N.A 1 Ás vezes você vai ler um capítulo da Saara e pensar: mas já li isso antes, mas não assim. Muita coisa mudou, acrescentei várias coisas, e, conseqüentemente, redividi os capítulos. Acontece que, muitas vezes, os capítulos da Saara têm no mínimo 11 páginas, e às vezes 17 (como era o caso desse na primeira versão). E neles eu tenho que acrescentar alguma coisa, e, pra não aumentar mais ainda o capítulo, eu prefiro dividir ele ao meio. Espero que esteja sendo uma mudança boa!
ESPADA DOS
DEUSES
EPISÓDIO III: SAARA
--Capítulo
35—
Cavaleiros de Negro
Nura continuava arrumando o almoço. Os bruxos estrangeiros haviam ido para as ruínas, e isso a fazia sorrir sem parar debaixo de sua burca preta. Sorrir e cantar em árabe sem parar. De vez em quando até dava umas reboladinhas na frente da mesa de mármore.
Kione entrou e ao ver o olhar que Nura lhe lançou, fez cara de brava.
- Pare com isso, Nura, por Alá, vai me arranjar problemas e problemas para você também.
- Alá é bom e justo. – sorriu, balançando os ombros e a cabeça no ritmo da musica que cantava. – Ele está fazendo você ver que meus sonhos...
- Pare com isso, Nura.
- Porque fica brava se digo isso? Tem medo de quê? O estrangeiro ficou. Quer que Alá faça o quê? Escreva na cara dele que...
Kione respirou fundo para não perder a paciência.
- Eu vou comprar o que precisa para o almoço. Pelo menos lá não terei de escutar você falando bobagens.
Naquele momento Rony entrou na cozinha, inocentemente, e parou ao ver as duas. Mas a cara de terror que as mulheres lhe lançaram foi muito incômoda.
- Que foi? – perguntou.
Kione virou-se para Nura, que deu uma gargalhada, largou as facas na mesa e foi até ele, as mãos no alto, falando árabe sem parar. Rony ergueu as sobrancelhas:
- É a tua...!
- Não! – disse Kione, chamando a atenção para ela – Ela não... te ofendeu...
- Ah, não? Desculpa então, tia gorda.
- Pare com isso... – resmungou olhando Nura, que não parava de lhe falar em árabe, baixinho. - Ela só... sugeriu que...
Nura sorria ao lado de Rony, que a olhava desconfiado. Boa coisa não era. Não podia ser. Kione sorriu sem jeito.
- ...Que... você... fosse comigo ao mercado.
Nura mais uma vez ergueu as mãos e deu duas voltas por Rony fazendo "Aiala-lalaia-lalalalaia", deixando o menino apavorado.
- Pare, Nura! – pediu Kione. – Ele não pode ir comigo! Está muito ocupado com...
Rony empurrou a "tia gorda" pro lado, sorrindo.
- HÁ! Ocupado? Com licença, Nura. Adoraria ir com você, mal andamos pela cidade, foi um saco o passeio! Além disso, eu posso te ajudar com as sacolas.
Kione deu um longo suspiro ao ver a cara de Nura e Rony quase idênticas de alegria. E se deu por vencida.
- Tudo bem, tudo bem, pode vir comigo. – e enquanto pegava uma grande sacola de palha e se dirigia para fora ia resmungando em árabe. Nura estava radiante.
- Bom... vou indo. Tchau, tia gorda. – disse Rony, se apressando.
Nura voltou aos seus afazeres, dessa vez muito mais feliz.
Rony finalmente estava se divertindo na Morada do Sol. Agora ele, acompanhado de Kione, ia andando pelas vielas apertadas onde haviam centenas e centenas de barracas com tudo que se pode imaginar. Temperos, iguarias, jóias, escorpiões, cobras, ingredientes mágicos, tapetes voadores ou normais, roupas, badulaques de tudo quanto é jeito. Os comerciantes e os fregueses trocavam mercadorias no grito, provavelmente pechinchando. Rony olhava tudo aquilo encantado, e queria parar em todas as barraquinhas. Kione, por sua vez, ia à frente, impaciente, e Rony muitas vezes tinha de sair correndo atropelando os outros para não se perder dela.
