O LOBO E O FALCÃO
Capítulo 5
Eriol não soube dizer o que o acordara. Todos seus sentidos estavam alertas e seu coração batia acelerado. Alguma coisa ia acontecer. Confiava em seus instintos, eles nunca haviam lhe falhado. Levantou-se e vestiu-se apressadamente, mexendo-se com habilidade dentro daquele cubículo que chamava de quarto. O pequeno cômodo só tinha espaço para uma diminuta cama e um baú. Não se preocupando em acender uma lamparina, pegou um alforje dentro da arca de madeira. Aquela bagagem estava pronta há quanto tempo? Desde que seu mestre havia morrido. Ainda se lembrava muito bem dos últimos momentos de Clow...
Desde que voltara de Nimah, o mago Clow não fora o mesmo. Vivia nervoso e preocupado. Murmurava coisas sem nexo e dizia que estava sendo perseguido. Eriol não conseguia entender como um bruxo tão poderoso quanto seu mestre poderia ficar tão abalado. Talvez a surra que ele levara dos homens de Susano tivesse afetado mais do que o aprendiz poderia supor.
Uma manhã, Clow acordada completamente lúcido, como há muito Eriol não via. O feiticeiro se sentara na mesa que ocupava a maior parte do laboratório/sala/cozinha e começara a escrever num pergaminho. No fim do dia, chamou seu pupilo. O jovem sentou-se, olhando para o mestre com preocupação e curiosidade. Ao lado do bruxo, estava Spinel, um gato preto, mascote daquela dupla de feiticeiros. Spinel não era um bichano comum - ele era dotado de inteligência e capacidade de falar. O gato era fruto de anos de trabalho aplicado de Clow.
"Eriol, meu bom aprendiz...", começou Reed, passando a mão distraidamente nos pêlos negros de Spi. "Sei que tenho agido de maneira estranha ultimamente, mas creio que poderás me entender quando leres esta carta. Nela está escrito o meu maior arrependimento e pior pesadelo. Fui um fraco e usei minha magia para prejudicar alguém. Prometa-me, meu jovem, que jamais usarás seu dom para ferir alguém...". O tom de Clow era sério demais, assustando Eriol, mas o jovem fez a promessa.
"Tem mais uma coisa, meu caro", continuou o bruxo. "Quero que passes a observar bem os planetas. Um evento muito importante acontecerá dentro de poucos anos... É imprescindível que tu estejas pronto. Quando chegar a época, eles virão aqui atrás de mim, mas eu não estarei mais aqui... Por isso, dou-te esta missão".
"Não estará mais aqui? O que quer dizer com isso, mestre?".
"Minha hora se aproxima, Eriol... E tenho não mais forças para fazer o que deve ser feito... Por isso peço-te que ajudes o casal...".
"Que casal? Eu não estou entendo...".
"Tu entenderás... E saberás quando chegar a hora... Tu és mais forte e poderoso que eu... Seu treinamento já terminou há muito tempo... Não és mais meu discípulo. És um mago, como eu...", a voz de Reed Clow foi ficando fraca e ele oscilou na cadeira, assustando o gato e o ex-aprendiz.
"Mestre Clow!", exclamou Spinel.
"Cuide de Spinel, Eriol... E lembre-se: observe o alinhamento dos planetas... A noite sem dia... Estejas pronto...", terminando de falar, o bruxo tombou para frente, caindo no chão, já sem vida.
A partir daquele momento, Eriol se viu sozinho na cabana com Spinel. Não voltara para o leste, onde ficava sua casa. Preferira ficar e aprender mais coisas, estudando os escritos de seu falecido mestre. Durante todos aqueles meses, observara os planetas. E agora sabia o que Clow queria dizer.
A noite sem dia se aproximava. Ele tinha que encontrar o casal.
Abriu a cortina passando para o laboratório, que também fazia as vezes de sala e cozinha. Lá encontrou Spinel, sentado, olhando por uma fresta da janela.
"Homens se aproximam, Mestre Eriol. Dezenas deles".
Pegando uma luneta mágica, o bruxo olhou pela mesma fresta que o gato olhara há instantes atrás. Avistou um grupo de soldados se achegando com rapidez, levantando poeira. Afastou-se da janela.
"Vamos embora, Spinel!", disse Eriol, pegando o gato com uma mão e com a outra puxando um cordão do pescoço. Nele, pendurado, estava um estranho pingente em forma de sol. Concentrando-se, o mago fez o pingente brilhar, transformando-o num grande báculo dourado.
Quando os soldados invadiram a casa, não havia mais ninguém lá dentro. Tudo estava vazio e silencioso.
"Eles fugiram!", anunciou o líder da tropa.
"Mas como? Só há uma porta... Se houvessem saído, teríamos percebido...", retrucou um dos homens.
