A Filha de Shaka
Capítulo VI
Sob a noite magnificamente estrelada da Grécia, uma jovem confusa subia as escadarias do Santuário da Deusa Athena. Avallon passava agora pela décima primeira casa. Chegou a pensar em parar para procurar pelo guardião da mesma, mas logo lembrou-se que Kamus havia saído da reunião com Milo, provavelmente não estaria em casa, ou poderia estar subindo sem saber muito bem para onde ia. A mente estava turva com tantos pensamentos. A situação com os Druidas, o ataque que sofreu há três dias atrás, a culpa por ter envolvido o santuário nisso e principalmente a lembrança do passeio à Jamiel e aquela sensação nova que a invadia, uma euforia, uma angústia...a paixão.
A filha de Shaka caminhava distraída e sem rumo, diferente das outras vezes que andou por aqueles corredores, curiosa com o que via, agora nada ali parecia lhe importar muito. Uma brisa fria passou, fazendo com que lembrasse que não vestia nada além de uma fina camisola branca; saíra tão distraidamente da casa de Virgem, que nem passou pela sua cabeça que poderia sentir frio. Continuou a subir com os braços cruzados sobre o peito para proteger-se do frio. Finalmente entrou na décima terceira habitação do Santuário. Uma luz, que vinha de uma enorme porta entreaberta, lhe chama a atenção. Ela adentra o recinto e logo vê que se trata de uma grande biblioteca, com um acervo fantástico. No fundo Mu lia algo distraído.
O Cavaleiro de Áries também estava insone, depois da reunião nem tentou teimar consigo para que o sono viesse, foi imediatamente para a sala de leitura afim de preocupar a mente com algo que o fizesse esquecer os pensamentos insuportáveis que o tomavam. Precisava urgentemente de uma leitura, a mais maçante que pudesse encontrar, uma que o fizesse ter vontade de dormir pesadamente logo, e assim esquecer-se do dia que passou.
Passava as vistas pelo grosso volume do livro à mão, mas sua mente estava bem longe dali. Não conseguia parar de pensar na tarde que passara com Avallon em Jamiel e das coisas que ela havia lhe dito.
Condenava-se por te-la interrompido. Até onde ela iria? Depois condenava-se por sua curiosidade. O que estaria acontecendo? Estaria louco? Como se deixar envolver por ela, pela filha de Shaka? Seu melhor amigo? O fato é que não conseguia tira-la da cabeça um minuto sequer. Sua idéia de ler para esquecer os problemas só lhe trouxe mais desconforto com a situação, pois estava entregue à leitura de um livro sobre a cultura Druida. Tinha mil coisas na mente, mas todos esses pensamentos simplesmente pararam quando ele sentiu o perfume dela entrando naquela sala.
– Mú...
Ele fica de pé ao vê-la entrar, fitando-a, por alguns segundos. Sua aparição foi como a de um anjo, até mesmo a camisola branca e esvoaçante ,de uma simplicidade encantadora, acentuava essa impressão . Avallon também o observava, ele usava apenas uma calça branca larga e uma camisa alva sem mangas, que deixava seus braços de músculos torneados à mostra, com os cabelos presos para trás, bem mais curtos do que eram na época em que era mais jovem, não chegavam nem às omoplatas agora.
– Avallon?... Parece que ninguém consegue dormir por aqui... – Diz, esboçando um tímido sorriso.
– É... Tantos problemas... – Ela fala com um sorriso tênue nos lábios, ficando séria em seguida. – e por minha causa... Amanhã será um dia muito importante...
– Esta com medo...? – Ele fecha o livro voltando totalmente suas atenções para a Druida.
– Não... Estou apenas ansiosa, já fazem mais de quinze dias que deixei meu povo, não sei exatamente como as coisas estão nas Florestas Altas...Além do mais não queria ter envolvido-os nisso. – Aavallon se acomoda em uma cadeira de frente para Mu, que também se senta, uma mesa redonda os separava.
– Você sabe que Shaka não deixaria jamais que você fosse sozinha...Nem eu...nós não deixaríamos, aliais todos aqui gostam muito de você Avallon. Com Marin e Shina você estará protegida, elas são grandes guerreiras...
– Tenho muito o que agradecer às duas, ofereceram-se espontaneamente para me acompanhar e acabaram se desentendendo com Aioria e Shura.
– Sim, é verdade, mas não se preocupe, elas são adultas e sabem o que fazem...
Mais uma vez o silêncio se interpunha entre eles.