- Por que você não pára um pouco? – pediu Rony, chegando ao seu lado. – Vamos ver as coisas que tem pra vender aqui! Quero levar alguma lembrança pro pessoal lá de casa... – e completou, muito feliz. – Agora eu tenho dinheiro pra isso!
- ...Não temos tempo. – resmungou. – Nós temos que nos... ah, não!
Um homem de preto, com uma barbicha parecida com a de um bode, e sem boa parte dos dentes se aproximou, e meteu as duas mãos em Kione, empurrando-a para o canto, muito bravo. E continuou a açoita-la, e a falar em árabe, sem se importar com Rony. Até que o ruivo o agarrou pelo braço.
- Escuta aqui, moço. Quem você pensa que é?
- Rony, ele... – disse Kione, se erguendo assim que o homem o olhou meio aterrorizado. – é um dos empregados do meu senhor. Ele está bravo porque... estou andado sozinha e... na sua frente.
- Como? – Rony virou-se encarando o homem, que parecia mesmo um bode de turbante. – Escuta aqui, quem você pensa que é, seu bode fedorento?
Eles ficaram se olhando, até Kione, de cabeça baixa, sussurrar:
- Ele não te entende...
- Ora... então traduza! Vamos ver... – e voltou a olhar o homem, colocando o dedo no peito dele, bravo. - O seu patrão Moredin exigiu que ela viesse comigo e obedecesse minhas ordens, e eu a mandei andar na frente, tá?
O homem olhou Kione, que provavelmente traduziu baixinho o que Rony falou. Mas o homem deu um passo pra trás, olhando Rony e murmurou alguma coisa.
- Se você não nos deixar em paz eu te dedo pro Moredin. – disse Rony, cínico.
Mais algumas palavras e o homem ficou branco como uma folha de papel. Olhou Kione, que fez a habitual expressão de inferior e subordinada, esperando que ele engolisse a desculpa. Mas ele ainda resmungou e se afastou, deixado o casal em paz. Ela voltou a olhar o rapaz, contente:
- É, você conseguiu.
- Alguém acreditou na minha cara de bravo. – riu-se. – Que beleza!
Em seguida os dois continuaram a andar. Rony se adiantou e ficou ao lado de Kione, colocando o braço em seu ombro:
- Já que você não pode andar na minha frente... talvez possa andar junto, não?
Kione resmungou um "é", desviando o olhar.
Terminada as compras, Rony exigiu que Kione parasse numa banca de jóias e tecidos finos. Comprou várias lembrancinhas, talvez até pro vampiro que ainda resistia bravamente no sótão da Toca. Até que ele viu um pergaminho esticado num arame com o desenho de um grande amuleto mágico de esmeralda.
- Moço, não tem desse não? – perguntou.
- Hohoho, o escaravelho de Rá? – riu o homem magrelo, sorrindo com os poucos dentes que lhe restavam e falando um inglês muito enrolado. – Jóia rara, jóia lendária.
- É uma das relíquias de Theron. – disse Kione.
- Theron? Theron, Theron... Ah, a cidade daquela lenda, não? Puuuxa...
O homem pareceu se animar em poder contar a história:
- O escaravelho de Rá é uma jóia feita com ouro puro e uma esmeralda maior que uma noz. Quando o reino de Theron era próspero e grandioso, essa jóia estava ligada aos reis da cidade... ela mostra quando o supremo senhor de Theron está em perigo, para que seus guardiões possam livrá-lo de todo e qualquer mal. E, se os guardiões falharem e a esmeralda se tornar rubra como um rubi, tudo estará acabado. Muitos homens já procuraram por ela, muitos sultões e poderosos comerciantes de hoje a desejam para que possam ser protegidos por seus lacaios.
- Hum... parece interessante. – comentou Rony, com a mão no queixo.
- Dizem mesmo ter esses poderes mágicos. – suspirou Kione, virando os olhos. - Vai saber... Eu não acredito.
- Engraçado você viver no mundo dos bruxos e não acreditar em mágica...
- Não é não acreditar, Rony... é que...
