Amanhã é um novo dia

Capítulo Sete:

Tenha bons sonhos, meu querido...

O sol despontava por entre algumas montanhas, fazendo seus raios atravessarem preguiçosamente pelo vidro da carruagem em que Hermione dormia. No chão de terra vermelha e barrenta, eram refletidas as sombras dos galhos das árvores que se balançavam com a leve brisa matinal.

O ar estava gélido, e muitas vezes era como se estivesse em um cemitério. Seus sapatos estavam sujos, mas não era isso que lhe preocupava. Seus cabelos estavam despenteados, mas isso não importava. Seu estômago deveria roncar de fome, já que não havia jantado na noite passada, e não comera nada desde que acordara. Isso preocuparia sua mãe, mas não á Ronald Weasley naquele momento.

Em um sopro mais forte, o vento assoviou nos ouvidos do ruivo que se encontrava de pé, ao lado da carruagem, observando a morena dormir em posição fetal no banco da carruagem. Suspirou cansado, o casaco pesado em seus ombros e a expressão melancólica de seu rosto não enganava que o maior desejo de Rony, naquele momento, era se trancar em um quarto e chorar por horas á fio.

Teve vontade de ter apenas cinco anos novamente, quando tudo era um mar de rosas, e a inocência lhe ocultava a nudez do mundo. Era tudo tão mais simples quando ele podia ralar os joelhos enquanto corria pela casa, e poder ir para o colo da mãe... Com certeza era o lugar mais seguro do mundo... Era quente, macio e protetor...

Mas agora ele era um homem, e era ele que devia passar a proteção para a mãe e a Hermione. Era ele que deveria lhes dar o colo e dizer que tudo ficaria bem, quando quem precisava ouvir essas palavras era ele. Precisava da irmã ali, lhe dizendo que tudo não passara de um pesadelo; um pesadelo, onde ele acordaria suado e com os batimentos cardíacos acelerados. Então, Gina passaria as mãos pelos seus cabelos, beijaria sua testa e diria: "Cadê o meu irmão, que enfrentava comensais aos quinze anos?".

Mas ele descobrira que enfrentar comensais era muito mais simples... Muito mais fácil... Machucar o adversário ou agir em defesa não lhe doía tanto quanto dar aquela notícia á família. Por que, Merlin, tinha que ter uma família tão grande como aquela? Tudo ficaria apenas mais difícil!

Fechou os olhos por um breve momento, enquanto a imagem da irmã com cinco anos de idade lhe veio á mente.

- Mas eu quero! – uma pequena menina ruiva bateu os pés, cruzando os braços. – Mamãe, não é justo! O Rony só é mais velho um ano! Eu quero andar de vassoura também!

- Gininha, minha querida, por favor, tente entender, a mamãe tem que sair, não estarei aqui para vigiar! Já pensou se você cair da vassoura?! Você nem sabe andar ainda! – e sem mais delongas, a mulher ruiva que usava um vestido roxo berrante, carregada de sacolas, aparatou, deixando uma Gininha bem irritada.

A pequenina olhou feio para o irmão, estirou a língua e correu escada á cima, fazendo um grande barulho ao bater a porta.

Enquanto Rony subia até o quarto da irmã, escutava as milhões de coisas que ela quebrava, tacando na parede. Quando o ruivo abriu a porta do quarto sem bater, uma almofada foi acertada bem no meio de seu nariz.

- GINA! – O ruivo arregalou os olhos, vendo a irmã sentar na cama, emburrada.

- O que veio fazer aqui? Zombar de mim?!

- Não... Vim lhe dizer que vou te ensinar a andar de vassoura...

Aquela simples frase pareceu ter sido mais do que mágico para a menina, que levantou o rosto na mesma hora, observando o irmão com os olhos castanhos arregalados, brilhando como duas estrelas em um céu de noite quente.

- Mas... A mamãe...

- Ela só vai chegar de noite, junto com o papai... Fred e Jorge estão trancados no quarto... Acho que dá pra eu te ensinar alguma coisa enquanto isso... Eu não sei, quer dizer, você é muito burra pra aprender em pouco tempo...

