Recordações

Nota da autora: Tanto neste quanto no próximo capítulo, serão mencionadas algumas passagens de violência contra os homossexuais. Não se trata de violência gratuita, trata-se de um alerta para repensarmos a forma como os mesmos são tratamento pela sociedade preconceituosa.

oOo Início da fase Cartas oOo

Recordações - Fase: Cartas - Capítulo I – As primeiras cartas lacradas

No capítulo anterior Milo entrou em uma danceteria GLS, com a intenção de colocar sua vingança em prática. Kamus lembrou-se de sua primeira noite de entrega ao amigo e depois de ouvir uma música, deixou seus sentimentos aflorarem e decidiu ir atrás do grego. Chegando em sua casa, constatou tristemente que o amigo tinha saído.

...entristeceu-se. Milo tinha acreditado que era APENAS sexo. Na certa estava em outros braços e beijando outras bocas. Se assim estivesse, a culpa seria EXCLUSIVAMENTE sua por jogar o grego nos braços do mundo.

- Milo, cadê você ? – perguntou com o coração apertado - Me perdoa.

Lá fora as estrelas brilhavam e uma leve brisa deixava o clima ameno. Fazia uma noite encantadora.

Capítulo I – As primeiras cartas lacradas

Milo olhava para o francês em estado de choque. Sim, era viado, mas não estava acostumado a ser chamado assim.

- Acho que sim. – respondeu com incerteza.

- Ora, mon ange, non (não) existe meio-viado

- VOCÊ ME CHAMOU DO QUÊ ? – perguntou com desespero, segurando os braços do outro com força.

- Pardon, não quis ofender. – respondeu com medo.

- Não. – falou mais suave, soltando-o. – Você me chamou de... Mon Ange ?

- Ah ! Oui (Sim). – respondeu aliviado - Mon ange significa...

- Meu Anjo. – falou interrompendo o francês - Eu sei. Era assim que... – começou a frase e depois ficou quieto.

- Era assim que Ele te chamava ?

O grego concordou lentamente com a cabeça e depois ficou olhando para o vazio. Onde será que Kamus estava ? O que estaria fazendo ? Ainda estaria pensando Nele ?

O Aquariano não tinha mais o que fazer naquele lugar. O templo estava vazio.

Uma profunda tristeza se abateu sobre o francês. Passeou o olhar uma última vez pelo quarto que, depois daquele fim de tarde, talvez não visse nunca mais.

Algo fora do lugar chamou a sua atenção. Havia uma caixa entreaberta em cima de um móvel negro. Reconheceu o objeto. Tinha dado um presente para Milo nela, há muito tempo.

"O que era ?" – ficou tentando lembrar – "Uma camisa. Uma camisa branca" pensou sorrindo.

Kamus se aproximou da caixa. Tinha um pedaço de papel saindo dela. Puxou-o. Era um envelope, já aberto, com vários papeis dentro.

Ia devolver quando prestou atenção no nome que estava fora do envelope: Kamus.

Abriu-o e analisou rapidamente os papéis de dentro. Ficou surpreso ao constatar que a letra em todos eles era sua. Puxou aleatoriamente um dos papéis e leu.

Era uma carta que enviara aos amigos enquanto estivera ausente na Sibéria. Tinha ficado fora por mais de dois anos.

Pegou a tampa da caixa e abriu. Havia vários cartões de aniversário endereçados a Milo, fotos e cartas, algumas até lacradas e com um carimbo de DEVOLVIDO pelo serviço postal. A maioria das cartas estava endereçada ao Aquariano, mas curiosamente, ele NUNCA tomara conhecimento delas.

Com a caixa em seus braços, sentou na cama. Retirou todas as cartas e depois olhou as fotos. Riu ao ver a foto do dia em que decidiram montar a banda. Eram bem novinhos.

Havia uma outra foto da banda, mas com o Shura. Era a foto promocional. Tinha ficado muito bonita.

