sentimental nos meus ouvidos. Pra dizer a verdade, eu me sinto violado. Você falhou e alguém morreu, certa-caralho-mente. Então você não foi capaz de enfrentar o Dark Lord e um grupo de Comensais da Morte sozinho quando tinha quatorze anos. Sim, você certamente decepcionou a todos. Se apenas o Longbottom estivesse em seu lugar, ele teria salvado Cedric Diggory, heróicamente cagando nas calças.
- Não tem graça!
Embora estranhamente fizesse muito mais sentido que: Não se culpe, Harry. Não havia nada que você pudesse ter feito.
Draco continuou com paixão:
- Porque te fizeram capitão de Quidditch, pelo amor de... você está certo, Potter, só pode ter sido a simpatia correndo louca. O que eles deviam ter feito, era dar o cargo para a estrela do time, o seeker mais jovem do século... mas espera um minuto, foi isso que eles fizeram, não foi? Agora você vai me dizer que eles entregaram todas as partidas quando você venceu todos os jogos de que já participou, ou que conseguiu terminar sem desmaiar, desde o primeiro ano. Você ouve a si mesmo quando fica choramingando? Se manca!
Draco parecia extremamente exasperado, como quem gostaria da idéia de quebrar uma cadeira em Harry. Draco não podia ter sido mais grosseiro, considerando-se que os sentimentos honestos de alguém estavam em jogo; ele estava apenas sendo o idiota insensível e egoísta que Harry tinha vontade de esbofetear até a inconsciência e...
Draco fazia sentido. Isso era fantástico.
- Todo mundo puxa o seu saco, com certeza. O que você esperava, andando por aí exibindo o seu biquinho de "desastre emocional"? Eles são Gryffindors, Potter, os bonzinhos imprestáveis, se você não se lembra. É claro que eles vão ser legais com você. Eu duvido que a vida deles gire em torno de te paparicar e proteger, a não ser que você conte a Weasley apaixonada e aquele Creevey sinistrinho. E as pessoas falam que eu sou vaidoso. Eu pergunto a você.
Draco exalou o ar com força.
- Essa escola está cheia de gente que não tá nem aí pra Harry Potter e suas patéticas pequenas crises. Pobre órfão fragilizado. Vê se cresce, Potter, tem estudantes desaparecendo e ninguém tem tempo pra se preocupar com os seus preciosos pa...
- Cuidado, Malfoy.
Harry deu um passo para frente com tanta fúria que quase sentiu o movimento dos cílios de Draco contra seu rosto quando este piscou.
- Vai se ferrar, Potter – mas ele não terminou o que estava dizendo – Onde eu estava? Ah, sim. Demolindo o seu castelinho de ilusões. Eles te protegem porque você é tão bonitinho e debilitado. Estou certo?
Harry não teria dito com aquelas palavras, mas...
- Sim...
- É claro. Tudo faz sentido agora. Eles não poderiam temer por você por razões legítimas. Até porque praticamente todo mundo na escola estragou os planos de dominação mundial malignos do Dark Lord pelo menos uma vez. Lupin não podia possivelmente ter chegado a uma conclusão lógica e decidir que Harry Potter não deveria ficar de guarda, tentando as forças das trevas a invadirem o castelo com assassinato em mente.
Harry piscou. Ele não havia considerado aquele ângulo.
- É isso que você acha?
- Na verdade, não – respondeu Draco – Você-Sabe-Quem te odeia, todos nós sabemos, e eu acho que se a possibilidade existisse de ele te pegar, ele já o teria feito. Eu acho que você é uma das pessoas mais seguras da escola. Mas eu certamente entendo Lupin, e não acho que você precise de alguém segurando a sua mão quando anda pelos corredores.
Foi naquele momento de trêmulo alívio, o pensamento flutuando de que talvez, apenas talvez, Draco pudesse estar certo... que Harry percebeu estar errado.
- Tem o Torneio – ele disse, levantando o queixo – Com praticamente as mesmas tarefas de antes, só pra fazer eu me sentir melhor e fechar um ciclo. Explique isso.
Draco olhou para ele sem acreditar.
- Você tem muita sorte que não te botaram em Slytherin – ele informou a Harry – Se eu tivesse que ouvir esse bláblábá por seis anos, eu teria enlouquecido e te assassinado com uma vassoura.
