N.A 1 terminada a nova seqüência, a história volta ao ponto em que estava. Esse capítulo tem basicamente só Rony e Kione, mas, como quem já leu sabe, terminada essa parte mais "sossegada" a ação rola solta no templo do Fogo pelo menos nos próximos 3 capítulos, e os shippers D/G, em especial, fazem a festa.

ESPADA DOS DEUSES
EPISÓDIO III: SAARA



--Capítulo 36—

Lábios Sagrados

Ao chegarem na porta da mansão, Kione olhou Rony, tranqüila, e disse docemente:

- Obrigada pela ajuda, pelo passeio e pelo presente. – e em seguida tomou coragem para lhe dar um beijo na bochecha, por cima do véu. Rony não pareceu se importar.

- Foi... um prazer.

Kione foi direto para a cozinha, enquanto Rony subiu para o quarto descansar. Nura entrou preocupada.

- Olá, Nura. – disse Kione, sorrindo. – Onde esteve?... Que cara é essa?

Nura não respondeu. O pânico de sua expressão foi revelado logo em seguida. Moredin estava atrás dela, os braços pra trás e uma expressão nada feliz. Kione sentiu o corpo gelar.

- Senhor... meu senh...

- Você anda desobediente, Kione. – rosnou Moredin, como um trovão. Kione olhou Nura, e ela balançou a cabeça devagar, os olhos brilhando. Alguém a viu com Rony e contou para Moredin. – Você saiu... saiu com o estrangeiro... como sua companhia. Conversou com ele. Sorriu com ele. Você...

- Eu... – gaguejou. – Eu só... estava...

- CALE A BOCA! – berrou, agarrando-a pelo braço. No outro, o chicote de couro.

- Senhor... por favor...

- FORA, AGORA! – e a jogou para o meio do pátio.

Rony, que tinha acabado de se jogar na cama, deu um pulo com o grito de Moredin. Correu para a janela ver o que estava acontecendo.

- Por Alá, tenha piedade da pureza de Kione... – Nura, as mãos juntas como se implorasse, não terminou de falar, porque Moredin lhe dava um tapa com as costas da mão que seguravam o chicote.

- PARA DENTRO, SUA VELHA ENCRENQUEIRA!

Kione se ergueu, mas ao se pôr de pé levou a primeira chicotada, e caiu de joelhos. Enquanto a dor se espalhava pelo corpo novamente ela sentiu que havia cortado a sobrancelha no chão de pedra.

- Senhor Moredin, tenha piedade da... – Nura levou dessa vez um chute, caindo nas escadas.

A surra continuou. Kione mais uma vez sentia o chicote cantar e atingir seu corpo inteiro, a dor se espalhando, as costas da roupa se rasgando e se sujando do sangue das feridas. Moredin estava realmente furioso, de verdade. Já estava quase perdendo os sentidos, sem saber onde estava, como sempre acontecia quando ela tentava suportar a dor e não começar a gritar. O chicote cantava sem parar. Até que, de repente, ele parou. Com dificuldade, Kione abriu os olhos e olhou por detrás do ombro, sentindo os cortes do chicote começarem a latejar. Moredin não tinha terminado de lhe bater: alguém o havia detido. Era Rony. Ele agarrara o chicote no ar, e o olhava carregado de ódio. Parecia que um calor infernal saia de seu corpo. O ruivo estava quase ardendo em chamas.

- Se você encostar UM DEDO na Kione de novo, eu acabo com a sua raça. – rosnou entre os dentes.

Moredin desmontou. A expressão de valente murchou e ele olhava incrédulo para Rony. Ao ver que o poderoso comerciante tinha se acovardado, Rony puxou o chicote para sua mão, sem tirar os olhos do homem.

- Fui claro?... – perguntou. Em seguida, jogou o chicote de lado, no chão, que pegou fogo imediatamente, ardeu durante poucos segundos e se transformou em cinzas ao tocar o chão do pátio.

- Homem... você é um covarde. Um covarde que não tem medo de enfrentar alguém que possa revidar. Você é da pior espécie. Se acha machão para bater em alguém como a Kione, que não vai reagir... mas não passa de um bundão. – rosnou entre os dentes, quase cuspindo na cara de Moredin.