Ele coçou sem jeito a nuca. Não queria demonstrar interesse demais em ensinar a irmã a andar de vassoura, mas a idéia o animava. Nunca tinha ensinado nada a ninguém, e só em pensar que a irmã se lembraria para sempre que fora ele que a ensinara a andar de vassoura, era gratificante.

Gina pareceu não se abalar com o comentário maldoso, pulando no mesmo instante no pescoço do irmão, o derrubando no chão, enquanto lhe enchia de beijos por todo o rosto.

- Você é o melhor irmão do mundo, Rony!

Ah... Como Rony queria ouvir aquele "Você é o melhor irmão do mundo" novamente... Gina sempre lhe dizia isso... Mas e ele? Quantas vezes parou de fazer alguma coisa para abraçar a irmã e dizer o quanto ela era importante para ele? Quantas vezes a irmã precisava de palavras reconfortantes, e a única coisa que ele fez, foi ser grosso e ciumento?

Se todos soubessem o quanto ele se arrependia... Se a irmã ao menos tivesse partido sabendo o quanto ele a amava!

- Rony? – só agora o ruivo percebera que Hermione havia acordado, e estava com a porta da carruagem aberta, lhe observando com um semblante curioso.

- Bom dia, Hermione... – murmurou sem sentimentos, por simples educação, adentrando na carruagem e sentando ao lado da esposa.

- Não me parece tão bom assim... O que houve? – perguntou preocupada, segurando as mãos de Rony. – Encontraram alguma coisa?

O ruivo abaixou os olhos, fitando a mão de Hermione envolta na sua, enquanto pensava na melhor forma de falar.

- Encontraram... – a voz saiu falhada pelos lábios grossos do rapaz, e com a mão livre, ele passou os dedos pelos cabelos ruivos, sentindo os dedos agarrar em alguns pontos embaraçados.

- E... O que encontraram? – ela perguntou, sem realmente querer saber a resposta.

- Primeiro os Aurores procuraram pela floresta, e só encontraram uma mulher... Uma velha... Acho que ela mora por aqui... Ela disse que... Disse de um modo assustado que há alguns dias viu uma carruagem passar por aqui, com três homens e uma mulher ruiva, e que a mulher chorava.

As mãos se apertaram conforme o ruivo contara os resultados da perícia. Um nó começou a ser formado na garganta de Hermione, e a morena lutava para não chorar antes de saber tudo.

- E então?

- Essa velha... Bem, ela mostrou para onde a carruagem seguiu caminho... E... Bem...

- E o que, Rony? – duas lágrimas caíram do rosto da morena, sem que a mesma percebesse. O ruivo ameaçou secar as lágrimas, mas ela recuou. – Fala Rony!

- Encontraram a carruagem... E os corpos dos seqüestradores.

- E a Gina? Cadê? Ela ta aí fora? A levaram ao hospital? – uma pontinha de esperança doía no peito de Hermione, mas doía mais ainda em Rony.

- Não a encontraram...

- Então quer dizer que ela ta viva! – Hermione sorriu. – Ela deve ter fugido, Rony!

- Não, Hermione... Você não entende! – Rony se exaltou, largando a mão da esposa e passando as duas pelo próprio rosto, tentando se acalmar.

- Rony...

Mas o ruivo não estava suportando aquilo. Ali dentro estava quente, e ele precisava de ar. Sua cabeça doía e seu estômago rodopiava. Tudo em volta começou a ficar estranho, parecia uma outra dimensão. Tudo era surreal demais, aquilo não estava acontecendo, e Rony começou a sentir que estava acordando do pesadelo, quando sentiu sua cabeça sendo puxada para a janela e começou a vomitar.

-Temos que ir falar com o Harry. – Hermione murmurou para o marido. O sol já ia alto e, agora, estavam na A'Toca.

Haviam acabado de contar á todos os Weasley's sobre a morte de Gina e, como imaginaram, não reagiram nada bem; Molly caíra no choro antes de desmaiar; Arthur arregalara os olhos e ficara olhando fixamente para um ponto inexistente, alheio á todos á sua volta; e os irmãos somente abaixaram a cabeça, permitindo que as lágrimas rolassem por seus rostos abatidos, os corpos cansados jogados em algum canto da sala que tantas vezes fora preenchido pela risada da caçula, que agora já não estaria mais lá.