- Oh, e você tem alguma outra opinião?
Draco empurrou Harry para frente de leve para poder inclinar-se sobre ele.
- Por estranho que pareça, eu tenho. E a minha é muito mais plausível, o que não me surpreende pois a sua é a mais estúpida que eu já ouvi. As pessoas não fazem Torneios internacionais para melhorar o humor de estudantes amuados. As pessoas fazem Torneios para melhorar o humor de toda a comunidade mágica. Você não percebe que Beauxbatons está fechando, e que eles tiveram que tirar o seu campeão dos últimos restos patéticos de uma escola de magia da França? Você acha mesmo que fariam tudo isso por você?
Harry teria respondido não, mas tudo que conseguiu fazer foi encarar Draco com a esperança ganhando corpo dentro de seu estômago.
- Por favor, Potter – disse Draco em seus tons mais desdenhosos – Eles arranjaram isso para dar um pouco mais de coração ao mundo mágico. Foi um simples golpe de publicidade para terem alguma coisa para botar no jornal além dos desaparecimentos. E sinto muito, mas eu não acho que eles vão gastar tempo mudando as tarefas. Estamos no meio de uma guerra, e além do mais... todos ficarão felizes se você ganhar. Você é Harry Potter, afinal. Seria bom para os jornais. Mas eu certamente não acho que foi tudo arranjado por sua causa.
Draco estudou Harry, quase como se desesperado que alguém pudesse ser tão estúpido. Harry estava quase ofegante.
Então ele empurrou Malfoy contra a parede.
- Se você está apenas tentando fazer eu me sentir melhor, eu nunca vou te perdoar – ele jurou.
Draco devolveu o empurrão.
- Eu não tento fazer as pessoas se sentirem melhor – ele respondeu com a voz distante – E eu não minto por nenhum propósito que não me sirva. Então porque você não desiste desse drama amador, Potter, e me diz porquê.
Draco ajeitou as vestes e caminhou até a mesa baixa de Flitwick, encostando-se a ela sem demonstrar nenhum sinal de que sua altura o deixava desconfortável.
Harry seguiu-o com o olhar.
- Por que o quê? - ele perguntou.
Draco sorriu um sorriso afiado e brilhante:
- Se você acreditou que as pessoas pensavam assim de você durante anos... se é isso que te faz parecer uma semana chuvosa de vez em quando... então porque você deixou eles pensarem assim? Você não é do tipo que gosta de enganar. O que você estava escondendo?
Harry se sentou no chão pesadamente.
- Malfoy, não...
Ele ergueu os joelhos, escondeu o rosto entre eles, e talvez ele fosse mesmo uma criança, e Draco podia ser tão impiedoso.
Draco caminhou até ele, e Harry o ouviu sentando-se à sua frente. Harry levantou a cabeça e encontrou o olhar intenso.
- Você pode contar pra mim – ele disse.
- Eu apenas deixei eles acreditarem no que quisessem, ok? - disse Harry de supetão – Não há nada de errado com isso. Se eles queriam acreditar que eu era algum tipo de inocente martirizado, era melhor que...
- E o que você é? - Draco jogou as palavras em cima dele rápida, fria e duramente.
A emoção mordeu no interior de Harry.
- Eu sou... oh, merda!
Ele se lembrou do ódio que sentia pelo assassino de seus pais, e da expressão horrorizada nos rostos inocentes de Ron e Hermione.
Harry não tem vontade de matar ninguém, tem, Harry?
O ódio cego que sentiu por Voldemort apenas ouvindo a história dos pais de Neville, e depois Cedric... sabendo que ninguém iria cogitar o que o menino herói estava realmente pensando, sabendo que não era tão inocente quanto eles e sabendo agora... que ele tinha que contar pra alguém. Draco.
- Eu odeio Voldemort – ele disse com voz rouca, a língua carregada de veneno – Eu o odeio. Eu tenho asco dele, mais do que qualquer um deles possa imaginar, eu quero matá-lo, eu adoraria matá-lo... e não é pra eu sentir essas coisas!
Ele se inclinou para frente, apenas seus joelhos entre ele e Draco, e Draco não hesitou por um instante:
- Eu sinto – ele disse com firmeza – Eu odeio ele também. Não quer dizer que você tenha que odiar a si mesmo.
