Incógnitos

Capítulo Dois – Uma Tarefa

Cara examinou seu caldeirão freneticamente. Droga, droga e duplo droga, ela pensou miseravelmente. Por que ela tinha que ter aquela aula estúpida? Ela nunca passaria nos N.O.M.s, seus pais a deserdariam, e ela acabaria vagando nas ruas por causa de uma nota estúpida de Poções...

Logo em seguida o perfil suave da Professora Stone parou diante de sua mesa de trabalho. Cara ergueu a cabeça. "Você parece estar tendo dificuldades, Srta. McDouglas", sua professora disse gentilmente.

Cara quis chorar. Ela ficara tão feliz quando soube que o Professor Snape cederia algumas classes à Professora Stone, no ano passado. Ela pensou que não poderia haver um modo de fazer tudo pior com aquele maldito seboso e aterrorizante longe. E ali estava ela, com uma poção que borbulhava e exibia um roxo profundo, enquanto todos os outros tinham um azul calmo a claro. Talvez fosse a presença assustadora de Snape que permanecia entre os caldeirões, tornando as coisas assustadoras mesmo quando ele não estava ali. Seu escritório era um buraco negro e escuro do outro lado da sala de aula, e por um momento Cara imaginou todas as coisas horríveis que deveriam acontecer naquela sala...

"Eu... Eu não tenho certeza", ela começou a tentar dizer e voltar à realidade.

A Professora Stone suspirou e Cara arriscou um olhar para cima, preocupada. "Srta. McDouglas, venha falar comigo depois da aula", ela disse. "Enquanto isso, comece de novo, e preste muita atenção à quantidade de raiz de gengibre que adicionar". Com um floreio de varinha da professora, a bagunça no caldeirão de Cara desapareceu, e a professora se afastou.

Cara engoliu em seco e com as mãos trêmulas virou-se para seus suprimentos. "Ei", Gina sussurrou atrás dela. "Não se preocupe, você fará certo desta vez".

Cara balançou a cabeça, ainda sentindo-se miserável. Ela odiava aquela aula. Ela não ia tão mal assim em mais nada, até Aritmancia era fácil comparada a Poções. Não importava o quanto ela tentasse, ela não parecia nunca fazer algo certo com poções. Ela cuidadosamente mediu a colher de pedra-pomes triturada, e quase não se lembrou de checar uma segunda vez se aquela era a quantidade certa antes de jogá-la no caldeirão. Felizmente lembrou-se, pois era na verdade meia colherada.

Uma agonizante hora depois, Cara descobriu-se parada diante da mesa da Professora Stone. Ela checara duas vezes cada coisa que colocara na sua poção mas mesmo assim ela havia saído da cor errada. Ao menos daquela vez fora um turquesa, ao invés de roxo. A mulher encarou-a com olhos sérios mas gentis, e Cara engoliu em seco. Oh, nossa. Ela estava encrencada.

"Srta. McDouglas, você sempre teve tantos problemas com poções quanto anda tendo na minha aula?", a Professora Stone perguntou gentilmente.

Cara examinou uma rachadura no chão com grande interesse. "Sim", ela sussurrou. Ela estava prestes a ser chutada daquela aula, ela sabia disso. E seus pais ficariam furiosos com ela e provavelmente a expulsariam de casa, e então ela não se formaria e teria que ir para as ruas...

"Entendo", sua professora disse, ajeitando uma pena em cima da mesa. Cara forçou-se a afastar os seus pensamentos do futuro trágico e de volta para a realidade. "Neste caso, Srta. McDouglas, eu tenho uma proposta para você."

Cara se sentiu um pouco esperançosa. Talvez a expulsão não fosse seu futuro, afinal de contas.

"Eu tenho outro aluno, que é um desastre, assim como você", a Professora Stone disse. "E eu gostaria de arrumar um tutor para cada um de vocês, outro aluno que é excelente nesta matéria."

"Então a senhora não vai me expulsar?", Cara disse, aliviada.

Houve um resfolegar vindo do escritório do Prof. Snape, e Cara engoliu em seco. Será que ele estivera ali durante toda a aula? Sem dúvidas agora do porquê de seu lindo fiasco com a poção. Ele provavelmente amaldiçoara a classe inteira.

A Professora Stone apenas riu, seus olhos sorrindo. "Sou sua professora, Srta. McDouglas. É meu trabalho fazê-la aprender, não puni-la por ter problemas". Houve outro ruído e a professora virou os olhos. "Obrigada por seus comentários, Severus", ela disse, aumentando a voz num tom falsamente doce. "Estarei certa em retornar o favor da próxima vez em que vir os seus queridos terceiranistas da Lufa-Lufa."