-Não acho uma boa idéia falar com ele agora. – Rony respondeu no mesmo tom, puxando o ar com força, omitindo o medo que sentia em seu peito em relação á reação do amigo. – Não quero nem pensar em como ele vai ficar. – completou, passando as mãos pelo rosto pálido e cansado.

-Ele tem que saber pela gente, Rony. – Hermione repreendeu, olhando ao redor. – Será melhor... Do que ele saber pelos jornais.

-Eu não quero ser alvo da reação indeterminada dele. – o ruivo murmurou, temeroso. Hermione suspirou, antes de sorrir tristemente e acariciar o rosto do marido.

-Pois eu prefiro ser a portadora de más noticias... – ela respondeu, antes de se ajeitar sobre o sofá. – Rony, você viu que o Harry voltou a ser aquele garoto de quinze anos no que diz respeito a atitudes. Ele está assustado... Não sabe como agir diante das dificuldades... Poderia ser ruim pra qualquer um, mas você sabe que é muito mais complicado para ele... – voltou a puxar o ar com força. – Se ele ficar sabendo pelos jornais, ficará furioso conosco e acabaremos brigando no momento em que ele precisará da gente. – completou, os olhos marejados só de imaginar o sofrimento do amigo.

-Tem razão. – Rony respondeu em meio a um suspiro, após um tempo em silêncio, no qual refletira.

Hermione caminhou em silêncio até a janela do quarto em que ela e Rony estavam desde ter dado a notícia e consolado o quanto possível a família Weasley. Ainda escutavam os soluços da Sra. Weasley, e a voz de Carlinhos tentando a reconfortar, se passando por forte, quando o que o rapaz só desejava era um colo para chorar como um menininho assustado.

Com a mão direita, a morena afastou a cortina de pano ralo para o lado, observando através do vidro empoeirado o pôr do sol ao longe.

Sentiu as mãos de Rony lhe segurando pela cintura e fechou os olhos, onde fez duas lágrimas caírem pelas bochechas geladas e escorrer até o canto da boca reprimida, sentindo o gosto salgado atravessar sua garganta e um soluço escapar de seus lábios.

Mesmo não tendo estado muito próxima á Gina nos quatro primeiros anos em Hogwarts, tinha a caçula Weasley muito mais do que uma cunhada. Gina era a irmã caçula que ela nunca tivera... Era a menininha que ela adoraria ter se trancado no quarto algumas horas que se dedicara com os estudos, apenas para dar risadas do nada e inventar penteados umas nas outras.

E então, algo que Hermione já pensara várias vezes, veio á sua mente mais uma vez... O destino não era nada bom... Com ninguém... Ele castigava, maltratava, alfinetava... Ninguém escapava... Ah, como queria ter as paredes de Hogwarts em sua volta novamente. A protegendo de todos os maus, com os olhos de Dumbledore sobre si... O sorriso brincalhão e as senhas mais variadas e engraçadas que as passagens poderiam ter...

Quem diria que algum dia, Hermione Granger iria se arrepender de ter passado horas com a cabeça enfiada nos livros, os olhos pregados nas linhas que informavam sobre coisas e mais coisas. Por que nunca lera nada para diminuir a dor? Por que não existia nada nos milhões e milhões de informações dentro de bibliotecas que dissesse apenas uma simples ou complicada ação que diminuísse a dor que sentia naquele momento? E então, ela percebeu que todas àquelas horas de estudos não foram tão úteis assim...

Abriu os olhos quando sentiu Rony encostar a cabeça em seu ombro, e apertou a mão do marido.

- Você vai comigo? – perguntou, sentindo as lágrimas do ruivo pingar em seu ombro, sendo de imediato absorvido pelo tecido do casaco.

- Vou... – foi a única coisa que Rony conseguiu responder, logo após soltar um longo suspiro e virar a esposa para si, beijando-a com carinho nos lábios.