E aquele frio azedume desolado correu pela voz de Draco, aquela fúria assassina, que Harry conhecia e que o excitava, e a automática repugnância esperada não veio. Nada foi como ele esperava.
Ele abaixou a cabeça entre os joelhos novamente, respirando profunda e desamparadamente.
O toque de Draco entre seus ombros foi suave e breve.
- É por isso que você tem se torturado? - ele exigiu – Você quer vingança e não acha que os outros entenderiam? É perfeitamente natural, é perfeitamente normal, e pode ser que eles entendam. E mesmo que não, que problema há em ser diferente deles e... - Draco fez uma pausa – Potter... você está chorando?
Harry levantou o rosto indignado:
- Não!
Draco ficou visivelmente aliviado:
- Oh. Bem. Acho bom. Eu já ia correr pra chamar a Granger. É só isso, então?
Ele havia escondido tudo tão bem, como um segredo culposo, porque não era para ele ter aquela raiva doentia correndo dentro dele. Como o segredo de quase ter sido posto em Slytherin, que ele nunca havia contado para Ron e Hermione. Mas ele contara a Draco, que era um Slytherin e que entendia dor e ódio e fúria absolutamente letal.
Ele contara a Draco.
- Resumindo – ele respondeu, sentindo-se completamente esgotado.
Ele sentiu o peso de Draco reclinando-se sobre seus joelhos, para olhar em seu rosto, e sentiu-se privado de algo quando o peso foi retirado. Draco pareceu satisfeito com o que vira.
- Você é um pouco idiota, Potter – ele observou sem nenhum rancor na voz.
Harry reclinou-se para trás.
- Talvez – ele disse cansado – Não consigo imaginar porque você concordou em ser meu amigo.
- Obviamente, há o valor de entretenimento – apontou Draco.
Ele fez uma pausa, e Harry viu que ele tinha aquela luz vacilante cintilando em seus olhos que significava que ele estava pensando.
- E por causa de... como você se sente em relação a Você-Sabe-Quem – ele disse finalmente, seus olhos focados em Harry – Porque você também consegue.
A ferocidade do olhar de Draco respondeu a Harry antes mesmo de ele perguntar:
- Consigo o quê?
- Viver – Draco jogou as mãos no ar – Eu quero dizer viver de verdade. Eu não quero dizer existir, com ou sem um propósito, eu quero dizer gostar de existir. Eu estou dizendo... eu não tenho que explicar. Você sabe. Que outra coisa você sente quando está voando?
Harry lembrou-se com vívido poder o que sentiu na primeira vez que montou uma vassoura. Aquela euforia pura... aquilo era fácil, aquilo era maravilhoso.
- Sim, exatamente – disse Draco, ainda olhando-o com intensidade – É isso. É como tudo pode ser. Eu sei disso. É como eu vivo... é como você pode viver. E eles não conseguem, nenhum deles, nem os seus amigos oh-tão-especiais e é por isso que eles não podem estar no meu ou no seu nível. Porque eles não conseguem viver com a mesma fúria.
Fúria. A palavra pareceu estranhamente apropriada a Harry, simplesmente porque ninguém mais a pensaria apropriada naquele momento.
Ele entendeu. Draco não desperdiçava momentos, Draco se atirava neles. A inimizade que Draco sentia por ele era de coração pois ele não sabia ser de outra forma. Draco era extremamente aterrador e extremamente divertido, mas ele era sempre extremo, pois havia paixão ali.
Paixão. Estava tudo na paixão. E era por isso que ele e Draco, mesmo quando inimigos, haviam estado no mesmo nível.
- Eles não são capazes – continuou Draco.
- Não – disse Harry – Eu amo Ron e Hermione.
Draco levantou as sobrancelhas:
- É, bem, e esse é o seu problema, não? O fato de amá-los fez você se sentir culpado por anos. Você se colocou de volta no armário quando decidiu amá-los.
- Não, não é verdade – respondeu Harry – Eu entendo o que você quer dizer. Eu vejo que é o motivo pelo qual você escolheu viver assim. Mas o amor não funciona desse jeito. A possibilidade do perigo faz voar mais divertido. Eu quero amá-los; deixa a minha vida melhor. Até ficar preso naquele armário melhorou a minha vida. Porque eu soube com certeza absoluta depois que eu nunca queria ficar preso de novo.
