Nota: Desculpa pela demora. O capítulo 12 também já está terminado, e eu já mandei pra minha beta. O ff tava de frescura então eu fui obrigada a usar formatação americana para os diálogos, portanto eles estão entre aspas, ao invés de travessão. O texto ainda ficou com uns probleminhas, mas eu fiz o que pude. Depois eu encaminho vocês pra minha página. Usei a tradução da Ptyx para "parseltongue": Parselíngua. Desculpa mais uma vez.
Luz Embaixo D'Água por Maya
tradução: Elnara
Capítulo 11
Quando a Escuridão Avança
I looked into your eyes
They told me plenty I already knew
I never let myself believe that you might stray
I thought, I'd be with you until my dying day
Era sexta-feira de manhã, quatro dias depois da final do Torneio, e Harry acordou com sua cicatriz queimando.
Acontecia com freqüência, nos últimos tempos, pois o poder de Voldemort aumentava. Harry aprendera a aceitar o fato.
Mas não aprendera a parar de odia-lo.
Sem ter mais que se preocupar com o Torneio, Harry quase podia fingir que Quidditch era o seu único problema, se evitasse olhar para a cama de Seamus. Por que essa dor tinha que surgir agora?
"Harry".
Ele se virou na direção da voz de Ron, e sentiu um súbito e estúpido receio, como se Ron fosse ver sua cicatriz como a marca de um assassino.
Ron deu um sorriso débil, preocupado. Harry sorriu de volta, para mostrar que estava tudo bem, e seu sorriso tornou-se genuíno quando seus olhos bateram no pijama de Ron.
Ron era alto o bastante para usar o pijama que fora de Bill quando este tinha a sua idade. O pijama, que Harry sempre gozava, tinha o desenho de lábios vermelhos fazendo biquinho no bolso esquerdo. E por alguma lei da Física aplicável somente a Ron, as calças estavam pescando – embora Harry estivesse certo de que ele e Bill eram do mesmo tamanho.
"Você está bem?", perguntou Ron, sentando-se na cama.
Harry levantou os joelhos, abrindo espaço para Ron, feliz pela distração.
"Eu... sim. Acontece o tempo todo".
E a cada vez eu penso mais e mais que devemos destrui-lo. Fico mais determinado a matar o bastardo.
"É pior saber quando Você-Sabe-Quem está com raiva?", perguntou Ron de supetão, como se temesse as palavras. "Às vezes eu acho que... ficar no escuro é pior. Eu odeio mistério. Odeio tudo que é...", ele fez uma careta. "Sinistro".
"Sei lá", disse Harry com voz cansada. "Eu sempre tive isso, lembra?", ele fez uma pausa. "Suponho que as duas coisas são ruins".
"É", Ron se moveu para a outra extremidade da cama, e desajeitado bateu na beirada de madeira, contraindo-se com a dor. "Posso te contar uma coisa? ... é meio retardado".
Harry fez que sim com a cabeça.
"Sabe o jeito horrível que o Neville roncaÀs vezes eu me concentro no som, para saber que alguém ainda está ali. Às vezes eu não consigo dormir sem ouvi-lo".
Eles ficaram em silêncio por alguns momentos, ouvindo o zumbido do ronco de Neville. Era um som horrível, e eles trocaram um pequeno sorriso.
"Eu não acho retardado", disse Harry. "Está tudo tão ruim... a gente tira conforto de onde pode".
"É...", Ron alinhou a mandíbula. "Eu queria mesmo falar com você sobre esse assunto. É por isso, sabe".
"Por isso o quê?"
"Por isso que eu ainda não estrangulei o Malfoy, e enterrei o corpo numa cova rasa, para não ter mais que te ver confraternizando com o inimigo".
"Ele não é o inimigo", disse Harry com severidade.
"Você acha que não, Harry, obviamente. Mas eu ainda odeio o babaca. Ele sempre foi o inimigo", Ron fez uma careta de desagrado. "Aquele boiolinha adulador e malicioso só pára de falar abobrinhas para cuidar do cabelo. Mas... tudo bem, eu sei que por algum motivo você passou a gostar dele".
Ron fez outra careta ao dizer isso, como se tivesse vontade de lavar a boca com sabão.
"Ele não é como você pensa", disse Harry. "Bem. Quer dizer, ele é cheio de frescura com aquele cabelo".
Viu? dizia a expressão de Ron. Perverso.
"E às vezes ele é meio exibicionista. E sim, tudo bem, ele não sabe quando calar a boca. Mas...", Harry parou. "Eu me importo com ele", ele disse, num tom quieto. "Eu me importo muito com ele".
"Hm. É, dá pra ver", disse Ron. "Eu não sou tão denso assim, né. Eu vi vocês dois escapando no Torneio como dois presidiários fugidos", ele balançou a cabeça. "Falando sério, Harry, no que você estava pensando?"
"Quase deu certo", Harry protestou.
"Harry, eles te pegaram na beira do morro, e aquele cretino tentou dizer a eles que você estava tendo um caso com a Professora Trelawney".
"Podia ter funcionado", defendeu-se Harry.
"Cretino", repetiu Ron. "E para os éditos, eu acho que você merece, no mínimo, a Professora Sinistra".
"Ron", disse Harry, contendo um sorriso. "Eu acho que eu vou vomitar".
Ron ficou sem graça:
"Sim, bem... voltando ao assunto... as coisas estão ruins, como você disse. E todos nós precisamos de algo a que se agarrar. Se ele está te ajudando, se você confia nele, eu não quero te tirar isso".
Harry observou a expressão sincera no rosto de Ron.
Ron fez uma carranca:
"Mas eu ainda odeio tudo isso. E odeio ele", ele adicionou, para deixar bem claro. "Você pode até confiar nele, mas não acho que deveria. Se as coisas estivessem um pouquinho melhor, eu escalpelava ele e pendurava aquele cabelo estúpido na entrada da Torre Gryffindor. E se ele não for o melhor amigo na Terra, mesmo com aquele jeito nojento de Slytherin, eu escalpelo ele".
Harry mordeu o lábio, impedindo um sorriso de se formar.
"Ron", Ron olhou para ele. "Eu... você é o meu melhor amigo. Você sabe disso".
"Espero que sim", disse Ron. "Senão eu teria que matar o Malfoy".
"Essa festa do pijama é fechada, ou qualquer pessoa pode entrar?"
Os olhos escuros de Dean eram graves e sorriam ao mesmo tempo, e Harry nunca teria podido dizer não. Mas agora que o melhor amigo dele desaparecera, estava fora de cogitação negar-lhe qualquer coisa.
"Qualquer pessoa não", ele disse. "Mas você é bem-vindo".
Dean subiu na cama, acotovelando Ron por mais espaço.
"Então, do que estamos falando?"
"Do Torneio", disse Harry.
"Ah", Dean sorriu. "É uma coisa a menos pra te preocupar, pelo menos. Embora eu deva dizer que você nos deu um baita susto quando desapareceu".
"Também não foi muito agradável pra mim", replicou Harry.
Ele não queria pensar, e nem quisera falar sobre o acontecido. O pouco que ele disse deixara Sirius branco de raiva, e ele correra para tirar satisfações com Dumbledore. Dumbledore disse que fora necessário, e que Harry entenderia o porquê mais tarde.
Harry queria entender agora.
"A Ginny ficou aos prantos", continuou Dean suavemente.
"A Hermione também ficou super mal", adicionou Ron.
"Acho que todo mundo ficou aterrorizado", disse Dean. "Sabe como é, ultimamente. Nem Hogwarts está segura. Tem esse espião".
A palavra espião fez as cortinas pesarem em torno deles. Harry não havia ouvido essa palavra dentro dos dormitórios Gryffindor antes. Os rostos em torno dele tornaram-se sombrios. Eles se aconchegaram, sentando-se mais próximos.
"Vai ficar tudo bem", disse Harry, pois alguém precisava dizer aquilo.
"Temos que descobrir quem é", disse Dean em voz baixa. "Temos que ter pelo menos um lugar seguro. Aí as coisas podem começar a melhorar".