Ele precisava respirar... Precisava de um curativo... Precisava de um colo... Do colo dela... Das mãos dela lhe acariciando os cabelos e dizendo que estava tudo bem... Da voz dela gritando do andar debaixo que o jantar estava pronto... Do cheiro dela para lhe fazer dormir... Dos lábios dela para poder beijar... Do corpo dela para poder tocar... Dos cabelos dela para poder afagar... Dos olhos dela para enxergar seu reflexo e ver que estava vivo...

Mas ele não conseguia respirar... O sangue continuava a sair de seus braços, cortes feitos por facas próximos aos pulsos... Por que tinha que ser tão burro e não cortara logo as veias? Por que cortara apenas a carne? Para sentir dor... Ou para tentar ocupar sua mente com apenas aquela dor e esquecer por completo do aperto de seu coração.

Por que aquele gigante invisível continuava a lhe espremer entre seus dedos sujos e impiedosos seu coração vermelho que sangrava, morrendo gota por gota, lágrima por lágrima. Não... Sem lágrimas... Só dor... Só sangue... Sem lágrimas...

Não conseguia chorar... Droga, mas por que não?! Não derramara uma lágrima na frente de Rony, nem de Hermione... E nem agora, sozinho, deitado no quarto mergulhado na escuridão... Ele não tinha coragem de chorar... Era surreal demais imaginar que Gina... Gina estava morta... Não... Essas palavras simplesmente não entravam em sua mente... Não entravam em seu coração e sua alma negava chorar por algo que simplesmente não poderia ter acontecido... Algo que não acontecera...

Jogou o corpo para trás, permitindo que o corpo chocasse com os lençóis verdes e sedosos que estavam bagunçados da cama grande de madeira, fazendo-a ranger levemente. Os mesmos lençóis que dormira com Gina há uma semana. A mesma cama que tantas vezes a amara, que tantas vezes a abraçava para dormir, e que tantas vezes simplesmente passara a noite em claro, a observando ser embalada por sonhos calmos e tranqüilizantes. Quantas vezes vira os cabelos vermelhos espalhados pela fronha florida do travesseiro, o sufocando com o perfume delicado, deixando ali seu cheiro para que pudesse sentir na manhã seguinte, enquanto ele acordasse com o barulho da água caindo no corpo dela, terminando o banho matinal.

Girou a cabeça para o lado, enxergando com as íris verdes o tempo lá fora. As cortinas estavam jogadas para os lados e o vidro aberto, fazendo com que o vento gélido entrasse e banhasse o quarto, tocando num gesto delicado o rosto de Harry. Os cabelos negros e espetados balançaram com graciosidade, e a mão suja de sangue passou pela camisa cor de vinho, já completamente amarrotada, jogada por cima do peito que respirava com dificuldade.

Do lado de fora, uma coruja bateu as asas para longe. Um cachorro, mais para o final da rua, latiu alto para o céu negro, sem lua e estrelas. A rua estava deserta, algumas luzes de casas vizinhas estavam acessas; fumaças saíam pelas chaminés da grande maioria das residências, indicando que a lareira estava acessa, protegendo seus moradores do frio.

- Gina... – murmurou, piscando os olhos seguidas vezes, sentindo-se culpado por não conseguir chorar. – Por que eu ainda respiro? – esticou-se para o lado, pegando um livro grosso e pesado para perto de si, abriu-o, e logo na primeira página olhou para si mesmo, com apenas um ano, sorrindo. Os pais o abraçavam e sorriam para ele. Era a primeira fotografia de seu álbum.

Passou algumas páginas seguintes, até encontrar a que procurava. Mais para a metade estava ele... O sorriso verdadeiro nos lábios vermelhos... Os olhos verdes brilhando como duas estrelas, tamanha a felicidade. Os cabelos balançavam com o vento, mas ele não se preocupava de esconder a cicatriz em sua testa; nem se lembrava, na verdade, de que a cicatriz ainda existia. Tinha coisas muito mais importantes – e felizes – para se lembrar no momento em que bateram a foto.