Avallon parecia perturbada, passava as mãos pelos cabelos repetidas vezes, quando não estava esfregando-as uma na outra. Mantinha o olhar baixo evitando encarar Mu de frente. Tinha medo de ter seu olhar novamente rejeitado pelo tibetano. Mu sentia que estava num beco sem saída. Como se estivesse para enfrentar uma situação da qual não poderia fugir, mais cedo ou mais tarde. De repente a Druida encheu-se de coragem e disparou.
– Mú... Você me vê como uma menina?
O cavaleiro sorriu nervoso antes de responder.
– Por que essa pergunta?
– É que hoje ..em Jamiel..
Ele a interrompeu, temendo que a sinceridade característica de Avallon fosse longe demais.
– Não Avallon eu não TE VEJO como uma menina! Você É uma menina! – dizendo isso levanta-se da mesa um tanto alterado.
– É assim mesmo que você me vê Cavaleiro? – O tom de voz da filha de Shaka é firme e desafiador. Ela levanta-se e circula a mesa lentamente na direção de Mu. – Tem certeza? Eu sou uma criança para você Mu de Áries?
Avallon tinha idéia exata de o quanto sensual ela estava naquele momento, nenhum homem resistiria aos seus olhos desafiadores, ela sabia. Mas Mu não era qualquer um. Ao contrário dos nascidos sob o signo de Áries, ele era sensato e cauteloso...e o melhor amigo do pai daquela beldade, que estava longe de ser uma criança para ele. Juntou todas as suas forças e olhou para Avallon com um ar severo, reprovando-a.
– O que você pensa que está fazendo menina?
– Mu eu sei muito bem as coisas que eu quero na vida. – Avallon não titubeou diante da reação do ariano. Aproximou-se mais. - E eu quero você!
– Avallon...você faz idéia do que está dizendo? O que você acha que o teu pai vai pensar quando souber disso?
– Ele não vai saber..– Ela continuava demonstrando segurança na sua fala, apesar de que se via perturbação em seus olhos.– Você não vai contar para ele Mu. Porque você estaria se denunciando, pois não conseguiria esconder dele que também me deseja!
– Avallon! Pare com isso! – Mu segurou a menina pelos ombros com força, sacudindo-a levemente. Ela sentiu as mãos firmes do cavaleiro de Athena em seus ombros e olhou para aqueles olhos azuis enormes que pareciam sinceros em sua reprovação. Naquele momento toda a sua segurança a abandonou! Sentiu- se mais adolescente do que nunca, as lágrimas vieram-lhe aos olhos sem controle. Livrou-se das mãos dele dando dois passos para trás. Olhou mais uma vez com mágoa e raiva e correu em direção à porta.
Teria saído dali não tivesse sido impedida pela enorme porta da biblioteca que fecha a sua frente, como que por mágica e, antes que Avallon pudesse ao menos se assustar com isso, Mu aparece diante dela...Tinha o ar de um homem enfeitiçado, algo entre calmo e desvairado. Poucos centímetros os separavam e o olhar fixo que ele mantinha nela fazia com que lhe sentisse mais perto ainda. Levou a mão direita ao cabelo da moça, que inclinou a cabeça para sentir seu toque. Com os olhos fechados Avallon ouvia-o falar... cada vez mais próximo...
– Diz a lenda que um dia, a Loucura e o Amor brigaram... A Loucura furou os olhos do Amor, e o tornou cego. Vênus, a mãe do Amor, implorou ao grande soberano do Olimpo que fosse feita justiça, e desde então, ficou decidido que a Loucura seria Guia do Amor...
– A...amor...? – Avallon repetiu aquela palavra involuntariamente. Soava- lhe como um belo canto, proferida pela boca de Mu.
Ele acaricia seu rosto novamente e a prende contra a porta, não obtendo nenhuma resistência por parte da Druida, que parecia estar em transe, com os olhos fechados e os lábios levemente entreabertos. Mu fitou a boca sedutora da menina antes de pousar de leve seus lábios sobre os dela, sentindo-a tremer em seus braços. Apertou-a ainda mais entre seu corpo e a porta e aprofundou o beijo. Avallon gemeu demonstrando toda a sua entrega. Ela tentava corresponder ao beijo de sua forma inexperiente, estava fascinada em sentir aquela língua explorando sua boca tão ternamente. Ele a sentia macia como uma fruta recém colhida, de fato, uma boca que jamais havia sido beijada antes. Ela sentia a experiência de um homem mais velho do que ela, e a força de um cavaleiro de Ouro lhe tocar, ainda que muito sutilmente. Para O cavaleiro de Áries parecia que nada mais no mundo importava, a não ser aquele momento, poderia ter ficado ali por uma eternidade, não tivesse sentido alguém tentar abrir a porta que os amparava.
