Ainda Há Esperança

Por Ayame N. Yukane


Capítulo 8

Anjos Caem Primeiro

Agora seria realmente difícil de escapar.

Naraku parecia estar tentando lançar algum feitiço em Kikyou, mas a mulher inutilizara os dois meio-youkais com a flecha purificadora que atirara mais cedo.

InuYasha tentava se livrar da mulher de cabelos negros; como Naraku, não teve sucesso. Além de impossibilitar os dois de utilizar qualquer tipo de magia, não satisfeita, a mulher usou um feitiço de paralisação.

Para InuYasha, que não sabia usar nenhum tipo encantamento, o problema era físico. Mas Naraku estava com dificuldades em ambos os casos.

Os dois meio-youkais tentavam mexer a boca inutilmente para protestar, mas desperdiçavam energias.

A cada movimento mal sucedido que os dois hanyous tentavam executar, a sacerdotisa dava uma gargalhada débil e fria. InuYasha pereceu muito incomodado com a risada, já Naraku não deu atenção―estava entretido demais no tamanho da cratera que estava se formando embaixo deles, aumentado cada vez mais.

― Agora nós vamos! ― anunciou Kikyou, guiando-os para o fundo.

Inesperadamente, o pequeno youkai-pulga Myouga apareceu no pescoço de InuYasha, que nem teve muito tempo de perceber o que acontecera. A pequena pulga, porém, ao ver a expressão que o rapaz de olhos dourados carregava no rosto, não sugou seu sangue.

― Senhor InuYasha! ― chamou ele não notando Naraku e Kikyou. ― Mas que cara de enterro é essa?

InuYasha nada respondeu, não podia falar, mas sua boca fazia movimentos de que queria dizer algo.

― Eu disse "Olá, senhor InuYasha!" ― insistiu Myouga. ― O que o senhor tem?

Myouga começou a pular do pescoço de InuYasha para a gola das vestes. Até que viu a pele das costas de uma mão a segurando.

O youkai seguiu com os olhos o braço, para ver de quem era. Quando terminou, deparou-se com uma expressão nada amigável por parte de Kikyou.

― Ah! Senhorita Kagome! ― exclamou ele. ― O senhor InuYasha é mesmo sem modos. Eu venho de tão longe para ver como ele está e... ― o youkai-pulga olhou para o pescoço de Kikyou e cessou sua fala.

A pulga pulou de InuYasha para o pescoço de Kikyou, tagarelando coisas que não tinham sentido aos seus próprios ouvidos, esperando que a suposta Kagome não notasse que sua tentativa de sugar seu sangue.

InuYasha tentou alertar o pequeno youkai, mas sem sucesso.

Quando Myouga pisou na pele macia e lívida da mulher de olhos penetrantes e longos cabelos negros, ela lhe lançou um olhar fulminante. Estacou por alguns segundos com o susto e finalmente percebeu que aquela não era Kagome. E também notou que Naraku estava ali.

― Ah... Você... não é a... senhorita Kagome ― tentava dizer a pulga, o medo estampado na voz. ― Sinto muito... Um pequeno engano...

E continuou pedindo desculpas enquanto se afastava de volta para a gola do kimono vermelho do meio-youkai de cabelos prateados.

InuYasha revirou os olhos, era típico daquele pequeno youkai fugir. Novamente, tentou dizer alguma coisa, mas a voz não saiu.

Desta vez, Myouga se concentrou em ler os lábios de InuYasha.

― Com prazer, senhor InuYasha! ― exclamou ele mordendo o pescoço do rapaz, feliz.

InuYasha conseguiu se mexer e agradeceu mentalmente pela presença de Myouga no local. Lembrara-se que a mordida da pulga podia quebrar encantamentos de paralisia, não importava de quem fosse.

Quando Kikyou percebeu que InuYasha estava livre, encarou com leve temor os olhos dourados enfurecidos, dando um passo para trás involuntariamente. Era diferente do que prevera e não sabia se poderia lidar com a situação agora que ele podia fazer o que quisesse.

InuYasha destruiu os três youkais-carregadores-de-alma que tentavam prendê-lo, soltando-se, sempre encarando a mulher de longos cabelos negros. Os olhos frios dela lhe traziam lembranças, mas elas agora já não lhe pareciam mais tão boas. Observou-a se afastar ainda mais e percebeu que antes não suportaria ver quem amava se distanciando, amedrontada.