Do seu lado direito estava o seu melhor amigo. O sorriso era verdadeiro, mas ao mesmo tempo sério. Sabia que Rony queria passar a imagem de irmão mais velho e maduro, mas o ruivo também se divertira naquele dia.

Em seu lado esquerdo, com o braço preso no seu, estava a sua razão, sua sanidade e o principal motivo para a sua felicidade. Gina tinha os cabelos presos no alto da cabeça, com mexas ruivas caindo em sua nuca. A maquiagem bem feita, o vestido branco, simples, mas ao mesmo tempo mágico.

Com o braço dado á Gina, estava a menina de cabelos castanhos. Sua melhor amiga, quase irmã... O vestido longo e verde, os cabelos soltos cheios de cachos. A maquiagem leve, como Hermione gostava. Sorriu para a foto. Mas um sorriso pequeno, melancólico.

Esticou a mão para a foto do dia de seu casamento e tocou a ruiva, que sorria docemente, os olhos brilhando e a mão entrelaçada na sua, como se sua vida dependesse daquilo.

- Me perdoa... – murmurou, como se Gina pudesse ouvi-lo. – Me perdoa por não chorar... Mas eu simplesmente não entendo, meu anjo... – parou um pouco, puxando o ar, como que criando coragem para continuar, o rosto livre de lágrimas – Como consigo respirar se você está morta? Como consigo sentir meu coração ainda batendo se você não está aqui?

Harry esperou, olhando para o retrato, como se com esperanças de que ele fosse realmente lhe responder. Passados longos minutos, em que escutava o tic tac do relógio que estava em seu criado-mudo, sua resposta foi o silêncio. Fechou o livro com força, jogando-o contra a parede, fazendo um banque ao chocar na parede, cair no chão coberto pelo carpete escolhido com carinho por Gina, quando decoraram cada canto da casa juntos.

Harry começou a sentir as pálpebras pesando, e quando fechou os olhos, sendo acolhido por um sono reconfortante, uma fumaça saiu de sua boca, demonstrando o quanto ele estava com frio.

Se o moreno estivesse acordado, teria visto um par de olhos amarelos piscar no meio da escuridão da janela e um sorriso maníaco brotar dos lábios carnudos e vermelhos de uma mulher que flutuava ao lado do quarto. Não se via corpo, nem rosto, somente os olhos e a boca. Também se via o longo tecido vermelho sangue que ela usava. Com um gesto do braço, que mostrou que ela vestia um longo pano vermelho, a coberta aos pés de Harry se mexeu, o cobrindo com graciosidade.

- Tenha bons sonhos, meu querido... – a mulher sibilou, enquanto fechava os olhos, fazendo com que a imagem da janela ficasse como se não tivesse ninguém ali.

Desceu lentamente do ar, até que seus pés descalços encostassem com suavidade no chão gelado, que pela manhã estaria coberto de neve. Os olhos que estavam amarelos voltaram a ser negros em um piscar de olhos. No lugar do sorriso que desenhava os lábios sedutores, a mulher começou a cantarolar com uma voz baixa e maravilhosamente afinada, fazendo alguns morcegos que se escondiam nas árvores abrirem os olhos para apreciá-la, enquanto um gato malhado se escondeu nos arbustos, assustado. Os pêlos completamente eriçados, de modo que se mostrava assustado e revoltado pela presença da mulher.

Ela caminhou, arrastando os pés pela calçada. O vestido de tecido leve e de cor avermelhada, próximo ao sangue, se movia conforme ela se balançava. As pontas do vestido eram umas maiores que as outras, formando triângulos que se desciam pelas pernas bem torneadas da mulher, lhe tocando os calcanhares brancos e macios.

Deu um pulinho no ar, rodando e parando alguns centímetros no chão; os olhos novamente amarelos. Alargou o sorriso, dobrou levemente os joelhos, se flexionando sobre eles, suspensa no ar. Esticou o braço para frente, apontando para o final da rua. As mãos eram pequenas e graciosas, as unhas bem feitas, e por mais que aquela mulher parecesse sedutoramente perfeita, tinha um ar demoníaco que emanava de seus cabelos longos e com cachos brilhosos; por mais que seu cheiro fosse delicioso, os olhos demonstravam uma maldade sem igual. E o que seu corpo tinha de maravilhoso, sua alma tinha de diabólica.

