Luz Embaixo D'Água por Maya
tradução: Elnara
Capítulo 8
Tempestades Calmantes
If you want my sympathy
Just open your heart to me
And I'll be whatever you need
Harry quase dormia sob uma árvore, refugiando-se do Sol quente.
A semana inteira fora um sinal do verão se aproximando, uma onda de calor que forçava todos a se despir na medida do possível e esconder-se na sombra. Uma ou duas classes se mudaram para o lado de fora, e Hermione fez Ron ir na cozinha pegar bebidas geladas para ela a semana toda.
A onda começou aquela noite, quando ele jogou baralho no quarto de Draco, e continuou naquela veia suave a semana toda. O calor ajudou todos a relaxar e Harry sentia-se... mais tranqüilo ultimamente.
Ele não parou para analisar seus sentimentos. Apenas fechou os olhos e ficou ali no quentinho, pensando em como era engraçado ver Draco olhando para os bronzeados dos outros como se tivessem lhe ofendido mortalmente.
Bem na deixa, Draco jogou-se na grama ao seu lado.
- Potter – ele disse – Seu preguiçoso inútil, passou a manhã inteira deitado aqui?
- Hmm. Mais ou menos – respondeu Harry – Ron e Hermione estavam aqui há pouco, mas foram embora.
- Pra se agarrar atrás do vassoural – disse Draco imediatamente – Acredite, eu acabei de voltar do campo de Quidditch. Oh, meus olhos. Eu já estava cansado; não precisava ter visto aquilo.
Harry olhou para Draco, que estava deitado de costas com um braço erguido sobre os olhos. Era típico de Draco congelar-se em uma pose teatral para reforçar a impressão de suas palavras.
- Você deve estar cansado – observou Harry secamente – Seu cabelo está uma bagunça.
- Eu te odeio, Potter – informou-lhe Draco – Tenho feito isso claro ultimamente? Eu realmente não gosto nem um pouco de você, que aliás, é tão um pra falar. Algum dia eu vou perder o controle, agarrar a sua cabeça e escovar esse cabelo direito.
- Hmm. Mal posso esperar.
Harry olhou para o lado e viu que Draco realmente estava cansado. A sua respiração estava levemente acelerada, e o colarinho das suas vestes de Quidditch estava aberto. Até o seu pescoço estava rosado.
- O treino de Quidditch foi duro?
- Não sei do que você está falando – respondeu Draco inocentemente – Foi ótimo. A gente vai acabar com vocês na final.
A escola inteira não se surpreendia mais que a final se desse entre Slytherin e Gryffindor. Era assim todo ano, e Gryffindor havia ganho os dois últimos campeonatos. Draco nunca deixava esse detalhe inconveniente desanimá-lo.
Era tão como Draco recusar-se a admitir derrota. O time era composto de sua "Corte", e era um show comandado por um homem só. Draco nunca, Harry refletiu, deixava escapar a mínima sugestão de que não era capaz de comandá-lo, e de forma soberba. O problema de Draco era que ele não conseguia se imaginar sendo outra coisa além de totalmente auto-suficiente.
- Só porque você quer – arrematou Harry. Draco fez uma careta.
As folhas acima deles lançavam luzes e sombras que dançavam suavemente no solo. Harry apertou os olhos contra a mistura verde e dourada acima dele. Era um dia tão calmo, sem brisa, e ele achou que podia ser feliz relaxando aqui com Draco por algumas horas.
Ele não viu Draco na noite anterior, pois este estivera de guarda. O que era provavelmente outra razão para seu cansaço, fato que ele nunca admitiria.
Draco mexeu-se na grama.
- Eu queria algo gelado pra beber – ele resmungou – Eu queria estar em casa. Lá a gente tem elfos domésticos que se prezem – ele se ergueu sobre um cotovelo – Por acaso você não consideraria...?
Aquilo deu uma idéia a Harry.
- Levante-se – ele disse.
- Potter! - queixou-se Draco – Mas você tem que ir pegar a bebida justamente pra eu poder ficar sentado. É aí que está a beleza da coisa.
Harry cruzou os braços implacável.
- Ah, vamos, Potter! Eu estou deitado. Todo suado. Não me faça implorar!
- Não me faça te carregar.
Draco apertou os olhos e lançou um olhar venenoso a Harry. Ele permaneceu deitado por um momento, e então sentou-se de mau humor.
- Vai ter bebidas?
- Eu prometo.
- Oh, tudo bem.
A cozinha fez Draco rir.
- Estou no andar de baixo – ele disse alegremente – Olha, é um forno. Mais bebidas, escravos.
Hermione teria desmaiado ouvindo-o distribuir ordens aos elfos domésticos. O próprio Harry retraiu-se ouvindo-o, mas ele reparou que os elfos olhavam para Draco com aprovação, apressando-se em obedecê-lo, como se finalmente alguém que agia com propriedade houvesse aparecido. Harry escondeu um sorriso.
Draco sentava de pernas cruzadas sobre uma mesa, com vários copos vazios e um estranho sortimento de comestíveis à sua volta.
Harry inclinou-se na mesa:
- Eu não tinha idéia que os pirulitos sabor sangue eram apenas a ponta do iceberg.
- Não vou me rebaixar às suas expectativas plebéias – disse Draco com ares elevados – As pessoas comiam esquilo recheado. Acho que posso comer glacê sem causar esse tipo de comentário malcriado.
Ele empurrou uma colher cheia de glacê goela abaixo, junto com suco de abóbora, para reforçar o que disse. Harry esperava uma oportunidade de avisar a Draco sobre a fina camada branca e grudenta em sua boca.
- Então, Potter, sentindo-se estressado?
