Ainda Há Esperança
Por Ayame N. Yukane
Capítulo 3
O Encontro de Duas Estrelas
Kagura arregalou os olhos antes de bater com força no chão.
— Eu... cheguei tarde — lamentou-se a recém-chegada moça de cabelos ruivos, que desferira o chute na youkai dos ventos.
Kagura se levantou com dificuldade, amparando seu estômago dolorido com a mão esquerda, enquanto a direita estava com seu leque preparado.
— Ayame — Kagome chamou a garota fracamente, quase sem voz.
A garota se virou. Era uma youkai-lobo, como Kouga. Seus olhos estavam marejados e suas bochechas estavam vermelhas do tanto que correra. A respiração estava descompassada. Algo mais naquele rosto, como em Kouga, provocava um arrepio em Kagura. Ayame tinha um insaciável desejo de vingança.
—Ayame — Kagome chamou mais uma vez, rouca. — Saia daqui... — prosseguiu com dificuldade, tentando ficar de pé.
Kagura ria alto.
— Muito interessante... — disse Kagura ironicamente. − Você tenta salvar a alma desta garota enquanto a sua está pela metade!
Ayame olhou confusa para Kagome, cujos joelhos trêmulos lutavam para sustentar seu corpo.
— Alma pela metade...? — repetiu ela. — Kagome?
— Kanna! Arranque a alma dessa garota por inteiro! — ordenou Kagura.
Ayame pareceu continuar sem entender o que se passava, mas ajudou Kagome a se levantar e a tirou do alcance das irmãs-youkai.
— Fique aqui! — exclamou Ayame. — Cuidarei delas por vocês.
Mas Kagome sabia bem que quando a ruiva dissera "vocês", ela queria dizer por Kouga. Provavelmente, ela vira o noivo cair no chão protegendo a garota do futuro—ela devia ter visto os olhos sem vida dele quando seu corpo colidiu com o solo.
Ayame iniciou uma luta contra Kagura. Na ofensiva, estava se saindo muito bem. A ruiva golpeava sem parar, não deixando tempo para a youkai dos ventos ao menos se defender. Kagura, em uma tentativa frustrada de usar a "Dança das Lâminas do Vento", levantou seu leque, que foi jogado longe com um chute de Ayame.
A youkai-lobo não sorria, não se mostrava satisfeita. As lágrimas já haviam parado, mas seus olhos adquiriram um brilho diferente enquanto lutava. A ruiva se obrigada a olhar apenas para os olhos de Kagura, ignorando o cadáver do seu noivo que jazia no chão.
Ao ver que sua irmã não estava tendo sucesso na batalha, Kanna concentrou-se em Ayame para retirar-lhe a alma. A youkai-lobo não gostou do misterioso espelho fixado nela, então, com sua agilidade, ficou dando voltas em Kagura, até que aplicou uma chave de braço no pescoço da mestra dos ventos. Kanna, ao ver que seu novo alvo era sua irmã Kagura, quase que instantaneamente parou de mirá-la.
A youkai dos ventos reteve seu olhar nos corpos sem alma que estavam próximos. De repente, para o espanto de Ayame, Kouga emitiu um som.
A garota-lobo procurou-o com o olhar, ainda enfurecida, achando que era apenas uma peça de sua mente. Quando o encontrou, a ira de seus olhos desapareceu por completo quando o viu se levantando com dificuldade.
— Kouga! — ela exclamou, a voz presa na garganta.
Ayame soltou Kagura instantaneamente e correu para postar-se ao lado do rapaz-lobo. Quando ele conseguiu manter o equilíbrio, a ruiva jogou seu corpo contra o dele, abraçando-o aos prantos.
— Eu achei... Eu pensei que... — ela tentou dizer aos soluços, mas as palavras se recusavam a sair.
Kouga nada disse, e tão pouco correspondeu ao abraço da garota.
— Não... Ayame... — Kagome tentou alertá-la, fracamente—no tom de voz que sua força permitia.
Usando apenas braço direito, Kouga abraçou a ruiva de forma estranha, porém firme. Com a outra mão, ele segurava algo com a mesma firmeza.