O Aquariano foi retirando todas as fotos e cartas de dentro da caixa. Lembrou-se dos acontecimentos envolvendo cada foto que devolvia. Não conseguiu se lembrar de uma que trazia o Escorpiniano com duas garrafas de bebida na mão. Aproximou-a mais dos olhos. Eram duas tequilas Jose Cuervo. Sorriu. Milo não tinha jeito. Também havia várias fotos de um dia em que ele, o grego e os outros cavaleiros de ouro foram acampar.

Depois de guardar novamente as fotos na caixa, organizou as cartas por ordem cronológica. Algumas cartas estavam abertas.

A curiosidade foi mais forte e avaliou novamente o envelope que continha cartas com a sua letra. Encontrou vários bilhetinhos do Mestre dos Desejos. Riu ao ler alguns. Passou os olhos sobre as cartas que enviara. Todas eram da época em que ficara fora na Sibéria. As cartas durante este período haviam sido enviadas ao Mestre do Santuário e ele se encarregava de revelar ou não o conteúdo delas. Tudo indicava que suas cartas tinham passado pelo crivo do Mestre e haviam se tornado públicas, aliás, esta tese era reforçada pelo furo que todas tinha nas pontas, o que indicava que o Escorpiniano retirara-as do quadro de avisos.

Colocou as cartas e bilhetes de volta no envelope e pegou a primeira carta da pilha que estava fora para guardar. Terminou de recolocar as cartas na caixa, fechou-a e voltou a colocá-la no móvel.

Chegou na porta do quarto, deu uma última olhada e apagou a luz. Deu dois passos e parou.

As cartas estavam endereçadas a Ele, se abrisse, não seria violação de correspondência.

Virou-se, voltou para o quarto e acendeu a luz. Pegou novamente a caixa e se sentou em uma das poltronas, colocando as cartas no colo e deixando-a no chão.

Pegou a primeira carta lacrada. Tinha um carimbo de DEVOLVIDO. Abriu. Havia outro envelope dentro, dobrado na ponta para caber dentro. Também estava lacrado e também tinha um carimbo de DEVOLVIDO. Olhou o destinatário. Era para o Aquariano. Rasgou o envelope e dentro havia mais um envelope com o carimbo de DEVOLVIDO.

- É alguma brincadeira ? – perguntou irritado.

Abriu o terceiro envelope, mas dentro havia uma carta. Desdobrou-a e começou a ler.

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Recordações – Cartas: A primeira carta lacrada

"Santuário, xx de Abril de xxxx

Kamus,

Primeiramente gostaria que soubesse que se te escrevo é porque pensei muito antes, por isso, não me tome por uma pessoa inconseqüente ou sem discernimento.

Somente depois de refletir muito a respeito é que juntei a coragem necessária para te falar sobre isso.

Então, por favor, não pare de ler a carta. Se me considera como amigo, peço que ao menos leia até o final.

Desculpe se não te falo pessoalmente, mas a coragem que reuni foi apenas para escrever. Tenho certeza que não seria suficiente para suportar o seu olhar enquanto torno explícito o que povoa meus pensamentos.

Não espere uma narrativa muito elaborada, pois você sabe que não tenho este dom.

Tivemos uma infância e adolescência muito feliz juntos e te agradeço por estar presente nos melhores momentos delas. Inclusive gostaria que soubesse que te considero imensamente como amigo e tomo até a liberdade de dizer que você é o melhor deles.

Eu não sei se foi justamente esta proximidade que me afetou ou se foi o modo como você se comportava que me levou a rever tudo o que eu acreditava.

Tudo começou no dia em que o Shura nos deixou um papel com as notas de um solo de guitarra muito complexo. Tínhamos apenas um dia para aprender e no dia seguinte teríamos que executar o solo sem recorrer a nenhuma cola. Como você fazia outras atividades paralelas, teve alguma dificuldade e eu me ofereci para ajudá-lo. Não sei ao certo como foi, mas eu fiquei atrás de você e peguei em sua mão para direcioná-la corretamente para as notas. Você se virou para mim, questionando se estava correto. Neste momento ficamos tão próximos que eu podia sentir a sua respiração no meu rosto.

Uma sensação muito estranha passou por mim. Parecia que eu tinha recebido uma descarga elétrica. Um calor percorreu o meu corpo, minha mão ficou suada e os batimentos do meu coração se aceleraram.