- Er, não – disse Harry distraído – Por quê?
Draco gesticulou com sua colher:
- A transferência da terceira tarefa de volta pra Maio, é claro. Estamos em Abril. Já está se sentindo pressionado? Vai ceder, Potter? Vai perder a cabeça?
- É, estou morrendo de nervoso. Passa o suco de abóbora.
Draco abraçou a garrafa contra o peito:
- Não há necessidade de afogar suas mágoas, Potter. Beber nunca é a solução.
Foi sua sorte Draco estar tão cansado. Harry tentou roubar o suco das mãos dele, ignorando os pequenos sons de protesto do outro e empurrando-o para trás. A luta não durou muito, e acabou com as costas de Draco na mesa, e o suco nas mãos de Harry. Draco o repreendeu com um olhar.
- Seu fanfarrão Gryffindor – ele ainda deitava as costas na mesa, observando as lâmpadas acima, que choviam luzes suaves em seus olhos e cabelos – Tomara que seja comido por um monstro no labirinto.
Harry pensou se Draco estaria realmente preocupado com ele. Era difícil ter certeza.
Mas ele gostava de pensar que sim, e tentou reconfortá-lo:
- Não estou muito preocupado.
- É? Está com os olhos fixos na glória? - Draco finalmente sentou-se e deu um empurrão em Harry, os olhos brilhando – Eu sei como você ama ver seu nome no jornal, Potter. Imagina a linha de chegada...
- Não tem linha de chegada...
- Não me atrapalhe com detalhes sem importância. A linha de chegada, a multidão ovacionando, as mulheres desmaiando – Draco fez uma voz que lembrava assustadoramente a de Ginny – Harry Potter, nós te amaaamos!
- Cale-se, Malfoy – Harry não estava achando muita graça.
Draco levou as mãos ao coração:
- Mas eu só quero um autógrafo, uma mecha do seu cabelo, ficar grávida do seu filho...
- Você sabe o quanto é irritante? - Ainda não achando graça nenhuma.
Draco desistiu e apoiou os cotovelos na mesa, dando um sorriso arrogante:
- Você não me acha irritante. Você me adora.
Harry levantou as sobrancelhas:
- E como você chegou a essa conclusão?
- A segunda tarefa, seu idiota. Fui eu quem acordei com a boca cheia de água imunda e uma pequena garantia do que você acha de mim – Draco pegou um pedaço de marmelada, e Harry desejou que ele não planejasse comê-lo com glacê, pois então haveria ainda mais em sua boca – Então não é a glória que você quer. O quê, então?
Harry estudou o outro:
- Eu queria uma garantia pra mim – ele disse.
Draco olhou-o com surpresa, e na pausa que se seguiu Harry consultou seu relógio.
- A gente vai se atrasar – ele adicionou com alarme repentino.
- Pra quê? - perguntou Draco, distraidamente.
- A parada em Hogsmeade que eu planejei pra gente. Eu comentei com você ontem.
- Você esqueceu de mencionar o que a parada era exatamente.
- Não importa. É divertido, eu prometo. Vamos.
- Pra Hogsmeade? Vestindo meu uniforme de Quidditch? Desse jeito? - Draco estava escandalizado – Você deve estar brincando.
- Vamos, Malfoy.
Draco olhou para os céus exasperado:
- Oh, me dá vinte minutos – ele deslizou da mesa com facilidade e caminhou até a saída – Mais uma coisa, Potter. Se a idéia Gryffindor de diversão envolve limpar pinicos em St Mungo's, eu te tranco numa cela e venho embora.
Ok, então Harry riu desse comentário. Mas não contava, pois Malfoy já havia saído pela porta.
Harry olhou desesperançado para a bagunça horrível que Malfoy deixou na mesa.
- Olha, eu posso ajudar...
- Harry Potter não deve nem pensar em oferecer ajuda a um elfo doméstico – disse Winky horrorizada, aproximando-se depressa. Um time de elfos domésticos começou a limpar a mesa na velocidade da luz. Harry olhou em volta, pensando vagamente em falar com Dobby para passar o tempo.
Para sua surpresa, Dobby estava de pé em um canto, o rosto perturbado, mesmo quando Harry cumprimentou-o.
- Dobby está pensando que aquele era Mestre Draco – ele declarou em tons neutros.
Harry esqueceu que Dobby devia conhecê-lo.
- Sim – disse Harry com cuidado – Por que não veio dizer olá?
Dobby não lhe deu uma resposta direta. Tudo o que disse foi:
- Ele está parecendo igual ao pai.
De repente Harry perdeu a vontade de falar com Dobby.
- Você está errado – ele informou-lhe friamente – Ele não é nada igual ao pai.
Dobby ficou calado.
Harry resolveu esperar por Draco na beira da escada de Hogwarts. Draco desceu por ela depois de meia hora, vestindo seu moletom branco e sorrindo para Harry, desarmando-o.
Viu, Harry dirigiu o pensamento ao ausente Dobby. Ele não é como o pai. Nunca será como ele.
- Vamos – disse Harry.
Ele viu que Draco não era o único a se lembrar do adiantamento da terceira tarefa, quando dois repórteres apressaram-se em sua direção no caminho para Hogsmeade.
- Harry, você gostaria de compartilhar...
- Harry, você pode nos dizer...
- Não, obrigado – disse Harry com cansaço – Estou saindo com o meu amigo. Se nos dão licença.
Seus olhos acenderam-se quando viram Draco, e depois de uma troca de sussurros onde Harry pôde ouvir distintamente as palavras "amigo?" e "o filho de Lucius Malfoy?" eles passaram a bombardear Draco com perguntas.