Era dia agora, e hora do almoço.
"Vai, Harry".
"E por que eu deveria?"
"Eu quero muito".
"Talvez se você implorar".
"Eu estou considerando".
Harry sorriu:
"De joelhos, Malfoy".
Draco pendeu a cabeça para o lado e deu um sorriso irresistível:
"Isso quer dizer que você vai?"
"Eu... preciso estar olhando para a imagem de uma cobra", Harry tentou enrolar.
Draco revirou os olhos:
"Que desculpa patética, Potter. Tem uma cobra no meu crachá de Monitor. Olha pra ela, e diz algo em Parselíngua nesse minuto. Eu só ouvi uma vez, e quero ouvir de novo!"
"Não seja chato", disse Harry distraidamente. "E o que eu iria dizer?"
Draco pensou:
"Você podia dizer: Draco é o líder supremo de tudo, e tem maçãs-do-rosto perfeitas".
Harry se concentrou no crachá preso ao peito de Draco. A cobra era apenas uma silhueta verde e plana contra um fundo prateado, mas ele podia ver a língua bifurcada se mexendo.
"Tem dias em que o Draco é um completo idiota, e eu desconfio que ele esteja apaixonado pelo seu espelho".
O silvo pesado prolongou-se no ar.
"Ei!", protestou Draco.
Harry ergueu uma sobrancelha:
"Você nem sabe o que eu disse".
"Não, mas eu te conheço, seu safado", Draco parou para dar um sorriso afetado. "E foi o máximo", ele disse a Harry com apreciação. "Você devia falar assim mais vezes. Aposto que ia impressionar a Morag".
"Draco Malfoy, se você não calar a boca sobre essa tal de Morag..."
Os olhos frios de Draco percorreram o pátio onde eles caminhavam, mantendo-se nos cantos para evitar a friagem que flutuava no ar aberto.
"Bem. Se você não está interessado em pegar uma Slytherin, vai gostar de saber que a sua perseguidora mais bonita ainda está na jogada".
Harry olhou em volta e vislumbrou cabelos vermelho-vivo.
"Quer dizer a Ginny?"
Draco curvou a boca.
"Eu certamente não quis dizer o Creevey, quis? Lá está ela, maior que a vida e duas vezes mais apaixonada. Por sorte você não é do tipo que trai; seis irmãos mais velhos querendo vingança são um prospecto preocupante. E é divertido ser adorado".
"Draco. Lembra da nossa conversa sobre você não poder cuidar da minha vida? Ela inclui não tentar dar uma de cupido".
Ele tinha certeza que Ginny apenas saíra para dar uma volta. Sim, ela alimentara uma paixão por ele desde criança, que havia durado tempo suficiente para ela lhe beijar de volta naquela ocasião – e sim, tudo bem, talvez ela até fosse gostar de sair com ele, mas ele não estava interessado e não podia ser nada sério da parte dela.
Draco ficou chateado:
"Estou apenas tentando te ajudar na estrada para a felicidade".
"Eu estou feliz agora, muito obrigado".
"Você podia estar mais feliz", insistiu Draco. "Eu ensinei um truque com a língua pra Morag... é uma longa história envolvendo uma boate e limões..."
"Draco!"
Draco ergueu a cabeça de supetão. Harry havia notado que Draco sempre sabia quando Harry falava sério.
"Apenas pare, tudo bem? Eu não gosto de ouvir essas coisas. Você é melhor do que isso."
Draco ergueu o sobrolho.
"Tem dias que você está um completo idiota. Você tem conhecimento disso, não tem?"
"É, eu sei. Mas você vai ter que me agüentar por mais uma hora. Você prometeu parar com o seu maldito projeto se eu te contasse toda a história sobre a Câmara Secreta. Você é meu".
Draco sorriu:
"Longe de mim voltar atrás em uma barganha. Embora eu ainda esteja meio incerto sobre essa história da Câmara".
Harry o acotovelou para eles trocarem olhares de falsa indignação.
"Eu mentiria pra você?"
"Eu te acusaria? ...É esse negócio de puxar uma espada de um chapéu. Coelhos são retirados de chapéus".
"Não teria sido muito do meu agrado tentar matar um Basilisco com um coelho".
"Ah, mas eu adoraria te ver tentar. Imagina. Imagina as fotos", Draco começou uma rápida, mas energética, encenação. "O bravo herói brande seu fofinho e choroso animalzinho da Perdição. 'Para trás, para trás, serpente asquerosa!'. Thwack! Um chio agonizante. Th..."
Harry agarrou Draco pela manga e o posicionou de novo ao seu lado.
"Às vezes você é tão dramático, Malfoy".
"Como ousa! Ninguém entende o meu temperamento artístico".
Harry apenas balançou a cabeça, divertido. Draco ficou aborrecido por um tempo, mas depois seu humor pareceu melhorar, e ele começou a cantar, provavelmente para provar seu temperamento artístico. Ou, possivelmente, para irritar Harry.
Ele estava sempre cantando essa canção. Era uma antiga dos Weird Sisters, e Harry sabia que Draco sempre gostara dela.
A única vez que os colegas de dormitório de Harry (especialmente Seamus, mas não pense nisso) arrastaram-no para a boate em Hogsmeade, no sexto ano, Harry passou a noite observando seu copo de cerveja amanteigada, enquanto todas as músicas do Weird Sisters tocavam, uma atrás da outra. Ele odiou todas elas, sentado ali, tentando não olhar para Ron e Hermione, ou para Seamus e Lavender, que estavam juntos na época...
Ele odiou essa canção mais ainda, pois quando ela começou a tocar, os Slytherins deixaram o bar num tumulto de corpos semi-nus, e realmente, eles não precisavam esperar pela sua visita mensal à boate para se embebedar e chocar en masse.
Harry ficara chocado não só com as vestes curtíssimas das garotas, mas Zabini e o – Malfoy daquela época – ambos vestiam quase nada. As vestes de Zabini pareciam feitas de couro de dragão e eram abertas no peito, e as de Malfoy nem tinham mangas. Harry pensara, típico, e olhara para a sua cerveja amanteigada de cara feia enquanto os Slytherins gritavam a letra da música com entusiasmo.
A luz néon e as sombras pintavam o interior da boca de Malfoy de preto e rosa-choque.
Harry achou a música horrível.
"Ninguém pra dançar com você, Potter? Não estou nem um pouco surpreso".
Harry reconheceu a voz lenta e deliciosamente maliciosa antes de erguer o rosto. Malfoy, perto do seu cotovelo, como se plantado ali por um diabólico golpe do destino.
Claramente bêbado, suado por efeito da compressão de gente, e Harry pode sentir a mistura de cheiros penetrantes quando Malfoy se inclinou para espiar dentro de seu copo, soltando uma risada de escárnio.
"Cerveja amanteigada? Vejo que estamos competindo com Longbottom pelo invejado título de Estudante Mais Patético desse ano. Vamos Potter, você consegue. Eu acredito em você!"
Harry o empurrou para longe ferozmente.
"Sai de perto de mim, Malfoy!"
Harry fez um enorme esforço para se lembrar do que podia ter feito para merecer ser punido por Malfoy.
Harry foi salvo por Zabini, de todas as pessoas, que se plantou ao lado de Malfoy e o envolveu pelo quadril, numa carícia rápida. Até naquela época, ele notou que Zabini era notadamente chiclete.
"Você não vai dançar, DracoÉ a sua música".
Os olhos de Malfoy, que brilhavam com o efeito do álcool, iluminaram-se ao deixarem os de Harry.
"É claro que eu vou dançar", ele respondeu.
Harry foi embora. Ele não estava com vontade de ter que agüentar mais zombaria, ou de ter que ver Slytherins se contorcendo juntos na pista de dança.
Ah, ele odiou a música naquele momento.
Ela não o incomodava tanto agora.
Ele percebeu que estava cantarolando junto quando Draco ergueu uma sobrancelha.
"Você podia cantar também", propôs Draco.