- Ah, olhe que lindo! O que é isso? – Rony pegou um estojo quadrado de ouro do tamanho de um tijolo, no canto da barraquinha. Ao abrir uma série de fadinhas pularam para fora e se sentaram na beira da tampa. Era um estojo de maquiagem. Três andares de sombras, tintas e o que mais podia se imaginar, com as cores que poderiam haver. Nessa hora o reflexo do espelho da tampa disse:
- Hum... você não ficaria bem de maquiagem.
- Que legal! – exclamou Rony. Olhou para o magricela. – Isso é o que?
- Maquiagem para odaliscas. Deixa a mulher mais feia do deserto tão fascinante quanto Cleópatra e deixa a mulher mais bela tão linda que seria capaz de deixar o sol com vergonha de nascer perante sua beleza.
- Ooooh... – disse Rony, espantado. Olhou Kione, que o olhou de cima embaixo, levemente insegura.
- Que... que foi? Tá me olhando por quê?
- Odalisca. É aquilo que você dançou.
- Nem pense em...
- Vou levar! Quanto é, tio?
- Rony! Eu te...
Não adiantou, mesmo sob os protestos e socos que Kione dava em seu braço, Rony comprou a caixinha. Ela ficou muito brava.
- Vai me dizer que eu não posso te dar um presente?
Kione não respondeu.
- Não se preocupe, o que o Moredin pode fazer? Nada. A não ser que ele confisque e queira usar o estojo para soltar a odalisca que existe nele. Ia ficar uma gracinha.
Kione não agüentou e riu, para logo em seguida resmungar baixinho, se punindo em pensamento.
- Já chega, vamos pra casa....
Ao chegarem na praça havia uma novidade: um homem que parecia muito um bicho-pau de tão magro, com uma grande barba cinza e um gigantesco turbante branco estava sentado numa cama de espinhos de ferro pontiagudos.
- Um faquir. – sorriu Kione. – Acho muito legal o que eles fazem.
- Ah, aquilo não é pior que minha cama velha...
- Pare com isso! Ele está tão concentrado...! Ele não sente dor, nem nada! Não vê como é difícil?
Rony torceu o nariz. Olhou demoradamente o homem, que nem se movia. Deu um malicioso sorrisinho.
- Será que ele é bom mesmo?
- O que você vai fazer...? – murmurou Kione.
Rony olhou fixamente pros espinhos. Não piscava. Kione olhava de Rony para a cama de espinhos, da cama de espinhos para Rony. Um tempo depois e o homem começou a mexer os bigodes devagar. Depois foi aumentando, começando a fungar, a contorcer os músculos da cara, a se encolher... até que não agüentou. Deu um agudo berro que fez todos da praça se assustarem. Pulou para longe da cama, desesperado, pulando dentro da fonte principal. Todos olhavam chocados. Os ferros da cama e o traseiro do faquir estavam saindo fumaça. Alguém tinha esquentado os pregos, que viraram um ferro em brasa. Rony caiu na gargalhada.
- O que você fez?! – exclamou Kione, sem entender. Rony continuava rindo sem parar. – Você... você... esquentou a cama dele? C-Como?
- Ha ha ha ha ha ha... – Rony tomou fôlego par falar. – Mágica.
- Mágica? Que mágica?
- Fogo. – disse Rony, baixinho, próximo de Kione, orgulhoso. – Eu tenho muita facilidade em usar magia de fogo. Bom, mas como você viu, eu não controlo ela muito bem... hehehehe... Mas com o tempo...
- Foi a mesma magia que usou ontem enquanto brigava com seu amigo loiro?
Rony ficou muito sem graça ao lembrar do episódio passado, mas em seguida resmungou, indignado:
- Foi... mas aquele loiro não é meu amigo!
A jovem suspirou, começando a se cansar de tanta confusão, puxou-o pelo braço e o arrastou em direção à casa, enquanto resmungava, sem conter o riso:
- Pare de aprontar, por favor! Vai arranjar confusão!
- Desculpe... Não achei que faria mal...
Quando estavam no meio da rua, na direção de uma das vielas que levavam para a mansão, alguns homens vieram berrando do outro lado da estrada, em árabe. O casal se apavorou:
- Que está havendo? – perguntou Rony.
- Ah, não... – gemeu Kione.
