i Capítulo 6 /i
O treino de Quidditch terminara mais cedo e Harry, cheio de saudades, resolvera fazer outra surpresa para o mestre de Poções e passar em seus aposentos para vê-lo. Sem sequer tomar banho, saíra direto do campo para o castelo. Nada o tinha preparado para a cena que vira ao entrar nas masmorras.
Severus estava no chão, nu, de bruços, e Blaise Zabini o montava, ofegando, suando, esfogueado. Tão entretidos os dois pareciam que nem perceberam a porta se abrindo.
Por um instante, o coração de Harry parou, e ele olhou a cena, incrédulo. Severus estava transando com um aluno – ou melhor, com um i outro /i aluno – num momento em que sabia que Harry estaria ocupado. Ele o estava traindo com um de seus Slytherins. Seu peito se estrangulou. Como ele podia fazer isso? Como alguém podia mentir tanto, simular estar apaixonado, lançar olhares de tanta devoção e amor e ser tudo mentira?
Então Harry notou que Severus trazia uma expressão de dor e desconforto. Havia ferimentos em seu rosto, marcas roxas na sua pele e – ele se espantou – cordas em seus pulsos, sangue e outros sinais de violência. Ele também pedia, num fio de voz, que Zabini parasse, que o deixasse em paz.
Levou alguns segundos até que o cérebro de Harry registrasse o que estava acontecendo e acessasse corretamente a situação. Aquilo não era consensual. Severus estava sendo agredido.
A vassoura que ele carregava foi ao chão.
Os músculos condicionados por anos de Quidditch o ajudaram a arrancar Zabini de cima de Severus com um único puxão, arremessando-o contra a lareira. Antes que o agressor pudesse reagir, Harry puxou a varinha:
– i Petrificus totalus! /i
Zabini caiu no chão, petrificado, todo duro – até mesmo a parte de sua anatomia que já estava enrijecida.
Com o agressor imobilizado, Harry finalmente pôde cuidar de Severus. Virou-o lentamente, notando os ferimentos, a pele gelada, o suor frio, o sangue. Então seus olhos encontraram os de Severus, e ele teve um novo choque: havia dor, desespero, terror, vulnerabilidade... Nunca ele vira Severus em tal estado.
Harry o envolveu em suas capas de Quidditch:
– Está tudo bem agora. Você está bem.
Quando foi abraçá-lo, Severus se encolheu, fugindo do seu toque, gemendo. Harry sentiu seu coração se partir.
– Eu não vou machucá-lo – Aproximou-se devagar, mantendo a voz suave, como se estivesse lidando com um animal particularmente arisco – Sou eu. Está tudo bem agora.
As lágrimas escorriam pelo rosto de Severus, que por uns instantes encarou Harry, parecendo confuso, como se não acreditasse que Harry estava ali e que fosse real. Ele esticou a mão suja de sangue e tocou o rosto do rapaz.
– Harry...? – A voz alquebrada, rouca.
Harry beijou a palma da mão, emocionado:
– Sou eu, meu amor. Vou cuidar de você. Está tudo bem agora.
– A... A-a-acabou?
– Acabou – Lágrimas caíram também dos olhos verdes – Ele não vai mais machucar você.
Pela segunda vez, tentou envolvê-lo em seus braços, e dessa vez foi bem-sucedido. Espantou-se com a força com que Severus se agarrou a ele, disposto a não soltar. Harry não se separou dele nem quando usou a lareira para chamar Dumbledore e contar resumidamente o que tinha acontecido.
Em minutos, Dumbledore estava nas masmorras com o Prof. Flitwick, que amarrou Zabini antes de despetrificá-lo. O jovem Slytherin estranhamente permaneceu quieto, mas os olhos estavam fixos em Severus, um brilho estranho. Harry teve que se conter para não avançar em cima dele, e afastou Severus ao máximo dele.
Madame Pomfrey também foi alertada, mas levar Severus até a ala hospitalar provou ser um desafio. Ele estava em choque, agarrado a Harry com mais força do que um náufrago a uma tabula de madeira em alto-mar. Não havia jeito de removê-lo.
O problema foi resolvido mais uma vez pelo Prof. Flitwick, com um leve feitiço calmante: Severus ficou relaxado o suficiente para que Harry o erguesse em seus braços e dirigiu-se para a porta. Foi nesse momento que Zabini resistiu a suas cordas:
– Não! Ele é meu! Ele carrega meu filho! Não pode levá-lo! Ele é meu!
Nos braços de Harry, mesmo sob um feitiço, Severus se encolheu, tenso, e o rapaz de Gryffindor o carregou para fora dali o mais depressa que pôde, quase esbarrando em dois desconhecido altos e musculosos no corredor. Harry não sabia nem parou para ver quem eram, mas eles eram Aurores, que tinham vindo tratar da prisão de Zabini.
Madame Pomfrey os esperava com uma cama pronta para Severus. Harry o depositou com carinho, enquanto a enfermeira dizia:
– Obrigada, Mr. Potter, mas eu posso assumir a partir de agora.
Harry ia soltar Severus, mas ele o agarrou com ainda mais força:
– Não! Não vá!
Os dois se entreolharam, depois Harry voltou a usar a voz doce:
– Severus, Madame Pomfrey vai cuidar de você agora. Está tudo bem. Eu tenho que ir, mas vou ficar bem aqui pertinho.
– Não! – ele se agitou, os olhos implorando – Não me deixe!
Foi a vez de Madame Pomfrey se dirigir a seu paciente – e Harry se espantou ao vê-la adquirir um tom maternal:
– Preste atenção, Severus: preciso examiná-lo e preciso que coopere comigo. Para isso, Mr. Potter vai ter que ficar lá fora, mas só durante o exame. Ele ficará bem pertinho, logo atrás do biombo. Entende o que eu digo?