Nura se levantou, chocada. Kione também estava chocada demais pra se mover. Moredin encrespou os bigodes.

- Eu... – murmurou Kione, do chão, choramingando. – desobedeci meu senhor... por isso... mereço...

- Não merece nada. – disse Rony, sem tirar os olhos de Moredin. – Nada justifica uma monstruosidade dessas.

Ele, sem dizer nada, olhou Nura e disse alguma coisa em árabe. Ela imediatamente foi até Kione. Rony continuou olhando Moredin, esperando ele sair. Depois foi até Kione, e se agachou.

- Meu Deus... esse Moredin... ele...

- Não se preocupe comigo. – disse Kione, tomando fôlego. – Deixe Nura cuidar de mim. Ficarei bem. Sempre fico bem.

- ...Sempre fica bem?

Kione sentou no chão, respirando aparentemente aliviada. Por mais que seus ferimentos doessem, a surra não tinha sido um terço do que costumava ser. Nura foi correndo para dentro da mansão e voltou rapidamente com os materiais que usava para curar Kione. Ali mesmo molhou um pano com um dos remédios e começou a passar de leve nas costas da escrava. Rony, agachado ao lado de Kione, estava chocado com as marcas fundas que cada chicotada deixava nas costas dela. O líquido que Nura passava fervia os machucados e os limpava, e fazia os arranhões menores sumirem. Ele imaginou quantas cicatrizes era teria nas costas, no corpo, se Nura não estivesse ali para curá-la com as mágicas e poções que sempre fazia.

Rony se levantou, decidido, e sacou a varinha, apontando para Kione. Nura começou a falar sem parar em árabe.

- O que... você vai fazer? – perguntou Kione.

- Vou apagar sua memória.... – disse, inconformado. - Você não merece lembrar disso. Vou fazer você esquecer das monstruosidades que Moredin fez pra você.

- ...Por quê? – perguntou, indignada.

- Porque você não merece, Kione, é lógico! Você é uma pessoa tão boa, tão doce, é revoltante o que esse homem fez com você. Vou apagar sua memória para nunca mais lembrar do que sofreu com esse porco asqueroso.

Kione na mesma hora agarrou a varinha de Rony, que não entendeu sua atitude. Nura olhava aflita.

- Não. Por favor... – murmurou, olhando Rony fixamente.

- N... não? P... por quê?

- Não quero esquecer. Não quero esquecer o que sofri com Moredin. Não quero esquecer que existem homens maus, porque... só assim eu darei o verdadeiro valor aos homens bons. Só assim continuarei dando valor a pessoas... como você.

Rony ficou sem palavras. Abaixou a varinha, ainda olhando a jovem.

- ... Mas...

- Eu lhe imploro... Se eu esquecer o que sofri... não saberei dar valor ao que eu porventura receber de bom. O mundo é feito de pessoas boas e más. Não quero esquecer disso jamais.

Nura, choramingando, praticamente pegou Kione no colo e a levou para dentro. Rony continuou parado no mesmo lugar, sem reação.

Já no quarto de Kione, Nura terminava de cicatrizar as feridas. A senhora lhe deu uma taça com um liquido verde e gasoso, que feza jovem ficar mole e sonolenta. Ajeitou a garota nas colchas e sorriu.

- Você vai dormir algumas horas, só para passar toda essa... excitação, desde quando aconteceu aquilo na praça. Vai relaxar.

- Nura... – murmurou Kione, com os olhos já pesando. – O que... está... acontecendo...?

- Os deuses estão trabalhando, meu doce...

- Deuses? Trabalhando?

- Acredita em mim, agora?

- O... Cavaleiro do Fogo...

- Que tem? – perguntou, sorrindo, já sabendo a resposta.

- Será... que... é ele?

- O que seu coração diz, Kione?

- Eu tinha tanto medo, mas agora...

- Ramis... peraí, Ramsés não era um faraó? – cochichou Gina, olhando os professores.

- Sou descendente direto dele. – disse o garoto fantasma, olhando Gina. – Eu sou o bruxo que construiu esse Templo há muitos séculos para proteger as Espadas Sagradas. É a elas que vocês procuram?