O meio-youkai de cabelos prateados esticou a mão direita em direção à sacerdotisa, tentando ver se suas lembranças o impediriam de matá-la. Ela já estava morta, tentava se convencer, aquele era apenas um corpo feito de terra e ossos. Mas ele sabia que era a mulher quem amou que estava dentro dele. Sabia que fazia tudo aquilo para vingar seu destino trágico, culpa de Naraku. E nisso, surgiu Kagome... A garota do futuro pairou em sua mente enquanto ele encarava Kikyou. Elas eram tão diferentes.

Percebeu tarde demais que já não conhecia mais a mulher a sua frente. Abaixou o braço; decisão nos olhos.

Mas não conseguiu avançar em direção a ela ou a Naraku, pois os três foram sugados para dentro da cratera.


Um mês depois

O primeiro dia de aula começaria em quinze horas, e Kagome ainda não se sentia nem um pouco motivada para ir à escola.

A garota de cabelos negros se sentia deslocada. Além de suas amigas estarem todas namorando, ela perdera tanta coisa no colégio que nem mais valia à pena frequentar às aulas... Poderia simplesmente incentivar seu avô a continuar a distribuir desculpas sobre sua saúde. Qualquer coisa, menos voltar a ser uma colegial normal.

Ela sabia que não descansaria até voltar ao Japão feudal. Voltara para sua Era forçada por Miroku e Sango, e os odiou por isso.

O monge e a exterminadora de youkais, porém, sabiam que logo viria o pior, era tudo uma questão de tempo. As buscas por InuYasha se sucederam durante um mês inteiro, ininterruptamente, com a ajuda dos habitantes dos vilarejos próximos e de Kaede, mas não encontraram nada que pudesse evidenciar o paradeiro do meio-youkai de olhos dourados. Não queriam que Kagome ficasse mais tempo sofrendo por lá.

A garota estranhou quando a mãe permitiu que ela faltasse às aulas quando voltou à sua Era. Kagome não sabia, mas era período de férias escolares, então ela teria tempo suficiente para recuperar a matéria perdida e provar que era boa suficientemente para não repetir por faltas―mesmo que elas fossem justificadas com os pretextos escabrosos de seu avô.

Naquela véspera de primeiro dia de aula, véspera do desespero de Kagome, suas amigas a visitaram no Templo Higurashi. Quando viram a amiga, não puderam conter a preocupação―a suposta doença que ela tinha, daquela vez, a deixara realmente abatida. Sua face estava pálida e mais magra, embaixo dos olhos cansados havia manchas roxas e a primeira impressão que tiveram foi a de que se a amiga tentasse andar, desabaria no chão, sem força nas pernas.

As garotas, porém, esperavam encontrá-la em melhor estado, visto que ela já deveria estar curada da suposta doença, pronta para reiniciar as aulas. Quando a questionaram do porquê estar com uma aparência tão desgastada, a morena respondeu:

― É que eu faltei muito e tive de pegar toda a matéria atrasada...

― Ah, é verdade, Kagome! Você precisa de ajuda?

― Na verdade, não. Obrigada, meninas. Eu já consegui fazer tudo sozinha ― disse com um fraco sorriso que não atingiu seus olhos. Era melancolia.

As amigas a olharam desacreditando. Desde quando Kagome Higurashi pegava a matéria sozinha sem as anotações dos outros?

― Kagome... Por que você está assim tão triste? ― perguntou Yuka, tentando fazer com que a amiga a olhasse nos olhos. ― Não vai me dizer que brigou com aquele seu namorado violento e egoísta outra vez?

As palavras demoraram a fazer sentido à mente atordoada de Kagome. Sem que se desse conta, lágrimas teimosas começaram a escorrer por sua face passiva.

As outras garotas a observavam em choque, vendo a imagem de um anjo pálido que chorava por algo e precisava de ajuda.

Kagome tentou impedir as lágrimas de saírem, mas descobriu tarde demais que era inevitável―elas iam contra sua vontade...

― Desculpem-me... ― pediu ela baixinho, em um sussurro, fingindo que nada havia acontecido.

― Ah, Kagome... ― Eri murmurou antes de abraçá-la, seguida das outras amigas.

Não sabiam qual era o motivo, mas algo havia acontecido para Kagome relacionado àquele garoto... E naquele momento decidiram que iriam se empenhar ao máximo para ajudá-la.

― Meninas, eu preciso ir fazer as provas que perdi... Nos encontramos na escola amanhã.

Elas se despediram dela, olhando-a descer as escadas do templo sozinha, lágrimas ainda nos olhos.

― Peraí, meninas! ― exclamou Yuka para as outras duas. ― O que nós estamos fazendo aqui? Nós é que deveríamos estar descendo!