Olhando em volta, o líder se arrepiou. Todo aquele ambiente causava-lhe embrulhos no estômago. Entretanto, havia alguém que lhe causava mais medo do que aquela sala cheia de feitiçarias... O barulho de mais cavalos anunciaram a chegada dele, o Duque Susano.
"Onde ele está?", perguntou o lorde, apeando.
"Não havia ninguém aqui quando chegamos, senhor...", respondeu o líder dos soldados.
Com um olhar frio e estreito, Susano avaliou o cômodo. "Queime", ordenou, saindo sem olhar pra trás.
"Sim, meu senhor", respondeu o trêmulo homem. "Ouviram a ordem! Queimem tudo!".
Em questão de minutos, a pequena cabana incrustada na parede da montanha, onde Eriol vivera a maior parte de sua infância e juventude, ardeu nas chamas. Ao longe, o mago nada podia fazer.
"Vamos, Spinel... Temos uma longa jornada pela frente...".
"Para onde iremos, mestre Eriol?".
"Procurar o casal... O lobo e o falcão... Eles precisam da nossa ajuda".
* * *
"Ai, ai, ai... Não estou gostando nada disso... Tens certeza que é mesmo por aqui?".
Sakura olhava a sua volta, tentando controlar o tremor que a invadia. Montada em Wei, seguia viagem pela floresta, junto com Tomoyo e Yamazaki, rumo à Hagukan. Ainda não podia acreditar no pedido de Syaoran. Syaoran... Seu amado lobo... Não conseguia mais vê-lo naquela escuridão.
"Este é o caminho certo, minha senhora", respondeu a fada. "Já passei por aqui diversas vezes... Mas devo admitir que também estou achando esta trilha muito estranha...".
"Conheces Hagukan?", a princesa indagou, numa tentativa de iniciar uma conversa amena. Quem sabe não esqueceria aquele mal estar que sentia naquele bosque. "Como é lá?".
"Não é grande coisa... É uma cidade de mineiros e caçadores... Há muitos caçadores em Hagukan..."
Caçadores? Isso poderia ser problema, ponderou Sakura, instigando Wei a seguir em frente. Não tinha nenhuma arma para se defender. A espada de Li era muito pesada, não serviria para ela. Imaginando um jeito de proteger-se, continuou no caminho, até a voz de Yamazaki chamar sua atenção.
"Sinto cheiro de sangue...". Como elfo, Yamazaki tinha o olfato e a audição aguçados. "Parece que estamos numa trilha de caçadores...".
Um barulho metálico e um rosnado soaram, silenciando o elfo. Parando o cavalo, Sakura preparou-se para o pior, pegando no cabo da espada. "Tomoyo?", chamou em voz baixa. "Ilumine, por favor".
Depois de um dia inteiro de viagem, Tomoyo foi lentamente revelando seus poderes de fada. Podia manipular bem a luz e o vento, também era capaz de deixar alguém inconsciente com um golpe especial. Também tinha o Dom da cura. Acumulando energia na palma das mãos, a fada respirou fundo antes de lançá-la para o alto, onde explodiu, espalhando faíscas por todos os lados e iluminando o ambiente. O que viram causou mais arrepios e estômagos embrulhados.
Estavam realmente numa trilha de caça e sem querer, haviam parado no meio de uma clareira, repleta de armadilhas. Ookami rosnava, mostrando seus caninos afiados para aquelas peças de ferro. Garras, ganchos, lanças, algumas redes, bocas de urso... Os utensílios estavam armados para pegar qualquer animal que passasse por ali.
Yamazaki apurou os ouvidos. "Estou ouvindo alguma coisa...", disse, puxando a manga da blusa de Sakura.
"O quê? Onde?".
"Por ali", o elfo apontou para esquerda.
Sakura desmontou e seguiu no caminho indicado. Logo também pode ouvir o ganido dolorido que Yamazaki escutara. Não demorou muito e encontrou um belo gamo, preso numa armadilha.
"Pelos céus...", angustiou-se a dama ao ver as condições do animal. "Quem teria coragem de fazer isso?".
Também assustada, Tomoyo se arrependia por ter insistido com Li para que Sakura seguisse viagem a noite. Como poderia adivinhar que os humanos mudariam a trilha de caça de lugar? Aproximou-se do gamo e tocou-lhe levemente a testa. A energia vital do animal estava fraca demais. Não poderia fazer nada para ajudá-lo... Lágrimas surgiram em seus olhos violeta.
"Os caçadores devem estar por perto, minha senhora", disse Yamazaki, aflito. "Precisamos ir embora!".
"Mas e ele?", Sakura apontou para o animal. "Não podemos deixá-lo aqui...".