Afastaram-se assustados, quando ouviram a voz de Shaka:
– Quem está aí? Abram a porta!
– É o meu pai! - Disse Avallon alarmada.
Mu olhou para Avallon com um olhar muito diferente do que apresentara nos últimos minutos. Estava sério e preocupado, parecia ter acordado de um momento de..loucura? Desviou os olhos e passou as costas das mãos pelos lábios displicentemente. Deu as costas para a Druida e foi abrir a porta para o Cavaleiro de Virgem, que batia com força na mesma. Quando finalmente abriu, deu de cara com o pai de Avallon encarando-o com uma expressão severa.
– Mu? Por que a porta estava trancada? – entrou na biblioteca e se assustou ao ver a filha. – Avallon?
– Não estava trancada...- O ariano apressou-se em responder. – Você deve ter achado que estava trancada porque... ela está um pouco emperrada...se tivesse forçado mais teria aberto...
– Avallon? Então você está aqui! Não te encontrei no seu quarto...Por que está ocultando seu cosmo?
– Não queria acordar os outros cavaleiros...Estava sem sono pai...vim...ler algo e o Mu estava aqui...
– Se não estava conseguindo dormir. Por que não me acordou para conversar?
– Não gosto de acordá-lo meu pai...mas você acabou acordando, desculpe. – Avallon evitava encará-lo.
– Acostumei-me com a sua presença meu anjo, acordo se você se afasta. – Shaka sorriu, o que fez Mu e Avallon ficarem menos tensos - Você está preocupada com o que vai acontecer amanhã?
– Eu já disse a ela que estará tudo bem com Marin e Shina...
– Pai vamos para casa. – Shaka percebeu a irritação mal disfarçada na voz da filha. Mas resolveu ignorar, fosse lá o que fosse.
– Vamos Avallon...até amanhã Mu.
– Até logo Shaka...Avallon...- Cumprimentou a menina rapidamente com um aceno de cabeça , ao qual ela não respondeu. Os dois partiram deixando na biblioteca um Mu mais do que arrependido...
O Sol entrava através de uma brecha na cortina azul escuro que cobria a janela, e isso era um incômodo para ele. Na décima primeira casa zodiacal um certo cavaleiro francês acabava de acordar tomando consciência de sua imensa dor de cabeça, do suor que lhe banhava o corpo e de algo mais... Braços o envolviam, braços fortes, mais musculosos que os seus. Levantou um pouco a cabeça e baixou os olhos vendo os cabelos azuis espalhados pelo seu peito. Era Milo, claro! Começou a chingar em francês, tentando tirar o amigo de cima de si, mas Milo o agarrava com ainda mais força.
– Milo!... Merde! Quer me largar! O que você tá fazendo aqui?
– Ahn? – O Cavaleiro de Escorpião acordava sem entender muito bem o que estava acontecendo.
– Quer me soltar?
O dourado afasta-se do amigo sem pressa, espreguiçando-se longamente com um sorrisinho irritante no canto dos lábios.
– O que é que você está fazendo aqui? – Não era a primeira vez que Kamus dormia com Milo à mesma cama, mas sempre irritava-se ao acordar banhado em suor e com Milo sobre si, sem contar os golpes que levava do inquieto cavaleiro durante a noite. Incrivelmente não tinha acordado nenhuma vez, o que indicava que não teve um sono normal.
– Tive que te carregar ontem até aqui, você se recusou a dormir na minha casa, não lembra?
– Non, mas deve ter sido justamente para não ter que acordar com você me agarrando! Até quando dorme parece uma criança! – E foi para o banheiro resmungando algo ininteligível.
Olhou-se no espelho. Os olhos inchados e avermelhados denunciavam que não havia tido um sono tranquilo. A cabeça latejava e tinha náuseas. Pouco lembrava da noite anterior. Mas era certo que havia bebido mais do que de costume.
– Merde! – Resmungava Kamus pondo a pasta na escova.
Milo apareceu atrás de si e foi tirando a zorba, única peça que vestia.
– Kamus, meu amigo temos que ter mais noites como essas! - Meteu-se na ducha e começou a cantarolar alto.
– Milo! Quer calar essa boca? – Falava o francês com a boca cheia de pasta.
– O quê?
– Milo! – cuspiu a pasta. – Eu estou morrendo de dor de cabeça e você vem cantarolar no meu banheiro com essa voz que dispensa comentários! Por que não vai tomar banho na sua casa?