- Sim. – respondeu Sirius. – Estamos atrás delas e da Espada dos Deuses – o fantasma estreitou os olhos ao escutar o nome. – para que possamos deixá-las num lugar seguro. Existe um terrível bruxo das trevas que quer a Espada. Não podemos deixar que ele a pegue, ou nosso mundo estará condenado.

O egípcio começou a andar pela câmara, as mãos para trás.

- Ah... isso é um problema. Lembro-me bem do trabalho que foi quando tivemos de recuperar a Espada das mãos de Litth. Como posso ter certeza de que não estão mentindo pra mim?

- Enfrentamos o bruxo no Templo Sagrado das Trevas. – o menino ergueu as sobrancelhas ao ver a espada na cintura de Sirius. – Estamos com as espadas das Trevas, mas a Espada dos Deuses desapareceu.

- Hum... tudo bem. Acredito em vocês.

Os bruxos se olharam sorrindo. O menino deu as costas e voltou calmamente para a boca do crânio.

- Vai nos deixar levar as espadas? – perguntou Lupin, aliviado. – Quer dizer... Onde elas estão?

- Ah... – disse brandamente. – Vocês terão de procurá-las.

Naquela hora um barulhinho de ossos batendo encheu o salão. Gina e Draco engoliram em seco e olharam para o lado. Eram os esqueletos, que agora estavam de pé, com as espadas, os escudos e os capacetes de ouro no lugar, prontos para atacar.

- Oh-oh... – murmurou Gina, encolhendo-se atrás de Lupin. Draco ficou tão branco quanto talco.

- Espere! – berrou Sirius. – Você não disse que... poderíamos buscá-las?

- Poder, podem, claro. – disse, naturalmente antes de desaparecer. – Mas se vocês não derem conta de sobreviver aos perigos e armadilhas desse Templo... é porque não eram dignos das Espadas Sagradas. Isso é apenas... um teste. Boa sorte.

Ramsés desapareceu, e os esqueletos cercaram os bruxos.

- Muito bom. – disse Sirius, sorrindo amarelo. – REALMENTE MUITO BOM! Alguma sugestão, Remo?

- Bem...

- Incendio! – disse Snape, com a voz alta. Uma rajada de fogo saiu de sua varinha e pulverizou um esqueleto. – Vamos atacar, o que mais?

E foi a saída. Os esqueletos atacavam, os bruxos se defendiam como podiam, com as espadas para defender e a varinha para usar o Incendio, o único feitiço que parecia funcionar contra os esqueletos, que ao serem desmontados pelas lâminas das espadas se montavam de novo em segundos.

Lupin sacou a espada e foi desmontando os esqueletos, que eram incendiados por Sirius logo em seguida. Gina foi encurralada num canto por seis deles.

- Gina! Cuidado! – berrou Lupin.

- Ah, droga... – Gina respirou fundo, cravou a espada no chão e deixou a varinha cair, esticando as mãos com as palmas abertas na frente dos esqueletos. – Tomem isso, feiosos! Incendio!

O feitiço Incendio foi formidável. De cada palma de sua mão saiu uma esfera de fogo, e com seis movimentos com as mãos ela fez quase instantaneamente seis esferas, pulverizando os esqueletos. Mas pareceu ficar muito zonza com o ataque.

- Você ainda não está pronta para isso! – ralhou Lupin, parando na frente dela a tempo de segurá-la pelo braço.

- Eu... não sei... fazer um battoujutsu direito. – respirou fundo. – Só ele dá conta de derrubar mais de um inimigo com a espada...

- Bem... fique perto da gente. Até se recuperar.

Draco deu uma risadinha de desdém. Snape, ao seu lado, guardava a espada.

- Do que está rindo, Malfoy? Você mal dá conta de um Expelliarmus. Guarde sua arrogância para quando você estiver fazendo algo de útil.

Terminada a 'faxina' e o crânio da parede dessa vez exibiu mais uma porta.

- Acho que não temos escolha, não?