Kagome se deslocou com dificuldade. Pegou a flecha que antes endereçara a Naraku—que não estava mais lá, tão pouco InuYasha. A morena preparou sua flecha e mirou em Kanna.
Kagome, então, pôde ver que o youkai-lobo estava com sua espada empunhada na mão direita.
Aquele não era Kouga. A garota-lobo percebeu sozinha enquanto ele a abraçava. Estava tudo distorcido, ele estava agindo estranhamente.
Ayame olhou para Kagome, que dizia para ela se afastar dele. A ruiva percebeu que já era tarde para tentar se libertar do abraço apertado dele. Não conseguia sair, não podia impedir os movimentos da outra mão do noivo. Sentiu o gosto metálico de sangue invadir sua boca quando Kouga usou sua arma contra ela. Ayame tentara desviar, mas tudo o que conseguiu foi modificar o local do ferimento—a espada atravessou seu estômago.
Kagome atirou sua flecha na direção de Kanna. O espelho da youkai-nada automaticamente a absorveu. Com um som estridente, o espelho começou a se rachar.
— Tenho que soltar... — começou Kanna, com a mesma expressão vazia de antes.
Uma rajada de luz branca vinda do espelho iluminou o local. E sumiu logo em seguida, assim como a chuva cessou e a lua podia ser vista com mais clareza.
Kouga caiu novamente no chão, com Ayame ao seu lado—sem condições de manter-se de pé. A princípio, a ruiva não sentira dor, não sentira nada. Vagamente percebera que caíra no chão.
O youkai-lobo, assim como Miroku, Sango, Shippou e Kirara, começou a abrir vagarosamente seus olhos.
Ayame mirava com curiosidade o rapaz de cabelos compridos presos em um rabo de cavalo. Conforme ela o observava, apertava com as mãos seu ferimento com força. Finalmente sentira dor. Atordoava seus sentidos e forçava seus olhos a se fecharem, embora ela lutasse contra isso. Em vez de ceder aos desejos do seu corpo ferido, tentou estancar o sangramento que lhe arrancava a cor do rosto rosado.
Kouga olhou para a youkai-lobo com igual curiosidade, sem entender o que se passava.
— Ayame...?
A ruiva apertou o ferimento com mais força—a dor não podia ser maior do que o alívio em ouvir a voz dele. A garota-lobo tentou forçar um sorriso para confortá-lo e dizer que tudo estava bem, mas ela não estava em condições—o sorriso que lançara a ele fora dolorido, embora aliviado. Alcançara seus olhos, porém, a fúria desaparecera por completo.
— O que foi? — questionou Kouga, sentando-se no chão para melhor observar o que afligia a garota.
O forte cheiro de sangue não o enganava, seu olfato aguçado não o deixava passar despercebido, principalmente por estar tão próximo, intoxicando-o. O rapaz tentou olhar o ferimento, mas não teve sucesso, uma vez que Ayame o escondia com as duas mãos, ensangüentadas.
Kouga aproximou-se tentativamente, mas Ayame o afastou com uma das mãos.
— Não se preocupe — disse ela com esforço. — Não é nada! Foi só de raspão!
O youkai-lobo podia claramente ver que não fora de raspão—a garota protegia o estômago com urgência e o sangue escorria por entre seus dedos. A lâmina da espada havia perfurado-a, mas Kouga não sabia o quão profundo o ferimento podia ser. A ruiva relutava a contar a verdade ao rapaz-lobo—ela sabia que seria muito doloroso para ele ouvir o que acontecera.
— Quem fez isso? — bradou ele, virando-se enfurecido para Kanna e Kagura. — O que vocês fizeram?
Nos lábios de Kagura formou-se um sorriso de desdém.
— Que feio, lobo! Colocar a culpa nos outros é realmente deprimente! — replicou a youkai dos ventos.
Ainda furioso, Kouga reteve seu olhar em Kagura, tentando decifrar suas palavras—entretanto, nenhum de seus pensamentos fazia sentido. Do que ela estava falando?