Milo desligou o chuveiro e puxou a toalha que estava pendurada na divisória do Box.
– Essa toalha não! Eu já usei!
– É? E daí? - continuou se enxugando com a toalha usada e foi para o quarto onde a jogou em cima da cama. Dirigiu-se para o armário, pegou uma zorba e vestiu. Depois pôs- se a procurar suas roupas espalhadas pelo quarto.
– Vai levar mais uma cueca minha? – O francês cruzou os braços na porta do banheiro.
– Fica com a minha. – Milo lançou-lhe um sorriso. – É toda sua!
– Merci Milo, você é muito gentil! – Kamus suspirou e levou as mãos à cabeça. - Minha cabeça parece que vai estourar! Eu não costumo ficar assim! Por acaso você me drogou na noite passada? – Falou irritado o aquariano.
– Sim, desculpe. – O Escorpião falava enquanto fechava o zipper da calça. – Te droguei, te trouxe pra casa, te levei pra cama e fizemos amor a noite toda! – abriu um mais um daqueles risinhos irritantes e sacudiu a cabeça negativamente. – Kamus, Kamus, por que não admite que é fraco com bebidas?
– Ah! Vá ao inferno! – Fez que ia voltar para o banheiro, mas recuou. – Por acaso estive com alguma mulher ontem? Não consigo me lembrar...
– Com uma? Você não se contentou com uma "mon ami"!
– humm...e por acaso eu andei falando alguma coisa que não devia pra você enquanto estava alcoolizado?
– Aquelas coisas de que me amava e etc..ah não se preocupe eu sei que foi a bebedeira!
– Falo sério...eu andei te contando alguma bobagem?
– Bobagem não... – Milo percebeu que o amigo estava aflito e resolveu ser sincero. – Você falou sobre a Avallon a noite inteira cara! Eu já não agüentava mais!
– O que exatamente eu te falei?
– Que ela não te saia da cabeça, que era linda, que era inteligente, que tinha um sorriso lindo, uns olhos lindos...que mais? Que o Shaka ia querer te matar..Ah e também falou umas coisas grosseiras sobre o Mu quando eu estava te carregando para casa que eu não entendi muito bem... – respondeu, enquanto terminava de amarrar os sapatos.
O Francês deu alguns passos para frente enquanto ouvia o amigo, demorou um pouco para responder, parecia estar formulando algo para dizer.
– Milo...Você sabe que essas coisas..eu disse essas coisas porque bebi demais.
– Kamus meu amigo – Milo se aproximou - O teu amigão aqui sabe o que se passa nesse teu coração congelado - e pôs as duas mão nos seus ombros do francês, olhando-o nos olhos. – E o que eu sei é que você está apaixonado pela filha do nosso amigo indiano, como poucas vezes eu te vi... – as feições de Milo mudam rapidamente e ele encara o amigo com um ar mais severo – Por isso, larga de ser idiota e vá atrás dessa menina, ou será tarde demais pra você! – ele o empurra e Kamus se desequilibra, caindo sentado na cama.
– Tarde demais? O que você quer dizer com isso?
– Eu quero dizer que tem outro gavião rondando a tua presa "mon ami"...
A casa de Áries fora cedo ocupada pelos cavaleiros e amazonas. Às nove e meia da manhã todos já estavam reunidos na primeira casa do templo de Athena para fecharem os últimos detalhes da partida da comitiva feminina para as florestas altas.
Marin chegou acompanhada de Aioria, que não se mostrava nada satisfeito. Os dois vinham discutindo enquanto desciam as escadarias. Logo depois chegaram Shina e Shura vindos da casa de capricórnio. O espanhol também não tinha cara de muitos amigos. Avallon já estava lá, junto com Shaka, desde cedo. Esperava os outros abraçada ao pai, que a acarinhava. Os próximos a chegar foram Kamus e Milo, que nem eram esperados ali, mas Kamus havia decidido vir e Milo o acompanhou, afinal adorava as reuniões. Por último chegou o guardião da casa, com uma cara de noite mal dormida, que não passou despercebida pelos presentes...
– Ei Mu! Andou enchendo a cara também? – Perguntou Milo com um largo sorriso.
– Não..mas se você continuar na minha frente vou encher a sua cara de porrada!
– Nossa! Está pior que o Kamus, hehe..."Avallon, Avallon, que efeito você tem sobre os homens guria!" – A última parte pensou consigo o Cavaleiro de escorpião.