Isso poderia até ser a exata descrição do receio de não entregar a tarefa no dia seguinte, conforme prometemos ao Shura, mas dias depois, eu soube que não era isso.

Neste dia eu até afastei da minha mente todos os pensamentos que envolviam o momento, para que eu não caísse em tentação.

Foi em vão.

Você sabe que eu sempre acreditei na ordem natural das coisas, – acho que você se lembra do principal motivo para a nossa banda ter nascido - mas de um momento para outro, me vi em um mundo completamente diferente do que eu tinha idealizado. As direções apontadas eram outras, os valores eram outros, as regras eram outras.

Não digo que esta nova realidade não me assustou, pois eu estaria mentindo, mas eu era muito jovem e não sabia discernir entre o desejo e a verdade, por isso achei melhor esperar. Nada como o tempo para apagar o improvável e sedimentar as certezas.

Juro que não forcei meu interior para desejar que fosse verdade, mas creio que ele me dominou.

Passei a pensar constantemente nesta situação e a cada momento, minha certeza crescia. Não tinha mais como negar a mim mesmo. Fiz uma pergunta ao tempo e ele me deu a resposta.

Digo mais uma vez que considero imensamente como amigo, pois prefiro aceitar a morte que a perda da sua amizade. Saiba que qualquer coisa que obscureça este nosso relacionamento será mais abominável a mim que o pior inimigo.

Desculpe, pois não sei ao certo como colocar no papel o que sinto, mas tenha a certeza que é um sentimento verdadeiro. Aliás, depois de tanto tempo pensando, posso dizer sem medo que esta é a única certeza que tenho.

Eu me apaixonei por você.

Espero que compreenda e me perdoe por escrever em sua ausência, mas desde que você saiu para realizar este treinamento, logo depois do seu aniversário, não consigo mais te tirar dos meus pensamentos e como sei que ainda falta muito tempo para a sua volta, a dor da incerteza que me dilacera por dentro e me rouba as noites de sono, não me deixa esperar mais.

Gostaria que avaliasse a minha carta e me enviasse uma resposta sobre o assunto. Apenas antes de tomar qualquer decisão, peço que considere um pedido meu e pense a respeito por algum tempo, uma semana, talvez, e só então me responda. Eu não gostaria que você tomasse uma decisão precipitada causada por uma primeira impressão.

Se ainda te restam dúvidas, saiba que eu não tenho motivos para brincar com uma coisa tão séria e tudo o que escrevi é a mais pura verdade.

Aguardo ansiosamente a sua resposta.

Seu amigo,

Milo"

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Ainda bem que o francês estava sentado, ou teria desabado no chão. Seu corpo ficou tão mole com a revelação, que acabou deixando a carta cair.

Milo era apaixonado por ele desde a adolescência. Kamus nunca desconfiara de nada, mas agora tudo ficava mais claro. A forma com que o grego o tratava, o carinho, o cuidado, a atenção, o interesse por suas coisas, ignorando palavras duras ditas pelo Aquariano em momentos de irritação, a insistência, os sorrisos, os olhares, a resignação em aceitar tantas coisas que não aceitava dos outros. Tudo tinha um motivo: tinha se apaixonado pelo francês.

Pegou a carta e releu novamente a parte principal "Eu me apaixonei por você"

Levantou-se para tomar um pouco de ar. Estava sufocado. Passou a mão pelos cabelos sem conseguir ordenar seus pensamentos, depois caiu em si.

Não era Ele quem tinha forçado o grego a dizer "Eu te amo". Milo já gostava dele há tempos. Não precisava mais se culpar e se martirizar. Não era uma coisa passageira, como tinha imaginado, quando o Escorpiniano falou "Eu te amo", estava dizendo a verdade, não era da boca para fora, não era para impressioná-lo, não era...mentira.

O Aquariano sorriu. Agora estava muito mais tranqüilo. Tinha passado os últimos cinco meses do relacionamento com Milo, temeroso. Havia acompanhado de perto alguns dos vários romances do grego e sabia que o outro se apaixonava na mesma velocidade em que se desinteressava por alguém. Tinha medo de se apaixonar pelo amigo e do outro o abandonar. Medo de ser apenas mais um.