Nessa hora uma correria louca começou. Pedestres fugindo, homens retirando suas varinhas, espadas e algumas armas de fogo trouxas se preparavam para um ataque. Rony não entendeu o que estava havendo, até, da curva do outro lado da estrada, que vinha da entrada da cidade, ver um único homem de negro, no seu cavalo também negro, galopando, levantando poeira.
- Templário Giafar! – berravam os homens.
A espinha de Kione gelou:
- Vamos embora, Rony!
- Ele é... – murmurou Rony, olhando fixamente o cavaleiro. – é aquele cavaleiro que nos atacou na vinda pra cá!... Ele é...
- Ele é perigoso, Rony! – murmurou a escrava, ainda puxando-o, tentando fazê-lo sair da confusão. - Quando se menos espera ele surge como um espectro, um demônio, um animal endoidecido, destruindo tudo em sua frente!
- Mas se ele é mesmo um templário... ele não seria... um daqueles cavaleiros que vocês falaram, de Theron?
Rony não obteve resposta, porque dois outros cavaleiros de negro vinham pelo mesmo caminho do primeiro, com as douradas espadas em punho, matando facilmente quem se colocasse a frente.
- Aïsha! – disse Sirius em voz alta.
A escadaria apareceu diante do painel. Lupin respirou fundo.
- Bem... está aí a entrada. Descendo...
Sirius e Lupin desceram as escadas, seguidos por Gina e Draco, e, por fim, Snape. Desceram durante um longo tempo, dando voltas. Parecia não ter fim. Até que chegaram num estreito salão, com duas tochas de fogo de cada lado de um gigantesco portal de pedra, com um dragão talhado e estilizado na frente.
- Sim, é aqui. – disse Lupin. – Bem vindos ao Templo Sagrado Perdido...
- Do fogo e do gelo. – completou Snape, olhando os símbolos em volta do dragão. – Sim, dois pares de espadas. Fogo e gelo.
Sirius chegou na frente do portão e forçou para abri-lo, sem sucesso.
- Não dou sorte com portas. – resmungou.
- Ela abre para as laterais. – observou Lupin. – Não temos tempo, rápido.
Lupin e Sirius agarraram-se à fenda do centro do portão como puderam e fizeram força para abrir. Era muito, muito pesado.
Mas mesmo pesando muito, o portão fez um grande barulho e deslizou sem dificuldade. Os bruxos se afastaram ao ver a fenda se abrir. Foi como se um dragão desse um urro. O portão abriu-se, fazendo uma nuvem de pó vir na direção deles.
- Os escudos! – ordenou Sirius.
Todos empunharam as varinhas e fizeram um escudo circular que os protegiam da fumaça, com medo de ser algum feitiço. O portão se abriu completamente, e a escuridão era a única coisa que havia do outro lado.
- Bem, vamos com calma. – disse Lupin. Os bruxos se aproximaram juntos e, ao porem os pé dentro do templo, inúmeras tochas de fogo se acenderam, flutuando no lugar.
Era um grande e alto salão egípcio. Cheio de areia, com colunas grandes, as paredes cheias de hieróglifos, desenhos, alto-relevo. Mas nenhum sinal de vida. Nem sequer uma aranha, uma mosca. Completamente silencioso e desértico.
Ao fundo havia mais uma escada, mas dessa vez era larga e só descia para um salão mais baixo. Ao pararem na frente dele, observaram que agora havia mais um detalhe na arquitetura: caveiras talhadas nas pedras, e muitos esqueletos de soldados egípcios estavam jogados nos cantos das paredes. Deviam ser quase cinqüenta..
- Bela decoração. – gemeu Gina.
- Bem... eles devem ter um bom motivo para is...
Lupin não terminou. Um portão de pedra desceu até o chão, fazendo um grande estrondo, fechando-os dentro da câmara. Draco quase pulou no colo de Snape.
- É. - comentou Sirius. - Eles têm MESMO um bom motivo...
Na parede da frente apareceu um grande crânio esculpido. Ele abriu a boca e dele saiu, pela parede, o que parecia ser um fantasma egípcio. Um rapaz jovem, de saia branca, cordão de ouro, cabelo chanel e os olhos pintados e puxados.
- Espero que não tenha parentesco com o Iolaus. – torceu Sirius. O garoto sorriu para os bruxos.