A mestra dos ventos aproveitava agora o olhar do youkai-lobo—já não lhe parecia mais assustador, parecia assustado. Ela sorriu com satisfação ao contatas que tinha tudo sob controle—ou quase.
Quando viu Miroku, Sango, Kirara e Shippou abrirem os olhos, temeu que, sem o espelho sugador de almas, ela e Kanna estivessem em desvantagem.
Com um movimento rápido, Kagura tirou uma pluma de seu coque. A pequena pena tornou-se grande o bastante para que ela e Kanna subissem e fugissem pelos céus. Quando estavam em uma altura considerável, provocou Kouga, rindo:
— Lobo, pergunte a ela quem fez isso!
As duas desapareceram no céu agora sem tantas nuvens arroxeadas. O céu estava mais claro, as estrelas finalmente começavam a aparecer, a lua sorria para eles.
— Ayame? — perguntou Kouga esperançoso.
O youkai-lobo esperou pela resposta com o olhar ansioso. Queria ajudar de alguma forma, queria fazer a garota parar de sofrer—estranhou que, no momento, aquele era seu único e maior desejo.
Para sua decepção, a ruiva não respondeu, tão pouco disse alguma coisa. Limitra-se a observar o semblante do noivo com atenção. Enventualmente, ela apertava o ferimento com mais força, tentando estancar o sangue que jorrava e transpassava seus dedos.
A pedido de Kagome, Miroku, Sango, Shippou e Kirara deixaram a orla para procurar InuYasha e Naraku, para ajudar o meio-youkai de cabelos prateados no que fosse possível.
A garota do futuro andava com dificuldade em direção aos youkais-lobo. Sorriu internamente ao notar que, diferente das outras vezes, Kouga não foi correndo ajudá-la—estava mais preocupado com Ayame; ele finalmente entendera.
— Maldita...! — praguejou Kagome, com seu tom normal de voz. — Ela usou a mesma tática que incriminou InuYasha, fazendo com que vocês lutassem... Você se lembra? Da noite em que perdeu seus companheiros?
— Está dizendo que... — começou Kouga, mas sua voz morreu antes de completar o que pensava.
— A Kagura usou a "Dança dos Cadáveres" — confirmou Kagome séria. — Assim ela te controlou.
Ayame baixou a cabeça para não olhar diretamente nos olhos de Kouga, agora sem brilho. Ela apertou com um pouco mais de força o seu ferimento, sem levantar a cabeça. Não o fizera para conter a dor—olhar para Kouga naquele momento provou-se ser a coisa mais dolorosa a ser feita. O moreno estava em estado de choque, sentindo-se responsável por algo que não tivera culpa.
— Ayame... — começou ele, primeiro levantando sua mão em direção a ela, como se fosse tocar seu rosto, e depois a abaixou, mudando de idéia. − Eu... sinto muito.
— Não foi culpa sua! — alterou-se ela, falando em tom ríspido com dificuldade. — Aquele não era você. Não pense mais nisso.
Com um salto, Kouga estava de pé. Kagome e Ayame o olhavam com curiosidade. O youkai-lobo, com os olhos vazios e sem brilho, agachou-se em frente a Ayame e a depositou suavemente nos braços.
— Tenho de levá-la para longe daqui! O ferimento está sangrando demais — justificou-se ele para Kagome, olhando-a seriamente. — Você se importa, Kagome?
A garota do futuro, um pouco mais tranqüila, acenou positivamente com a cabeça.
Kouga estava preparado para partir, quando Kagome se lembrou de algo e os deteve. A morena abriu sua grande mochila amarela e, de dentro dela, tirou uma pequena maleta branca—nela estava escrito "Kit de Primeiros Socorros". De dentro dela, Kagome tirou alguns pequenos frascos e um rolo de gaze.
— São remédios da minha era — explicou ela rapidamente, deixando sem se preocupar com os olhares confusos que Kouga e Ayame trocaram. — Vou colocar um pouco disto — disse ela estendendo um pequeno frasco. — Vai fazer com que o processo de coagulação do sangue seja mais rápido. Depois farei um curativo um pouco improvisado...