Mas agora tudo era diferente, Milo estava apaixonado.

Refletiu um pouco. O guardião da décima primeira casa cometera um grande erro.

Kamus tentara ao máximo não se envolver sentimentalmente, como forma de defesa para não se tornar mais uma vítima do Escorpião. Pensava que em uma relação baseada apenas em sexo, ninguém se machuca quando acaba. Havia até percebido que o grego estava se tornando cada vez mais doce e carinhoso, culminando por dizer que o amava, mas nesta época, duas coisas haviam passado pela mente do francês. Primeiro, que o amigo estivesse mentindo e tudo não passava de uma armação, segundo, que o amigo estivesse se apaixonando por ele, por SUA culpa, e poderiam ser descobertos.

Havia sido tolo demais. Tanto para a primeira, quanto para a segunda dedução, o Aquariano imaginara que TUDO estava relacionado a um desejo carnal nascido no dia em que levara o amigo para casa e se excitara com os seus toques. Ledo engano.

Seus pensamentos se voltavam para a primeira vez em que foram ao motel, logo depois do primeiro beijo. Sorriu.

Agora estava tudo claro. Se o Escorpiniano tivesse agido apaixonadamente, o Aquariano com certeza não teria aceitado. Milo tinha que fazer o outro acreditar que estavam ficando juntos por uma mera compatibilidade sexual.

O grego realmente o conhecia. Sabia como seria difícil fazer com que o francês aceitasse o amor entre dois homens. Era mais fácil dar a desculpa que se tratava de sexo, simplesmente, desejo.

E porquê nas últimas semanas o grego tinha dito que o amava ? Mais fácil ainda de explicar. O amigo não conseguia mais fingir.

Balançou a cabeça em negativa e depois suspirou.

- Parabéns Kamus. Você merece um Oscar. Oscar de o imbecil MAIS idiota do Santuário. Como você foi BURRO !

- Ele era francês ?

Tentou falar "era" mas não conseguiu pronunciar a palavra. Utilizar este tempo verbal doía muito. Balançou a cabeça afirmativamente.

- Faz tempo que vocês se separaram ?

Sentiu seus olhos se enchendo de lágrimas. Não podia chorar na frente de um estranho. Virou-se, foi até o bar e pediu uma água. Sentou-se no banco e ficou olhando para o nada.

- Eu vou te contar uma coisa.

Olhou para o lado. Era o francês.

- Tem dois anos que eu estou aqui na Grécia. Eu morava na França com os meus pais. As pessoas dizem que ser viado é uma opção. Talvez para alguns seja, mas para mim, non. Eu sempre estudei em colégios bem rígidos, onde todos os garotos ficavam de um lado e todas as meninas de outro. Não podíamos nos encontrar, brincar ou conversar. – falou com sotaque carregado.

O barman trouxe a água de Milo.

- Me traz o de sempre, Jack.

O barman preparou um coquetel e colocou sobre o balcão.

- Eu acordava, vivia, almoçava, estudava e dormia com outros garotos. Durante anos esta foi a minha rotina no internato. Meus pais achavam que eu aprenderia melhor assim.

O francês provou o drinque.

- De fato aprendi. Tanto que me tornei um profissional bem sucedido na área financeira, até que descobriram que eu era gay. Nesta época eu trabalhava para uma empresa multinacional espanhola e apesar de saberem que a França até suportava os viados, a empresa não era francesa, mas espanhola e fazia pente fino. Vários haviam sido demitidos, sempre por outro motivo, para não levantarem suspeitas e um dia, um colega de trabalho me encontrou em um bar GLS. Dois dias depois havia um rombo nos investimentos e acusaram a mim e a um outro, já que o problema era na nossa área. Curiosamente eu fui demitido e o colega de trabalho que encontrei no bar foi promovido. Ele também era viado, mas usou o que sabia para subir na vida e se defender. Aposto que non ficaram achando que ele era gay, mas um caçador de bichas.

- Sinto muito. – disse o grego.