–... – Mu lançou-lhe um olhar de desdém e foi tratar de suas obrigações. Chamou Marin que discutia com Aioria em um canto. Ela lhe respondeu com um sinal de mão para que esperasse.
– Aioria você não vai sair daqui até eu voltar! Prometa!
– Não prometo nada...
– Aioria!
No outro canto Shura também não parecia convencido, nem mesmo os carinhos de Shina o faziam mudar sua expressão de desagrado.
Mu foi até Avallon e Shaka. A menina permanecia abraçada ao pai e este lhe fazia festas nos cabelos castanhos. Afastaram-se um pouco quando Mu se aproximou, para ouvirem o que tinha a dizer. Mu os cumprimentou e começou a explicar a Avallon os detalhes da viajem. Disse que elas iriam até a cidade mais próxima das florestas altas no carro de Marin e depois fariam o resto do percurso a pé. Seriam dois dias de carro e algumas horas de caminhada por entre mata densa.
Avallon mal prestou atenção nas palavras do Ariano, procurava algum sinal nos olhos de Mu durante todo o tempo em que este falava, mas ele estava mais sério do que nunca, não encontrou nada nele, que demonstrasse o homem que lhe beijara com ímpeto na noite anterior. Por seu lado Mu evitava encarar a menina e a Shaka também, nunca se sentira tão culpado na vida...não sabia explicar o que lhe dera para agir daquela forma na biblioteca.
As meninas preparavam-se para partir. Marin ainda conversava com Aioria num canto afastado.
– Aioria, olha lá! nada de deixar o Aioros acordado até tarde e não vá entupi-lo de porcarias, nem fazer todas as suas vontades...
– Marin! – Ele a olhou com seu típico tom autoritário como quem dizia "não é essa a questão".
– Tá bem meu Leão! – ela envolveu seu pescoço com os braços olhando-o nos olhos bem de perto. - Vou morrer de saudades!
- Marin...se te acontecer algo eu... - A amazona o calou com um beijo apaixonado, coisa rara de se ver da parte de Marin que não era muito dada a demonstrações de afeto em lugares públicos.
Num outro canto Shina finalmente conseguira roubar um beijo do seu espanhol. Que a abraçava como se não pudesse deixá-la ir.
Avallon foi até Kamus para despedir-se do Francês. Ele estava de costas para ela conversando com Milo, quando a menina tocou seu ombro. O Cavaleiro de Aquário voltou-se para ver quem o chamava e ao dar de cara com Avallon abriu um sorriso que a fez prender a respiração. Kamus era mesmo incrivelmente bonito! Mas não era a ele que amava, infelizmente tinha se metido com algo muito mais complicado! Ela lhe retribuiu o sorriso, mas Kamus pode perceber algo de triste no fundo dos seus olhos.
– Tudo bem Avallon?
– Sim! Tudo bem! – A druida sorriu-lhe mais animada, um sorriso tão lindo que Kamus sentia vontade de desmancha-lo com um beijo! A menina cruzou seu olhar com os penetrantes olhos azuis do cavaleiro de gelo e ficou um pouco desconcertada.– Bem...vim me despedir, tenho que ir.
– Tome cuidado, mademoiselle... – Kamus curvou-se para beijar a mão da moça segurando-a delicadamente, sem tirar seus olhos dos dela.
Depois das despedidas, as três partiram no carro de Marin, deixando para trás seis cavaleiros preocupados.
– Que cara é essa espanhol? Tá preocupado com a Shina , mas por que? Tu já estas acostumado a levar uns baita chifres na cab...gahf
Milo descobriu da pior forma que não era uma boa hora para provocar o capricorniano ciumento... Shura voou no pescoço do outro e apertava-o com força. Milo estava sufocando mas não tirava o sorriso provocativo do rosto. Aioria cruzou os braços dando a entender que não iria se meter, de certo teria feito o mesmo se falassem algo em relação a Marin. Mu deu de ombros e saiu, estava psicologicamente esgotado demais pra ter que apartar brigas. Suspirou ao ouvir a voz de Shaka chamando-o e ao perceber que o virginiano decidira acompanha-lo. Kamus resolveu intervir antes que seu melhor amigo morresse esganado.
– Solte ele Shura! – Gritou Kamus. – Solte ele homem!
Shura largou o escorpião que já estava vermelho, mas continuava exibindo o mesmo sorriso provocativo, estava muito satisfeito por ter tirado o cínico espanhol do sério.
– Tu lava essa boca antes de tocar no nome da minha mujer!
Milo não parava de rir debochado, irritando mais ainda o capricorniano.
