O LOBO E O FALCÃO
Capítulo 8
Longe da caverna, na trilha que levava de volta a Nimah, Susano e seus homens seguiam a trote lento. O poderoso Duque ainda não entendia o que acontecera naquela noite. Primeiro, a cabana do mago estava vazia. Depois, o encontro com os caçadores e as horas passadas na floresta. Nada daquilo lhe parecera normal. Franziu as sobrancelhas, relembrando o que se passou...
O fogo não demorou para consumir a pequena habitação de madeira. Susano via as chamas ardentes destruírem tudo, sem perdão. Olhou em volta, imaginando aonde Clow poderia ter se metido. Seus olhos pousaram na densa floresta, perto dali. Era um ótimo lugar para se esconder. Deixando dois homens de prontidão ali, chamou os demais e partiu para o meio das árvores. Iam caçar um bruxo.
Encontraram uma trilha e seguiram por ela sem nenhuma dificuldade. Mesmo para um cavaleiro experiente como Susano, aquele caminho parecera sombrio e sinistro, não estava gostando daquela floresta. Via o medo estampado no rosto de muitos dos seus soldados, alguns comentavam em voz baixa que a floresta de Hagukan era mal assombrada e cheia de terríveis caçadores. Praguejando, ordenou que seguissem o caminho calados.
Contudo, aquele silêncio sepulcral que caiu sobre a tropa abalava até mesmo os nervos do Duque. E quando, de repente, encontraram um grupo de caçadores correndo assustados, uma pequena confusão foi armada. Uma parte de seus soldados fugiu, morrendo de medo. Depois de apanhar um dos caçadores e dar uns bons cascudos nele, Susano descobriu o porquê daquela fuga desbaratada. Mais à frente, na trilha de caça, havia uma mulher, acompanhada por um lobo assassino, e um feiticeiro.
Instigando os poucos que continuaram ao seu lado, Susano cavalgou mais pra dentro da estranha floresta, a má impressão posta de lado ao descobrir que Sakura, provavelmente, estava ali por perto. A descrição do caçador batia perfeitamente com a de sua ex-noiva. Depois de uma hora cavalgando, encontraram marcas de cavalo, certamente o corcel negro de Li. Seguiram os rastros até o momento em que estes sumiam no meio do mato.
"Procurem as marcas", gritou para seus homens.
Os soldados desmontaram e passaram a procurar os rastros perdidos. Não havia como um cavalo desaparecer assim do nada. 'Mas...', refletiu Susano, 'não era apenas um simples cavalo. Se aquele caçador estiver certo, além de Sakura e do maldito lobo, está junto o maldito mago... Será que ele tem o poder de fazer coisas desaparecer?'. Mergulhado em pensamentos, mal ouviu quando um dos homens o chamou.
"Meu senhor! Meu senhor! Precisas ver isto aqui!", disse a criatura, chegando mais perto.
O Duque apeou e foi ter com o soldado. Este ia tagarelando sem parar, falando sobre fantasmas e forças ocultas. Quando chegaram na parte mais densa, o soldado parou, abaixou-se e pegou uma pedra.
"Vejas isso, meu senhor", disse antes de arremessar a pedra.
O objeto voou com velocidade até bater em algo invisível e voltar. Susano franziu as sobrancelhas.
"Que diabos é isso?!".
"Não sei, meu senhor... Tentei passar e não consegui... Há uma estranha energia ali... Não deveríamos ter vindo, esta floresta é mal assombrada".
Porém o Duque nada ouvia. Repleto de curiosidade, aproximara-se do local onde a pedra batera e pôde sentir algo presente ali, de maneira não visível. Estendeu a mão e tocou uma barreira. Mas o choque que sentiu no braço, o lançou para trás.
"Mas que raios!", exclamou, sentando-se no chão.
Virou a cabeça e avistou o resto da tropa se aproximando e o fitando com um olhar que ele conhecia muito bem: estavam rindo e troçando dele. Com raiva, pegou o soldado que o levara até ali e o chacoalhou.
"Que diabos fizeste, maldito?!".
"Na-nada, meu senhor!", respondeu o trêmulo homem.
"Passe por ali. É uma ordem!".
"Ma-mas, meu senhor...".
"Passe por esta maldita barreira ou eu te mato", ameaçou o Duque, furioso. "AGORA!".
Totalmente aterrorizado, o soldado começou a caminhar devagar. Como passar por algo que não via? Sua vida dependia daquilo... Parou e respirou fundo. Deu um passo à frente, mas foi impedido pelo o que quer que havia ali. Uma gota de suor escorreu por sua testa. Tentou mais uma vez e nada. Voltou-se para o Duque, mas foi recebido por uma espada no abdômen.
