O LOBO E O FALCÃO

Capítulo 4


À oeste da vila de Shintoen, fica Nimah, o centro do governo do norte, local do castelo do governador, o Duque Susano. Nimah era um local sombrio, acinzentado, refletindo o estado de humor de seu administrador. Todos ali temiam Susano, pois conheciam sua fúria. O lorde era uma pessoa realmente perigosa.

O silêncio da cidade foi quebrado pelo barulho de um cavalo. Um soldado seguia apressado para o grande castelo. Tinha notícias urgentes para dar ao senhor Duque. Na guarita, seus companheiros avistaram-no e se adiantaram para deixá-lo entrar.

"Abram os portões! Abram os portões!", exclamou um deles.

Os maciços portões de ferro foram abertos, enquanto uma ponte elevadiça foi abaixada. O soldado, sem diminuir sua velocidade, passou direto, sem se preocupar em parar e agradecer. No pátio, apeando diante da escadaria que dava aos salões, seguiu para o interior da sombria construção, à procura de seu senhor. Susano estava na sala de jantar, comendo na companhia de sua pequena 'corte' - seu assistente e a esposa, o padre, o tabelião da cidade e alguns soldados. Não era muita gente, já que o Duque não era muito bem quisto.

"Com licença, meu senhor", disse o soldado, esbaforido, prostrando-se diante da mesa.

"Quem és tu, insolente?!", rosnou Susano. "Como ousas interromper a minha refeição?!".

"Perdão, meu senhor, perdão", soluçou o homem, trêmulo. "Mas é que trago notícias urgentes de Shintoen".

"O que pode ser tão urgente ao ponto de estragar o meu jantar?", gritou o Duque.

"Houve uma confusão em Shintoen, meu senhor!".

"Confusão?".

"Sim, meu senhor", respondeu o soldado. "Um homem, vestido de preto, com um falcão e um elfo... Ele derrotou Zach e seus homens".

O duque empertigou-se imediatamente. Seu olhar tornou-se mais sombrio que de costume. "O que estás dizendo?".

"Nunca vi um homem manejar tão bem uma espada, meu senhor...".

'Um homem de preto e um falcão', a mente de Susano estava um turbilhão. Suas memórias, traiçoeiras, levaram-no para alguns anos atrás, num momento de sua vida que ele desejava esquecer, mas simplesmente não conseguia...

Nascido em uma família aristocrata e influente, Susano cresceu aprendendo que a nobreza era o melhor que havia e que os demais - súditos, vassalos, servos e outros seres - deviam se curvar diante de sua presença. Proclamado Duque em jovem idade, Susano mostrou-se um déspota, tratando àqueles que viviam sob sua responsabilidade de modo cruel. Isso durou até o dia em que viu pela primeira vez a bela Princesa Kinomoto. Era o aniversário de quinze anos da jovem e o Rei organizara um grande baile para apresentar sua filha à corte. Foi paixão à primeira vista. Susano encantou-se com os lindos olhos verdes e com o brilho dos cabelos cor de mel. Prometeu a si mesmo que a Princesa seria sua esposa, nem que tivesse que matar todos os pretendentes para realizar tal promessa.

Os anos foram passando e os sentimentos de Susano se tornaram uma grande obsessão. Ele não pensava em outra coisa, tinha que possuir aquela mulher que revirava seus pensamentos de pernas para o ar. Quando Sakura completou dezoito anos, o Duque pediu sua mão em casamento. Devido seu grande poder e influência dentro da corte, o pedido foi aceito. Susano não podia crer que seu maior desejo, um dia, seria realizado. Dias depois do noivado, levou Sakura para conhecer seus domínios. Fazia tudo o que estava ao seu alcance para que a jovem se sentisse confortável e feliz. Mas a Princesa parecia indiferente à todas as suas tentativas. Ela sorria polidamente, mas não mostrava nenhum sinal de afeição. Ela o tratava como tratava às demais pessoas que conhecia, com gentileza e educação. Mas não era isso que Susano queria. Ele queria paixão, desejo, amor. Não descansaria enquanto Sakura não fosse sua.