- Sr Malfoy! O que pode nos dizer sobre a segunda tarefa...
- Estamos preparados pra oferecer ouro...
Draco virou a cabeça para Harry, com um sorriso endiabrado no rosto:
- Quanto, exatamente? - ele perguntou.
- Malfoy! - exclamou Harry chocado, arrastando Draco dali.
Draco fez cara de zanga enquanto Harry o levava pelo braço.
- Eu ia inventar uma história super divertida – ele reclamou – Ia eletrificar o mundo mágico. O que você acharia de ter um caso ilícito com um professor?
- Malfoy, você é uma pessoa muito má – informou-lhe Harry severamente.
Draco riu.
- Tem alguma chance de eu comprar um pirulito sabor sangue antes da gente fazer o que você quer?
- Não – disse Harry com firmeza – O cruzeiro vai sair a qualquer minuto.
Draco parou de rir.
Apesar do Sol forte forçando-o a apertar os olhos, e da pele sempre tão clara de Draco, Harry notou que ele havia empalidecido visivelmente.
- O cruzeiro? - ele repetiu.
O grande lago que se estendia até a Floresta, Hogwarts e Hogsmeade foi usado apenas para transporte – e é claro, a chegada aterrorizante dos calouros - durante séculos. Até que alguém percebeu que os bruxos turistas que lotavam a última cidade inteiramente mágica da Inglaterra pediam por algo assim.
O cruzeiro, como todo barco mágico, era movido por um feitiço simples. Haviam encantamentos extras, para manter a direção, e a viagem era sempre segura e constante, não importando o clima. Dar uma volta no cruzeiro era uma atividade popular entre os turistas, e a maioria dos estudantes de Hogwarts havia ido pelo menos uma vez.
Harry veio a última vez no quinto ano, acompanhado de Ron e Hermione. Ele achou que seria legal ir com Draco.
Agora a expressão no rosto de Draco convencia-o rapidamente do contrário.
- A gente não precisa ir, viu – ele disse, andando atrás de Draco.
Draco caminhava em direção à doca, os lábios apertados formando uma linha fina e dolorida.
- Eu quero ir – ele rebateu, com dureza na voz – Por que eu não iria querer? Não tenho medo de um barco maldito. Medo irracional é o pior que tem, meu pai costumava dizer. Significa que você é um covarde estúpido.
- Isso é... interessante, Malfoy, mas...
- Potter. Você queria que eu fosse e agora a gente vai, e ponto final. E agora você podia por favor mudar de assunto?
Harry estava certo de ter captado um brilho quase desesperado nos olhos de Malfoy. Ele sentiu-se deveras infeliz.
- Eu achei que seria divertido ir juntos – ele murmurou, à guisa de um pedido de desculpas.
Draco claramente tentava se acalmar, apesar do sorriso sair com esforço.
- Nós fomos juntos uma vez – ele comentou.
Se descobrir com horror que Draco estava à bordo depois do barco ter saído podia ser considerado "ir juntos". Harry lembrou-se de estar em pé no convés, tentando polidamente ignorar os abraços apaixonados de Ron e Hermione, que haviam começado a namorar aquela semana. Ele virou-se para o outro lado, tentando olhar para tudo menos aquilo, e avistou outro casal.
Draco Malfoy soltou Pansy de seus braços, e ela começou a trabalhar seu pescoço; foi quando Harry o reconheceu, os olhos de Draco batendo nele ao mesmo tempo, seus lábios curvando-se em desprezo. Dois minutos depois Draco passou por ele com Pansy agarrada à cintura e fez um comentário em voz alta, se perguntando como Ron conseguira pagar a tarifa. Ron não ouviu e Harry, sentindo-se excluído, miserável, e com muita raiva, pulara para cima de Draco.
A briga feroz nas pranchas do convés foi interrompida por um barqueiro furioso, que ameaçou dá-los de comida à lula gigante.
Harry sorriu.
- Eu tinha esquecido.
É engraçado como as coisas mudam.
Na época, o barco não incomodava Draco. Ele estava relaxado e até feliz, pelo menos antes de avistar Harry. Harry supunha que ele era feliz com Pansy. Eles namoraram por seis meses no quinto ano, e continuaram amigos depois. Os outros relacionamentos de Draco não duraram nem metade do tempo.
Harry impediu o impulso que teve de perguntar sobre Pansy. Draco não parecia disposto a discutir romances passados. Ele estava obviamente se preparando para algum tipo de provação enquanto Harry comprava os ingressos. Harry desejou nunca ter tido essa idéia estúpida.
Os lábios de Draco estavam drenados de cor.
- Tem certeza que quer fazer isso?
- É claro que tenho – disse Draco agressivo – Eu estou bem.
Ele subiu a rampa com passos largos. Harry notou que ele evitou olhar para a água até estar seguro no convés, e uma vez lá, segurou a barra com tanta força que os nós dos seus dedos ficaram brancos.
- Malfoy, você está bem?
- Sim! - a resposta foi quase um grito.
Harry descansou as mãos na barra de ferro, ao lado de Draco, tentando oferecer algum conforto. Gotinhas de suor povoavam a testa de Draco.
O barco fez um movimento, pronto para sair. Draco agarrou o pulso de Harry com toda a força.
Enquanto o barco saía, o pulso de Harry pareceu pronto para se quebrar num estalo. Draco estava branco como um fantasma, e parecia não perceber a extensão da força que estava usando. Seu corpo inteiro tremeu quando o barco se lançou ao lago.
Então o barco balançou, bem de leve, e Draco perdeu o controle sobre seus nervos.
Ele convulsionou o corpo para frente, e sua face estava cinza quando ele olhou para cima.