- O pior de tudo foi quando o meu pai descobriu. – falou olhando para Milo - Ele disse que non tinha colocado um filho no mundo para que fosse uma garotinha. Eu respondi que eu tinha vivido tempo demais com meninos, passando toda a minha infância e adolescência, trancado no meio dos homens e que era até natural se eu virasse gay.

- O que ele disse ?

- Me deu um tapa da cara. Disse que ele e minha mãe tinham se esforçado muito para me pagar um bom colégio para que eu fosse alguém na vida. Que não tinha se envergonhado de depois do trabalho ir de porta em porta vender os pães que minha mãe fazia, para ajudar no orçamento e garantir um bom estudo para o filho único, mas que se envergonhava por saber que todo o dinheiro investido tinha sido para que eu me tornasse viado.

O grego suspirou. Era uma história muito triste.

- Nem sei o que te falar. – o Escorpiniano disse com pesar.

- Tudo bem. O que tinha para falar já foi dito. Meu pai chamou a minha mãe e trouxe a pobrezinha pelo braço até a sala. Pegou a carteira, abriu e tirou algumas notas de dentro. Jogou na minha cara e me mandou sumir da vista deles. Falou que minha mãe non tinha parido uma menina. Depois se virou para a minha mère (mãe) e deu um tapa na cara dela. Ela começou a chorar e ele disse para ela chorar bastante, parce que (porque) o filho dela tinha morrido e era assim que as mães se comportam quando os filhos morrem, choram. Depois me levou para a cozinha, me espancou, me pegou pelos cabelos e me jogou para fora de casa. Ele fechou a porta com um estrondo. Eu fiquei lá fora, no chão, chorando. Depois me levantei e entrei no meu quarto pela janela. Peguei algumas coisas e saí. Eu tinha dinheiro no banco, retirei e peguei o primeiro avion (avião) que estava saindo. Era para a Grécia. Nunca mais vi ou falei com o meu pai ou com minha pobre mère (mãe).

Milo estava estupefato com a história do outro.

- Não precisa ficar com esta cara. Eu só te contei isso para você entender que os homens vêm e vão na nossa vida. A gente tem que se preocupar com as coisas que ficam, como a família.

O Escorpiniano pensou um pouco antes de responder. Quando falou, a voz tinha um tom de tristeza.

- Eu não conheço meus pais. Nunca tive família. Ele era a minha família. – disse olhando para o francês.

- Pardon. Só dou fora. Sinto muito. – falou acariciando os cabelos do grego.

Na oitava casa, no templo de Escorpião, os pensamentos do francês já estavam mais ordenados depois da descoberta.

Voltou a sentar-se na poltrona, ainda sorrindo, e pegou a segunda carta. Também tinha um carimbo de DEVOLVIDO. Abriu a carta. Continha outro envelope com o carimbo de DEVOLVIDO, tal qual a primeira. Abriu o outro envelope já esperando um terceiro, mas não havia. A carta já estava dentro. Começou a ler

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Recordações – Cartas: A segunda carta lacrada

"Santuário, xx de Agosto de xxxx

Kamus,

Fiquei arrasado com a devolução da minha primeira carta, mas tive uma nova esperança ao receber a carta que você enviou no final do mês passado..."

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Kamus parou imediatamente de ler a carta e voltou a pegar o envelope que tinha as cartas que tinha enviado. Reorganizou todas as correspondências por ordem cronológica, acrescentando as suas cartas.

Releu a carta que enviara.

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Recordações – Cartas: A primeira carta oficial

"Sibéria, xx de Julho de xxxx

Amigos,

Aqui faz muito frio, mas já estou me acostumando. Tenho contato com poucas pessoas, por isso também passo minhas horas livres estudando e aplicando meus conhecimentos.

Gostaria que soubessem que estou aprimorando muito minhas técnicas. Já testei vários golpes e estou ficando satisfeito com o resultado.

Como sabem, estou sob supervisão e tenho regras a seguir, assim como os que supervisiono também têm. Fiquei sabendo que escreveram, mas não tive acesso às cartas que por ordens superioras, foram devolvidas Conversei a respeito disso e me falaram que as próximas cartas poderão ser entregues.Foi este o motivo de não responder ainda.