- Bem-vindos ao meu Templo Sagrado. Eu sou Ramsés.
Os bruxos se entreolharam, mas o garoto parecia inofensivo, e feliz com a visita.
- Por aqui! – puxou Kione, indo para uma estreita passagem do lugar. – Vamos sair do outro lado!
- Mas... e todas aquelas pessoas? Temos que ajudá-las!
- Não! Eles vão atacar qualquer um que tentar defender as pessoas!... Rony!
Rony havia se desvencilhado das mãos da escrava e entrava em outro corredor, correndo agachado:
- Eu não posso deixar isso acontecer! Faz parte do que eu aprendi como Auror Supremo, e não vou desrespeitar as regras!
- Espere, é perigoso!
Rony saiu numa rua paralela à praça onde os Templários lutavam, e correu pelo canto das casas até a esquina. Kione foi atrás dele, e agarrou-se à sua cintura:
- Por favor! – murmurou. – Eles vão matar você!
- ...Quem os está combatendo?
- São homens de Moredin... e também bandidos que passam por aqui.
- Que tipo de arma é aquela? – perguntou, olhando um homem que sacava um velho revolver, mas era abatido por um dos cavaleiros.
- É uma arma de fogo... Alguns bruxos bandoleiros as usam por andarem muito no mundo trouxa. São objetos enfeitiçados para que possam ser usados aqui...
Rony fez um "hum" e correu ao ver uma mulher com uma criança de colo desesperada para fugir. Um dos Templários veio correndo em seu encalço e, ao ver a mulher se abrigar atrás de um bandido, sacou a espada dourada e o executou. No instante seguinte ele recebia um ataque no lado da cabeça, fazendo-o cair do cavalo. Rony, que havia lançado o feitiço, se aproximou da mulher, perguntando se estavam bem. Kione também se aproximou, e disse para a mulher se afastar.
O Templário se ergueu, zonzo. Rony sacou a espada e apontou para ele. Era um jovem com um lenço na cabeça e muitos brincos e piercings de ouro no rosto. Olhou Rony aparentemente indignado com a atitude dele.
- Não vou deixar você atacar gente inocente! – berrou Rony.
O cavaleiro olhou Kione, com olhos arregalados. Kione se encolheu e o ruivo mandou-a fugir. O cavaleiro sacou a espada e o atacou.
- Vá para um lugar seguro! – berrou Rony. Kione parecia com medo de fugir.
- Não... Não vou deixar você aqui!
- Fuja logo! – gritou de novo, defendendo dos poderosos ataques do jovem Templário.
- ...
- CORRA!
Kione respirou fundo, deu as costas e correu. Foi quando, da poeira da batalha, surgiu o imponente cavalo do Templário Giafar, galopando feroz. Kione freou bruscamente, enquanto o cavalo também freava e se empinava. Dois homens vinham no encalço do cavaleiro, que direcionou o cavalo na direção deles, o fez disparar correndo e saltou ao chão, fazendo os dois trombarem contra o forte peito negro e serem atropelados pelo animal. Kione aproveitou que o cavaleiro olhava o estrago feito e disparou pelo fino corredor. Mas em pouco tempo ela escutou um grande estrondo e olhou para trás. Lá estava novamente o Templário, galopando pelo corredor estreito, em seu cavalo negro, e disposto a alcançá-la, pelo que parecia.
Correndo loucamente pelo labirinto de ruas, Kione saltava balaios, desviava de roupas no varal, empurrava pedaços de pau no caminho, mas nada detinha o grande cavaleiro negro. Ao mesmo tempo em que se desesperava ao senti-lo tão perto, imaginava se Rony estava bem. Viu a luz vinda de uma clareira entre as casas, que dava acesso direto à praça principal. Ainda correndo, saltou sobre um caixote na saída do corredor, mas ao pôr os pés no chão e erguer o corpo para novamente correr sua sandália dobrou-se na pressa, fazendo-a perder repentinamente o equilíbrio.