- Eu acho que vou vomitar – disse Draco por entre dentes.
Harry o apoiou contra si e dirigiu-se ao banheiro, retraindo-se a cada movimento que o barco fazia. Ele se lembrou, com uma perfeição dolorosa, da segunda tarefa, segurando Draco pois este não podia suportar o próprio peso.
Ele devia ter se lembrado. Mas naquela época, as coisas eram... diferentes, e ele considerou o negócio todo de ter que ajudar Draco Malfoy uma necessidade desagradável.
Na época, ele não estava preocupado .
Na metade do caminho, Draco parou e agarrou as barras em torno do convés novamente. Ele engoliu em seco várias vezes e então falou, forçando sua voz a se manter constante:
- Eu não... eu não vou vomitar. Apenas... me tira desse barco, Potter.
- Mas o barco está...
- Por favor!
Harry olhou no rosto de Draco.
- Ok – ele disse, tentando ser gentil – Tá bom. Só... espera um pouco aqui. Prometo que vou cuidar disso.
Draco conseguiu concordar com um movimento de cabeça. Harry foi atrás do barqueiro.
- Leva a gente de volta – ele disse numa voz que não aceitava argumentos.- Olha, eu não posso... - o homem parou – Ei! Você é Harry Potter.
Harry tentou colocar uma tampa em cima do sentimento familiar de frustração. Ele precisava tirar Draco desse barco, e não importava qual era o seu maldito nome, aquilo não ia ajudar...
Ele teve uma idéia de repente. Obviamente, ele andava passando tempo demais com Draco.
- É isso mesmo – ele disse devagar – Eu sou Harry Potter. E é de extrema urgência que eu e meu amigo deixemos esse barco.
- Você se saiu muito bem – disse Draco numa voz cansada – Pensando bem, talvez você pudesse ter dado um bom Slytherin.
- Muito comovente – disse Harry com sarcasmo.
Draco conseguiu responder apenas com um pequeno sorriso. Eles sentavam-se nos degraus de entrada de uma das lojas de Hogsmeade, que estava fechada para o almoço. Draco abraçava os joelhos, passando mal demais para se preocupar com aparências.
Devia estar sentindo-se muito mal.
- Eu odeio aquelas coisas – disse Draco, usando de veemência pela primeira vez – Eu odeio os feitiços malditos. Fazem o barco se mover por cima das águas e acaba sendo o mesmo que estar na água, pois qualquer um pode anular um simples feitiço como aquele, e aí não há nada que se possa fazer.
Houve uma pausa, em que Harry olhou para Draco e tentou pensar em algo para dizer.
Draco adicionou de modo sombrio:
- Eu não suporto não poder fazer nada.
Harry sentiu um impulso de... oh, pegar a mão de Draco na sua, ou algo assim. Mas Harry não era bom em oferecer esse tipo de gesto, e de qualquer forma, Draco nunca parecia acolhê-los bem.
- Vai ficar tudo bem – ele terminou por dizer, chegando depois à conclusão de que fora algo estúpido para se dizer.
Draco lançou-lhe um breve olhar, um brilho de pura consciência atravessando seus cílios, e então seus olhos mudaram de foco. De repente ele parecia não estar ciente da presença de Harry ao seu lado.
Estranhamente, quando ele lhe dirigiu a palavra, a impressão se tornou mais forte:
- Meu pai gostava de andar de iate no lago.
- Você tem um iate?
Mesmo nas presentes condições, Draco conseguiu afetar ares superiores:
- Nós somos Malfoys. O lago também é nosso – seu olhar ainda estava fixo na meia-distância, voltado para dentro – Ele costumava levar eu e minha mãe a passeio no lago durante as férias. Ele... conversava comigo sobre estratégias de Quidditch, ou notas de provas. Era... divertido.
Não soou divertido para Harry. Mas ele sabia que Draco não fora exatamente criado com amor. Lucius Malfoy demonstrar algum interesse na vida pessoal de Draco era talvez o mais próximo da afeição que ele havia experimentado.
- Era o quinto ano... férias de Natal – disse Draco com dificuldade – Minha mãe estava doente e não pode ir. Éramos só eu e meu pai, e o... barco parou de se mover.
Draco parecia estranhamente pequeno, sentado ali. Sem aquele ar de autoconfiança inabalável, ele parecia tão jovem.
- Então começou a tempestade. O céu estava negro e a água em torno de nós selvagem, mas o barco continuou parado e... meu pai me mandou não ter medo.
Harry conhecia Lucius Malfoy o suficiente para saber que suas palavras haviam sido um comando, e não conforto oferecido de pai para filho. Ele podia ver a tempestade mágica cercando o barco condenado, o céu ferido de marcas, o jovem Draco desesperado no convés, e aquela ordem fria soando no ar.
A tensão inerente na voz de Draco dava a impressão de que ele gostaria de chorar, se fosse outra pessoa, em um mundo diferente.
- Palavras soaram e tinha alguém lá... e o barco partiu-se ao meio. Eu estava agarrado a uma prancha gritando, mas ainda assim pude ouvir... ainda assim ouvi... - ele engoliu em seco dolorosamente – A maldição que mata. Eu a ouvi, e vi a luz através da tempestade e...
Draco obviamente não conseguia mais continuar. Seus olhos continuaram fixos naquela visão particular, o rosto se esforçando para manter a compostura de um Malfoy.
E eu não senti muito por ele, pensou Harry. Eu não perguntei como aconteceu. Eu não dei a mínima. E ele presenciou tudo, viu um pai que amava ser assassinado e...