Desta vez houve silêncio vindo do buraco escuro do escritório, e a Professora Stone sorriu afetada antes de se virar novamente para Cara. Cara se perguntou rapidamente se poderia ser verdade qualquer dos rumores de que os dois professores de Poções estariam, erh, romanticamente envolvidos. Porque aquilo era, bem, simplesmente íntimo.

"Eu gostaria de vê-la aqui após o jantar esta noite", a professora disse a ela. "Irei apresentá-la a seu tutor. Desde que você faça progressos com a pessoa que eu selecionei para ajudá-la, acredito que não terá mais problemas com esta aula."

"Obrigada, Professora", Cara disse, incrivelmente aliviada. Ela se formaria, afinal de contas. Tornaria-se uma mundialmente famosa qualquer coisa. Casaria-se com alguém lindo, rico e talentoso que a pegaria e a levaria para morar numa linda casa e...

A Professora Stone estava observando-a, uma sobrancelha erguida. "Isto é tudo, Srta. McDouglas.", ela disse, divertida. "Já pode ir."

Cara enrubesceu. "Sim, senhora. Obrigada.", ela disse, cruzando a porta. Ela teria que chegar até as estufas antes que Sprout percebesse que ela não estava ali. Ela pensou ter ouvido vozes assim que a porta da sala de aula se fechou atrás dela, e estremeceu. Ela realmente não gostaria que ela estivesse envolvida com Snape. Aquilo era, simplesmente... desagradável.

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Draco sentou-se, relaxou calmamente em seu assento e observou em silêncio enquanto o caldeirão borbulhava. Então mais uma vez ele estava ali, com aquele estorvo de Potter como parceiro. A Professora Stone já anunciara os pares daquele semestre, e ele teria ficado terrivelmente surpreso se não fosse obrigado a ficar outra vez com o Garoto Maravilha. Ele preferiria trabalhar sozinho, mas a Professora Stone ficaria feliz em vê-los trabalharem juntos. Então, por ela, ele toleraria Potter.

Potter estava naquele momento relendo as instruções, mais uma vez, seus lábios movendo rápida e silenciosamente. Draco resistiu ao impulso de rir sarcasticamente. Depois de trabalharem juntos durante todo o último ano, qualquer um pensaria que o idiota acabaria percebendo que ele nunca cometia erros.

Mantendo um olho na mistura borbulhante, ele lançou um olhar pela sala, os outros absortos em conversas aos sussurros sobre seus próprios projetos. Granger e Weasley estavam ambos trabalhando com pessoas diferentes, graças à boa professora. Ele quase rira alto vendo a expressão no rosto de Weasley ao ser posto para trabalhar com Pansy. Granger caíra com Dino Thomas, e, francamente, ele pouco se importava com o outro garoto. Granger estava naquele momento comandando aquele parceiro com um punhal de ferro.

"Oh, antes que eu me esqueça", a Professora Stone disse da frente da sala. "Sr. Malfoy, Srta. Granger, Sr. Longbottom. Eu gostaria de vê-los depois da aula."

Draco franziu a testa. Sobre o quê? Talvez sua pesquisa, ele pensou num momento, cheio de esperança. Mas não, àquele Longbottom idiota não seria confiado o tipo do trabalho delicado de que a Professora Stone precisaria. Inferno, o imbecil estava assassinando a poção dele e de seu parceiro no outro canto da sala. Draco ficou bem satisfeito por seu próprio trabalho estar distante demais para ser afetado pela explosão inevitável. Deu uma olhada no relógio. Ainda não acontecera, mas a qualquer minuto poderia...

Rigorosamente, enquanto ele observava, Longbottom acidentalmente derrubou uma caneca cheia de sementes de algodão dentro do caldeirão dele mesmo e de Finningan. Draco resistiu ao impulso de se proteger conforme o conteúdo da poção era lançado para o ar e explodia contra o teto com um BANG.

A Professora Stone suspirou. "Por favor seja cuidadoso", ela disse, parando e começando a ir na direção do par, que agora estava coberto de uma gosma azulada. Ao menos aquela poção não era ácida, Draco pensou. Ele não queria mesmo ouvir os uivos dos grifinórios.