"Não, obrigado", retrucou Harry. "Eu não canto, do mesmo jeito que não danço".
"Não canta. Não dança. Tudo que ele sabe fazer, senhoras e senhoresé matar monstros com coelhinhos".
"Eu não...", Harry parou e riu. "Eu sei fazer bem mais que isso".
"E sabe falar língua de cobra muito maneira", adicionou Draco. "Isso eu tenho que admitir".
Harry parou e teve um calafrio. Lembrou-se de Tom Riddle, falando a mesma língua, e o tremor de aversão quando Dumbledore lhe disse: ele transferiu alguns de seus poderes especiais para você... Ele não teria falado Parselíngua de novo se outra pessoa que não Draco tivesse pedido, e se não se sentisse – culpado.
Pois ele havia atraído Draco para fora de seu quarto sob falsas pretensõesé claro. Ele não contou a Draco a história toda sobre a Câmara Secreta. Ele deixou de fora o vilão, o homem que colocou destruição nas mãos de uma menina inocente.
Ele queria proteger Draco, e não importava mais. Então ele deixou o nome de Lucius Malfoy de fora, e certamente querer proteger Draco não era algo condenável.
Mas ele ainda se sentia culpado, e teve outro calafrio.
"Pelo amor de Deus, Harry, você está congelando", observou Draco. "Por que não trouxe luvas, seu inútil?"
Ele olhou para Harry com desaprovação, e ajeitou o cachecol em torno do pescoço do outro. E sim, deveria estar frio, pois a respiração de Draco no rosto de Harry pareceu estranhamente quente.
"Realmente, a última explosão de frio do ano", queixou-se Draco. "Que espécie de sádico organiza a última explosão de frio do ano para Março?"
"Draco", disse Harry. "Eu não acho que ninguém organize essas coisas".
Draco empurrou o lábio inferior para a frente.
"Poderia ser a retribuição do destino cruel por crimes passados".
"Então você tem sorte de não estar nevando".
Draco fez uma careta horrível, os olhos vesgos cobertos pela franja, achatada contra a sua testa pelo gorro de lã.
"Pelo menos eu estou usando o gorro e as luvas apropriados", ele disse com imensa satisfação na voz.
Era tão Draco ter gorro e luvas combinando com seu cachecol Slytherin. Draco ficava horrorizado quando via pessoas quebrando o galho com um par de luvas velho qualquer, e Harry percebeu que ele usava toda oportunidade de exibir as suas.
Harry lembrou-se de repente da última neve, logo antes do Natal. Ele estava caminhando com Ron e Hermione, e tentava ignorar as piadinhas deles sobre azevinho, quando notou o gorro e as luvas de Malfoy, e um breve pensamento do tipo seu-bastardo-vaidoso cruzou sua mente.
Naquele momento Terry Boot chegou por trás de Malfoy e eles lutaram por um segundo, até que Terry enfiou uma bola de neve dentro da gola de Malfoy. Malfoy terminou sentado na neve, uma expressão cômica de ultraje em seu rosto, fazendo esforço para não rir. Harry ficara bastante surpreso com sua aparente falta de rancor.
Malfoy olhava para Terry Boot e haviam flocos de neve agarrados aos seus cílios.
Ele então partiu para a vingançaé claro, e alguns Ravenclaws correram na defesa de seu Monitor-Chefe, e Harry liderou os Gryffindors para suprir a diferença.
Tudo terminou com os Slytherins lutando furiosamente contra os Gryffindors, como tudo parecia terminar em Hogwarts. Com Crabbe e Goyle atirando pedras cobertas de neve e Pansy utilizando os joelhos na defesa de Malfoy do modo mais grosseiro, deixando Ron caído na neve.
"Agradeça aos céus, Granger", resfolegou Malfoy. "Se tivesse sido a Millicent, você estaria namorando um eunuco a essa hora", ele deu um sorriso afetado. "O que seria terrivelmente divertido..."
Snape e McGonagall finalmente desceram o morro coberto de neve, vindos da escola, para distribuir detenções e separar os piores casos.
"Potter, levante-se nesse instante! Estou absolutamente horrorizada com seu comportamento... você estava rolando na neve? Suba e troque de roupa imediatamente".
"Malfoy, quando você vai se livrar desse impulso pueril de... o que diabos aconteceu com a sua boca?"
"O Potter tentou me obrigar a comer neve!"
"Foi o Malfoy que começou!", rosnou Harry.
Snape pousou uma mão no ombro de Malfoy, refreando-o. Malfoy respeitou a presença de seu professor preferido, e se contentou em olhar para Harry com desdém pelas costas de McGonagall.
Harry fuzilou Malfoy com o olhar, e o seu gorro estúpido estava torto e sua boca estava vermelha, e Harry o achava a pessoa mais desprezível no mundo inteiro.
"Tem alguma coisa de errado com a minha boca?"
Harry piscou:
"Não. Eu estava relembrando a época do Natal e, hm..."
Draco jogou a cabeça para trás e riu.
"E você tentando encher a minha boca de gelo, eu me lembro. Seu diabinho malvado. Eu estava passando por um período emocional difícil, você sabe."
"Sim, bem...", ele se lembrou de algo que Draco dissera no lago. "Nós raramente trocamos figurinhas sobre os nossos sentimentos, Malfoy".
Draco deu um sorriso estonteante, e Harry viu que ele reconhecera as palavras.
Parvati e Lavender emergiram de uma porta, e, parando apenas para trocar algumas palavras com Ginny, acenaram e caminharam até eles.
Harry desejou com fervor que elas fossem embora. Com as aulas, o dever de casa, a Ordem Juvenil, as reuniões do Conselho, e todas as novas restrições, ele mal conseguia ver Draco, e francamente, a intrusão era inteiramente indesejada.
"Oi, Harry", disse Lavender, que o frio deixara rosada.
"Bonito gorro, Malfoy", disse Parvati, colocando a mão no quadril e erguendo uma sobrancelha.
Ela era cheia de graça, e boa companhia, e Harry queria que ela desse o fora imediatamente.
"Eu sei", Draco respondeu com imensa satisfação. "É por causa dele que Ginny Weasley está marcando ponto logo alié claro. Ele espera que eu dê um ousado strip-tease, deixando apenas o meu gorro no lugar. Nascido para ser pornô, eu sou".
Parvati e Lavender riram.
"Assim, o que vocês estavam discutindo tão seriamente antes da gente chegar?", perguntou Parvati com uma expressão insinuante no rosto.
Draco franziu o sobrolho.
"Acredito que falávamos principalmente sobre derrotar répteis com animaizinhos fofos".
Lavender ficou alarmada.
Draco sorriu com charme:
"E dançar. O Harry aqui não sabe cantar ou dançar. Não é terrível?"
Parvati devolveu o sorriso:
"Eu me lembro de ter que guiar durante o nosso primeiro Baile de Yule..."
"Eu tinha quatorze!" protestou Harry.
"É claro que tinha", disse Draco soltando as mãos de Harry, que ele segurara por um instante. "E nós não podemos todos nascer com a graça natural de...", ele acenou vagamente na direção de Parvati, então mudou de idéia, e apontou para si. "Deste que vos fala".
"Eu já te vi na balada", comentou Parvati. "Sei o que você considera dançar".
"Então você está dizendo que não é graça, e sim depravação natural", sugeriu Harry, desviando-se automaticamente do golpe de Draco.
"Você não tem fé em mim", desaprovou Draco. "Tudo bem. Eu aceito o seu desafio".
Ele arrancou a luva direita com os dentes, depois a esquerda, e atirou-as por trás do ombro.
"Vamos, então", ele disse, atirando o cachecol para trás. "Agora vai ter que bancar a bola, Patil".
Ele agarrou Parvati pela mão e a puxou para o pátio, ignorando o seu gemido de susto quando a rodopiou para fora da calçada até seus braços. Então ele a fez se curvar para trás sobre seu braço.
Ele olhou para Harry e abriu um sorriso.
"Quem vai dizer que eu não sei dançar agora?"