Estou aprendendo outra forma de conduzir a vida e vejo que a solidão é uma boa amiga. Aqui também aprendo a domar as minhas vontades.

Gostaria que tivessem a oportunidade de se desenvolverem como eu estou.

Kamus"

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O Aquariano voltou a pegar a próxima carta e reiniciou a leitura.

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Recordações – Cartas: A segunda carta lacrada

"Santuário, xx de Agosto de xxxx

Kamus,

Fiquei um arrasado com a devolução da minha primeira carta, mas tive uma nova esperança ao receber a carta que você enviou no final do mês passado, dizendo que as próximas cartas seriam entregues.

Eu só não tomei nenhuma medida drástica, pois vi que você nem havia tomado conhecimento do conteúdo da carta, já que ela foi devolvida ainda lacrada. Senti um alívio, já que você não estava me repudiando, apenas você desconhecia meus sentimentos.

Talvez você esteja se perguntando porquê enviei outra carta se nem recebi a resposta da primeira. Até eu me pergunto isso.

Acho que talvez seja a ansiedade da espera que me corrói por dentro. Já não consigo mais dormir e nem me concentrar direito.

Perdoe minha ousadia, mas pensei que talvez lendo as duas cartas juntas você compreenda melhor a minha situação e o meu anseio por sua resposta.

Talvez você esteja pensando que tenha sido um atrevimento da minha parte contar o que sinto por você e que a única forma de me fazer voltar à sanidade seja me negar, na esperança que eu me refaça enquanto você estiver fora e que em sua chegada eu já tenha me esquecido completamente de você e tirado esta idéia maluca da cabeça.

Eu suplico que não pense desta forma.Tenha piedade de mim. Por favor, imagine-se no meu lugar. Não dilacere ainda mais meu pobre coração apaixonado. Se eu receber uma resposta negativa sua, acho que me afundarei ainda mais nesta espera mortificante, juntando coragem para poder te falar pessoalmente.

Eu sei que você é uma pessoa prática e pode estar pensando: E os outros ? O que pensarão ? Como viveremos assim ?

Como mencionei na primeira carta, é um mundo novo que se abre à minha frente e estou certo que posso enfrentar a qualquer um, com você ao meu lado. Sobre os nossos amigos, você sabe que aqui no Santuário não vivemos a mesma realidade vivida no mundo lá fora, o que nos torna mais plausível a aceitação de todos, mas acho que podemos esperar e ver o desenrolar da história, acompanhar a reação das pessoas e tomar as providências que forem necessárias.

Não tenha receio do que sinto. Tudo o que te disse é para que compreenda melhor a pureza deste sentimento.

Meu amigo, não me interprete mal. Por favor não queira punir a nossa amizade pelo conteúdo destas cartas. Seja compreensivo, eu suplico.Pensar que isso poderia me fazer perder você pra sempre, me destruiria a alma.

Se te deixa mais tranqüilo, saiba que não te quero só para mim. Não vou te impedir de sair e se envolver com outras pessoas. Somos homens e sei das nossas necessidades biológicas. Não vou interferir na ordem natural das coisas e nem em qualquer relacionamento que você queira ter com qualquer pessoa.

Eu o deixarei livre para que faça o que sempre fez, haja como sempre agiu e vá onde sempre foi. Não estou te oferecendo uma algema, pedindo cem por cento de você, estou apenas te pedindo um pouco, o que você quiser dar, mas que será suficiente para mim.

Por favor responda logo.

Seu Amigo,

Milo

PS: Enviarei a primeira carta novamente pelo serviço postal e enviarei esta segunda carta com um dia de diferença, para que você possa organizá-las cronologicamente".

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O francês se entristeceu com a carta do amigo. Milo estava se humilhando completamente, mendigando atenção do Aquariano, rastejando para conseguí-lo ao seu lado. Percebeu na carta do grego uma total resignação, aceitando qualquer migalha de sentimento que Kamus pudesse lhe oferecer.

Ficou evidente nesta época, o desespero do Escorpiniano.

- Me perdoe meu amigo, você deve ter sofrido muito.