"Me-meu senhor...", gemeu, incrêdulo.
"Seu inútil!", rosnou Susano, enfiando ainda mais a lâmina e sentindo o sangue quente e viscoso escorrer-lhe pela mão. Sentiu-se mais calmo ao ver o soldado agonizando em suas mãos. Tirou a espada e virou-se para o restante da tropa. Ninguém ria mais. Ótimo. "Vamos embora!", ordenou. Continuar ali seria perda de tempo. Não podiam mais avançar. Sakura e quem quer que estivesse com ela já estava longe de seu alcance.
E agora, cavalgando de volta à seu castelo, recordando de todos aqueles acontecimentos, tinha uma única certeza: alguém protegia Li e Sakura, provavelmente o mago. Aquela barreira invisível era uma prova da grandeza dos poderes de Clow. Devia tê-lo matado quando tivera oportunidade. Apertando os calcanhares contra o flanco de sua montaria, acelerou o galope.
Queria estar logo em sua casa e planejar, com a cabeça fria, um modo de acabar com aqueles que eram lembranças vivas de sua pior humilhação. Sem mencionar o fato de que, dali há poucos dias, era seu aniversário e todos do Reino, incluindo o Rei, iriam à Nimah. Tinha muito o que preparar.
* * *
Em Hagukan, Syaoran, Eriol e companhia conseguiram comprar mais um cavalo e também arranjaram um lugar para pernoite. Depois dos problemas de Sakura com os caçadores, Li mudara completamente de idéia em relação ao fato da princesa viajar à noite, mesmo tendo a companhia do bruxo agora. Não queria arriscar a vida dela outra vez.
"Não sejas intransigente, Capitão", disse o mago, numa tentativa de convencer o outro que precisavam seguir viagem durante a noite. "Estaremos aqui para proteger Lady Sakura se algo acontecer".
"Isso não importa!", rebateu Li. Olhava para Hiiragisawa com o desprezo que sentia por tipos como ele: feiticeiros. Achava-os espertalhões, que criavam engodos para iludir o povo, grandes charlatões. Desprezava a todos e Eriol, juntamente com seu gato preto falante, não seria o primeiro a receber bons tratos do guerreiro. "Não quero que aconteça novamente o que ocorreu naquela floresta. E se a flecha tivesse atingido-a?".
"Mas não a atingiu, meu senhor", Tomoyo interveio. "Sei que se preocupas com Lady Sakura, mas é necessário que cheguemos a Nimah o mais rápido possível. Temos poucos dias...".
Soltando um longo suspiro, o guerreiro fechou os olhos e passou as mãos pelos cabelos, deixando-os ainda mais rebeldes. Durante a ida à Hagukan, Tomoyo e Yamazaki haviam lhe contado tudo sobre a conversa com a Rainha das Fadas e Eriol explicara a respeito da noite sem dia. Um dia onde a escuridão cobriria a terra e o feitiço estaria fraco o suficiente para ser quebrado. Este era o dia em que tinham que encontrar Susano e o tal amuleto que Clow criara. Outra oportunidade como essa só dali a cinqüenta anos e esperar todo este tempo estava fora de cogitação. Sabia que estava sendo um tolo teimoso, mas como não deixar de se preocupar com sua Sakura, depois das coisas que os amigos lhe disseram?
Percebendo o estado de espírito de Li, Eriol fez uma sugestão. "Que tal pernoitarmos aqui hoje? A noite já se aproxima e logo vos transformareis. Amanhã, com mais calma, podereis avaliar a situação e escolher e melhor alternativa".
Assentindo com a cabeça, Syaoran concordou. O mago era sensato, odiava ter que admitir isso. Olhou de esguela para o novo companheiro de viagem. Este tinha um sorriso enigmático no rosto. Sentiu uma vontade imensa de socar a criatura e arrancar-lhe o sorrisinho da cara... Apertou com violência a bolsa com as moedas, antes de caminhar a passos duros para a estalagem mais próxima. Observando as atitudes do Capitão, Eriol apenas sorria, achando graça. Li era tão previsível...
Depois de pagar ao estalajadeiro pelos quartos, se prepararam para a chegada da noite. Tinham muito o que conversar com Lady Sakura quando esta aparecesse. Faltava apenas ela saber a respeito das predições da Rainha Sonomi e da noite sem dia.
* * *
Em Tomoeda, sede do Reino Kinomoto, a comitiva real se preparava para uma viagem. O Rei Fujitaka partiria em dois dias para o castelo Nimah, para as comemorações do aniversário do Duque Susano.