Ele teria feito qualquer coisa, naquele momento, para consertar tudo. Ele sentiu um impulso violento de... oh, agarrar Draco, segurá-lo em seus braços como se tudo fosse melhorar se ele apertasse forte o suficiente, enterrar o rosto em seu ombro e formular algum tipo de desculpa contra o seu pescoço. Mas ele não fazia idéia de como perpetrar tais movimentos, e de qualquer forma, sabia que deixaria Draco horrorizado.
Ao invés disso, ele tocou os cabelos de Draco levemente.
Draco não afastou a cabeça de seu alcance em rejeição como ele achou que o outro faria. Ele continuou sentado, cego para o mundo real, como se aqueles pensamentos lhe tivessem atormentado por dois anos inteiros, e agora ele absolutamente precisava colocar tudo para fora.
- Meu pai foi assassinado por Você-Sabe-Quem. As pessoas dizem que ele o apoiava, e eu acho que sim, no começo, porque ele não gostava de Muggles, mas ele deve ter percebido que Você-Sabe-Quem era louco e estava indo longe demais. O meu pai sempre quis que os bruxos fossem respeitados, mas eu o conhecia. Ele teria estabelecido o limite antes do massacre, de crianças inocentes sendo raptadas e famílias destruídas. Ele deve ter se voltado contra Você-Sabe-Quem. Quer dizer, as pessoas não saem matando seus cúmplices. Faz sentido.
Pessoas sanas e normais não saem matando seus cúmplices, não, pensou Harry. Mas fazer alvo de crianças, assassinar Muggles, e planejar dominação mundial... como esperar que as ações de Voldemort façam sentido?
Ele não formou as palavras. Ele apenas acariciou os cabelos de Draco, tentando pensar em algo para dizer.
Você conhecia o seu pai, Draco?
Harry conhecia Lucius Malfoy. O homem que teria "estabelecido o limite antes do massacre" dera um diário a uma criança com o objetivo de matar dezenas de estudantes inocentes, e havia estado perto de Harry em um círculo de Comensais da Morte, rindo enquanto Harry enfrentava Voldemort.
A primeira vez que Harry ouviu a maldição que mata pronunciada contra um ser humano foi no cemitério, onde Lucius Malfoy apareceu e jurou lealdade àquele que a pronunciara.
Mas Draco, que normalmente via tudo com muita clareza, obviamente não era capaz de enfrentar os fatos sobre seu pai. E ele não podia saber de nada disso.
Harry não queria ser ele a contar ao outro. E se tivesse sido o pai de Harry a morrer, um pai que tivesse vivido tempo suficiente para ganhar seu amor? Harry também teria querido acreditar no melhor sobre seu pai.
Além do mais... Draco havia dividido tudo em confiança.
O que ele podia dizer?
- Oh, Draco... - foi um pequeno choro de dor.
Draco sorriu fracamente, e Harry percebeu que era a primeira vez que ele o chamava assim.
Não havia sinal de desagrado no sorriso, o que Harry viu como uma licença para continuar fazendo-o.
- Eu sinto tanto – disse Harry, o que ele considerou algo extremamente patético de se dizer.
No entanto, Draco parou de tremer como um animal ferido, e Harry percebeu que não devia estar se saindo tão mal assim.
Ele não teria se importado de sentar mais tempo ali com Draco, mas o comerciante vinha pela rua no intento de reabrir a loja, e olhou para os dois rapazes inoportunos com severidade.
- Então vamos voltar? - perguntou Draco cansado.
- Na verdade – disse Harry – Eu estou morrendo de fome.
Draco levantou o canto da boca.
- Me leva pra perto de comida e eu te mato.
Harry riu.
- Bem, eu pensei em comprar um sanduíche, aí a gente podia ir pra beira do lago...
- Você está completamente maluco, Potter?
- Dá pra você jogar pedras no lago e provocá-lo pois ele não pode mais te fazer mal.
Draco fez uma careta, mas pareceu considerar.
- Tá – ele decidiu-se finalmente – Acho que eu gostaria disso.
Draco se inclinou sobre seus joelhos por um momento, como se estivesse preparando-se para carregar um enorme peso.
Tudo que Harry sabia era que queria carregar o peso para o outro, e sentiu uma dor no peito, pois a confidência era o máximo de apoio que Draco queria dele.
Zabini e Pansy Parkinson passaram por eles, olhando para Harry e Draco de um jeito estranho. Harry percebeu que ainda acariciava os cabelos de Draco.
Draco fingiu não vê-los. Harry ficou sem reação, não estando familiarizado com a arte do fingimento.
- Eles... eles sabem?
Draco cruzou os braços de modo defensivo.
- Eles sabem que meu pai morreu. Eu... não, eu não lhes contei mais nada.
Realmente, era muito errado sentir prazer assim quando Draco ainda estava claramente abalado.
- Eu costumava discutir com ele o tempo todo – disse Draco suavemente – Ele estava apenas tentando me ajudar a ser melhor, e eu tinha orgulho dele, mas eu o ressentia e eu... eu nunca gostei de receber críticas.
Harry se lembrou de novo do verdadeiro Lucius Malfoy.
Draco queria lembrar-se dele assim. O amor sempre distorce a imagem dos mortos, pensou Harry, sempre prevenindo um julgamento realista e deixando-nos de luto por uma fantasia. Mas não seria certo tirar assim o sonho dos que amam, e no fim, um julgamento realista seria cruel.
Draco parecia tão cansado e perdido em sua dor que Harry, ignorando um ignóbil sentimento de desapontamento, disse:
- Você não vai fazer nada hoje à noite. Precisa dormir. Vai direto pra cama quando a gente voltar.
