O LOBO E O FALCÃO
Capítulo 1
Uma comoção no meio da feira atraía a atenção das pessoas que ali passavam. A vila de Nishiki era conhecida por suas tranqüilidade e hospitalidade. Seus habitantes, geralmente pacatos, eram cidadãos muito cordiais. Por isso, aquela confusão atraía muitos transeuntes curiosos.
E o homem todo vestido de preto, com um belo falcão no ombro, não era uma exceção. Caminhando calmamente pelas ruas da vila, ele estranhou quando avistou a algazarra na feira. Sentindo a curiosidade crescer, olhou para o animal ao seu lado, que abriu ligeiramente as assas e emitiu um pequeno grito, como se estivesse dando ao dono permissão para averiguar o que estava acontecendo. Incitando a ave a passar para seu braço, o homem olhou para o céu.
"É melhor voares agora", disse para o falcão. "Não podemos nos arriscar... Não me perdoarei se te machucares...". A ave de rapina bicou-o levemente na orelha antes de mudar de lugar. "Nos encontraremos depois". Erguendo o braço, o homem impulsionou seu animal, vendo-o alçar vôo.
Depois de se certificar que o falcão tinha voado para longe, o misterioso homem de negro dirigiu-se para a feira. Lá chegando, viu o motivo de toda confusão: um elfo, que se debatia, tentando livrar-se do aperto de ferro de um dos vendedores em seu pescoço.
"Mas meu senhor...", gemeu a criatura. "Este servo estava com fome e pegou só uma... a menorzinha".
"Isso não é desculpa para roubar, elfo maldito", rosnou o vendedor. "Comeste minhas frutas, agora terás que pagar".
"Este servo não tem dinheiro, meu senhor!", confessou o assustado elfo.
"Não tens dinheiro, seu pilantra? Acho que tirarei uma de tuas orelhas... Ultimamente muitos bruxos têm encomendado orelhas de elfo, sabias? Farei muito dinheiro com as tuas...".
"Oh, meu bom senhor, não!", chorou o elfo. "A orelha, não!".
Achando que aquela tortura já fora suficiente, o homem se aproximou.
"Com licença", falou com voz firme, atraindo os olhares do vendedor e do elfo. "Dizei-me, senhor, quanto é a dívida deste elfo?".
O comerciante olhou da criatura que tinha nas mãos para o estranho. Por que aquele homem, tão bem apessoado, se interessaria por um reles e insignificante elfo? "Bem, são dois dinares, pelas três maçãs roubadas".
"Ei! Este servo só pegou uma!", chiou o ladrão indignado, mas diante do olhar ardente de seu captor, admitiu. "Está bem... Está bem... Foram três...".
O desconhecido tirou uma moeda de prata de um pequeno alforje que trazia preso na cintura e arremessou-a para o vendedor. "Toma. Isto cobrirá tuas despesas. Agora, solte-o".
"Mas, senhor...", o barraqueiro o fitou abismado. "Por que pagas as frutas roubadas por este patife?".
"Isto não é de teu interesse... Mas acho que ele já aprendeu a lição. Solte-o". Relutante, o vendedor soltou o elfo, que caiu desajeitadamente no chão.
"Ai! Um pouco mais de educação, por favor!", o gatuno reclamou, massageando o bumbum.
No entanto, não recebeu nenhuma resposta. Ergueu a cabeça e avistou o vendedor totalmente entretido com sua nova moeda de prata. Olhando ao redor, procurou seu salvador. Viu o homem afastando-se rapidamente. Levantou-se e, apressado, seguiu atrás daquele humano generoso.
"Meu senhor! Meu senhor!", chamou-o, esbaforido.
Virando-se, o homem o fitou. "Que queres, elfo?".
Prostrando-se diante dele, o pequeno ser começou a beijar-lhe os pés. "Este servo será eternamente grato, meu senhor. Salvaste a vida e as orelhas desta humilde criatura".
"Levanta-te, elfo", disse o homem, revirando os olhos. "Não precisas me agradecer. Apenas parte e não roubes mais". E assim, continuou seu caminho, mas parou quando percebeu que era seguido. "Não ouviste o que falei? Parte!".
"Isso não será possível, meu bom senhor!", choramingou o elfo.
"Por que não?".
"Este servo tem uma dívida de honra para contigo, meu senhor. Salvaste a vida deste servo e agora irei servi-lo até poder retribuir o favor. É o código dos elfos, meu senhor".
O homem franziu as sobrancelhas, visivelmente contrariado. Havia se esquecido do código dos elfos. E agora o que faria com mais aquele problema? Olhou bem para a criatura à sua frente. O elfo devia ter um pouco mais de um metro de altura, cabelos negros desgrenhados e pele morena, do sol. Os olhos levemente puxados, estavam fechados, e as orelhas pontudas indicavam claramente sua raça.
"Que farei contigo?", pegou-se perguntando.
"Este servo fará tudo que desejares, meu senhor", respondeu o elfo. "Limparei sua botas, farei suas refeições, cuidarei de seu cavalo...".
Uma ajuda até que era bem vinda, ponderou o homem. Mas será que poderia confiar seu bem mais precioso àquele elfo gatuno? Não tinha muitas opções. Sabia que, de acordo com o código, aquele baixinho só o deixaria quando retribuísse o favor.
"Qual é seu nome?", inquiriu curioso.