Em seu escritório, alheio à movimentação de seus empregados, Fujitaka lia alguns documentos. À seu lado, seu fiel companheiro Kerberus, um tigre alado, de pêlos e olhos dourados. O felino mágico fora presente de casamento de um velho conhecido do soberano, o mago Clow. Kerberus, ou Kero, como fora carinhosamente apelidado pela Princesa, era o guardião da família real. Depois da morte da Rainha e do sumiço da jovem Sakura, Kero se tornara companhia constante do Rei.
De repente, a porta se abriu num estrondo, dando passagem a um visivelmente irritado Príncipe herdeiro. Touya cruzou o aposento com passos firmes e uma expressão fechada.
"Não acredito que aceitaste o convite daquele pulha, pai!", disse, parando diante de Fujitaka.
Ajeitando os óculos no rosto, Kinomoto levantou a cabeça. "É meu dever como governante deste Reino, filho. Por mais que me desagrade estar na presença de Susano, devo cumprir com minhas obrigações".
"Mas, pai! Este maldito permitiu que Sakura fugisse!", exclamou o Príncipe, rosto vermelho de raiva.
"Sua irmã partiu porque quis, meu caro Touya... Só nos resta esperar que um dia ela venha nos visitar".
"Como o senhor pode ficar tão calmo?", perguntou o jovem, jogando-se numa cadeira próxima.
"Porque ele não tem a sua cabeça quente", disse Kero, lambendo as patas. Acabara de comer uma torta. O tigre era apaixonado por doces.
"Fique fora disso, seu glutão!", rebateu Touya.
"Seu esquentado!".
"Ah... Não brigueis, por favor", pediu Fujitaka, reprimindo uma risada. Apesar dos pesares, ainda tinha Touya e Kerberus à seu lado, além, é claro, da certeza que um dia reencontraria sua Sakura. Virou-se para o filho e falou: "Além disso, Touya, alguém me disse que minha presença nesta festa era muito importante. Ela foi categórica quanto a isso. Disse que não poderei faltar em hipótese alguma".
"Kaho?!", surpreendeu-se o jovem de cabelos negros.
"Sim", o Rei voltou a ler os documentos.
Entretanto, para Touya, o assunto não estava acabado. "Mas por quê?".
"Porque muitas coisas acontecerão nesta festa, meu querido marido", disse a futura Rainha, entrando no aposento. "Majestade", ela cumprimentou, curvando-se com graciosidade. O vestido cor de vinho, de mangas longas e largas, era justo e ressaltava o tom ruivo de seus longos cabelos, presos por uma simples, mas bela, tiara. "Kerberus", ela sorriu para o guardião.
"Como vais, Kaho?", sorriu o monarca. Era incrível como aquela mulher tão tranqüila aceitara se casar com seu filho. Touya era um esquentado, como afirmara Kero. "Vejo que encontraste o caminho corretamente desta vez...".
O sorriso da Princesa aumentou. "Majestade, depois de anos vivendo neste imenso castelo, era de se supor que eu aprenderia como chegar em alguns cômodos... Pelo menos, os mais importantes...".
Fujitaka e Kerberus deram uma risada. Kaho era realmente uma pessoa encantadora. Bonita, bem humorada e gentil. Ninguém conseguia mesmo entender o que ela tinha visto em um turrão como Touya.
"Que história é essa de mandar meu pai à festa de Susano, Kaho?", perguntou o herdeiro do trono, quando a esposa se acomodou perto dele.
A mulher suspirou, ajeitando o vestido. "Como eu já disse, Touya, muitas coisas irão acontecer nesta festa... Seu pai precisa estar lá...".
"Então iremos todos juntos", decidiu o Príncipe.
"Como quiser, meu marido", respondeu Kaho, com um sorriso misterioso.
Observando a cena entre o filho e a nora, Fujitaka não pôde evitar uma pontada de inveja. Sentia muita falta de sua amada Nadeshiko... Mas uma gargalhada de Kerberus logo o tirou de seus devaneios.
"Ela te tapeou direitinho!", ria o guardião com gosto.
"O quê?!", exclamou Touya, se levantando da cadeira, com os punhos fechados. Era possível ver uma veia latejando em sua fronte.
"Tu és um grande bufão, Touya!", Kero continuou rindo. "Fizeste justamente o que ela queria...".
O Príncipe olhou do tigre para a esposa. Kaho tinha um brilho nos olhos e um sorriso nos lábios que não desmentia a afirmação de Kerberus. Ela certamente fizera todo aquele mistério para que Touya concordasse em ir com o pai até Nimah, por mais que odiasse Susano.
"Grrrr...", rosnou o filho do Rei, correndo atrás de Kero. "Volte aqui, seu tigre decrépito! Vou acabar contigo!".