― Vocês acham que ela vai ficar bem? ― perguntou Eri enquanto elas desciam as escadas do templo.

― Eu não sei... Ela parece bastante abatida. Quero dizer, ela nem nos pediu nossas anotações! E olha que ela perdeu quase que um semestre inteiro!

― Aquele cara deve ter feito algo para ela com certeza! ― exclamou Yuka brava.

― Mas quem sabe não tenha acontecido alguma coisa a ele? Sofreu um acidente? Está doente? Ou até morreu...

― Credo, Eri! Vire essa boca para lá!

― É, acho que exagerei um pouco... Mas seja lá o que for, vamos ter que dar um jeito no Houjo, ela não está em condições de ser convidada para sair, e ainda por cima, quando ele a ver desse jeito vai pirar!

― É verdade... Precisamos conversar com ele!

― Certo, meninas! Mas quem de nós vai até a casa dele...?

― Você, Eri! Não é nem um pouco envergonhada...

No fim, acabaram indo todas juntas em direção à casa de Houjo.


Kagome percebeu que sua vida logo se estabilizou. Nas férias, ela conseguiu se recuperar pouco, já que passava a maior parte do tempo tentando entrar no poço-come-ossos, sem sucesso algum... Ou então ela era vista chorando pelos cantos.

Sua família jamais soube o motivo de sua volta, apenas a acolheu com todo o carinho que possuíam pela garota, e ao ver o estado dela, nem mesmo seu avô e seu irmão, não tiveram coragem de fazer suas perguntas indiscretas.

Kagome Higurashi agora já era quase formada, e tinha as melhores notas da turma. Em suas provas substitutivas tinha ido muito bem, melhor do que jamais fora!

Agora ela participava do grêmio estudantil, e era vice-presidente. No final do ano, já sabia que seria promovida a presidente, já que o garoto que ocupava o cargo sairia do colégio para tentar ingressar na faculdade.

As pessoas que mais se surpreenderam com suas notas―além do surto dos professores e de si mesma―foram suas amigas, já que a situação se invertera: elas que pediam suas anotações.

Foi realmente uma grande surpresa para ela, agora suas médias não estavam abaixo de nove, e os professores para tudo queriam sua opinião... Virara popular rapidamente.

I walked across an empty land

(Eu andei por um lugar vazio
I knew the pathway like the back of my hand

(Eu sabia o caminho como minha palma da mão)
I felt the earth beneath my feet

(Eu senti a terra sob os meus pés)
Sat by the river and it made me complete

(Sentei à margem do rio e ele me completou)

Sua matéria favorita se tornara História do Japão―a qual falava da Era Sengoku... Ela se recordava de tudo naquela aula, era como se tivesse sonhado tudo aquilo... Em suas redações, ela contava um pouco das aventuras que o povo era submetido a passar, os desafios, o mandonismo dos youkais juntamente com o preconceito que possuíam para com os humanos e vice-versa. Ela sempre ganhava nota máxima pela criatividade, o professor dizia que ela misturava realidade e fantasia e as deixava em perfeita sintonia. Ela só não ousava pensar em como os youkais e os humanos interagiam com os meio-youkais―proibira-se de lembrar, de perder-se em pensamentos refletindo a cor dos olhos de InuYasha; a cor dos cabelos, seu movimento com o vento; os caninos perfeitos e afiados; seu jeito estúpido e, ao mesmo tempo, amável.

Oh simple thing where have you gone

(Simples coisa, onde você foi?)
I'm getting old and I need something to rely on

(Estou envelhecendo e preciso de algo para confiar)
So tell me when you're gonna let me in

(Então me diga quando me deixará entrar)
I'm getting tired and I need somewhere to begin

(Estou ficando cansado e preciso de um lugar para começar)

A nova vida de Kagome Higurashi parecia a olhos alheios perfeita. Ela, porém, gritava a plenos pulmões por dentro, querendo se libertar daquela realidade distorcida. Mas ela tinha que admitir que a vida que levava agora era bem melhor da que tinha antes de entrar no poço Come-Ossos...

I came across a fallen tree

(Eu encontrei uma árvore caída)
I felt the branches of it looking at me

(Eu senti os galhos olhando para mim)
Is this the place we used to love?

(É este o lugar que costumávamos amar?)
Is this the place that I've been dreaming of?

(É este lugar que eu vivo sonhando?)