Devido problemas nas terras que administrava, Susano precisou se ausentar por alguns dias, deixando Sakura sob os cuidados de seus empregados mais competentes, entre eles, o jovem Capitão da guarda, Syaoran Li, que ficou responsável em cuidar da segurança da Princesa. Quando voltou, semanas depois, o Duque percebeu uma mudança na noiva. Os olhos verdes tinham um brilho diferente e, uma vez ou outra, ela suspirava sonhadoramente. Sakura passou a sair sozinha e, a cada passeio, ela retornava mais tarde. Desconfiado, Susano seguiu a jovem e o que testemunhou encheu de ódio seu coração obcecado. Viu a Princesa Kinomoto e o Capitão da guarda juntos, numa pequena cabana, escondida na floresta. Cheio de dor e ira, voltou ao castelo jurando vingança.

Passava por ali um conhecido bruxo. O Duque mandou, então, seus soldados buscarem o homem. Ia se vingar dos amantes traidores. Quando o feiticeiro chegou, pediu uma poção do amor, para fazer a Princesa amá-lo para sempre, mas as palavras do mago estragaram seu plano.

"O amor é um sentimento que não sucumbe nem mesmo à magia. É verdade que existem poções como a que quer, mas os resultados podem ser catastróficos... O feitiço pode ter ação contrária àquela desejada".

Irritado e frustrado, Susano mandou espancar o bruxo. Depois de horas de tortura, não conseguiu convencer o homem a preparar-lhe uma poção do amor. Seu ódio contra o casal aumentava cada vez mais.

"Se eu não posso tê-la, ninguém a terá", disse por fim. Ordenou, então, que o mago preparasse um sortilégio que separasse os amantes de uma vez. Na manhã seguinte, um grito angustiado foi ouvido pelo Duque e pelo grupo de soldados que marchavam em direção à cabana da floresta. Sentindo satisfeito, Susano avistou um Li completamente transtornado e, sobrevoando a simples casa, um majestoso falcão.

"Capturem o falcão", ordenou o nobre.

Os soldados avançaram, mas foram impedidos e derrotados por Syaoran, cuja raiva era sem tamanho. Em poucos minutos, acabou com toda a tropa, restando apenas ele e o Duque.

"Se me matar, não poderá trazê-la de volta", anunciou Susano calmamente, enquanto sentia a lâmina fria da espada de Li em sua garganta, apertando o amuleto que tinha no bolso.

"Juro, por tudo que é mais sagrado, que descobrirei como quebrar esse maldito feitiço que lançaste, Susano...", rosnou Syaoran entre os dentes. "Então, voltarei para matar-te". Dizendo isso, largou seu prisioneiro e partiu pela floresta.

Susano nunca mais viu Li ou a Princesa. Quando as cartas do Rei perguntando sobre a filha chegaram, respondeu apenas que ela tinha fugido com um homem. Como forma de retratação, o Rei Kinomoto o nomeou Governador das Terras do Norte. Quanto ao bruxo, depois de uma semana preso na masmorra, o Duque o libertou. Jurou que o mataria se contasse à alguém sobre o feitiço e o baniu para as montanhas de gelo, no extremo norte, onde nevava eternamente.

Olhando para o soldado à sua frente, Susano sentiu o ódio ferver seu sangue. O que eles estaria fazendo ali, nas suas terras? Haviam descoberto uma forma de quebrar o feitiço? Ou estariam procurando ajuda? Se descobrissem que o mago vivia nas montanhas, tudo iria por água abaixo. Tocando o amuleto que trazia, agora, preso num cordão, o Duque se ergueu.

"Para que lado eles foram?", perguntou com voz fria.

"Para Hagukan, meu senhor", respondeu o soldado.

Hagukan... Era a última parada de qualquer viajante se quisesse se aventurar pelas montanhas de gelo. Saindo da mesa, o Duque chamou seu novo capitão.

"Prepare uma tropa, partiremos para as montanhas de gelo em uma hora".

"Mas, meu senhor...".

"Ande! Faça o que ordenei!", gritou a plenos pulmões.

Talvez não tivesse tempo de impedir Li de subir as montanhas, mas sabia onde o mago vivia e chegaria lá primeiro. Faria o que devia ter feito há muito tempo.

Matar Reed Clow.

* * *

Depois de uma segunda noite mal dormida, Yamazaki espreguiçou-se no galho. Durante a madrugada Ookami retornara e, como Lady Sakura já estava dormindo, o melhor era sair do alcance da fera. Melhor prevenir do que remediar, diziam os sábios. Por isso, o elfo dormiu outra vez numa árvore.