Fujitaka e Kaho observavam o tigre fugir de Touya, rindo sem parar. Os dois sabiam muito bem que se quisesse, Kerberus poderia derrotar o Príncipe num piscar de olhos.
"Achas que estes dois tomam jeito um dia?", perguntou o Rei para a nora.
"Acho que não", respondeu a mulher, balançando a cabeça e sorrindo. Kero havia saído do escritório, com Touya em seu encalço.
"Kaho... Quanto à esta festa...", hesitou Fujitaka. "Por que tens tanta certeza que devo ir...? Foi uma premonição?".
Ficando séria, a esposa de Touya se voltou para o monarca. Era do conhecimento restrito da família real que a futura Rainha tinha o dom de ver o futuro. Ninguém mais sabia desta habilidade de Kaho. A moça fazia questão de manter o segredo, visto que videntes, como ela, eram extremamente cobiçadas e exploradas sem perdão.
"Sim, Majestade...".
"Mas esta não foi como as anteriores, não é mesmo?".
"Não... Foi intensa... Parecia real...".
"O que viste, Kaho?".
"Majestade...", Ela hesitou antes de continuar. "Sakura vai voltar...".
* * *
O tempo seguia seu curso, os dias e as noites se revezando... Logo, passou uma semana... O aniversário do Duque estava bem perto. Eriol, Tomoyo, Yamazaki e Spinel conseguiram convencer Syaoran a realizar as viagem durante às noites e assim, o grupo conseguiu chegar às proximidades de Nimah em naquele meio tempo. A sede do governo do norte estava muito bem vigiada. Todo o exército de Susano guardava o castelo e os arredores. Seria muito difícil alguém que não tivesse sido convidado entrar.
Escondidos dentro de uma velha estrebaria, o grupo avaliava suas opções. Do lado de fora, o povo de Nimah fazia uma grande festa, recebendo os convidados do Duque. Corriam boatos de que o próprio Rei passaria por ali.
"Se ele vier mesmo, poderíamos pedir ajuda para entrar...", disse Tomoyo.
"E dizer o quê?", gozou Yamazaki, afinando a voz, numa tentativa de imitar uma mulher. "Oh, bom dia, Vossa Majestade! Poderíeis nos ajudar a entrar no castelo do Duque? É que precisamos matá-lo. Ah, a propósito... Vossa filha é um falcão, sabia?".
A resposta da fada foi uma bofetada da orelha do elfo. "Ai! Isso dói!", gemeu ele.
"Humpf! Bem feito!".
"Mas a idéia de Tomoyo não é de todo ruim...", ponderou Li. "Se conseguíssemos nos infiltrar numa dessas comitivas... Ou nos disfarçar como uma...".
"Entraríamos sem problemas", completou Eriol.
"Vejam! É a comitiva real", anunciou Spinel, que estava de guarda.
Todos se aproximaram da janela e viram as carruagens passarem devagar. Dois homens e uma mulher, ricamente vestidos, acenavam para o povo. Na parte de trás, cocheiros jogavam moedas e alimentos. Syaoran olhou atentamente para o Rei. Cabelos castanhos, com mechas grisalhas sobre as têmporas davam-lhe um ar de confiança e maturidade. Os olhos por trás dos óculos redondos demonstravam sinceridade. Perguntou-se se o soberano sabia o que realmente tinha acontecido à Sakura...
"Há um jeito de entrar...", disse Yamazaki de repente.
"O quê?", espantou-se Tomoyo, que estava à seu lado.
"Eu sei um jeito de entrar no castelo...".
"Como?".
"Pela masmorra...".
* ~ * ~ *
Continua...
N/A: Pra quem perguntou onde andava Susano e sua patota... Acho que este capítulo responde as questões... Espero que tenham gostado! Os últimos personagens que faltavam finalmente apareceram. Touya e Kero pareciam duas crianças, eu sei, mas não pude resistir... Tinha que escrever aquilo! Fiquem ligados porque nos próximos capítulos, teremos o grande encontro de Li e Susano!
Um beijo especial à minha amiga e conselheira, Kath Klein, que salva minha vida e esta estória sempre que preciso. Um beijo também à Fabi, ao Fê e à Naki... Minha 'família' querida desde os tempos do Bravenet, o antigo chat do CCS Guia. Gente... Estou com problemas sérios no computador... Não tenho dito cabeça nem pra escrever nada... Faltam poucos capítulos para acabar e vou tentar preparar logo o final, mas não sei quando poderei postá-lo... Mas não se preocupem. Vou terminar este fic, sim, com computador bom ou ruim.
Um grande abraço a todos e até mais!
Andréa Meiouh
Em: 08/07/2003