- Eu não entendo – disse Draco – Eu posso viver, não posso? E eu nunca estive preso.
Harry pensou em Draco durante o passar dos anos, a pura energia que emanava dele em tudo o que fazia, certo ou errado. Era a razão porque Harry o odiava tanto; pois mesmo sendo apenas outro estudante, que não havia enfrentado os poderes das trevas como Harry, ele conseguira se tornar um inimigo que não podia ser ignorado.
E ele havia feito isso porque Harry podia odiá-lo tanto, podia desejar com tanta paixão derrotá-lo de uma vez por todas.
No mesmo nível, certamente.
- Nunca mesmo? - perguntou Harry, mas ele não ousou trazer à tona o nome do pai de Draco.
- Não – disse Draco de supetão, virando a cara para Harry com o mesmo jeito decidido com que fazia tudo.
- Não é errado amar – Harry disse a ele baixinho.
- Quem? - exigiu Draco.
- Qualquer pessoa, como eu amo Ron e Hermione. Não é pelo armário. Tudo fica mais feliz, faz parte de... viver de verdade. Nenhum homem é uma ilha, você sabe.
- Observação astuta. Nenhum homem é um campo de Quidditch também – o canto da boca de Draco curvou-se para baixo – Eu não concordo com você.
Ele sorriu de repente, um sorriso de tal intensidade que poderia ter parecido feliz a ponto de incomodar para outra pessoa que não Harry.
- Mas voltando. Foi por isso que eu concordei com... isso tudo – Draco fez um gesto expansivo – Ok então. Estamos terminados com o seu colapso emocional? Não está pensando sobre a sua infância abusiva?
Ele levantou-se rápido. Harry olhou para cima:
- Hm?
Draco riu:
- Eu perguntei no que você estava pensando.
- Ah. Eu estava pensando em você.
Draco sorriu de leve, um gesto enigmático, e ofereceu-lhe sua mão:
- Nesse caso, talvez você possa se levantar desse chão duro pra gente voltar pra reunião. Eu pedi pra eles esperarem, não sabendo que você ia levar esse tempo todo.
Harry balançou a cabeça sem acreditar, mas não conseguiu deixar de rir:
- Eu gosto daqui. Parece que eu não vou mais poder te ver com muita freqüência.
- Ah, é? - Draco levantou uma sobrancelha – Você vai me ver hoje à noite. Eu prometo. Vai se levantar agora, seu idiota inútil?
Harry estendeu a mão e agarrou a do outro:
- Ok.
Hermione lançou um olhar venenoso para o outro lado da sala, alvejando Blaise Zabini, que semicerrou os olhos e devolveu o olhar.
O seu liderzinho Slytherin não vai trazer o Harry de volta. Ela queria dizer, e dizer com raiva, mas o Lupin estava olhando para ela e ela permaneceu calada. Ela conhecia aquele olhar desolado no rosto de Harry. Harry precisava ficar sozinho depois de ataques assim.
É claro, Malfoy não havia dado tempo dela dizer aquilo pra ele. Assim que Harry saíra da sala, aquele Slytherin intrometido havia levantado-se derrubando sua cadeira, o rosto de Malfoy uma máscara que não traía nada, e ido atrás dele.
Ele não prestava. Hermione sempre soubera. E ela se sentiu quase satisfeita, pensando em como Hary reagiria a isso. Já era hora desse companheirismo bizarro terminar mesmo. Malfoy não era bom pra Harry.
Harry. Hermione apertou os dedos em torno da pena. Ela odiava aquele olhar triste em seu rosto, aquela expressão fechada com o olhar machucado de quem queria ser deixado em paz, e que fazia ela ter vontade de estender a mão e gritar, E não ligo o que for, Harry, você pode me contar, você pode me contar...
Daqui a pouco ela iria ter que procurá-lo.
No próximo momento, Malfoy e Harry entraram na sala. Malfoy tinha o queixo alto no ar, e observava a todos com aquele ar magistral que Hermione achava tão intensamente irritante.
- Sentiu nossa falta? - ele perguntou fazendo ares.
Harry sorriu na direção geral de Hermione com embaraço, e discretamente sentou-se em sua cadeira.
Hermione não era enganada pela pose tímida e modesta que Harry assumia como segunda natureza. Ela olhou para o pequeno sorriso empurrando o canto dos lábios de Harry e o brilho incomum em seus olhos.