Olhando para baixo, avistou seu mestre colocando mais lenha na fogueira, provavelmente para preparar o café. Aquilo tudo era tão estranho e ao mesmo tempo tão fantástico... O Sr. Li virava lobo à noite e Lady Sakura se transformava num falcão assim que os raios de sol despontavam. Aquilo também era muito triste, admitiu o elfo ainda olhando o chefe. Durante à noite, Lady Sakura havia lhes contado seu infortúnio. Que triste sina aquele casal sofria. Juntos e, ao mesmo tempo, separados. Porém, pelo que Yamazaki podia perceber, o amor que sentiam um pelo outro ultrapassava os limites da magia. A forma animal de seu mestre era fiel à princesa, assim como o falcão não se afastava do guerreiro.

"Quanto tempo vais ficar aí me olhando, Yamazaki?", disparou Li, sem sequer se virar. "Desça e venha me ajudar!".

"Claro, meu senhor! Estou indo, meu senhor!", respondeu o elfo prontamente.

Já no chão, o pequeno começou a arrumar as coisas. Entendia, agora, a pressa de seu mestre em seguir viagem. Precisavam achar o mago Clow o mais rápido possível. Guardava suas coisas quando pegou seu novo par de luvas.

"AAAAAHHH!".

Desembainhando a espada, Li correu para o lado do elfo. "O que foi?!", perguntou, alerta e preocupado.

"Olha só!", choramingou Yamazaki. "Veja senhor! Minhas luvas! Minhas luvinhas tão novinhas!".

Fitando o referido item, Syaoran suprimiu uma risada. O par de luvas de Yamazaki estava estragado. Alguém havia tirado todos os dedos da luva.

"Quem poderia ter feito tal barbaridade?!", guinchou o elfo, fazendo Li cobrir os ouvidos. "Quem?!!".

Um cantarolar animado silenciou o elfo, enquanto a pequena fada retornava a clareira. Tomoyo havia se retirado para lavar-se e voltava linda e refrescada, vestida num estranho traje... Uma espécie de casaco e um gorro... Feitos dos dedos da luva de Yamazaki.

"TU!", gritou o assistente de Syaoran. "Foste tu!!".

"Hã?", piscou Tomoyo, olhando para a cena. Yamazaki estava de joelhos no chão, rosto retorcido de raiva, segurando as luvas. Li, um pouco atrás dele, parecia se divertir com tudo. "Bom dia, Yamazaki. Bom dia, senhor!", cumprimentou animada.

"Sua... Sua... Sua... Sua monstra!", explodiu o elfo. "Como podes? Como ousaste tocar e estragar minhas luvas... minhas pobres luvas?!".

"Ah, Yamazaki... É apenas uma peça de roupa...", disse Tomoyo, casualmente. "Eu estava com frio, precisava de algo para me aquecer... Suas luvas me pareceram maravilhosas e quentinhas... Nossa... quem foi que as fez? Essa lã está perfeita...".

"GRRRRR..... Vou te matar!!!", rosnou Yamazaki antes de correr atrás dela. É claro que não a alcançou. Tomoyo tinha a vantagem de saber voar e de ser bem menor e mais rápida. Depois de algumas voltas no pequeno acampamento, irritando Wei e espalhando algumas coisas, a dupla deparou-se com um Li de braços cruzados e cara fechada.

"Espero que tenhas terminado com esta cena, Yamazaki...", disse Syaoran sério. "Precisamos partir. Temos que chegar em Hagukan ainda esta manhã".

"Mas falta muito para chegar a Hagukan...", Tomoyo falou, ofegante. "Parando à noite, vocês levaram pelo menos dois dias até chegar a sede da vila".

Franzindo as sobrancelhas, Li fitou a fada. Dois dias era muito... Não podia ficar se dar ao luxo de perder tanto tempo. Se pudesse seguir viagem durante à noite, chegariam mais rápido. Mas... E Sakura? A segurança da dama era mais importante, não podia arriscar a vida dela nessa jornada. Sakura era tudo o que tinha. Como se chamado por mágica, o falcão apareceu no céu e pousou no ombro dele. Sentia-se mal por ela ter que enfrentar os perigos da noite sozinha, pois não poderia protegê-la.

"Sakura...", murmurou com voz baixa e olhar perdido. "Como ela está?".

Yamazaki e Tomoyo se entreolharam, sem saber o que dizer. "Hum... Lady Sakura está bem, meu senhor...", hesitou o elfo. "Ela gostou muito das roupas de inverno...".