Harry não teve tempo de responder, pois Padma Patil saiu por outra porta e correu até eles.
A memória do rosto das gêmeas Patil ficou marcada na mente de Harry. Aqueles rostos, que haviam nascido espelhos, refletindo coisas tão diferentes. Parvati estava corada e sorridente, despreocupada e excitada, e o rosto de Padma estava pálido e tenso, os olhos enormes de terror.
"Vem rápido, todo mundo", ela disse, com a voz sumida. "Precisamos de todos vocês na sala da Ordem Juvenil. Agora".
Os membros da Ordem, reunidos em torno da mesa, não estavam batendo papo como costumavam fazer no início das reuniões. Todos olhavam para Lupin com uma espécie de terror silencioso. Neville estava pálido como um fantasma, e Harry tentou acalma-lo com um sorriso. Ele já estava segurando a mão de ambas Hermione e Ginny - Ginny parecia a ponto de chorar.
Harry achou que seu sorriso não fora lá muito convincente. O Professor Lupin, que sempre tinha um olhar caloroso para eles, estava grave.
Os alunos estavam divididos em quatro amontoados separados em torno da mesa.
O grupo mais apertado, e mais afastado dos outros, era formado pelos Slytherins. Mas sempre havia sido assim.
Harry nem sempre se importara que fosse assim.
Eles aguardaram, e finalmente Lupin falou. Encarando a mesa, ele começou com a voz baixa e num tom formal:
"A Srta. Granger e o Sr Boot foram designados para a divisão de pesquisas de nosso time", ele disse. "Eles estavam investigando a magia arcaica que o Professor Dumbledore já invocou diversas vezes para proteger lugares", o olhar de Lupin caiu rapidamente sobre Harry. "A idéia era ter uma sala segura instalada em Hogwarts, para onde os estudantes pudessem se dirigir em caso de alarme, e ficarem em segurança. A idéia estava progredindo... de maneira bastante satisfatória. E essa manhã, a sala foi encontrada com todas as barreiras de proteção preliminares destruídas, e os planos roubados".
Lupin levantou os olhos uma fração.
Hermione segurou a mão de Harry tão forte que quase a quebrou.
"O espião de Hogwarts partiu para a sabotagem direta. Uma de nossas maiores esperanças nos foi tirada, e uma grande quantidade de trabalho e mágica foram desperdiçados. Nós temos que descobrir quem sabia... e eu admito que sou um deles. A Srta. Granger, quando teve dificuldades com soletragem me consultou, e eu consultei vários membros da equipe sobre o assunto".
Lupin fez uma pausa. Harry odiava a guerra ainda mais em momentos assim, quando os adultos com quem ele contava pareciam tão velhos e acabados.
"Eu me contento em estar sob suspeita", ele disse.
Um murmúrio de protesto se fez ouvir, e ele ergueu uma mão:
"Mas eu devo insistir que a Srta. Granger e o Sr Boot nos informem de outros vazamentos na segurança. Nós precisamos da lista completa de suspeitos".
Harry olhou para Hermione enquanto ela falava, os olhos grandes demais para o rosto contraído:
"Eu contei para o Ron", ela disse suavemente. "E eu contei... eu contei para a Ginny. Ela estava assustada e eu tentei consola-la".
"Sr Boot?", perguntou Lupin, sem comentar.
Os olhos de Terry Boot se escondiam atrás de óculos de leitura, e talvez fosse por isso que ele os usasse.
"Eu contei para a Padma e para a Mandy", ele disse. "Nós... trabalhamos em grupo em todos os nossos projetos. Nós pesquisamos juntos".
"Isso é tudo?"
Vagarosamente, Hermione e Terry fizeram que sim com a cabeça.
"Não", disse a voz arrastada e fria, e todos os rostos se viraram para o centro do amontoado Slytherin. "Eu sabia", continuou Draco, o rosto impassível. "Boot me contou quando montávamos guarda no portão da frente. Eu o ajudei com uma parte difícil do feitiço".
Houve apenas um instante de silêncio. Harry olhou para os olhos calmos de Draco.
O pandemônio se instaurou.
As pessoas pulavam, gritavam, viravam a cabeça para ter conversas frenéticas com seus vizinhos. E quase imperceptivelmente, tão naturalmente, as costas foram se virando para os Slytherins.
"Eu não mencionei antes pois eu sabia que as pessoas achariam que foi ele!", explodiu Terry Boot. "E não foi".
"Acho altamente improvável que não tenha sido", retrucou Padma Patil, olhando fria e fixamente para Draco.
"Improvável?" berrou Ron, levantando-se. "Foi ele! Você só precisa olhar para ele para saber! Ele devia ser mandado para a porra de Azkaban neste minuto..."
Crabbe e Goyle estalaram os punhos, mas foi Pansy quem tentou se jogar por cima da mesa.
"Eu vou te matar por essa, Weasley!"
"Segure-a, Goyle", ordenou Draco.
Pansy se contorceu furiosamente nos braços de Goyle.
"Eu vou te matar!"
"É claro que a namorada dele diria isso..."
"Cale essa boca estúpida!"
Hermione soltou a mão de Harry e se levantou. Seus olhos faiscavam e suas bochechas estavam vermelhas.
"Não se atreva a falar com Ron desse jeito", ela disse friamente. "Como o Malfoy ousa, se esgueirar no nosso meio, fingindo estar do nosso lado, jogando suspeitas em cima de pessoas como o Professor Lupin. Nós nunca devíamos ter acreditado em você... em nenhum de vocês".
"Sente-se, Hermione".
Hermione encarou Harry, e ele percebeu, através da bola de pânico e fúria apertando seu peito, que havia falado.
Quase ninguém reparou. As pessoas estavam ocupadas demais gritando, fazendo exigências, movendo-se devagar para mais longe dos Slytherins. Ron e Pansy gritavam obscenidades um para o outro, e Pansy mordeu Goyle, tentando fazer com que ele a soltasse. Blaise Zabini falava com Padma num tom azedo. Crabbe encarou alguns Hufflepuffs ameaçadoramente, e eles se calaram de repente. Quase todos os Slytherins atacavam alguém.
Mas Draco olhava para ele pensativo, e os olhos chocados de Hermione estavam fixos em seu rosto.
"Harry, não pode haver mais dúvida", ela sussurrou. "Harry, isso é loucura..."
"Não foi ele", disse Harry.
Ginny tremia violentamente. Harry estava pouco se ligando.
"Silêncio, por favor", disse Lupin, e Harry olhou para ele com uma espécie de louca esperança.
Conserta tudo, então, o Draco confia em você, diga a eles que – que...
As vozes se abaixaram e sumiram com relutância.
"Você não vai declarar sua inocência, Sr Malfoy?", perguntou Lupin, quieto.
Draco examinou a Ordem Juvenil com uma curva nos lábios que era ou de amargura ou de zombaria.
"Eu nunca desperdiço o meu fôlego".
"Achado não é roubado".
Harry praticamente rosnou a senha dada por Draco para aquela parede nua, que parecia encara-lo, enfurecendo-o, e empurrou a pedra enquanto entrava pela abertura, pois ela não estava abrindo rápido o suficiente. Os Slytherins na sala comunal não questionaram sua presença ali, e sequer lançaram-lhe os olhares de desdém costumeiros.
Ele abriu a porta do quarto de Draco com violência, e entrou.
Draco estava deitado, apoiado nos travesseiros em sua cama, estudando um livro. Ele abaixou o livro e olhou para Harry.
"Ah... é você", ele disse.
Harry deu dois passos largos até a beira da cama.
"O que estava pensando quando fez aquilo?", ele exigiu.
"Do que está falando?", perguntou Draco, a voz arrastada enlouquecendo Harry como nunca antes.
Harry agarrou o colarinho das vestes de Draco.
"Ei!", gritou Draco, indignado. "O que você..."
"Me diz", disse Harry. "O que diabos você achou que estava fazendo quando se recusou a negar tudo!"
Draco se soltou das mãos de Harry e pulou da cama, fulminando o outro com os olhos.