Sem saída, eles desceram mais uma escadaria. Dessa vez vários esqueletos caíram de buracos do teto. Algum deles eram bichos muito estranhos. Ainda tinham a pele seca, grudada ao corpo, andavam curvados, tinham dentes afiados, menos de um metro e meio de altura e uma cauda que lembrava a de um escorpião.

- Eita bicho feio... – resmungou Sirius, sacando a espada. Tentou atacar um deles, mas o bicho saltou com facilidade e deu uma rabada em cheio na cara de Sirius, jogando-o no canto.

- Feiúra não é documento. – sorriu Snape, cínico. – Não vamos facilitar... Incendio!

Dois esqueletos foram atingidos, mas o esqueleto-escorpião saltou por cima dos dois em chamas e pousou no peito de Snape, pronto para cravar os dentes na cabeça dele. Não conseguiu porque Lupin sacou a espada e o decapitou.

- Ahm... – murmurou Snape, levantando-se – Obrigado.

- Agradeça depois. – disse Lupin, olhando o bicho, que ainda de pé tateava o chão desesperado procurando pela cabeça. – Draco! Não se afaste de Gina!

Draco estava se afastando de Gina, mas apesar de ter protestado, voltou a ficar ao lado dela, afinal, era mais seguro estar em mais de um.

- Bichos nojentos! – resmungou Sirius, pondo-se de pé. Um deles saltou e grudou nas suas costas, e levou uma cotovelada, caindo no chão. – Sai pra lá!

Lupin e Snape despedaçavam os esqueletos e os queimavam sem dó. Gina também. Draco uma vez ou outra usava um Incêndio.

- Porque você não ajuda, Malfoy?! – xingou Gina, que já estava muito cansada.

- Porque você me atrapalha! – resmungou. – Tendo que ficar com você eu não posso usar todo meu potencial porque...

Dois esqueletos-escorpião saltaram na frente dos dois e os chutaram ao mesmo tempo. Gina e Draco voaram uns bons três metros e caíram de costas, dando uma cambalhota para trás. Bateram as costas na parede, parando sentados, levantando poeira.

- Oh... belo... cof... potencial. – resmungou Gina.

Draco esticou a mão para esquerda e apoiou-se numa pedra em alto relevo para levantar. Mas quando fez força ela simplesmente entrou pra parede, como se tivesse ativado um botão. E tinha mesmo ativado. Gina e Draco se olharam, e no instante seguinte uma portinhola atrás deles abriu, e os dois caíram de costas numa espécie de alçapão. Ao sumirem de vista, deixando só um grito que diminuiu até silenciar, a portinhola se lacrou novamente, dessa vez deixando a parede lisa, sem qualquer sinal de passagem.

- Gina! Draco! – berrou Sirius, mandando mais um esqueleto pra parede.

- Ah, meu Pai... – gemeu Lupin, tentando se livrar dos esqueletos.

Snape notou que a porta de onde vieram estava aberta, na câmara do esqueleto.

- Vamos voltar! – berrou.

- NUNCA! – retrucou Sirius.

- Se não voltarmos agora estaremos encrencados! Não podemos fazer nada contra esse número de esqueletos! Enquanto temos tempo, vamos voltar!

Lupin olhou Snape, depois olhou Sirius. Eles já estavam suados de tanto lutarem e enfeitiçarem os esqueletos, que pareciam se multiplicar, e suas energias estavam se esgotando rapidamente.

- Snape tem razão, Sirius! Vamos, depois nós voltamos! Os meninos sabem se cuidar!

Sirius não teve escolha. Os três se uniram e bateram em retirada. Estranhamente os portões se abriram para o trio, e quando chegaram ao ar livre se impressionaram em ver que já estava no início do pôr-do-sol. Pegaram seus tapetes voadores e zuniram para Morada do Sol.

O sol que ia embora tingiu de laranja e vermelho toda a cidade. No terraço da mansão de Moredin, Kione mais uma vez 'meditava' na direção do sol, os olhos fechados e muito calma.