A boca de Draco tomou aquela curva debochada, que ultimamente Harry quase sempre interpretava como um sorriso:
- Ooh, é claro, mamãe.
- Cale-se e vem comprar um sanduíche comigo, Draco.
Ele olhou para Draco tentando assegurar-se de que estava tudo bem chamá-lo assim, e o outro pareceu não ter achado nada de mais.
- Você vai me botar na cama e me contar uma história? - perguntou Draco.
Draco, a esse ponto, estava rindo da cara de Harry, e Harry sentiu ao mesmo tempo conforto e um certo arrependimento com a volta daquele olhar confiante e debochado.
Ele suspirou e ofereceu uma mão a Draco.
- Voando com os Cannons continua sendo tão fascinante mesmo depois da trigésima-segunda leitura, Harry? - provocou Hermione.
- Hmm? - Harry ergueu os olhos – Bem, é um ótimo livro.
Na verdade, ele havia emprestado o livro a Draco na semana passada, e o danado o devolvera cheio de pequenas anotações nas margens. Harry estava folheando o livro e sorrindo da imensa cara-de-pau do outro.
Não que ele houvesse mentido. O livro era ótimo.
Hermione sorriu para ele com afeto, a luz do fogo brincando em seus olhos escuros. Harry chegou à conclusão de que ela estava apenas relaxando, pois o livro descansando em seu colo não era didático.
Harry olhou em volta da sala comunal, sentindo uma afeição por todos ali invadir seu peito. As coisas haviam melhorado. Apesar da situação assustadora, todos se mantinham fortes, e nesse momento, pareciam felizes.
Dean ria baixinho com Ginny, enquanto imitava a letra do Professor Snape escrevendo uma carta de amor para Sirius. Ron desenhava um mapa para Adivinhação que devia ter sido entregue semana passada. Lavender e Parvati faziam turbantes, numa tentativa malsucedida de se parecer mais com a Professora Trelawney, e Neville tentava fazer seu sapo cruzar com uma fêmea desinteressada.
Então Ron disse, tentando parecer que brincava, mas falhando:
- É bom tê-lo de volta. Com você sempre andando por aí com o maldito Malfoy, eu já estava me esquecendo do seu rosto.
É claro que não era nada de mais. Harry sabia que Ron não gostava de Draco, o que era justo, pois Draco o desprezava por sua vez, e Harry não queria se meter... mas de repente Harry lembrou-se com vivacidade do rosto infeliz de Draco naquela manhã, e sentiu um impulso de protegê-lo.
- Eu ficaria agradecido se não falasse assim de Draco – ele disse de supetão.
No outro lado da sala, Ginny parou de rir. Hermione ergueu olhos perturbados de seu livro.
Ron franziu as sobrancelhas.
- Quem? - ele perguntou.
- Você sabe o nome dele – disse Harry, tentando suavizar a voz mas falhando completamente.
- Oh, eu sinto tanto se eu disse algo que ofendesse o seu novo melhor amigo – disse Ron, contendo a voz – Desde que todos sabem como ele é tão polido e educado.
- Eu sei que ele age como um idiota às vezes – disse Harry, com a voz controlada – Mas ainda assim não quero ouvi-lo insultá-lo.
O Ron de alguns anos atrás teria atirado algo na cabeça de Harry. Esse Ron respirou fundo algumas vezes, e disse algo que Harry achou muito pior.
- Olha, a gente fica preocupado, está bem? A gente se importa com você, seu idiota. E eu não quero te ver todo amiguinho de alguém em quem não dá pra confiar.
É claro que Harry também gostava de Ron, e estava quase calmo e quase respondeu com gentileza, mas aquele... instinto de proteger Draco voltou, e ele quase não se controlou.
- Como assim, não dá pra confiar?
- O que você acha? - cuspiu Ron – Se tem um espião em Hogwarts entregando crianças nas mãos do Dark Lord, quem mais poderia ser se não Draco Malfoy?
O burburinho entrou em erupção à volta deles.
Gryffindors mais jovens começaram a cochichar entre si, excitados. Ginny soltou um pequeno gemido de aflição, olhando Harry no rosto. Dean e Hermione disseram algo calmo e sensato e foram ambos completamente ignorados. Parvati levantou-se e declarou em voz alta que ninguém devia fazer esse tipo de acusações. Neville reclamou que estavam estragando a disposição do sapo, numa tentativa de contornar a situação.
Harry ouviu, com estranha clareza, Lavender inclinar-se sobre Neville e dizer-lhe suavemente:
- Eu acho que os dois são machos. Não vai dar certo.
Harry, estranhamente desligado de sua fúria, sentiu o sangue deixando seu rosto.
Sua voz soou baixa, mas extremamente fria:
- Como ousa?
O rosto de Ron estava afogueado mas resoluto:
- É apenas senso comum, Harry – ele disse com raiva – Pense sobre...
- Eu não quero ouvir! - gritou Harry. O silêncio caiu sobre a sala comunal, fazendo-o respirar fundo e controlar o volume de sua voz – Acho bom você desmentir o que disse.
Ron claramente não tinha a mínima intenção de obedecer:
- Tem que ser alguém do Conselho – ele argumentou – Mesmo você deve suspeitar... - Harry o encarou – Tirando a Hermione... eu suspeitaria primeiro de alguém no Conselho.
Harry deu um passo para trás, procurando a porta com mãos cegas.
- Não quero mais te ver hoje – ele disse, ao invés de bater no amigo.
- Onde você vai? - exigiu Ron furioso.
- Porra, Ron – ele disse, virando-se de costas – Onde você acha que eu vou?