O DJ era realmente bom. Mesclara uma seleção de músicas mais atuais com músicas das décadas anteriores

A pista de danças estava cheia e a cada instante novas pessoas entravam na danceteria. A balada estava pegando fogo.

O grego olhava para o novo amigo em silêncio, aceitando a carícia que o outro fazia em seu rosto. Estava muito carente naquela noite.

Milo e o francês foram interrompidos por uma briga que começou logo atrás deles. Um dos cinco musculosos, que antes dançavam juntos, estava brigando com o cara que passava a mão no travesti de top e mini-saia. Parecia que a confusão tinha começado porque a garota havia ido ao banheiro e o musculoso tinha passado a mão nela.

- Vem para cá. – o francês falou dando-lhe a mão e levando-o para uma das mesas, afastando-o da briga.

Sentaram-se um do lado do outro.

- Não seria melhor intervir ? – o Escorpiniano perguntou, referindo-se à briga.

- Não. Hoje brigam e amanhã já são amigos. Amanhã estarão todos aqui novamente para se divertir.

- Como você pode ter esta certeza ?

- Parce que (Porque) há um ano e meio venho aqui, ao menos duas vezes por semana e estes dois sempre estão aqui.

- É engraçado – o grego falou olhando em volta – parece uma sexta-feira, só que hoje ainda é segunda.

- Ora, Mon Ange... pardon, não vou mais te chamar assim.

- Chame, por favor – suplicou ao recém conhecido.

- Não fique machucando o seu coraçãozinho à toa. – falou passando a mão no peito do Escorpiniano, na região do coração.

- Eu preciso vencer esta barreira. Por favor, me chame assim.

- Ok, mon amour, você é quem sabe. De que estávamos falando ?

- Estava querendo saber como se explica este movimento todo em plena segunda-feira ?

- Ora, Mon Ange, aqui somos todos gays e não podemos nos mostrar lá fora, então criamos um mundo paralelo para nós. É aqui que conversamos, brincamos, namoramos e nos divertimos.

- Isso quer dizer que todo dia é assim ?

- Non, de segunda a quarta tem DJ, então lota mais. Nos outros dias o DJ faz baladas normais então só tem a seleção já pronta. No final de semana nem é tão cheio porque nestes dias as pessoas têm que colocar as máscaras para fingir que são o que non são.

- Não me parece muito bom viver assim.

- E non é. Pode ter certeza.

O francês ainda estava triste pela última carta lida. De repente ficou um tanto confuso. Quando tinha retornado da Sibéria, o grego sequer havia tocado no assunto das cartas.

"Por quê, Milo ?" pensou.

Meditou um pouco. Nada. Nenhuma palavra sobre isso havia sido, ao menos, insinuada.

O Aquariano não sabia o quê, mas alguma coisa tinha acontecido durante sua ausência na Sibéria que impelira o grego a mudar a idéia de se declarar.

Kamus era uma pessoa determinada. Ainda não tinha estas respostas, mas iria conseguir.

OBS: O próximo capítulo contém algumas cenas de violência. Verifique a indicação de permissão de idade do site antes de prosseguir.

No próximo capítulo, Milo discute com o novo amigo o tratamento dado aos homossexuais. Kamus termina de ser as cartas lacradas e se culpa, mais uma vez, pela dor do Escorpiniano.

Agradecimentos da autora: Para Anjo Setsuna (que ficou triste com o fim da fase Lembrança e está com uma fic muito bonitinha e engraçada sobre os bichinhos de pelúcia dos douradinhos); Pipe (que comentou da baixaria na casa do Dido e foi uma SUPER amigona dando algumas dicas e toques muito preciosos); Belier ; Ia Chan (que comentou ter gostado do Milo descobrir sobre Afrodite e MM); Lady Cygnus (que se revoltou contra os que têm preconceito contra homossexuais – aliás, apoiada); Senhorita Mizuki (que se assustou quando encontrou uma outra fic (a minha) com a música Still Loving You do Scorpions alguns dias depois de publicar a dela – foi uma coincidência muito engraçada)

Contatos: via review neste site ou no erika(ponto)patty(arroba)gmail(ponto)com