"E por que você pergunta?", ele quis saber.
Sua voz ainda era fria, e apenas o leve tom rosado no rosto denunciava sua raiva.
"O quê?", disse Harry. Por que Draco lhe perguntara aquilo? Não era óbvio que era o seu dever proteger Draco, até de si mesmo? Não estava claro?
Draco tinha um estranho brilho nos olhos, o leve rubor ainda manchando suas maçãs-do-rosto.
"Você acha que fui eu?"
Harry apenas encarou-o por um instante. Draco devolveu o olhar, sem vacilar.
"Então", ele disse. "Você acha?"
"Não!", Harry quase gritou. "É claro que não!"
Draco deu um sorriso desagradável.
"E quanta certeza você tem?"
"Eu tenho certeza", disse Harry, com a maior sinceridade que pode reunir. "Certeza absoluta. Eu te conheço".
"Eu posso estar mentindo".
"Draco", explodiu Harry. "Você nem sabe mentir direito!"
Draco parecia ofendido.
"Sei sim! Eu..."
"Sabe uma ova", continuou Harry sem pestanejar. "Todo mundo sabe quando você está mentindo pois você faz aquele teatrinho de 'está abaixo de mim tentar enganar as massas', agindo como quem acha que tudo que faz é brilhante. No passado, você não conseguia fingir, nem por um minuto, que não me detestava, e nem conseguiu fingir ter o braço machucado direito. Você seria o pior espião na história do mundo!"
Draco franziu os lábios, e parecia estupefato.
"Bem".
Harry se permitiu um pequeno sorriso diante dessa concessão.
"Está vendo?", ele disse, num tom mais gentil. "Eu te conheço".
Draco o encarou novamente, os olhos atentos.
"E você não acha que fui eu".
"Eu sei que não foi".
"Absolutamente".
"Sim".
"Sem sombra de dúvidas".
"Sim".
"Nada que ninguém disser vai fazê-lo mudar de idéia".
"Sim!", rosnou Harry, dando um passo na direção de Draco, a cabeça vazia, além da vontade esmurra-lo até que o outro ganhasse algum senso.
Draco piscou, recuou um passo e riu.
"E quantas pessoas, você acha, têm a mesma fé em mim?"
Foi a vez de Harry piscar.
"Eu... eu tenho certeza que se você tivesse declarado sua inocência, muita gente teria..."
"Acreditado na palavra de um Slytherin?", perguntou Draco. "Acreditado na minha palavra? Deixe-me colocar dessa forma. Digamos que isso tivesse acontecido seis meses atrás. Não importa o que eu dissesse, você teria acreditado, por um segundo, que eu não fosse culpado?"
Harry quis dizer Sim, mas se lembrou de quando eles tinham doze anos, e ele pensara que esse mesmo garoto era o Herdeiro de Slytherin.
Ele teria acreditado que Draco era culpado.
"Então você vê", disse Draco. "Que eles vão achar que fui eu. Eu negaria se achasse que fosse fazer diferença, mas não vai. E eu não vou me rastejar para um bando de Ravenclaws santimoniais, e os sem-graça dos Hufflepuffs por uma ninharia sem sentido".
Aquele raciocínio, com sua estranha lógica, era tão estúpido, mas tão Draco. E aquela menção aos Ravenclaws...
"Por que o Terry Boot teve que te contar?" reclamou Harry, ressentido. "Ele deveria saber o que as pessoas iriam pensar se descobrissem, e você também. Foi muito vacilo dele".
Draco parecia vagamente surpreso.
"Ele não fez de propósito", ele replicou. "Ele é meu amigo".
Harry se lembrou da reunião da Ordem onde se discutiu medibruxaria e Muggles, e como no começo Terry e Draco trocaram um olhar, e Harry se perguntou se eles eram amigos.
Agora ele tinha a sua resposta.
"Desde quando?"
Draco ergueu uma sobrancelha.
"Desde o começo desse ano. Eu fiquei surpreso quando ele foi escolhido Monitor-Chefe. Eu sempre achei que seria eu ou você. Eu estava acostumado àquela idéia: ou a vitória, e a chance de infernizar a vida dos Gryffindors por um ano; ou a derrota, e a chance de me tornar o monitor mais insurreto que você possa imaginar".
"Você é muito panaca".
Draco deu de ombros.
"Para mim ele havia sido a "escolha neutra", mas eu não tinha certeza. Intrigado, eu decidi conhecê-lo melhor, e o manipulei para que fizéssemos um projeto de Astronomia juntos".
"Você e os seus planos diabólicos. Você não podia ter simplesmente puxado papo com ele".
Draco ergueu o queixo.
"Eu gosto de colocar um salzinho na vida. E ele é interessante. É inteligente e observador. Você ia gostar dele".
"Ele também não acha que foi você".
"Bem, ele tem os seus motivos. Para citar um, ele não deve gostar muito da idéia de que pudesse ter sido ele a deixar vazar segredos para o espião".
"Você não é o espião", disse Harry. "Não fala assim nem de brincadeira".
Draco olhou para ele atento, penetrante, como quem está tentando traduzir um texto e não tem a certeza de entendê-lo perfeitamente.
"Está certo disso?", ele perguntou. "Certo mesmo? Eu sabia que você ia dizer que sim, mas todos os seus amigos vão achar que fui eu, e se você tem dúvidas, precisa me contar. Eu não quero a sua nobreza Gryffindor, ficando do meu lado só por princípio, eu quero saber..."
"Draco, quer parar de bobeira?"
Draco não estava ouvindo. Sua respiração fez-se mais rápida, e o rubor em suas bochechas intensificou-se.
"Eu nego tudo se você quiser", ele disse com grosseria. "Eu não faria isso por eles, mas eu vou. Não fui eu. É isso que você precisa ouvir?"
Harry viu os punhos do outro cerrarem-se. Ele agarrou Draco pelos ombros.
"Não", ele disse, e percebeu que respirava tão rápido quanto Draco. "Não, eu não preciso ouvir nada".
E Draco relaxou, assim, sem mais, e recuperou o seu tom arrastado.
"Bom, então", ele disse, com seu sorriso lento e resplandecente. "Você acredita em mim. Os Slytherins acreditam em mim. Quem mais importa?"
A porta se abriu, e Zabini, Pansy, Crabbe e Goyle entraram no quarto.
"Ah, meu Deusé você!" disse Zabini com desprezo. "Você não sai daqui? Não tem outra Casa pra visitar?"
"Precisamos falar com Draco", informou Pansy secamente.
"Oi", disse Crabbe.
"Não precisam ser rudes com o meu visitante", disse Draco, mas sem rancor. Harry o viu olhando para Pansy, e ambos notaram que ela andara chorando.
"Já vou, então", disse Harry, dirigindo-se para a porta.
Draco caminhou até ele, e disse em voz baixa:
"É Sexta. A gente pode ir pra Hogsmeade depois".
"Sim?", sorriu Harry. "Seria legal".
"Te vejo em duas horas", disse Draco. Ele se virou para os outros e disse com a voz alquebrada:
"Crabbe e Goyle, vocês vão com ele. Nenhum de nós pode andar sozinho, e o Lupin vai ter sete ataques diferentes se permitirmos que o ameaçado Harry Potter fique entrando e saindo das Masmorras Slytherin desacompanhado".
Crabbe e Goyle caminharam até a porta sem um único protesto.
Harry olhou para trás enquanto saía pela porta. Pansy chorava com fúria silenciosa, e Draco tinha um braço em torno de seus ombros. Zabini mordia os lábios.
Crabbe e Goyle acompanharam-no de volta quietos, sem oferecer uma palavra. Mas Harry parou em frente ao retrato da Dama Gorda.
"Eu sei que não foi ele", ele disse.
Houve uma pausa. Então Crabbe resmungou:
"Claro que não foi".
Eles partiram, andando devagar. Harry observou-os.
No fim das contas ele teve que entrar e enfrenta-los.