Já não haviam sequer sinais das chibatadas, curadas por Nura. De banho tomado, Kione apenas se perdia em pensamentos, sentindo a brisa vinda do deserto. Aliás, sequer havia sinal de Moredin, que teve de engolir as ameaças de Rony e partir apressadamente com sua caravana para uma outra cidade buscar mercadorias, por causa do estrago feito pelos Templários em sua visita. Kione cantava uma musica melódica e doce, bem baixinho, quase sussurrando. Rony, que estava procurando por ela, veio muito devagar, tentando não fazer barulho. Mas pisou em um caco de vaso de cerâmica e ele fez CRAC, 'acordando' Kione.

- Ah... Desculpe, desculpe. – disse, envergonhado. – Não queria... atrapalhar.

- Não se preocupe. – disse. – Não está me atrapalhando.

Kione levantou-se e foi até Rony. Parou e ficou olhando para ele.

- Você... está melhor? – perguntou.

Ela fez que sim com a cabeça.

- Não... está mais doendo, está?

Ela fez que não com a cabeça. Que saco, pensou Rony. Onde estava toda aquela coragem na hora que enfrentou Moredin? Tinha sumido. As pernas queriam tremer. O inglês queria pular do terraço para não passar vergonha na frente dela. Se não conseguiria ficar sozinho com ela, porque se metia nessas enrascadas?

- Obrigada. – disse Kione. Rony ergueu os olhos. – Por ter... enfrentado... o meu... senhor.

- Não precisa chamar ele de senhor perto de mim. Eu sei que você é escrava dele, mas... não quero que você se inferiorize, não perto de mim, porque eu acho que você não merece.

- Por quê? – perguntou, de repente, baixando os olhos. – Por que... você faz isso por mim? O que fiz para merecer isso de alguém como você?

- Nada. – respondeu Rony, rápido. – Você não fez nada. Eu só... eu só faço isso porque... porque...

Rony ficou com medo das pernas começarem a tremer a ponto dela perceber, já que estava de cabeça baixa. Mas como estava preocupado em controlar as pernas, não percebeu direito o que falava.

- Por quê? Porque... eu gosto de você, Kione. De verdade... Do fundo do coração, eu não consigo parar de pensar em você um instante sequer...

Kione ergueu os olhos, e Rony não soube dizer se ela estava espantada ou não, já que ele só via seus olhos. Ela pareceu estar levemente chateada com alguma coisa.

- Eu também gosto de você. – foi o que ela disse. Rony finalmente fechou a boca, mas ergueu as sobrancelhas.

- Hum... gosta? – ele não estava ouvindo aquilo. Ou estava?

- Há muito tempo... Nura vem me contando sobre um sonho que ela teve. Eu nunca acreditei nele. Ela dizia que um dia apareceria um Cavaleiro do Fogo que viria... cuidar de mim... que iria me amar. E eu... acho que o Cavaleiro... é você.

Estava ouvindo sim. Muito bem, com todas as palavras. Rony sorriu um pouco aliviado, mas com o estômago ainda gelado e as pernas bambas.

- Mas eu me pergunto... – disse baixinho Kione, levantando os olhos para Rony. – Será que vale a pena seguir esse sonho? Eu penso... Será que vale a pena você se arriscar?

- E... Eu? – sorriu Rony, quase em êxtase. – Por que você insiste em pensar em mim? Eu estou aqui, eu... faria qualquer coisa... por você. Eu me arriscaria a qualquer coisa se pudesse... só ficar do seu lado... Ver você resmungar, ver você dançar...

Kione o olhou demoradamente. Rony sorria levemente nervoso.

- Você diz a verdade? – perguntou, com um pingo de esperança.

- Do fundo do coração. – respondeu.

Mais alguns instantes. O sol cada vez mais se escondia no horizonte, pintando a cidade de bronze. Kione pôs a mão na orelha e puxou o seu véu, retirando-o completamente. Passou a mão pelos cabelos negros e balançou a cabeça para soltá-los do tecido da burca. Ela agora estava 'nua', dos ombros para cima. Quando abriu os olhos viu Rony mais uma vez boquiaberto. Kione deu um longo suspiro como se tentasse não se arrepender do que tinha feito. Abriu um doce sorriso. Agora Rony queria se jogar do terraço. Ela conseguia ser mais bonita do que ele poderia imaginar. Era uma beleza completamente diferente da que ele via nas garotas da sua terra. Ele estava sonhando, só podia. Para a cultura do lugar, Kione lhe mostrar o rosto era a mesma coisa que uma garota de Hogwarts arrancar a roupa e ficar peladinha na sua frente. Era um sonho mesmo, Fred e Jorge iam lhe acordar dali a pouco. Era só questão de tempo.