Ela não conseguia entender nada.
- Nenhuma idéia brilhante enquanto eu estava fora? É claro que não, eu não estava presente – Malfoy tagarelou para si mesmo com seu jeito insuportavelmente convencido – Vamos discutir a questão da segurança, sim?
Aquilo fez Hermione levantar bruscamente a cabeça. Ela podia odiar Malfoy, mas sabia que ela era vantajoso para o lado deles. Ele e Hermione haviam trabalhado juntos em alguns projetos necessários, e quando não estava fazendo comentários de mau gosto ou se checando no espelho, o garoto sabia planejar.
E além do mais, Harry raramente contribuía. Hermione não podia deixar o lado Gryffindor sair por baixo.
Malfoy estava de pé.
- Existe um espião de Vocês-Sabem-Quem em Hogwarts – ele disse casualmente – Então obviamente, precisamos nos precaver. Nenhuma pessoa pode saber tudo. Nós temos que assinalar áreas diferentes de investigação e proteção para seções diferentes do Conselho e da Ordem.
- Eu tenho que estar incluída em cura e pesquisa – Hermione interrompeu, mantendo o seu tom de voz neutro – Estamos quase fazendo uma descoberta sobre a preservação de lágrimas de fênix. Pode ser crucial num campo de batalha.
Malfoy concordou com um leve movimento de cabeça. Eles haviam há muito tempo estabelecido as fronteiras do respeito fingido.
- O quão crucial? - perguntou Harry – As lágrimas da fênix só afetam feridas físicas. O quanto essas lágrimas preservadas ajudariam se os Comensais da Morte resolvessem usar feitiços? Elas seriam úteis apenas para feridas esporádicas que acontecessem pelo caminho. O departamento inteiro de cura não deveria se dedicar só a isso.
Hermione piscou e pensou se não tinha entrado em um universo alternativo. É claro, Harry sabia sobre as lágrimas dos acontecimentos na Câmera no segundo ano, mas... era tão estranho a ele falar em uma reunião do Conselho Juvenil.
Era muito estranho a ele parecer tão... alerta. Tão vivo.
- Bom argumento, Potter. Tome providências, Granger – disse Malfoy friamente.
Hermione frisou a testa, ele obviamente achava normal.
- Agora. Sobre a questão do quanto devemos confiar a Lupin – continuou Malfoy.
Hermione se levantou.
- Como ousa! Ele é o diretor da Ordem Juvenil. Foi ele quem a fundou. Como você ousa até insinuar que não podemos confiar nele?
Malfoy arqueou a sobrancelha:
- Eu não estou. Eu sei que vocês Gryffindors são almas crentes. Você pode confiar nele se quiser...eu sou um Slytherin, e nós não confiamos em ninguém. E agora, nessa situação, nós absolutamente não podemos confiar em ninguém. Então você tem é sorte de me ter aqui.
- Professor...
- Srta Granger – disse Lupin – Eu não quero forçar ninguém a confiar em mim. O Sr Malfoy está fazendo o seu melhor pela escola. Eu estou disposto a me igualar a todos sob suspeita... e eu acho que ele está certo.
- Ele não suspeita de você – disse Harry, expondo sua opinião novamente.
Os olhos de Malfoy vacilaram brevemente.
- Não – ele admitiu, mais quieto – Eu não suspeito. Mas eu posso estar errado. Já aconteceu, uma ou duas vezes. Agora, que tal colocar Terry Boot na divisão de pesquisas? Sente-se Granger.
Hermione se sentou pesadamente, e olhou para o lado buscando pela habitual troca de olhares "esses-Slytherins-frustrantes" com Harry.
Mas Harry estava olhando para Malfoy, cheio de orgulho.
Draco disse que iria vê-lo essa noite.
Algumas horas mais tarde, enquanto descia as escadas para a sala comunal, Harry duvidou da promessa. Não era que ele não confiasse em Draco, mas era possível que Draco houvesse superestimado suas habilidades...
Harry estava pensando se não seria uma boa vestir sua Capa de Invisibilidade, fingir que estava indo ao banheiro, e furtivamente ir até as masmorras. Ron e Hermione provavelmente desconfiariam se ele estava mesmo passando horas ocupado no banheiro, e os Slytherins podiam ficar alarmados por presenças invisíveis abrindo suas portas, mas...