Hermione o viu quando ele entrou, os olhos faiscando e uma mão segurando a de Ron apertado. Ron estava pálido e parecia furioso, e suas sardas eram pequenos alvos contra luz fluorescente. Ao lado do sofá onde o casal estava instalado, Parvati encolhia-se numa poltrona, o rosto manchado de lágrimas, mas seu olhar incerto desencorajou-o. E ao lado da poltrona estava sua irmã, o cachecol dos Ravenclaws ainda em seu pescoço, uma faixa de azul gelado.
Padma Patil enfrentou-o sem dor nos olhos, mas com uma frieza devastadora que se transferiu para a sua voz:
"Hermione e eu tivemos uma conversa", ela disse.
"Que legal" disse Harry com indiferença.
"Harry!", exclamou Ron de supetão, um som involuntário, num vibrato de indignação profunda.
"O quê, Ron?", explodiu Harry. "O que você tem a dizer? A mesma ladainha de não me tirar alguém em quem eu confio?"
"Harry, agora é diferente...", começou Ron.
Harry o interrompeu selvagemente:
"Como?"
"É diferente pois agora nós temos toda razão para acreditar que ele é o espião entre nós".
Aquela voz não soara raivosa. Harry odiou-a, pois sabia que aquela voz representava a Escola, sem sentimentos pessoais, sem paixão – mas com uma lógica sem remorso que condenaria Draco absoluta e completamente.
Aquela era Padma, claro.
"Por quê?", perguntou Harry, com um aperto na garganta. "Por que o colocam sob suspeita maior do que os outros que sabiam?"
"Por quê!...", por um momento, Ron teve tanta raiva que a sua voz estrangulou-se, e Hermione pousou a mão em seu braço, fazendo sinal a Padma para que continuasse.
A garota que era a Ravenclaw ideal, que naturalmente se tornara Monitora e membro do Conselho. Que era inteligente e bonita, e que não escondera o desdém em seus olhos quando Ron a levou para o Baile em suas vestes gastas.
Harry nunca nem gostara dela.
"Faz sentido, Harry", ela disse, e ah, a Hermione era esperta deixando a Padma falar, pois ela mesma nunca conseguiria se dirigir a ele com tal frieza. "Ele é o único Slytherin que sabia, e Slytherin produz os bruxos mais corruptos. Ele é o filho de Lucius Malfoy, e é conhecido por suas opiniões anti-Muggle. Sempre foi um mistério porque ele escolheu apoiar o nosso lado. Se ele for o espião, então tudo faz sentido".
"Ele é o espião", disse Ron com a voz estrangulada.
"Harry", disse Hermione gentilmente. "Tem que ser ele".
Harry fechou os olhos contra a repentina onda de raiva vermelha, e viu Draco, com aquele rubor no rosto, dizendo: Não fui eu. É isso que você precisa ouvir?
"Não" foi um rosnado, dirigido a todos eles. "Eu o conheço".
"Conhece?", perguntou Padma. "Você nunca deu bola pra ele antes desse ano. Você não acha estranho que de repente ele resolveu ser seu amiguinho – seu, Harry Potter – no mesmo ano em que os nossos segredos começaram a vazar? Ele está te usando".
Harry viu o raciocínio se completando por trás dos olhos de Ron, um redemoinho negro concentrado num ponto de pressão em sua testa. E o resultado final: a fúria.
"Eu vou mata-lo", disse Ron por entre dentes.
E Harry pensou: eles estão virando tudo contra ele.
"Nem pense em encostar as mãos nele", ele disse, num tom frio e mecânico. "Nenhum de vocês. Eu passei tempo com ele. Vocês não. Eu não pensava muito bem dele antes; não. Eu não sabia o que ele significava pra mim antes, agora eu sei".
"Você passou tempo com ele", repetiu Padma, o ênfase arrepiante. "Então que percepção você tem dele? O que acha dele agora?"
Harry pensou em um eco antigo e fraco de sua revolta.
Suavemente, ele disse:
"Eu acho ele brilhante".
"Ele está te manipulando", Hermione meteu-se na conversa. "Você não tem culpa, Harry, eu sei que você é leal, eu sei de tudo, mas você precisa pensar... Harry, o último traidor foi... ele foi amigo de seu pai. Você não pode se dar ao luxo de confiar nele tão cegamente".
Harry percebeu, com surpresa mal-sentida, que tremia. Eles estavam comparando Draco àquele... àquele...
"O último traidor", ele disse por entre dentes. "Foi alguém em quem todos confiavam".
Ele olhou furioso para Padma Patil, pois não poderia ter dito aquilo para Hermione ou Ron. Ela olhou para ele com um vestígio de revolta pessoal nos olhos.
"Como ousa!" ela exclamou.
"Come você ousa" rebateu Harry. "Vir aqui, no meu lar, e insultar o meu amigo. Como você se sentiria se fosse o seu? Não quero ouvir mais uma palavra contra ele".
Ele não queria nem saber. Não iria ficar aqui. Precisava ficar sozinho; precisava pensar. Também não dava a mínima se alguém o pegasse vagando pela escola sozinho.
Ele encarou todos eles: Ron, cujo rosto estava vermelho vivo; Hermione, que parecia furiosa e a ponto de chorar; todos os Gryffindors.
"E isso vale pra vocês também", ele adicionou friamente, e saiu.
Ginny estava muito satisfeita com o seu plano.
Obviamente, Harry não voltaria à sala comunal por horas. Ele estava furioso – e com razão, com aquela Padma Patil, agindo como se fosse a dona do pedaço, fazendo acusações.
Ele a salvara do Basilisco. Podia-se confiar nele em tudo. Talvez o espião fosse mesmo o Malfoy, e Harry tinha um plano. Talvez ele estivesse apenas sendo leal a um amigo, mas mesmo assim podia-se confiar nele para descobrir a verdade. Talvez o espião fosse outra pessoa, e Harry sabia e estava tomando providências.
Ele era o único que podia salva-los agora. E ele era o rapaz que ela sempre amara, e estava sofrendo pois ninguém acreditava nele.
Ginny podia dizer a ele que ela acreditava. Ouvir aquilo o deixaria feliz, saber que alguém o entendia.
Masé claro, ela não fazia idéia de onde encontra-lo. Então ela teve que criar um plano.
Malfoy estava sob suspeita, e era uma questão de tempo até que Harry – o leal Harry – fosse até ele. Achando Malfoy, ela acharia Harry.
Ela teve que esperar apenas alguns minutos antes de atingir seu primeiro objetivo. Malfoy e Blaise Zabini surgiram das Masmorras Slytherin, obviamente no meio de uma discussão acalorada.
Ela captou o nome Harry Potter, e perdeu qualquer escrúpulo que a diria para não escutar conversas alheias.
"Não foi nada disso", dizia Malfoy, e Ginny sentiu um terror silencioso diante da firmeza do aço em sua voz. "Eu não espero que você entenda. Você não sabe muita coisa sobre toques inocentes".
"Sei tanto quanto você, Draco", disse Blaise Zabini com voz preguiçosa. Ele tentou soar divertido, mas sua irritação era óbvia.
Ginny nunca gostara de Malfoy, mas ao menos com ele o território era conhecido, você sabia o que esperar. Todos sabiam que Zabini não era de confiança, com seus olhos negros, que eram poços de sombras arredias, e o seu rosto bonito era de predador, perspicaz demais para ser agradável.
"Certamente eu sei um pouco mais que você, se apenas por definição", disse Malfoy com manha. "Afinal de contas, Blaise, eu gosto de pensar que sou um pouco mais difícil de satisfazer que você. E eu tenho um sido um menino exemplar ultimamente".
"É verdade", a voz de Zabini estava tensa. "Nada é como costumava ser".
Ginny começou a sentir-se desconfortável ouvindo tudo isso. Ele achara que Malfoy a levaria até Harry instantaneamente.
A voz de Malfoy soou tão afiada que cortaria gelo:
"E o que, exatamente, você quer dizer com isso?"
"Olha, Malfoy. Eu estou apenas... preocupado. Especialmente agora", disse Zabini, um pouco afobado. "Tudo que eu quero saber é... se você tem algum plano, se sabe o que está fazendo".