- Há muito tempo... – começou Kione, olhando Rony fixamente, com os olhos brilhando. – eu conheci um garoto por quem eu me apaixonei, e... eu sofri muito com as conseqüências disso. E desde então me proibi de amar qualquer homem, mas agora...

Rony piscou olhando Kione. O jovem achou que, se ela continuasse a frase, ele desmaiaria.

- Você sempre quis me ver sem o véu. – disse, sorrindo, mudando de assunto. – ... Espero que você saiba... os riscos que estamos correndo. Espero que Alá esteja do nosso lado, não?

- N... Não, ele vai estar, pode acreditar – disse depressa, balançando a cabeça. – Eu só acho que... que... que...

Kione estava perto. Muito perto. Ela pousou delicadamente as mãos no peito de Rony e tombou a cabeça de leve, fechando os olhos e lhe dando um beijo. Ele soltou um longo suspiro, enquanto ela deslizava as mãos para seu pescoço, lhe abraçando e lhe beijando com mais paixão. Ele estava mais uma vez ficando levemente entorpecido com o seu doce perfume, exatamente como quando a viu dançando. Não tinha mais como fugir, e mesmo que quisesse sair dali alguma coisa o impedia de fazê-lo. Rony abraçou a cintura dela não para passar a idéia de que tinha tudo sob controle, mas sim para evitar que as suas pernas amolecessem de vez e ele desmontasse nos braços dela. Os dedos de Kione correram para o rosto de Rony quando ela afastou a boca, mas ainda deixando a ponta do nariz colada na dele. Deu uma leve risada, provavelmente divertindo-se com o tamanho de sua ousadia. Rony, abriu os olhos, meio mole. Ela virou o rosto e lhe deu mais um beijo, antes de afastar o rosto por completo e assim voltarem a realidade.

Rony respirou fundo, enquanto Kione sorriu e disse alguma coisa bem baixinho, em árabe.

- Você não está me xingando, está?- perguntou Rony, passando a mão atrás da orelha e arrumando o cabelo. Ela sorriu e fez que não com a cabeça. Ele a abraçou, dizendo. – Que bom... Eu quero que você se sinta uma rainha, quando estiver ao meu lado. – Kione deu um risadinha abafada, escondendo o rosto no peito dele. – Que... foi? Foi muito cafona o que eu disse...?

Ela ergueu o olhar, sorrindo, e fez que não com a cabeça. Rony sorriu, satisfeito, e tomou coragem para beijar docemente seu rosto, e em seguida descer pelo seu pescoço. Era a primeira vez que Kione se sentia realmente feliz nos braços de um homem, e ela prometeu para si mesma que jamais iria sofrer de novo, porque agora tinha Rony junto dela. E isso lhe dava uma força inacreditável.

A noite avançava pela cidade, e Nura arrumava o jantar, sozinha, já que não havia quase ninguém em casa além dela, Kione, Rony e dois empregados que cuidavam dos camelos. Ela estava tranqüila remexendo a massa do pão quando Kione entrou na cozinha, as mãos na boca e um sorriso um tanto quanto sapeca no rosto completamente descoberto. Nura, ao vê-la, soltou um 'Oh' de exclamação e tratou de largar a massa do pão, indo até a jovem.

- Os deuses que me abençoam e me trazem você com este iluminado sorriso... – derreteu-se a mulher. – O que houve? Agora entende que meu sonho não mentia?... O que...

Kione mordeu a boca, como se tivesse um pouco de medo de dizer, mas com um largo sorriso.

- Nura, eu... eu o beijei.

Nura parou e ficou olhando Kione, abrindo um surpreso sorriso. A garota pareceu sem saber o que fazer ao certo, um misto de emoções dentro dela, excitação, ansiedade, felicidade, tudo junto. Ela não parecia acreditar muito bem.