Harry saiu correndo da sala comunal Gryffindor sem dar outra palavra. A voz de Ron continuou zumbindo em seus ouvidos e o instinto protetor gritava dentro dele, sabendo que Draco estava em sua cama, e ele enfrentaria os Slytherins pois ele tinha, absolutamente tinha que vê-lo imediatamente...
E ele andou e andou e... encontrou Draco, saindo das masmorras.
Harry ficou ali de pé, o alívio inesperado invadindo-o, e os olhos de Draco arregalaram-se ao vê-lo. Surpresos e prateados e fazendo-o sorrir.
- Oi.
Draco parecia procurar algo espirituoso para dizer, mas obviamente fora pego desprevenido. Finalmente ele revirou os olhos e enfiou as mãos nos bolsos.
- Olá.
- Nada de socializar com os Slytherins hoje? - perguntou Harry.
- Mas é claro. Fique à vontade, entra lá e seduz a Pansy. Temo não poder acompanhá-lo. Nesse momento eu sou persona non grata por lá.
Harry preferiu ficar onde estava:
- Eu, hm, meio que briguei com o Ron – ele disse – Acho que nenhum Gryffindor gostaria muito se eu voltasse lá.
- Nesse caso, vai morrer em algum canto. Eu vou fazer um social com o velho e querido Weasley e a Granger, como me parece que ainda tenho meu status de príncipe por lá.
- Só se for de Príncipe das Trevas.
Draco sorriu:
- A personalidade real do ano, na minha opinião.
Harry começou a descer as escadas, e Draco o acompanhou.
- Então, agora eles te odeiam? Vão te queimar? Te obrigar a passar para a Hufflepuff pois a fogueira seria misericórdia demais?
- É, Draco. Vão, sim – disse Harry – Aí vai ficar tudo bem no dia seguinte.
Ele não pretendia repetir aquela loucura para Draco. Além do quê... estar com ele novamente fazia-o sentir que as coisas realmente ficariam bem no dia seguinte. Ele tinha em si perdoar Ron, que não conhecia Draco, ou não poderia ter dito algo tão estúpido.
- Dia seguinte? Se está sob a impressão bizarra, Potter, de que eu vou segui-lo por esses corredores cheios de correntes de ar até amanhã, ficará severamente desapontado.
- Tudo bem. Que tal a sala de Poções?
Draco apenas sorriu.
- Os rumores são todos mentirosos – ele disse.
Harry piscou:
- O quê?
- As histórias sobre você, Potter. Essa sua imagem de pobre órfão pequerrucho de humildade frágil, choramingando que ninguém o ama. Você espera que eu passe a noite numa sala de aula vil das masmorras só para te fazer companhia. Você não percebe que eu fui criado no colo da luxúria? Que ego.
- Draco, você vive nas masmorras, não tem o direito de comentar sobre o ego de ninguém, e tenho certeza que lhe faria bem sentar-se brevemente... no colo de outra coisa que não a luxúria.
O nome "Draco" ainda rolava estranho em sua língua.
- Eu gosto de luxúria – protestou Draco – A luxúria e eu somos muito chegados.
Ele seguiu o outro mesmo assim e quando Harry desistiu, vencido pela porta da sala de aula, Draco inclinou-se e murmurou algo de encontro à fechadura.
- Senha – ele explicou enquanto a porta se abria – O Professor Snape me contou a senha quando eu dava aula particular de Poções pro Goyle.
- Então foi assim que ele conseguiu passar – comentou Harry, adentrando a sala, que parecia menos sinistra quando não havia uma aula prestes a começar – Você deve ser um tutor incrível.
Draco entrou na sala e sentou-se na mesa do Snape, erguendo os joelhos e descansando o queixo sobre eles. Agora Harry não conseguiria mais ver o Snape fazendo uma poção naquela mesa sem imaginar um loiro sorridente em seu lugar.
- Eu tenho muitos talentos.
- Tenho certeza que acha que sim – Harry encostou-se na parede ao lado da mesa, de onde observou Draco levantar uma sobrancelha fingindo estar ofendido.
- Ficaria surpreso com todas as coisas que eu sei fazer – Draco fez uma pausa – Essa briga com o Weasley foi por minha causa?
Harry fez uma pausa por sua vez.
- Talvez – ele respondeu finalmente – Por que estava vagando por aí quando eu mandei você descansar?
Draco deu um sorriso.
- Procurando alguém para levar pra cama – Harry continuou encarando-o e Draco desistiu com um suspiro – Eu briguei com Blaise.
Harry deu um sorriso torto e deixou-se escorregar pela parede até o chão.
- A briga com o Zabini foi por minha causa?
Draco deu outro suspiro mais dramático, e descendo da mesa do Snape foi sentar-se ao lado de Harry, as mãos segurando os joelhos.
- Talvez.
Harry olhou para os joelhos de Draco, seu olhar focando-se em uma das mãos feitas mais pálidas pelo contraste do jeans escuro.
- Draco... - mesmo quando o outro estava triste ou distraído, havia um certo charme em poder chamá-lo assim. Ele pegou no pulso de Draco e puxou a mão dele para si.
Draco observou com o rosto impassível, e permitiu.
Harry pegou a mão do outro em ambas as suas e a virou, para examinar os nós dos dedos.
- Draco. Você bateu nele?
A boca de Draco formou uma curva que não era de escárnio e tampouco um sorriso.
- É. Bati.
Harry ficou levemente chocado.
- O que ele disse?
- Nada que você precisa ouvir – respondeu Draco, com a voz séria pela primeira vez – Nada que fosse verdade.
Harry olhou para a mão de Draco, pensativo.
- Ele bateu de volta?
Draco soprou o ar pela boca, num sinal de desdém.
- Nem pensar.