"Não se preocupe", a voz de Malfoy estava mais suave agora, sedosa, como se de uma hora para a outra ele tivesse resolvido consolar Zabini, ou como se outra pessoa estivesse escutando. "Eu sei. Oi, Harry".
O coração de Ginny deu um pulo quando ela viu Harry se aproximando pelo corredor, com aquele sorriso meio torto no rosto.
O sorriso esmoreceu um pouco quando ele viu Zabini, mas Malfoy colocou-se ao lado de Harry, e sua expressão suavizou-se.
"Blaise já estava de saída", anunciou Malfoy, a voz doce que nem xarope, e seu olhar frio fixou-se em Ginny.
Ginny encarou-o em mudo terror, certa de que ele sabia o tempo todo que ela estava ali.
"Afinal, alguém precisa acompanhar a linda Ginny até sua sala comunal", Ginny achou o olhar que acompanhou essa declaração no mínimo sinistro, mas Harry riu. "Tenho certeza que Blaise ficaria encantado".
Zabini estava cheio de azedume no olhar. O sorriso de Malfoy era quase travesso, mas Ginny não estava achando a mínima graça naquilo.
"Não precisam se incomodar", disse uma voz atrás deles. "Eu levo a Ginny".
Ginny virou-se alarmada, e então se escorou em Dean agradecida. Ele ficou de pé atrás dela, apoiando-a, enquanto Malfoy murmurava:
"Bem, nós todos sabemos como você gostaria de..."
"Draco!" reprovou Harry, acotovelando Malfoy, que se aquietou.
A malícia de Zabinié claro, não teve quem a controlasse. Ginny a viu estampada em seus olhos quando ele mediu Dean de forma longa e calculada.
"Eu não me importo de ir até a sala comunal com ele", ele informou a todos, olhando em volta com alegria vingativa, observando o choque nas faces de todos.
Harry olhava para ele com antipatia e leve curiosidade. Malfoy tinha um sorrisinho superior no rosto.
Dean devolveu o olhar de Zabini, sem se abalar.
"Naturalmente você é bem vindo a se juntar a mim e à Ginny se quiser".
Zabini parecia descontente.
"Malfoy, você é bem vindo a ficar com todos eles", ele disse com desprezo, e saiu irritado.
Quando ele passou por Ginny e Dean, afastando-os de seu caminho, ela o ouviu balbuciar:
"Espero que tenha mesmo um plano".
Ginny não olhou para Zabini enquanto este se afastava, ou para Dean. Ela estava ocupada demais encarando Harry, que franzia o cenho de forma adorável. Ele estendeu a mão e tocou no cotovelo de Malfoy.
"É seguro você andar por aí só com o Zabini?" - perguntou Harry em voz baixa. "Quer dizer, ele é...
Malfoy ergueu uma sobrancelha com aquele seu jeito irritante.
"Perfeitamente seguro. Coitado do Lorde das Trevas que seqüestrar eu e o Blaise juntos. Ele nos mandaria de volta com um bilhete de condolências em menos de uma semana".
Harry sorriu:
"Acho que aceitaríamos apenas um de volta", ele fez uma pausa. "O Zabini até que não vai mal, considerando a outra escolha".
Malfoy lançou-lhe um olhar raivoso.
"Tudo ok com vocês dois?", perguntou Dean, que até esse ponto permanecera surdo, mostrando o tato e a discrição que Ginny sempre apreciara muito quando eles estavam juntos e ela conversava com uma amiga.
"Eu estou bem, Thomas", respondeu Malfoy, revirando os olhos de forma dramática. "É só o meu Gryffindor idiota aqui dando um ataque de bobeira. De novo".
"Bem, eu tenho um projeto de Mágica Criativa pra terminar", disse Dean. "Te vejo por aí, Malfoy. Harry".
Ginny surpreendeu-se ao ver Malfoy sorrir às palavras de Dean. O sorriso transformou o seu rosto, que pareceu mais jovem e resplandecente.
Naquele momento, Harry examinou o rosto de Malfoy mais atentamente, e Ginny pode ver que ele também se surpreendera.
Ela deu o braço a Dean, e segurou-o sem firmeza, enquanto olhava para Harry, desejando ardentemente que ele a pedisse para ficar. Ele ainda olhava Malfoy quando Dean a levou embora pelo corredor.
"O que o Zabini quis dizer", perguntou Dean, sério. "Com 'um plano'?"
Ginny refletiu por um instante.
"Antes, ele estava perguntando ao Malfoy... se ele sabia o que estava fazendo, se ele tinha um plano. E o Malfoy disse que sim".
Ela olhou Dean no rosto, perturbada, e viu a preocupação refletida em seus gentis olhos castanhos.
"Você acha que devíamos contar para o Harry?", ela perguntou, ansiosa.
"Não...", disse Dean suavemente. "Não. Ele não acreditaria em nós".
"Ah, Claro. Ele confia tanto", Ginny apoiou-se em Dean, tirando conforto de sua simples presença. "Mas nós vamos cuidar dele, não vamos?"
Dean apertou a mão dela mais firmemente em torno de seu braço, o rosto ainda sério. Então ele relaxou um pouco.
"E eu vou cuidar de você".
"Anda", disse Draco, depois que Ginny e Dean partiram, para a felicidade dos que ficaram. "Vamos".
Eles fizeram o caminho até a estátua da bruxa de um olho só em silêncio. Harry buscava um meio de transformar em palavras todos aqueles pensamentos incoerentes e confusos que ele teve enquanto vagava a escola sozinho, e Draco, seduzindo seu olhar constantemente, distraía-o da tarefa. Era um alívio tão grande tê-lo de volta, a cabeça loira cintilando pálida na penumbra, e aqui ninguém podia acusa-lo, ou preocupa-lo, ou dizer coisas que o colocariam em perigo.
"A notícia provavelmente já chegou em Hogsmeade", observou Draco enquanto eles seguiam pelo túnel. "Tiremos um momento para amaldiçoar a traiçoeira fofoca".
"Nós podemos ir pra perto da Cabana Gritadeira", sugeriu Harry. "Não vai ter ninguém lá".
Draco olhou-o como quem gosta da idéia quando eles emergiram no porão de Honeydukes.
"Pode ter fantasma", ele assinalou. "Sabia que eu ainda não consigo convencer o Crabbe e o Goyle a irem la?"
"Er", fez Harry.
Draco fez uma parada para comprar seus pirulitos sabor sangue, dando o seu sorriso mais charmoso e alegre para a vendedora carrancuda. Eles então subiram o morro até a Cabana Gritadeira.
Draco ainda remanescia erros passados.
"Atacar alguém vestindo uma Capa de Invisibilidade não é nem um pouco nobre", ele meditou. "Muito safado. Muito sorrateiro. Muito Slytherin, até, seu bastardo".
"Draco, você é um Slytherin".
"Exatamente! Eu sei do que estou falando".
Harry não pode conter o riso diante da cara-de-pau do outro.
"De qualquer forma", ele disse, tentando parecer rígido. "Você mereceu. Foi muito podre o que você fez com o Hagrid".
"Foi, não foi?", admitiu Draco, sem uma ponta de remorso. "Mas aquilo foi antes de eu conhecê-lo direito".
Harry alarmara-se um pouco com o brilho diabólico nos olhos de Draco quando este descobrira, em algum momento durante o cha, que Hagrid ouvia os estudantes de quem gostava. E que Hagrid era extremamente inseguro sobre suas habilidades de professor, e ávido por sugestões.
"Antes de você poder manipula-lo, você quer dizer".
Draco fez um gesto de desprezo:
"É a mesma coisa. Ainda assim, eu nego as suas alegações desorbitadas e infundadas. Eu estou ajudando. Sendo um assistente de professor".
As aulas agora não ofereciam menos risco de vida, mas davam destaque a animais que tinham alguma utilidade – mesmo que para fins um tanto perversos - e Draco muitas vezes ocupava o lugar de supervisor. Ele também desenvolvera uma certa tendência a gargalhar de forma alterada durante as aulas.