"Este servo se chama Yamazaki, meu senhor!".
Ele olhou o novo companheiro de viagem. "Bem, Yamazaki. Antes de mais nada, devo dizer-te que sou um andarilho. Estou à procura de uma pessoa e por isso, passo o tempo todo viajando. Tenho comigo apenas algumas roupas, minha espada, meu cavalo e meu falcão. Se sumir alguma coisa, cortarei tuas orelhas".
"Oh, não, meu senhor!", gemeu Yamazaki, cobrindo as referidas. "Não te preocupes, nada sumirá enquanto este servo estiver por perto".
"É bom", respondeu o estranho. "Vamos. Precisamos achar uma estalagem antes do pôr do sol".
"Sim, meu senhor!".
Os dois seguiram até a coxia, onde um belo garanhão negro descansava e comia feno. O homem pagou a estadia do animal e, depois de montar, tomou o rumo da estrada principal, que levava a saída da vila de Nishiki. Neste meio tempo, Yamazaki observava seu senhor. O porte altivo indicava que era, provavelmente, um nobre. A roupa e a espada mostravam que era um guerreiro. Quem será que ele estava procurando?
"Meu senhor?", chamou, hesitante.
"Sim?".
"Este servo quer saber como deve chamá-lo".
"Pode me chamar de Li".
Mal Li acabou de pronunciar estas palavras, um grito estridente de uma ave se fez ouvir. E logo, um majestoso falcão vinha de encontro à eles. Yamazaki, com medo, se encolheu na sela, agarrando-se à capa do novo mestre. O belo animal pousou no braço estendido do guerreiro, que acariciou a cabeça penuda. Colocando o pássaro no ombro, Li olhou para o elfo.
"Não temas, Yamazaki. Este é YingFa, meu falcão".
O pequeno grupo seguiu viagem, em direção ao norte, para a vila de Shintoen. Incitando seu garanhão a galopar mais rápido, Li olhou para o céu, preocupado.
Faltavam poucas horas para o sol se pôr.
* * *
Graças ao galope rápido de Wei, Li e Yamazaki conseguiram chegar a uma estalagem, entre as vilas de Nishiki e Shintoen. A dona do hospedaria, olhando para o elfo com nítido desagrado, permitiu que os dois pernoitassem na estrebaria, mas apenas por causa das duas moedas de prata que o guerreiro lhe dera, que garantiram também o jantar, o café da manhã e um punhado de feno para o cavalo.
Li rumou, com Yamazaki, Wei e YingFa, até o local onde dormiriam. No caminho, dava instruções ao elfo. "Fica lá no salão e espere a comida. Quando estiver pronta, traze para mim, certo?".
"Sim, meu senhor", exclamou o elfo, correndo de volta para a casa.
Revirando os olhos pelo comportamento do novo companheiro, Li se perguntou pela centésima vez. "Por que ajudei esta criatura?".
O guerreiro entrou no estábulo e começou a retirar a sela de Wei. Sentindo-se confortável naquele lugar, o falcão voou até uma das paredes da baia, onde se empoleirou elegantemente. Syaoran sorriu para a ave.
"Logo vai anoitecer", disse ele, trabalhando rapidamente, preparando-se para a noite. "Não precisas te preocupar. Já providenciei comida para ti e para Wei... Sabe, até que não será tão ruim viajar com Yamazaki. Poderei cuidar melhor de ti com a ajuda dele...".
Tirando um estranho alforje do lombo do animal, Li se afastou para um canto escuro da baia. Forrando a palha com sua capa preta, sentou-se, colocando a bolsa ao seu lado. Pouco depois, YingFa pousou em seu ombro. Uma melancolia invadiu o guerreiro, enquanto acariciava a ave.
"Já fazem tantos anos... mas eu não me acostumei com isso...", murmurou, desanimado. "Jamais me acostumarei".
E a escuridão da noite, finalmente, caiu sobre a terra.
* ~ * ~ *
Continua....
N/A: E aí, pessoal? Espero que tenham gostado deste primeiro capítulo. Confesso que deu um pouco de trabalho escrever tudo (ou quase tudo) na segunda pessoa, mas achei que daria um ar mais fantasioso à história se fizesse assim.
Bem, quero mandar abraço especial à Yokuri Mizunotsuki, que acertou o nome do filme! ^_^ Eu também adoro este filme e o acho simplesmente perfeito para os personagens de SCC. Mas como puderam perceber, há algumas diferenças entre a história e o filme... Como falei no prólogo, farei uma adaptação livre... Baseei-me apenas na idéia central do filme - isto é, o feitiço que separa o casal - o resto farei do meu modo.
A escolha dos personagens foi um tanto engraçada... Eu fiquei pensando em quem poderia fazer o papel do ladrão que ajuda o capitão e a dama na jornada, e de imediato me veio a imagem do Yamazaki! Hehehehe Não sei se conseguirei fazê-lo contar aquelas mentiras, mas vou tentar. E sei que dar o nome de Wei ao cavalo foi demais, mas juro que não consegui pensar num nome melhor...
Bem, este capítulo foi curtinho e acho que os outros também serão... Não quero fazer uma história muito longa. Vou guardar isso para minha próxima saga de Sakura Card Captor! ^_~
Um grande beijo e até o próximo capítulo!
Andréa Meiouh
Em 14/05/03