- Que bom... - a mão de Draco não estava tão danificada – Você não precisa me contar se não quiser.
Harry pouco ligava para os insultos estúpidos produzidos por Blaise Zabini. O que importava – a única coisa que importava – era a reação de Draco a eles.
- Potter – Draco disse divertido – Você ainda pretende devolver minha mão?
Os dedos de Harry pareciam mais escuros contra a pele de Draco.
- Não sei – ele meditou – Eu gosto dela.
Draco riu.
- Pode ser que sim, mas eu preciso dela pra um bando de coisas. Vou ter de insistir que seja retornada, mesmo sabendo que até um gancho ficaria lindo em mim.
Harry abriu os dedos e Draco removeu sua mão.
- É seguro supor que nossos amigos disseram coisas parecidas contra nós – disse Harry.
Draco ergueu as sobrancelhas:
- Se esse for o caso, estou chocado com o jovem Weasley.
Harry riu:
- Você é um crianção.
- Eu sou um Slytherin – respondeu Draco complacente – Somos todos crianções. E fazemos uso de linguagem que eu nunca esperaria do Weasley.
- Ele não gosta de você – contou-lhe Harry.
O aspecto de Draco tornou-se vagamente preocupado:
- Eu... estou mesmo bagunçando a sua vida, não é, Potter?
- Como assim...?
- Não tem problema se você quiser, você sabe, desistir. Às vezes as coisas dão problema demais – Draco continuou com voz suave.
- Não! Quer dizer, nós somos amigos. Eu não ligo pra mais nada. Eu acho que vale à pena... e você não me dá mais problema do que eu dou a você – Harry quase desprezou a si mesmo, por deixar a infelicidade fazer-se tão clara em sua voz – É... é isso? Você quer desistir?
Draco olhou-o e pareceu meditar, considerando as palavras de Harry, que por sua vez tentava não demonstrar sua preocupação.
- Nah – disse Draco eventualmente – Vou te manter por perto.
Harry não conseguiu impedir um sorriso. Draco devolveu o gesto, só um pouco, com um sorriso fraco e provocante.
- Não importa o que aconteça, eu nunca desistirei – disse Harry – Nunca. Eu... quer dizer... oh, você sabe, Draco.
Draco ergueu uma sobrancelha:
- Oh, eu sei de tudo. Não graças a você, é claro, que é a pessoa mais inarticulada que eu já tive o prazer de conhecer – o canto de sua boca curvou-se – Bem. Está resolvido, então.
O corpo de Draco pareceu relaxar, deixando Harry saber pela primeira vez que a tensão existira. Draco pendeu a cabeça para trás e fechou os olhos, e Harry pensou se alguém mais tinha permissão para ver Draco Malfoy com a guarda abaixada, seja por estar triste, aliviado ou simplesmente cansado. Ele desejou que não.
- Ei. Potter – Draco cutucou o outro – No que você está pensando?
O ombro de Draco era quente e sólido contra o seu. O contato era reconfortante e oferecia segurança, pois isso não era o mesmo que saber absolutamente que Ron sempre estaria com ele. Quase tudo concernente a Draco era incerto e diferente... mas ele estava ali, não estava, e isso devia contar para alguma coisa.
Ele virou o rosto para Draco, cujo perfil não demonstrava nada, e sorriu para ele provocando-o:
- Por que você não me diz no que está pensando?
Draco virou-se para ele, o rosto tão próximo que Harry vislumbrou o calor brilhando em seus olhos antes deste se transferir para os seus lábios na forma de um sorriso.
- Estou pensando na sua vida amorosa.
Harry arregalou os olhos e Draco riu da expressão em seu rosto.
- Er. O quê?
- Bem. A Ginny Weasley não serve pra você. Acho que podemos mirar um pouco mais alto que uma Gryffindor. Devíamos arranjar uma boa Slytherin para você – sugeriu Draco jovialmente.
Harry revirou os olhos para Draco, que falhou em ver a reação do outro.
- A Pansy até que dava, mas eu não sei se você gosta dela, e além do mais... ela odeia você – ele fez uma pausa, considerando – Que tal a Morag?
- Eu não a conheço – respondeu Harry, deixando implícito e não quero conhecer.
- Você pode conhecê-la. Vamos, Potter, o que você pretende fazer de todas as suas sextas?
- Eu posso ver você.
- Acho bom ser muito legal comigo se pretende acabar com a minha vida social.
O que, Harry notou, não era o mesmo que não.
- Eu passo a Morag, mesmo assim.
Draco deu um bocejo, que escondeu dentro da curva da mão.
- Tudo bem. Mas não sabe o que está perdendo – ele virou o rosto para o outro lado e bocejou novamente.
Harry piscou:
- Você está exausto.
Haviam sombras sob os olhos de Draco e a tensão puxava de leve o canto de seus lábios. Isso era ridículo. Ele devia estar na cama.
- Só um pouco – Draco bocejou pela terceira vez e deitou-se sobre as pedras das masmorras, com movimentos lânguidos, usando os cotovelos para se esticar – Não me deixa dormir aqui – ele ordenou – Nada de dormir em lugares sem travesseiro de agora em diante. É desconfortável, e eu não sei se agüentaria a vergonha.
Harry se esticou nas pedras ao lado do outro.
- Pára de ser ridículo – ele disse – Não é vergonhoso ficar cansado que nem todo mundo. E você precisa descansar.
Draco franziu o cenho de leve:
- Não faz estardalhaço, Harry – ele resmungou com sono.
A respiração de Draco se tornou lenta e profunda.
Harry olhou para o outro. Ele me chamou de Harry, ele pensou, um pouco surpreso.
E então sorriu.