Era engraçado.
"Você é um queridinho do professor com planos malignos de dominar a sala de aula".
"Você... você está me distraindo da minha linha de pensamento", disse Draco, sombriamente. "O assunto aqui é o ataque vil cometido contra a minha pessoa quando eu era uma criança inocente".
"Você era uma criança horrível".
"Mas de maneira inocente", insistiu Draco, pisando cuidadosamente no caminho para a Cabana. Era tão como ele, evitar que a lama sujasse suas botas, pensou Harry, revirando os olhos. "Eu quase tive um ataque do coração, sabia? Eu era um menino sensível".
"Você era um demônio enviado direto do inferno para me atormentar".
"Todo mundo precisa de um hobby", Draco fungou. "Sem mencionar um problema muito mais importante que os casos do coração. Para a pessoa sagaz, os problemas capilares. Meu lindo, lindo cabelo".
"Cabelo loiro deixa as pessoas lambidas", disse Harry casualmente. "E de qualquer forma, ele é pálido demais pra ser natural. Aposto que você pinta".
Draco deixou escapar um som estrangulado, de horror. Harry mordeu os lábios tentando esconder um enorme sorriso.
"Harry", disse Draco, numa voz horrível. "Essa é a pior coisa que você já disse pra mim. A pior coisa que qualquer pessoa já me disse".
Draco virou as costas para Harry e passou a gesticular loucamente para o céu, como se tentando ilustrar o mal que lhe haviam feito. Enquanto isso, Harry se agachou.
"Ele ousa me dizer uma coisa dessas", Draco reclamou dramaticamente para as nuvens. "Depois de ter arruinado meu cabelo. Arruinado! Encrostado de lama, imundo, por algum tempo pareceu castanho, tive que passar quatro horas no chuveiro lavando-o freneticamente, e ele diz..."
"Draco", disse Harry calmamente, levantando-se e atirando uma bola de lama com absoluta precisão. "Pare de viver no passado".
Houve um momento de silêncio, enquanto a lama escorria do cabelo de Draco até sua capa. Draco então se virou, o corpo vibrando de emoção contida, e fixou um olhar gelado em Harry.
"Potter", ele disse com convicção. "Você vai morrer por essa".
Ele se abaixou e agarrou um punhado de lama, rápido como uma cobra, mas Harry também tinha reflexos de Seeker. Ele se desviou, e a lama o atingiu no ombro, quando ele já estava a meio caminho de renovar sua artilharia.
Draco virou o rosto, e a lama o atingiu na têmpora. Ele esfregou o local por um segundo, incrédulo, e deu um passo para o lado evitando um novo ataque. Ele ainda tomava cuidado com suas botas.
Draco agarrou outro punhado e se desviou de novo, dessa vez na direção de Harry, e enfiou a lama dentro da camiseta do outro, em suas costas nuas.
Harry gritou, se contorceu esquivando-se, e tropeçou numa pedra caindo de costas na lama.
Draco desatou a rir. Harry agarrou o outro pelo tornozelo e deu um puxão, derrubando-o.
O grito de revolta de Draco foi interrompido pelo baque no chão. Harry levantou o rosto para poder ver o olhar fixo e apavorado de Draco, que tinha o cabelo numa poça de lama.
Harry deixou a cabeça pender na lama e riu e riu. Ele fechou os olhos brevemente e pensou: Eu confio em você, aconteça o que acontecer.
"Perdição", entoou Draco no pano de fundo. "Angústia. Desespero. Ai, meu cabelo. Eu te odeio, Harry Potter".
"Tá bom", disse Harry, respingando lama no outro.
Draco disse, rabugento:
"Minha condição está frágil hoje, sabe".
Harry se ergueu num cotovelo e olhou para Draco, que tinha os olhos fechados – presumidamente para que pudesse se entregar melhor ao desespero. Seus cílios eram como luzinhas prateadas sobre sua pele.
"Draco", ele disse, gentilmente. "Eles estão dizendo que você só é meu amigo pra conseguir informação de mim".
Draco não abriu os olhos.
"Você acredita neles?", ele perguntou num tom calmo.
"Não!", quantas vezes ele teria que dizer? "Eu apenas... quis dizer que, se é difícil demais pra você... se te coloca mais sob suspeita..."
"Pode esquecer", os olhos dele se abriram então, pequenas fatias de cinza. "Você não vai se livrar de mim assim tão fácil.
O alívio foi tão grande que ele nem pensou em conter o sorriso.
"Não vou? Droga".
"Tão perto, mas tão longe", concordou Draco. "Eu não pretendo deitar na lama a noite inteira. Me ajuda a levantar".
Ele estendeu uma mão imperiosa, que perdeu o efeito quando ele a agitou.
Harry se levantou e cruzou os braços sobre o peito, medindo Draco com divertida tolerância, até que o outro se reergueu com seu próprio esforço. Ele olhou para Harry com reprovação.
"Eu gostaria de deixar claro que o banheiro dos Monitores é meu", ele declarou.
"É ruim, hein", disse Harry calmamente. "Ele é de quem chegar primeiro".
Draco olhou para ele um instante, esfregando a mancha de lama em seu pescoço distraidamente, e então saiu correndo morro abaixo.
Harry o seguiu numa corrida alucinada. Eles só pararam uma vez, para entrar escondido no porão de Honeydukes, e passar pelo alçapão.
Então saíram se esbarrando pelo túnel, pelos corredores, com Draco empurrando Harry criteriosamente toda vez que ele se aproximava demais.
"Sai fora, Potter", ele disse, ofegante. "Esse é o meu banheiro. Eu exijo a minha espuma ice-white! Eu exijo..."
Ele parou de repente.
Os amigos de ambos estavam no corredor, no meio de uma discussão calorosa.
"Nós estamos procurando nesse corredor", dizia Pansy, ferozmente. "Vão achar um pra vocês".
"Nós estávamos aqui primeiro", disse Ron, hostil.
"Ahé? Ahé? Se manda, Weasley".
"Nós estamos preocupados, só isso...", começou Hermione, com voz fraca.
Blaise Zabini tossiu:
"Pessoal? Olhem ali".
Todas as cabeças se viraram para os dois. Harry fez a valente tentativa de projetar uma aura de limpeza.
"Draco!", disse Pansy consternada. "Meu Deus, o que aconteceu com você?" ela avançou até ele, puxando um lencinho de dentro das vestes, fuzilando Harry com os olhos. "O que ele fez?", ela exigiu saber, esfregando a bochecha de Draco.
"Não cospe nesse negócio", ordenou Draco, olhando para o lencinho com desconfiança.
A voz de Hermione estava tensa:
"Harry", ela disse. "Volta com a gente, por favor, nós estávamos preocupados..."
Harry lançou-lhe um olhar desafiante.
"Não havia porquê se preocupar", ele disse. "Eu estava com Draco".
"E agora você pode voltar com a gente", disse Ron, determinado.
"E você devia ir ao banheiro dos Monitores, Draco", disse Pansy, desistindo de usar seu lencinho como alguém que sabe estar derrotado.
Draco deu um sorriso afetado:
"Está se oferecendo para me acompanhar, potranca?"
"Depois dessa", declarou Zabini. "Vamos ter que ter uma conversinha".
Draco apertou os lábios.
"Muito bem", ele disse de supetão, e se inclinou sobre Harry dizendo. "Te vejo amanhã", sua voz baixa o suficiente para ser discreta, e alta o suficiente para que todos ouvissem. "Que é Sábado".
Harry ergueu o sobrolho. Draco vinha sendo mais ou menos insuportável quanto ao seu presente a semana inteira. Ele estava se acostumando a ouvir 'Harry, cadê o meu presente?' ao invés do 'oi' usual, obviamente banal demais.
Ele olhou para Draco, de pé ali, incapaz de manter a mão longe do cabelo enlameado, e pensou novamente: Eu confio em você.
"É, te vejo amanhã".
Draco sorriu.
"Mal posso esperar".