- Por Alá, Nura! – exclamou, quase aflita. – Eu... o beijei, de verdade, e foi tão... tão... – a mulher sorriu satisfeita ao vê-la tão feliz. – Foi... diferente... Eu nunca senti aquilo antes, era alguma coisa... Parecia que não ia me deixar parar, quer dizer, eu não queria parar, mas, ao mesmo tempo eu...

- Acalme-se, menina, acalme-se. – riu Nura, balançando as mãos. – Não precisa me contar. Guarde para você, será melhor. Ouviu o que eu disse, Kione?

Naquele momento, Rony apareceu na cozinha. Ao vê-lo, Kione chegou para o lado. Rony sorriu e pôs a mão no ombro dela, mas ao olhar Nura...

- Ahm... Oi, tia gorda.

Nura se rompeu em lágrimas de felicidade, ergueu as mãos pro alto e correu até Rony, mais uma vez gritando e cantando sem parar para respirar.

- Mas o que foi que... – perguntou, assustado.

- Ela... só está feliz. – sorriu Kione.

- Nooossa... – exclamou Rony, sorrindo torto, olhando a velha.

- Nura, pare, pode parar, está assustando-o!

Nura parou, agarrada às mãos de Rony e beijando-as sem parar.

- Abençoado seja Alá que lhe mandou para cuidar da minha menina...

Um tranco no salão principal fez os três darem um salto e correrem para ver o que havia acontecido. Eram Sirius, Lupin, e Snape, que acabavam de chegar, ofegantes e sujos de pó. Rony sentiu o estômago gelar, numa sensação desagradável.

- O que houve? – perguntou. Procurou por Gina. – Onde está... a Gina? Aconteceu alguma coisa?

Sirius balançou a cabeça, tentando amenizar a chegada barulhenta.

- Um pouco de água para nós, estamos cansados. O Templo está enfeitiçado. Gina e Draco... ficaram presos.

- Ficaram O QUÊ?

- Rony, acalme-se. – pediu Lupin.

- CALMO? Vocês... minha irmã! O que aconteceu de mal com ela?

- Não aconteceu nada, Weasley. – rosnou Snape, respirando fundo. – Fomos atacados por esqueletos vivos.

- Es... Esqueletos vivos?

- Malfoy e sua irmã caíram em uma espécie de câmara.

- Caíram? Câmara?

- Tivemos de sair de lá para deixá-los em segurança.

- Deixar em...?

- Rony! – disse Sirius, alto. – Escute... Deixar o Templo aberto, com a senha Aïsha, lembra? Isso ativava as armadilhas. Ao lacrar o painel as armadilhas paravam de funcionar. Viemos buscar ajuda, enquanto Gina e Draco ficam seguros lá.

Rony deu um passo, como se fosse sair da mansão. Kione o agarrou pelo braço:

- Espere! Escute as palavras de seus mestres. Eles estão certos, Rony. O Templo quando lacrado não oferece perigo. É imprudente ir lá agora.

- Mas...

- Verdade, Rony. – disse Lupin. – Voltaremos assim que o primeiro raio de sol aparecer. Iremos trazer os dois e as espadas. Mas agora não podemos fazer nada.

Rony engoliu em seco. Nura veio com a jarra de água, servir para os bruxos. Alguns instantes de silêncio. Se o templo estava lacrado, Gina não corria perigo. O chato era Malfoy junto dela. O loiro poderia muito bem dar um jeito de se livrar da garota para se salvar. Por fim se deu por vencido:

- Então, se vocês dizem... irei com vocês amanhã.

Os bruxos concordaram com a cabeça. No horizonte da noite desértica, o Templário Giafar observava Morada do Sol, serenamente. Um segundo cavaleiro, de olhos fechados, se aproximou:

- Mestre Anii... boas novas de Theron.

- Está começando, Zen, meu irmão. – suspirou o líder.

- Está.

Giafar respirou fundo e disse pausadamente, em voz alta:

- Às armas!

Do outro lado da grande duna, como se viessem da escuridão, outros 11 cavaleiros de negro se apresentavam ao lado dos Templários Zen e Giafar.

O cavaleiro de negro líder deu um sorriso e ordenou que recuassem, e em seguida os treze, dessa vez juntos, sumiram nas areias do deserto.