"Gostou?".

"Sim, meu senhor. Ela até agradeceu...", Yamazaki enrubesceu, lembrando-se do beijo de Sakura.

"Sakura...", Syaoran repetiu, deixando as imagens da amada invadirem-lhe a mente.

"Tenha fé em Lady Sakura, meu senhor", disse a fada, pousando no ombro desocupado de Li. "Ela deseja chegar em Hagukan tanto quanto o senhor... Se viajarmos à noite, chegaremos lá na metade do tempo".

"Viajarmos?", indagou Li, erguendo uma sobrancelha.

Tomoyo corou violentamente. "Eu gostaria de seguir convosco, senhor. Também quero ver Reed Clow".

O guerreiro se perguntou o que aquela criatura cintilante ia querer com um bruxo, mas questionaria isso num outro momento. O importante agora era decidir a jornada para Hagukan. Uma mulher, um elfo e uma fada não era exatamente o que ele poderia considerar como um bom grupo de viagem, mas aquilo era necessário.

"Prestai atenção, os dois", Li começou a falar, decidindo-se por fim. "Dizei a Sakura tudo o que conversamos aqui e dizei-lhe também para que siga viagem rumo à Hagukan".

"Pode deixar, meu senhor!", exclamou Yamazaki, colocando-se em posição de sentido e fazendo continência. "Cuidaremos e protegemos Lady Sakura!".

Revirando os olhos com a atitude do elfo, Li deu um meio sorriso. "Chega, agora vamos. Perdemos muito tempo aqui. Tomai vossos café e partamos".

Terminaram de arrumar as coisas, comeram e seguiram viagem. Li, imponente em seu corcel negro, Yamazaki sentado desajeitadamente atrás de seu mestre e Tomoyo, confortavelmente instalada dentro do capuz da capa preta de Syaoran, que estava abaixado. Faziam o caminho num galope rápido e em silêncio, o que começava a enervar a fadinha.

"Ai, puxa... Alguém diga alguma coisa, por favor!", ela pediu. "Esse silêncio vai acabar me matando... Aposto que será mais divertido viajar com Lady Sakura...", resmungou, encolhendo-se no capuz.

"Ah, é?", Li inclinou levemente a cabeça para trás, numa tentativa de olhar a fada. "Importa-te de dizer por quê?".

"Lady Sakura é mais agradável e falante que o senhor", foi a resposta da fada.

Yamazaki bateu com a mão na testa. Aquela Tomoyo era mesmo uma tonta. Como podia falar com o Sr. Li daquele jeito? Quando ia abrir a boca para reclamar, surpreendeu-se com a resposta do mestre.

"Sim... Ela é bem mais agradável que eu... Não há como negar isso", o tom de voz dele era divertido.

"E é tão bonita!", Tomoyo continuou com os elogios à Sakura. "Lady Sakura tem os olhos mais verdes que eu já vi!".

"Sim... Sakura é belíssima...", de divertida, a voz passou para algo entre saudosa e resignada. Li se esforçou para não suspirar. Sentia falta de sua princesa. O falcão ombro bicou-lhe a orelha com carinho e ele deu um pequeno sorriso. Sakura sempre estaria com ele, não importava como. A prova disso era Ying Fa pousada em seu ombro.

"Conversamos a noite inteira. Ela é tão gentil!", prosseguiu Tomoyo, descrevendo em seguida, para Syaoran, como foi o primeiro encontro deles com Sakura. Yamazaki se metia de vez em quando dando sua opinião na cena e Li apenas sorria contidamente.

Foi assim que eles avançavam, à caminho de Hakugan.

* ~ * ~ *

Continua...

N/A: Aqui está o Capítulo 4. Espero que tenha ficado claro como foi que Susano mandou enfeitiçar Sakura e Syaoran. E o grupo de Li ganhou mais um novo membro: Tomoyo, a fada. O que essa figura quer com Clow? Ah... Não posso contar, vai perder a graça.

Quero mandar um beijão a toda turma do AtualizaFanfics, e a todos que deixaram reviews, em especial à Kathm à DianaLua, à Mel e, respondendo ao pedido da Jully, os capítulos deste fic estão mais curtos, eu sei, mas eles irão aumentando gradativamente de tamanho, não se preocupe.

Um grande beijo,

Andréa Meiouh

Em 31/05/2003