Tudo estava indo como ela planejara... Talvez até melhor do que imaginara... Como os homens conseguiam ser tão estupidamente babacas, ela não sabia; Era só os olharem de uma forma mais insistente que eles já caiam aos seus pés... E mais engraçado ainda, dizendo para que todos que fora pelos encantos deles que conseguira uma mulher como ela...

Começou a se mexer devagar, ainda suspensa á alguns centímetros do chão, o vento acariciando seu rosto e balançando seu vestido. Os olhos fixos em um ponto mais adiante. E então voltou seus pensamentos aos ocorridos dos últimos dias.

Bastara olhar com um sorriso para aquela lesma que chamavam de homem, e ele já estava seqüestrando uma pessoa para ela... É, poderiam ter duas cabeças, mas nunca pensavam com a mais importante quando precisavam...

Um simples galanteio e uma falsa promessa e o homem já havia combinado com mais dois amigos que fariam o que ela quisesse. E fizeram... A ruiva já não lhe impedia mais...

Parou quando chegou em seu destino – a árvore que observava de longe. Esticou os joelhos e sentiu os pés tocarem novamente o chão. Com os quadris rebolando de forma sedutora e graciosa, andou até o tronco da árvore, onde o tocou e retirou um pedaço de um tronco com uma facilidade anormal para qualquer ser humano.

Observou os pequenos germes que se mexiam no pedaço de madeira que ela arrancara. Verdes, amarelos, vermelhos... Qualquer um que olhasse diria que aquilo era nojento... Mas não ela. Ela os via como uma apetitosa comida.

Passou a língua pelos lábios e com a mão desocupada, enfiou no tronco, puxando a mão em seguida, cheia de parasitas. Levou-os á boca e os degustou como quem aprecia um maravilhoso prato de frutos do mar. Delicioso, como esperava... Estava faminta, e ainda não jantara naquela noite.

Agora, mais babacas do que os homens eram homens aurores... Esses ela não precisava nem seduzir... Eram estúpidos demais... Com uma simples transformação, adquirira a forma de uma senhora de setenta anos, e, como uma excelente atriz que era, fingiu-se de uma pobre velha solitária que vira a carruagem que eles estavam procurando...

Se eles soubessem que aquela velha que lhes mostrou onde estavam os corpos dos seqüestradores, e mostrasse a mancha de sangue no mar, indicando que o corpo da ruiva tivesse sido levado para longe... Ah, mas se eles soubessem... Que aquela pobre velhinha havia matado os três homens instantes antes... Que com um leve assopro havia jogado a carruagem penhasco abaixo... Mas não, eles não sabiam... Nem imaginavam...

Enfiou a mão mais uma vez no tronco, procurando por mais alimento, lambendo os dedos quando terminou sua refeição. Precisava manter a forma...

A surpresa da noite fora tão agradável que ela estava boba consigo mesma de que seria tão simples... Ele não chorara... Harry Potter não derramara uma lágrima sequer pela notícia da morte de sua querida esposa. Seria mais fácil do que ela imaginara... Muito mais fácil...

Bateu as mãos umas nas outras, passou a língua pelos cantos dos lábios, limpando-os; ajeitou o vestido e com um estalo suave, desapareceu, deixando uma nuvem de fumaça no local onde estivera segundo antes.

O sol resolvera não aparecer na manhã seguinte, deixando assim, espaço para um céu cinza e um tempo frio. As casas estavam cobertas de neve e as ruas completamente brancas; a caixinha de correio em que se encontrava escrito "Potter" quase não podia ser vista, mas o dono da casa não estava preocupado com isso.

Harry acordou com o frio que sentia, olhou ao redor; o quarto estava uma bagunça: a cama suja de sangue e desarrumada, o álbum de retrato jogado no chão, aberto no meio, seu cheiro estava insuportável e sua roupa completamente amarrotada. Os cabelos estavam despenteados, o rosto, que atraia a atenção de várias mulheres, estava marcado e pedindo para ser barbeado. Seus braços ardiam, devido aos cortes não profundos, e seus olhos verdes passaram por tudo isso, sem surpresa alguma.