– Isso foi bem feito para você Milo. – Disse Aioria ainda de braços cruzados.
– Ei espera ..para onde vocês vão? Cof, cof.
– Eu tenho um filho para cuidar , vou para casa.
– E jo no quero olhar nem mais um minuto para essa tua cara!
– Teu filho está com a baba Aioria...por que a gente não vai dar uma volta, agora que vocês estão livres das patroas?
– Milo! Você quer beber essa hora da manhã? - Reprovava o Leão.
– Você tá louco Milo! Não bastou o porre de ontem? – disse Kamus.
– Quem falou em beber? Vamos jogar boliche no Shopping! Que tal?
Os três se entre olharam incrédulos.
– Para mim não vai dar...vou treinar o Aioros hoje...até mais...
– Ei Shura vamos?
– NÃO! Adios!
– Kamus?
– Você acha que com a dor de cabeça que eu estou eu ainda iria querer dar um passeio contigo? Vai procurar tua turma Milo!
– Vocês são minha turma! Uma turma muito da desanimada, aliás...
– Você queria que nós comportássemos como se ainda tivéssemos 25 anos? Já passamos da idade das farras diárias mon ami..está bom de você crescer também...au revoir!
– Hehe! Tá certo francesinho, tá certo! Tu não tens mais 25, mas tá doido pra dar uns tratos numa guria de 18 né? Quem não te conhece que te compre!
Kamus fez que não ouviu e pôs-se a subir as escadarias alcançando Aioria e Shura. Milo ficou indeciso, mas resolveu também voltar para casa e dormir mais. A casa de Áries estava novamente vazia.
Enquanto isso Mu e Shaka subiam lado a lado as escadarias do santuário. O Cavaleiro de Virgem estranhava o silêncio do amigo, que tinha sempre muitos assuntos a conversar com ele, desta vez estava calado como nunca, mas ele atribuía isso ao cansaço que o outro devia estar sentindo com tantas obrigações. Já haviam subido alguns metros quando Shaka resolveu quebrar o silêncio.
– Sabe Mu, estou preocupado com a Avallon.
– Você acha que não fizemos bem em deixa-las irem sozinhas?
– Não vejo que problema possa haver, mas também não consigo deixar de me sentir apreensivo.
– Acho melhor ficarmos em alerta... qualquer coisa estaremos lá num piscar de olhos.
– Certamente... Mas não era a isso que eu me referia...
– Não ? E qual é a sua preocupação então Shaka?
– É algo que está me inquietando, me tirando o sono! Não consigo ficar em paz com minha filha vivendo aqui neste santuário!
– Por que Shaka?
– Hora por quê! Você sabe a quantidade de pervertidos que vivem aqui? Outro o dia o Milo esteve na minha casa perguntando pela Avallon!... Que audácia!... Eu tenho pena daquele escorpião maldito se ele se aproximar da minha filha!... E não é só ele! Aquele francês é outro que estou de olho!... O Kamus pensa que me engana com aquele jeito sério dele, mas eu sei muito bem que ele não é nenhum santo, sei o que costuma fazer com as mulheres, mas se ele pelo menos pensar em tocar na minha filha vai passar o resto da eternidade no mundo dos mortos!
Mu ouvia calado a Shaka, que falava num tom alterado gesticulando, muito diferente do Shaka calmo e sereno com que estava acostumado. De repente ele fez uma breve pausa e depois continuou num tom menos afetado. Estava se sentindo a pior criatura do universo. Ainda mais quando se pegou a sentir ciúmes enquanto Shaka falava dos outros...
– Aliais você anda saindo muito com a minha filha não é?
O Coração do Cavaleiro de Áries acelerou - Eu...
Shaka o interrompeu e continuou. - Já Andaram me fazendo insinuações...
O ariano sentiu o sangue fugir-lhe as faces. Já podia imaginar a palma da mão de Buda surgindo sob seus pés, quase pode ouvir a voz do Cavaleiro de Virgem ordenado que escolhesse um dos seis mundos espirituais para passar o resto da eternidade. E estava decidido que se submeteria sem reagir. Mas não foi o que aconteceu. Foi pior...
– É claro que é um absurdo! Aliás, só podia ter partido do Milo!... Na verdade Mu, você é o único aqui a quem confiaria minha filha de olhos fechados! O único!