O poço Come-Ossos―o que atravessou forçada por uma nojenta youkai centopéia, e foi submetida aos seus piores pesadelos até encontrar InuYasha selado a uma árvore... Ela o libertou. Era um meio-youkai mal humorado que a detestava por achá-la parecida com seu antigo amor, Kikyou―aquela que havia colocado a discórdia entre eles, aquela que o havia tirado dela... Mas esse último fato não era do conhecimento de Kagome, que continuava cada dia mais agoniada para saber se InuYasha estava bem, se ele havia voltado para o vilarejo, se o meio-youkai sentia sua falta também...

Oh simple thing where have you gone

(Simples coisa, onde você foi?)
I'm getting old and I need something to rely on

(Estou envelhecendo e preciso de algo para me apoiar)
So tell me when you're gonna let me in

(Então me diga quando me deixará entrar)
I'm getting tired and I need somewhere to begin

(Estou ficando cansado e preciso de um lugar para começar)

Até agora ele não havia ido buscá-la. Só ele poderia―ele tinha os fragmentos da Jóia de Quatro Almas, não ela. O que restava a garota era esperar... Esperar por alguém que sabia que não viria, mas mesmo assim continuar esperando, a esperança seria a última que morreria.

And if you have a minute why don't we go

(E se você tiver um minuto por que não vamos)
Talk about it somewhere only we know?

(Falar sobre um lugar onde só nós conhecemos?)
This could be the end of everything

(Isso poderia ser o final de tudo)
So why don't we go

(Então por que não vamos)
Somewhere only we know?

(Pra um lugar onde só nós conhecemos?)

Ela não agüentava mais. Tinha constantes pesadelos, chorava cada vez mais, estava definitivamente mudada. Agora era estudiosa e se preocupava com seu futuro, tinha boas notas e era admirada por todos. Quem não queria ser como Kagome Higurashi? Popular, bonita, almejada por muitos garotos...

Oh simple thing where have you gone

(Simples coisa, onde você foi?)
I'm getting old and I need something to rely on

(Estou envelhecendo e preciso de algo para me apoiar)
So tell me when you're gonna let me in

(Então me diga quando me deixará entrar)
I'm getting tired and I need somewhere to begin

(Estou ficando cansado e preciso de um lugar para começar)

O que ela sentia a cada dia era que ninguém mais a conhecia. Ninguém sabia o que sentia, o que sofria―e essa era a última coisa que queria era que soubessem. Então, ficava em silêncio... Continuaria na espera?

And if you have a minute why don't we go

(E se você tiver um minuto por que não vamos)
Talk about it somewhere only we know?

(Falar sobre um lugar onde só nós conhecemos)
This could be the end of everything

(Isso poderia ser o final de tudo)
So why don't we go

(Então por que não vamos)
Somewhere only we know?

(A um lugar onde só nós conhecemos?)

Talvez devesse mudar um pouco o rumo de sua vida... Realmente gostaria de ficar chorando pelo resto de seus dias? Seu coração lhe respondia primeiro―sim. Mas sua mente dizia para ela desistir―aquele mundo ficaria em sua memória eternamente, mas para que ficar presa ao passado para sempre? Tinha que se libertar de alguma forma...

Mas antes ia tentar uma última vez.

Correu até o pequeno tempo que envolvia o poço e se jogou dentro dele novamente. Escalou-o de volta com ansiedade, como todas as outras vezes, e nada.

This could be the end of everything

(Isso poderia ser o final de tudo)
So why don't we go

(Então por que não vamos)
Somewhere only we know?

(Em um lugar onde só nós conhecemos?)

Mais lágrimas brotavam de seus olhos. Já se decidira―a partir daquele dia, não entraria nunca mais no pequeno templo em que se instalava o poço Come-Ossos, pararia com sua obcecação pela era feudal, viveria como uma colegial qualquer e, acima de tudo, tentaria esquecer InuYasha.


N/A: Olá!! Como viram, a fic chegou ao final. "Que lugarzinho para acabar", vocês devem estar pensando. Bem, a proposta inicial era que continuasse, mas eu faria uma miscelânea, então, escrevi uma continuação, que mostra como Kagome tentou seguir sua vida em sua era, sem voltar ao Japão feudalpara adiantar, ela está morando com o Houjo! Mas é aí que nosso InuYasha faz sua aparição... O nome da fic será Anjos Caem Primeiro.

Créditos finais, a música que eu coloquei neste capítulo é do grupo Keane, chama-se "Somewere Only We Know".

Espero que tenham gostado da fic! Leiam Anjos Caem Primeiro!

Muito obrigada a todos! Espero reviews!

Beijinhos!!

AyaNayru