Sua mente divagou um pouco, mesmo enquanto ele automaticamente virava o rosto para checar seu próprio caldeirão. A Professora Stone estava indo em direção à dupla desastrada, a varinha em mãos, pronta para limpá-los. Seus olhos escorregaram para a perna que ele sabia ser a fraca, para sua bengala. E de novo sentiu um impulso de culpa, uma onda de miséria. Fora ele quem fizera aquilo a ela, quem causara-a aquele ferimento. Ele sabia que Snape nunca o perdoaria por isso. Claro, naquele momento ele odiara a Professora Stone mais do que tudo, mas depois... ela o salvara. Mantivera-o na escola e de se pai, de sua ira, punhos e varinha. Ela o deixara entrar em seu mundo de sabedoria e pesquisas, deixara-o dicas que ele nunca encontraria sozinho. Abraçara-o quando ele chorou a morte de seu pai.

Draco estremeceu desconfortavelmente. Não gostava de se lembrar do fato de ter chorado sobre o ombro dela. Talvez isso fosse o espírito Malfoy nele, mas ele considerava aquele tipo de comportamento indigno sob normais circunstâncias.

"Está feito", Potter quebrou sua linha de pensamento. Draco baixou os olhos para ver que sim, sua Poção Regeneradora tinha a consistência certa e a cor amarelo-brilhante.

"Certo", ele disse brevemente, puxando-se para si mesmo. "Vou pegar as garrafas." Levantou-se da mesa, agradecido por afastar-se do outro garoto. Às vezes, mesmo que ele não gostasse de admitir isso, Potter via mais do que ele gostaria. Não era uma boa hora para ficar pensando em tudo que devia à Professora Stone, não quando o Garoto Maravilha estava sentado próximo dele.

Selecionou uma caneca e lançou o Feitiço Anti-Quebra. Ele não queria ninguém pegando aquele tipo de informação dele, pensou. Não se ele quisesse manter todos afastados de si.

Draco lançou um olhar para a Professora Stone enquanto fazia seu caminho de volta para a mesa. Aconteceu de ela erguer os olhos de sua tarefa de supervisionar Longbottom picando raízes de dente-de-leão, e deu a ele um sorriso encorajador. Ele sentiu algo suavizando por dentro, mesmo quando voltou os olhos para a caneca em sua mão. Talvez todos, menos a Professora Stone. Porque ela realmente parecia se importar.

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As poções estavam feitas, engarrafadas e nomeadas quando a turma saiu da sala. Draco permaneceu em seu lugar, preguiçosamente acomodado atrás da sua mesa, mais do que limpa. Hora de descobrir o que a Professora Stone queria. Granger estava parada, indecisa, diante da mesa da professora, e Longbottom trocava incessantemente o pé de apoio atrás dela. Draco resistiu a bufar. Patéticos, os dois.

A Professora Stone veio voltando de seu escritório com um sorriso. "Ah, bom. Sr. Longbottom, você primeiro", ela disse. A face do outro garoto demonstrou mais nervosismo ainda enquanto ela sentava em sua cadeira.

"Não se preocupe", ela disse com um olhar reconfortante. "Eu sei que você anda brigando com esta aula, Neville", disse. Draco tentou não rir. Aquele era realmente um modo muito simpático de expor a situação, pensou sadicamente. "Em ordem de ajudá-lo a atingir uma nota que o passe de ano neste curso, eu gostaria de arranjar um tutor para você." Draco teve uma sensação um tanto náufraga. Ela não iria...

A Professora Stone olhou para ele mesmo e Granger e deu outro sorriso. "Srta. Granger e Sr. Malfoy, eu gostaria que vocês dois trabalhassem como tutores". Inferno sangrento, Draco pensou. Ele não podia imaginar nada pior do que ser tutor daquele parvo incompetente. "Srta. Granger", a professora olhou para ela. "se aceitar, você pode ser a tutora do Sr. Longbottom. Devo adicionar que a senhorita e o Sr. Malfoy receberão créditos extra neste curso, e a oportunidade de fazer um trabalho independente em preparação para os seus N.I.E.M.s no ano que vem."

Draco estava relutantemente intrigado. Trabalho independente? Ele poderia tentar preparar a Poção Mata-Nervos, como ele ansiara fazer todo o verão...

A Professora Stone estava olhando para ele agora. "Sr. Malfoy, eu tenho uma aluna do quinto ano com a qual poderá trabalhar", ela disse a ele. "Cara McDouglas."

Aquele nome não era familiar a Draco, o que só poderia significar que a garota era outra grifinória. Fez uma careta, não se importando em esconder sua expressão. Valeria a pena agüentar outra mente-curta da Grifinória para poder fazer seu próprio trabalho?

Granger já estava discursando sobre como ela ficaria satisfeita, blá blá blá. Ela faria qualquer coisa que pudesse fazer com que ela tivesse mais pontos na nota, Draco pensou com menosprezo. Ela não se importava com as poções, somente com as notas.