E então ele congelou no degrau, pois Draco estava na sala comunal deles. Ele estava encostado à parede, falando arrastado com Parvati Patil, que parecia estar encantada.
Harry concordou que Parvati era muito bonita.
- Malfoy – disse Harry.
Draco se virou e sorriu:
- Potter. Crabbe e Goyle me largaram aqui, e eu quero que alguém me acompanhe de volta. Você não abandonaria um inocente necessitado, não é?
Harry sorriu:
- Não tenho certeza se classificaria você como um inocente, Malfoy, mas vou ter que te acompanhar de volta. Só me dá problema.
Draco se afastou de Parvati com um passo, levantando as sobrancelhas.
- Então eu acho que o meu senso de hospitalidade superdesenvolvido me obriga a recebê-la em meu quarto. Que sacrifício. Sempre um prazer, Parvati.
Draco favoreceu-a com seu sorriso mais encantador e Parvati sorriu de volta.
O cabelo dela era longo e brilhante e ela era muito popular e tinha enormes olhos escuros. Ela havia acabado de terminar com Dean. Não era decente.
Draco já estava saindo em direção à porta. Parvati subiu no primeiro degrau da escada, balançando a cabeça e ainda sorrindo.
- Aquele Draco Malfoy – ela disse com a voz baixa e divertida – Sem-vergonha.
- Desculpa?
- Potter, anda logo, eu não pretendo morar aqui. Algumas pessoas aqui são honestas e verdadeiras, e esse tipo de coisa pega.
Harry revirou os olhos e não se apressou quando se dirigiu para onde Malfoy estava, com o olhar martirizado de alguém que está sendo forçado a esperar por um rústico mal-educado.
Isso durou os dois segundos que levaram para deixar os aposentos Gryffindors, quando Draco começou a conversar com a aparência de perfeito bom humor.
- Eu vou dizer uma coisa, vocês Gryffindors tem um alto padrão de beleza feminina – ele observou fazendo ares – Algumas coisas que os Hufflepuffs produzem são simplesmente trágicas. Mas as suas garotas são quase todas atraentes. Tem a Parvati, que é de cair o queixo, e a sua fã Weasley também é uma graça.
- E a Hermione? - acusou Harry.
Draco riu.
- Oh, eu não gosto da menina, mas eu tenho que admitir que ela é muito atraente.
- Malfoy, você não pode dizer coisas assim. E o Ron?
- Não, ele não é nem um pouco atraente.
Draco fez uma pequena careta. Harry se proibiu de rir. Depois de um tempo ele disse casualmente:
- Então, a Parvati. O Dean terminou com ela o outro dia, você sabe.
Ele deixou a frase boiando no ar. Draco se virou para ele, um canto da boca levantado.
- Você acha que eu estou realmente interessado na Parvati? Por favor. Uma Gryffindor inocente – ele puxou uma mecha do cabelo de Harry – Eu tenho padrões, você sabe.
Harry não conseguiu deixar de rir.
- Erro meu.
- O erro é sempre seu, Potter. Então me diz. Alguma chance de você saber jogar poker?
Harry deu um suspiro dramático:
- Então é assim que vai ser. Sem aventuras, apenas jogar baralho com você no seu quarto. Provavelmente vou chorar de tédio.
Ele duvidava que Draco soubesse ser entediante.
Draco estava ocupado assumindo seus ares superiores, que envolviam jogar a cabeça para trás e olhar para o mundo à sua volta com indiferença.
- Não seja absurdo, Potter – disse Draco – Você tem uma Capa de Invisibilidade, não tem? E de acordo com os meus cálculos, você e os seus amigos estão perfeitamente seguros. A gente pode sair amanhã. Enquanto isso, eu vou te ensinar a jogar poker. Um adolescente que não sabe fazer apostas ilícitas, eu digo que é trágico...
Ele se interrompeu.
- Bem, do que você está rindo, Potter? E o que você está olhando? Você não sabe que isso é feio?
- É... - Harry balançou a cabeça. Era o quebrar as regras alegremente, os planos ilícitos, e rir sobre o verão, e essa força intensa e moralmente questionável invadindo a sua vida e fazendo-o sentir-se muito melhor e... ele estava amando tudo. Amando.
- Nada. Vamos pro seu quarto.