Ela caiu no chão, levantando poeira, e se pôs de joelhos, gelando completamente ao escutar o barulho do cavalo do Templário saltar do corredor para onde ela estava. Kione virou-se de frente e foi se arrastando de costas até parar na parede oposta. O cavaleiro bateu os calcanhares no cavalo agitado e andou na direção da jovem. Imediatamente, um grande estouro jogou Giafar de costas no chão, fazendo o cavalo fugir assustado. De uma janela ao lado de Kione, um dos homens que trabalhava para Moredin saía, com uma grande espingarda fumegando nas mãos. Kione se ergueu, ofegante.
O homem não se aproximou do corpo do cavaleiro, mas o barulho da confusão tinha diminuído. Kione respirou fundo, olhando o corpo que jazia a metros de distância. O empregado de Moredin cuspiu no chão:
- Maldito Templário Giafar. Vá arder no inferno! – e virou-se para Kione. – O que faz aqui, escrava?
Kione deu as costas para o corpo do Templário e olhou o empregado:
- Estava só... acompanhando um dos clientes do meu senhor, mas nessa confusão...
- Não é de seu direito andar sozinha sem o senhor More...
O homem se calou. Kione não entendeu. O olhar dele se arregalou, e ele imediatamente começou a gaguejar, se afastando. Ela não entendeu, até olhar para trás. Os dedos da mão e os pés de Giafar se mexiam.
- O que...
O Templário, atordoado, se ergueu, balançando a cabeça. Olhou para Kione e o homem, com seus profundos olhos vermelhos. O pano negro ainda estava sobre sua boca, mas, acima dos olhos, o grande rombo feito pelo tiro permanecia aberto, com o sangue, o osso do crânio e todo seu conteúdo à mostra, como uma romã aberta empapada de sangue. Kione sentiu o estômago embrulhar. O homem gaguejou:
- É... um demônio!
O Templário fechou os olhos com força e imediatamente vários pequenos vermes amarelados trançaram pela sua cabeça aberta, fazendo, em poucos segundos, o ferimento desaparecer e sua testa voltar ao normal, como se nada tivesse acontecido.
- Demônio dos infernos! – berrou o homem, avançando. – Volte para o mundo de onde...
Com apenas um movimento brusco, Giafar cortou o empregado de Moredin ao meio, fazendo seu corpo cair ao chão, levantando poeira. O Templário voltou a andar até Kione, olhando-a fixamente, furioso.
- Pode parar por aí, senhor cavaleiro!
Os dois olharam para o lado e viram Rony, apontando a espada para ele sem medo. Kione correu até Rony, empurrando-o:
- VAMOS EMBORA! – gritou, agonizada.
O Templário olhou Rony sem medo algum, e foi em sua direção, parando a alguns passos.
- VOCÊ NÃO VAI MACHUCAR A KIONE! – berrou Rony.
Enquanto isto os outros cavaleiros chegaram até eles, carregando junto o cavalo do líder. Kione apertou a cintura de Rony com força.
- Por favor... não os provoque...
Rony olhava os cavaleiros seguro de que atacaria. Eles, por sua vez, se olharam, olharam o casal, sem parecerem interessados em feri-los.
Até o líder de negro olhar de Rony para Kione, e dar as costas, dizendo algo para os outros e subindo em seu cavalo. Os três ainda olharam o casal antes de se afastarem, galopando e desaparecendo com a mesma rapidez que surgiram. Instantes depois, com a poeira baixa, eles se olharam:
- O que esses cavaleiros queriam? – perguntou Rony. – Eu percebi... eles só atacam... os homens de Moredin e os bandidos.
- Não sei – suspirou Kione. – Talvez tenham medo de que descubram Theron...
- Mas essa cidade já não desapareceu? Vocês precisam decidir que história contam, e em que lenda acreditam, sabia?
- Não, sei, Rony... Não entendo... mas eles... são imortais.
- Imortais? – perguntou Rony.
- Ou não, não sei, foi estranho... Ele levou um tiro na cabeça, caiu morto... No instante seguinte estava de pé, sem sinal de ferimento.
- Puxa... – espantou-se Rony. – Bom... seja lá o que eles querem... não parecem dispostos a machucar inocentes.
Kione suspirou, olhando o chão. Rony sorriu:
- E aí? Vamos pra casa? Depois de toda essa ação... preciso descansar!
A escrava confirmou com a cabeça, suspirando aliviada.