Kouga depositou Ayame no chão com cuidado. Kagome passou um pouco do líquido que continha no frasco no abdômen da garota-lobo.
— Isso arde! — queixou-se ela com uma careta.
— Eu sei... Mas se eu não passar, você vai ter uma hemorragia — justificou-se Kagome séria, passando mais um pouco do remédio.
Ayame assentiu com a cabeça, embora continuasse fazendo caretas.
— Agora irei fazer o curativo — disse Kagome quando terminou de passar o remédio e o guardou na mochila.
Assim que a morena pegou esparadrapos de dentro da maleta branca e o rolo de gaze, começou a enfaixar a garota-lobo.
— Pronto! Terminei — anunciou Kagome. — Você está proibida de mexer nesse machucado! Tire-o pela manhã... — então ela entregou mais esparadrapos e gaze para Kouga. — Quando ela desfazer o curativo, faça outro.
— Obrigada — agradeceu Ayame fracamente, abrindo um meio sorriso. — Por que você está me ajudando...?
A pergunta soou absurda a seus próprios ouvidos. As duas não se odiavam de forma alguma. Estavam unidas por algo maior naquele dias, as pequenas querelas esquecidas—Kouga estava finalmente ao lado dela e Kagome não parecia nem um pouco incomodada com isso.
— Você salvou minha vida hoje — disse Kagome abrindo um sorriso. — E, mesmo que não o tivesse feito, eu te ajudaria da mesma forma. Nós nunca fomos rivais, Ayame — disse ela em tom mais baixo, piscando discretamente para a garota-lobo, que entendeu perfeitamente o que a jovem de cabelos escuros quis dizer e sorriu fracamente.
Kagome retribuiu o sorriso brevemente, olhando seriamente para o príncipe da tribo dos youkais-lobo do sul em seguida.
— Kouga, corra o mais rápido que puder. Não olhe para trás em momento algum. Não pare até que esteja em um lugar seguro — pediu ela, olhando-o profundamente nos olhos azuis.
O youkai-lobo colocou novamente a ruiva nos braços, pronto para uma nova partida. Kagome os observou em silêncio por breves segundos e então sorriu.
— Vão com cuidado!
Kouga assentiu.
— Kagome, — chamou ele, sério — não baixe a guarda nem por um segundo.
Ayame primeiro passou seu braço direito para trás do pescoço do noivo—movimento que não escapou do olhar atento de Kagome—e manifestou-se:
— Não sei ainda quando, — disse ela com um sorriso arteiro no rosto — mas você será a madrinha de nosso casamento!
A ruiva então puxou Kagome para perto com um braço, sem medir a força, abraçando a garota com o braço livre desajeitadamente.
Kouga enrubesceu.
— Eu vou estar lá — prometeu Kagome. Ela abriu a boca para continuar a falar, mas foi interrompida por Kouga.
— Para ser a noiva — ele completou a fala de Kagome nervosamente. — Era isso que ia dizer, não era?
Kagome lançou ao moreno um olhar de reprovação. Ambos sabiam que isso não era verdade—e a moça de cabelos escuros podia jurar que via medo nos olhos azuis do youkai-lobo. A garota não pôde conter um sorriso de deboche ao perceber a ironia—ele, que tanto jurava esposá-la, estava com medo de casar com a verdadeira noiva.
— Agora vão! — pediu Kagome com urgência. — Não percam nem mais um segundo neste lugar.
Kouga e Ayame trocaram olhares de preocupação rápidos antes de se virarem para a garota do futuro à frente deles, desejarem-lhe sinceramente que tudo ocorresse bem e, então, os youkais-lobo desapareceram na escuridão da floresta.
Kagome suspirou. Um final feliz naquela noite que, podia dizer, seria longa.
C.O.N.T.I.N.U.A.
N/A: Olá!! Eu gosto muito deste capítulo! Espero que tenham gostado dele também. Desculpem a demora, mas o caso do plágio da minha fic "Para Lílian Evans" ainda não foi resolvido. Só espero que isso acabe logo.
Muito obrigada a todos! Espero reviews!
Beijinhos!!
AyaNayru