– Sim, mas...
– Ele vai ficar bem aqui junto com você – garantiu a matrona – Ele prometeu que ficaria.
Severus olhou para Harry:
– Promete?
– Prometo – beijou-lhe a mão – Não vou a lugar algum.
Harry não tirou os olhos de Severus até ir para trás do biombo, conforme Madame Pomfrey tinha pedido. Os minutos que passou lá lhe pareceram uma eternidade. Ele podia ouvir os ruídos dos instrumentos e dos sons que Severus fazia ao ser examinado: gemidos, choro contido. A enfermeira saiu uma vez para buscar material de trabalho e Harry a viu trazer uma bandeja com diversas poções, ataduras e bacias. Severus chamou por ele e ele respondeu, ansioso, mas ainda impedido de entrar.
Ele ouviu Madame Pomfrey ministrar diversas poções e vestir Severus com uma camisola padrão da ala hospitalar. Mais alguns minutos de cruciante espera se passaram e a enfermeira finalmente emergiu de detrás das cortinas. Harry olhou para Severus, que estava adormecido, mas ela lhe chamou a atenção, puxando-o para longe.
– Eu lhe dei um sedativo forte e agora ele vai dormir a noite toda. Também é hora de o senhor estar na cama, Mr. Potter.
– Como ele está?
A enfermeira franziu o cenho:
– Por mais que tenha ajudado, Mr. Potter, não me sinto confortável discutindo o estado de saúde de um professor com um aluno. Basta dizer que ele vai se recuperar de seus ferimentos.
– Posso vê-lo?
– Ele precisa descansar, e já está mais do que na hora de o senhor voltar a seus aposentos, Mr. Potter.
Harry ia protestar quando um barulho suave o interrompeu. Dumbledore entrava nesse instante, dizendo:
– Ah, Harry. Eu calculei que estivesse aqui. Que me diz do Prof. Snape?
– Madame Pomfrey não quer me dizer como ele está.
Dumbledore assegurou Madame Pomfrey:
– Harry tem minha permissão expressa para acompanhar o caso, Poppy. Você deve ter notado que Severus confia muito nele.
– Sim, mas o estado dele... é delicado. O rapaz pode ouvir a esse respeito?
– Absolutamente. Pode continuar, por favor.
– Sim, diretor, como queira – ela olhou Harry com desconfiança, mas voltou ao assunto em pauta – Eu acabo de realizar um exame completo no Prof. Snape. Considerando que recentemente ele passou por uma grande transformação em seu corpo, essa agressão aconteceu num momento em que ele estava muito frágil. Ele sofreu lesões vaginais e anais que evidenciam uma agressão sexual de primeiro grau. Também tem escoriações e ferimentos generalizados, incluindo microfraturas nas maçãs do rosto e nas costelas, a maioria deles consistente com ferimentos defensivos. Aparentemente, ele foi chutado no abdômen. Deve ter sido assim que seu agressor o manteve derrubado no chão.
Harry suprimiu uma exclamação, mas Madame Pomfrey não tinha terminado:
– Passei uma varredura no sangue e vi que ele ingeriu uma substância para lhe retardar os reflexos. Estava drogado e é um milagre que tenha conseguido reagir. Também havia traços de uma Poção de Fertilidade.
– Acha... – Harry se engasgou – Acha que ele pode ter engravidado? Zabini disse que ele estava carregando o filho dele.
– Dificilmente pode ser verdade – descartou Madame Pomfrey – Eu não sei que Poção de Fertilidade foi usada, mas geralmente elas precisam de tempo para funcionar. E eu mesma receitei a Severus uma Poção Anticoncepcional há semanas, para combater um persistente desequilíbrio hormonal. Portanto, são bem pequenas as chances de uma gravidez. Claro, só teremos certeza em cerca de duas ou três semanas. Mas o que mais me preocupa é o seu estado emocional.
Dumbledore fechou os olhos, e parecia exausto ao concordar:
– Eu vi o estado em que ele ficou. Se não tivesse visto, teria tido dificuldade em acreditar.
– Ele parecia estar se recuperando bem da primeira agressão – A enfermeira meneou a cabeça – Mas agora ele me parece muito fragilizado. Isso está me preocupando muito, Prof. Dumbledore.
– Muitas coisas nessa tragédia toda são preocupantes, Poppy. Mas acredito que nesse ponto o jovem Harry pode ser de grande ajuda. Se isso não for atrapalhar a recuperação de Severus, gostaria de recomendar que Harry pudesse fazer companhia a seu paciente.
– Bom, eles realmente parecem ter grande aproximação. A presença do jovem Mr. Potter acalmou Severus durante o exame. Se isso puder ajudar meu paciente, obviamente não serei contra, diretor.
– Excelente. Então Harry tem permissão de visitar Severus?
– Está certo. Mas se ele se agitar, essa permissão será revogada, entendeu, Mr. Potter?
– Sem problemas. Fazer tudo para deixá-lo calmo.
– Quanto tempo calcula que ele ficará sob seus cuidados, Poppy?
– Vamos ver como o Prof. Snape reage, mas a princípio em três dias ele pode voltar para seus aposentos. Mas eu recomendaria cinco dias antes de voltar a lecionar.
– E se ele insistir em voltar antes disso?
– Nesse caso, eu terei certeza de que ele está totalmente recuperado – Madame Pomfrey deu um sorrisinho.
– Posso ficar com ele agora?
– Não há necessidade. Ele vai dormir a noite inteira, pode ir dormir na sua cama.
– Eu gostaria de ficar mesmo assim.
E Harry passou a noite inteira ao lado de Severus, ouvindo-o respirar, atento a qualquer alteração no seu sono.