Levantou e caminhou descalço, arrastando os pés, até a janela aberta, abaixando o vidro de seguida. Levou uma mão até os cabelos, deslizando os dedos por entre os fios negros e sujos. Em seguida, as mãos foram até a bainha da blusa cor de vinho, puxando-a para cima, a retirando pela cabeça. Jogou a camisa em cima da cama e andou em silêncio até o banheiro.

O moreno se livrou em questão de segundos do cinto, para em seguida abrir o único botão da calça jeans e descer o zíper, puxando a calça de encontro ao chão. Despiu-se por completo e entrou no boxe de paredes frias, levando a mão ao registro de água quente, girando-o para o lado e enfiando a cabeça assim que o jato saiu.

Quando sentiu a água escorrer pelo pescoço, ergueu a cabeça e começou a lavar os braços, sentiu a ardência aumentar, enquanto o sangue já seco se desmanchar e descer pelo ralo. Precisaria de alguma pomada... Nada que Hermione não resolvesse instantaneamente.

Passou as pontas dos dedos sobre os machucados, olhando-os, para logo desviar a atenção dos braços para as mãos. Esticou-as na sua frente, as palmas esbranquiçadas, as linhas retorcidas e os dedos longos. Gina sempre dizia que sua mão era linda... Dumbledore sempre dissera que suas mãos eram poderosas... Ele preferia dizer que eram apenas mãos... Simples e feias mãos...

Quantas coisas fizeram com aquelas mãos... Quantos feitiços executara, quanta gente impressionara, quanta felicidade proporcionou com um simples movimento daquele pulso... Em sua mão, recebeu a aliança de Gina, e em sua mão, hoje, lamentava por ter aqueles poderes sendo que não os podia usar quando mais precisava em sua vida.

Abaixou a cabeça novamente, deixando a água quente acariciar sua nuca, olhando, dessa vez, seus pés, próximos ao ralo, por onde a água descia. Pés que tantas vezes correra pelos corredores de Hogwarts... Pés que muitas vezes ficaram suspensos quando ele se sentava em uma vassoura, tentando ser um garoto normal e jogar Quadribol... Pés que aqueciam aos de Gina sob as cobertas, nas noites frias... Esses mesmos pés não podiam, agora, correr até onde sua ruivinha estivesse...

Passou a mão pelos cabelos, espirrando água em volta. Essa cabeça que pensara em vários planos para acabar com Voldemort... Essa cabeça que fora invadida pelo Lorde das Trevas... Essa mesma cabeça que agora não conseguia imaginar onde a caçula Weasley estaria...

Soltou um suspiro frustrado, se sentindo impotente. Deveria desistir e aceitar de vez que Gina não estava mais ali? Deveria aceitar á si mesmo que viveria sem ela para o resto da vida? Não, pois ele não viveria... Apenas existiria... Poderia ser que ele nunca mais fosse rever Gina, que nunca mais fosse tocá-la ou beijá-la – e como esse pensamento o torturava –, mas de uma coisa ele tinha certeza; não aceitaria tudo isso sem lutar.


Nota da Autora:

Putzzzzzz! Ká se protegendo com os braços, recebendo milhares de tomates podres Decepcionante, eu sei! Pra mim, foi completamente frustrante... Primeiro, porque eu demorei um absurdo pra conseguir concluir... Depois, porque não saiu como eu queria, e terceiro, porque ficou minúsculo... Eu prometo que irei dar tudo de mim para o próximo capítulo sair maior e com mais detalhes... Queria agradecer á todos que estão comentando, e também á Serena, minha beta linduxa, por ter escrito a parte q está entre #. Eu tinha travado, e ela me deu um help. Tanks, miga! E irei começar o próximo capítulo assim que der! Vou tentar não demorar e tentar postar antes de fevereiro, mas não prometo nada... Bem... Ta aí mais um capítulo frustrante, e... Até o próximo!

--- Comentemmmm, please!!!!!!!!! .