– "Shaka! Eu beijei a sua filha ontem à noite, e teria feito sabe-se lá o que com ela se você não tivesse chegado! Eu não mereço sua confiança! Mereço morrer!''- Foi o que teve vontade de dizer, mas não o fez. Sentiu as pernas fraquejarem e sentou-se num degrau da escada, escondeu o rosto com as mãos apoiando o cotovelo nos joelhos. Shaka apressou-se em acudi-lo.
– Mu! O que foi? Está se sentindo bem?
– Eu...
– Você não dormiu bem essa noite não foi? Está tendo alguma tontura?
"Claro que eu não dormi bem Shaka! Você dormiria se tivesse beijado a filha do seu melhor amigo" – Mu pensou e, mais uma vez, não falou. Levantou-se e olhou para Shaka , dando um longo suspiro.
– Venha Mu vamos até minha casa.
Os dois continuaram até a casa de virgem onde Shaka insistiu para que Mu entrasse e tomasse um copo com água. Ofereceu-lhe uma cadeira e sentou-se a sua frente.
– Se sente melhor?
– Eu estou bem Shaka..por favor não se preocupe comigo! "Eu não mereço a sua preocupação!"
– Você anda se cuidando mal meu amigo..agora com tantas responsabilidades mal tem dormido não é? Nem se alimentado corretamente...uma boa alimentação é muito importante para mantermos o corpo e a mente sãos e o cosmos conseqüentemente...
Mu ouvia o amigo a falar e não acreditava que Shaka podia estar sendo tão cego! Só bastava que lesse os seus pensamentos ou os da filha para que soubesse de tudo, mas é claro que Shaka nunca faria isso. Mesmo assim Mu sentia-se aflito perto dele, como se a qualquer momento tudo pudesse vir à tona, e isso era o que ele menos queria, pois jurara para si mesmo que esqueceria a filha do amigo e que jamais se aproximaria dela novamente. Shaka por sua vez, não desconfiava do tibetano de maneira nenhuma! Como poderia? Mu era para ele o cavaleiro mais sensato de todo o santuário, na sua visão era inimaginável que ele pudesse se envolver com uma adolescente de 18 anos, muito menos com a sua própria filha. È claro que às vezes se pegava pensando nisso involuntariamente, mas depois se condenava sinceramente pelos pensamentos absurdos e a imagem do Mu que deveria ser como um tio para sua filha voltava-lhe firmemente ao pensamento.
Mas uma vez os dois ficaram em silêncio por alguns momentos, mas o pai de Avallon logo re-começou:
– Mu, quero te perguntar uma coisa...
O Coração do ariano disparou, ele tomou um gole de água e olhou para Shaka.
– Sim?
– Você acha que a Avallon pode estar...- Shaka parou.
– O que Shaka? – Perguntou um pouco impaciente.
– Você acha que a minha menina pode estar apaixonada por alguém?
– Como eu não poderia saber?
– Eu sei...não poderia mesmo saber, mas você tem passado algum tempo com ela... então poderia ter notado algo...
– Por que? Você notou?
– Eu jamais leria os pensamentos da Avallon, respeito a sua privacidade, além disso ela sabe ocultá-los muito bem...- Shaka sorriu demonstrando seu orgulho pela filha. – Mas é que ela é tão nova e vivia num lugar onde haviam tão poucos homens, tenho medo que ela seja iludida...e eu não quero isso para a minha filha! Não quero que ela tenha o mesmo destino da mãe! A Avallon tem responsabilidades que terá que assumir mais cedo ou mas tarde.. ela é a pessoa mais indicada para governar os druidas e não vou permitir que nenhum desses cavaleiros depravados atrapalhem isso!
– Você tem toda razão Shaka...- Disse Mu num tom de voz baixo, olhando para as próprias mãos que seguravam o copo de cristal já vazio.
– Quem diria não é Mu? – O virginiano sorriu tristemente – quem diria que eu me tornaria um pai tão ciumento...
– Não Shaka! Não é ciúmes..é cuidado, você tem toda razão em cuidar da sua filha...ela é muito nova e inexperiente e não se pode mesmo confiar em ninguém nesse santuário! Em ninguém meu amigo! - Mu levantou-se ao fim da frase. – Preciso ir Shaka...Você combinou com a Avallon que ela lhe enviaria um sinal se elas estivessem em perigo não foi?
– Combinamos...
– Qualquer coisa me avise imediatamente!
– Claro...agora vá descansar amigo...
– Pode deixar Shaka...