"Este gamo está praticamente morto, Lady Sakura. Mesmo que o soltemos, não irá se recuperar", Tomoyo informou. "Yamazaki tem razão. Temos que sair daqui agora".
Concordando com a cabeça, Sakura montou outra vez no cavalo. A imagem do gamo semi-morto assombrava-lhe os pensamentos, que demorou para perceber que Ookami não estava com eles.
"Onde Syaoran está?", perguntou-se, ainda mais amedrontada. Ele podia se ferir numa daquelas armadilhas. Uma flecha cruzou a noite, passando de raspão pelo rosto da jovem princesa e interrompendo seus pensamentos.
"Caçadores!", guinchou Yamazaki. "Eles estão aqui!".
Vários homens surgiram das sombras das árvores, trazendo lanças, espadas, arcos e tochas. Sakura os fitava cheia de temor.
"Ora, ora... Veja o que temos aqui...", disse um homem robusto, se aproximando do pequeno grupo. "Parece que a caçada de hoje será muito proveitosa". O brilho de luxúria dos olhos dele enojou Sakura.
"Somos viajantes", disse a moça, com voz firme, escondendo todo medo. "Seguimos para Hagukan. Poderíeis fazer a gentileza de nos deixar passar?".
"Claro, doçura...", riu o indivíduo, debochadamente, avançando lentamente na direção dela. "Mas primeiro vamos nos divertir, não é pessoal?". Antes que homem pudesse tocar em Sakura, o lobo surgiu do nada, disparando para o grandalhão que ameaçava a bela dama. Rosnando ferozmente, mordeu o pescoço grosso do cara.
"SOCORRO!", gritou o caçador. Os demais começaram a avançar, com armas em punho.
"Não!", exclamou Sakura, preocupada com o lobo.
Ookami enfiava os dentes cada vez mais fundo no pescoço do homem e largou quando atingiu uma veia e o sangue começou a jorrar.
"Aaaaaaaaaaaahhh!!", foi o grito do caçador, enquanto colocava as mãos na garganta, tentando estancar o sangue.
"Chefe!". Os outros tentavam acertar golpes no lobo, mas era tudo em vão. O animal era uma besta selvagem, era rápido e desviava dos golpes com facilidade. Mas aquela vantagem acabou quando uma flecha acertou a fera no lombo.
"Não!!", exclamou Sakura descendo do cavalo e correndo para o lobo. A flecha tinha penetrado muito e Ookami gania, sangrando. "Oh, não...". Lágrimas escorriam profusamente dos olhos da moça.
"Seu animal matou nosso chefe, vadia", disse um dos caçadores, que segurava um longo arco. Provavelmente fora ele quem acertara Ookami. "Agora cuidaremos de ti!!". Entretanto, uma estranha força impediu que o homem se movesse do lugar. "O quê? Como? Quem está fazendo isso?!".
"É melhor deixar esta mulher em paz", disse uma misteriosa voz. "Vós já se divertireis demais por uma noite".
"Apareça, maldito, que eu acabo contigo!". Um jovem de óculos e segurando um estranho bastão saiu de trás das árvores.
"Não vais acabar com mais ninguém!", retrucou o recém chegado. E com um movimento do bastão, fez todos os indisciplinados caçadores desaparecerem, inclusive o que ameaçara Sakura.
"Quem... Quem é você?", perguntou a dama, assim que se viram a sós na floresta.
"Um amigo... Vim para ajudá-los".
"Você é um feiticeiro?", Tomoyo saiu de trás de Sakura e se achegou.
"Co-como fez aquilo?", indagou Yamazaki, ainda surpreso com tudo.
"Um Dom especial que me foi dado...", disse o estranho com um pequeno sorriso.
"Quem é você?", Sakura perguntou outra vez.
"Eu sou o Mago Hiiragisawa. Mas meus amigos me chamam de Eriol".
* ~ * ~ *
Continua....
N/A: Bem, gente, aqui está o capítulo 5. Como vocês podem reparar, a história está começando a ficar diferente do filme. As coisas estão ficando agitadas e o último personagem principal da história deu o ar da graça. E agora? Syaoran foi ferido... O que Sakura vai fazer? Fiquem ligados no próximo capítulo! ^^
Um beijo a todos que estão acompanhando a história e, em especial à Princess Briefs, à Mel, à Night Angel, e respondendo a perguntinha dela: já pensei sim em fazer uma história original, com personagens meus... Quem sabe um dia não sai? E um outro beijo à Madam Spooky... Que acertou tudinho! ÊÊÊÊ!! Mas não conte a ninguém, viu? Senão perde a graça. E um beijo e um abraço apertado à Kath Klein, nossa aniversariante da semana... Feliz aniversário, Kathinha! Estamos já em contagem regressiva: faltam dois dias! ^_^
Até mais!
Andréa Meiouh
Em: 07/06/2003