"Eu farei isso", ele disse friamente, cortando a conversa de Granger e fazendo-a calar a boca, coisa essa que ele ficou agradecido em ver. "Desde que essa McDouglas seja ensinável."

A professora ergueu uma sobrancelha para ele, e quando os olhos escuros dela encontraram os dele, ele sentiu a culpa começar a se revirar dentro de si. Ela era a única que podia fazer isso com ele. Ela não desistira nunca dele, mesmo quando Draco teria merecido. "Eu garanto, a Srta. McDouglas é satisfatoriamente inteligente", ela disse, num tom gentilmente reprovador que o repreendia sempre. Ele manteve seu rosto duro com esforço. "Ela, assim como o Sr. Longbottom, apenas precisa da atenção exclusiva de alguém competente o suficiente para ajudar."

"Vocês dois serão responsáveis por suas tarefas e pelo desempenho deles", ela continuou, voltando igualmente sua atenção para Granger. "E eu espero relatórios regulares de cada um de vocês, e críticas justas e claras sobre seus progressos."

Aquilo não seria divertido, Draco pensou, afastando o sentimento de culpa aguda do momento anterior, mas as recompensas... Seus lábios se curvaram só um pouco. As recompensas seriam ótimas.

"Não se preocupe, professora", ele resmungou, levantando-se e pegando suas coisas. Era quase hora do jantar.

"Bom", a Professora Stone disse, um sorriso em sua voz e seus olhos que fez Draco hesitar suspeitosamente. Ele torceu para que ela não estivesse querendo apenas-fazer-o-bem a ele mais uma vez. Porque ele parecia incapaz de pará-la ou de dizer não ao que quer que ela dissesse, não importava o quanto ele pudesse odiar isso. "Eu pedi à Srta. McDouglas para estar aqui logo depois do jantar, você pode encontrá-la e combinar os horários para então trabalharem juntos. Vocês serão bem vindos para usarem esta sala de aula quando não houver nenhuma outra disponível."

Granger virou-se para Longbottom discutindo horários, mesmo quando o garoto estava recuando até a porta e, Draco adivinhou, até o jantar. Draco virou os olhos. Retardados, todos eles. E ele ainda teria que se encontrar com uma grifinória que nem mesmo conhecia.

"Draco", a Professora Stone virou-se para ele quando ele estava quase saindo. Ele se virou para encará-la.

"Sim, professora?", ele disse. Ela estava sentada, reta e altiva em sua cadeira, sem nenhum sinal de sua fraqueza física brilhando naqueles olhos iluminados e brilhantes.

"Estou muito agradecida por você fazer isso", ela disse com um sorriso. "Minha opinião é que você achará a chance de fazer o seu próprio trabalho muito agradável." Draco pensou na Poção Mata-Nervos e resistiu ao impulso de sorrir. "E mais, eu queria lhe dizer que eu e o Professor Snape estaremos trabalhando num novo antídoto aos finais de semana, e que você será bem vindo se quiser nos ajudar."

Draco não pode controlar a ansiedade em seu rosto, nem mesmo se quisesse. E com ela, ele não tinha que tentar. "Sábado, senhora? De manhã?"

"Dez da manhã, Sr. Malfoy", ela disse com outro sorriso, ainda mais brilhante, que o iluminou por dentro. Ela se importava, ele pensou novamente. Em toda a sua vida, ninguém tinha realmente se importado. Não até ela. Aquilo não importava, não mais. Apenas saber que alguém se importava em saber se ele vivia ou morria fazia diferença para ele, de alguma forma.

Ele engoliu em seco. "Estarei aqui, professora", disse.

Ela assentiu. "Certo então. Vá para o jantar, eu o verei depois.", disse. Draco concordou de uma forma meio rígida, e então saiu da sala. Estremeceu um pouco enquanto fazia seu caminho em direção ao Salão Principal. Era estranho, aquele sentimento. Ele tivera uma pequena paixão pela Professora Stone no ano passado, mas aquilo... Aquilo era diferente. Não era romântico, não inteiramente. Ele sabia que Snape tratava daquele lado. Isso era... gratidão. Necessário e faminto e tão malditamente gratidão.

Ele nunca pagaria aquela dívida a ela, ele pensou enquanto entrava no Salão Principal e pegava seu lugar costumeiro no fim da mesa da Sonserina. Em tantos níveis, em tantas maneiras. Então a comida apareceu em seu prato e ele afastou aqueles pensamentos. Sua Casa era sua fraqueza, e não era uma que ele gostaria de exibir. Estendeu o braço para pegar um rolinho, ainda assim, focando-se na tarefa em suas mãos. Jantar, e depois encontrar sua nova aluna.