O Cavaleiro Dourado subiu arrasado os vãos de escadaria até o salão do mestre. Aliais, não via a hora de Athena regressar, para que pudesse voltar a se preocupar apenas em ser o guardião da Casa de Áries. Entrou no quarto em que estava provisoriamente e jogou-se na cama, estava extremamente cansado, mas sabia que não iria conseguir dormir de jeito nenhum. Não parava de pensar na conversa com Shaka e na noite de ontem! O que dera nele? Começou mais uma vez a recapitular tudo que acontecera na biblioteca...Ela estava indo embora, tinha conseguido controlar-se o tempo todo e quando finalmente Avallon desistiu dele, agiu como um louco! Mu dizia para si mesmo que fora a pura loucura que o fez agir daquela forma, mas no fundo sabia muito bem que o olhar dilacerado que Avallon lhe lançou antes de fugir demoliu todo o seu alto controle...não agüentou vê-la sofrer por ele, sentiu-se impelido a envolve-la em seus braços, em beija-la...e como havia sido maravilhoso! Avallon era diferente de todas as outras mulheres que passaram pela sua vida, ela o fazia perder a cabeça!
– Eu sou um grande canalha! – Disse para si mesmo e ficou ali deitado por horas pensando na conversa com Shaka e evitando ao máximo em pensar em Avallon, mas isso era impossível...
Algumas horas depois a Druida e as duas amazonas de prata já estavam a quilômetros do santuário. Marin dirigia o carro e Shina, ao seu lado, reclamava:
– Com você dirigindo assim Marin, não chegaremos nem tão cedo!
– Estou seguindo as normas de velocidade da rodovia Shina. Não reclame!
– Você está vendo algum policial por aqui?
– Não vou perder meu tempo discutindo com você!
– Por que não me deixa dirigir?
– Te deixarei dirigir quando encontrarmos uma estrada que não tenha regras de trânsito, ou seja ..nunca!
Avallon estava alheia à discussão das duas, olhava absorta para a paisagem que se movia do lado de fora do carro, pastagens e plantações sucediam-se sem fim sob os olhos da Druida. Seus pensamentos voavam até a noite anterior... seu primeiro beijo. Fechando os olhos quase podia sentir a sensação que tivera ao estar nos braços do Cavaleiro de Áries. Nem percebeu que levara a ponta dos dedos aos lábios. Depois lembrou-se da frieza com que Mu a tratara após o beijo e hoje pela manhã, nem um discreto sorriso lhe lançara desde que Shaka quase os flagrou. Arrependera-se de certo! Uma lágrima lançou-se de seus olhos. De repente encheu-se de ódio e prometeu a si mesma que não iria mais sofrer por Mu.
Mas Marin a havia notado através do retrovisor.
– Tudo bem Avallon?
– Não Marin, mas vai ficar, não se preocupe...
– O que você tem menina? – Perguntou Shina voltando-se para trás. – Está apreensiva? Não se preocupe, essa é uma missão muito simples para nós.
– Não é isso Shina...
Shina olhou para os rosto triste da Druida e uma idéia não pode deixar de lhe vir à mente.
– Avallon por acaso isso tem a ver com Mu?
A menina não conseguiu disfarçar seu embaraço com a pergunta da amazona.
– Ahn? De onde você tirou essa idéia Shina? Por que motivo aquele ariano cretino me faria ficar triste!
Shina e Marin se entre olharam preocupadas.
– Espera..Não estou entendo. – Disse a séria a Amazona de Águia. - O que está acontecendo entre você e o Mu Avallon?
– Não está acontecendo nada!
– Avallon , eu vi muito bem a forma como você olhava para ele durante a reunião e hoje pela manhã! Além disso, vocês estiveram saindo juntos várias vezes.. e ontem eu te vi passando pela casa de capricórnio indo em direção ao Parthenon... e esse "ariano cretino" acabou de te denunciar!
– Avallon! Isso que a Shina está falando tem algum fundamento? Você se envolveu com o Mu menina?
Avallon sentiu uma súbita confiança nas amazonas e não tardou em contar tudo o que acorrera entre ela e o Cavaleiro de Áries. Ela imaginou que elas seriam as únicas no santuário com quem poderia conversar. Resolveu se abrir . Marin e Shina ficaram preocupadas com o que estava acontecendo e não deixaram de dizer isso a Avallon. Principalmente em adverti-la sobre a reação de Shaka que provavelmente não seria nada compreensivo.
Mas este assunto logo foi parcialmente esquecido, já que as três tinham coisas por hora mais importantes com que se preocupar. As florestas altas ficavam cada vez mais próximas e Avallon começou a ficar apreensiva, o que as esperaria na Inglaterra...
Continua...
Nossos Agradecimentos à Arthemisys que revisou este capítulo!
