N.A 1 Alguém aí já assistiu A Paixão de Cristo, dirigido pelo Mel Gibson? Aquela cena de tortura com chicote em Jesus parece muito com as surras que eu imagino que a Kione leva. Estão mais ou menos na mesma região, e os dois pagam por não fazerem mal a ninguém. Aliás, desviando do assunto fanfic, vocês deveriam assistir, mesmo que sejam "fracos pra filmes cruéis" ou não sejam cristãos. É um filme que não tem nada de belo, é verdade, mas que passa muitas mensagens fundamentais pra a gente. Esse filme é uma das poucas e boas oportunidades que o cinema nos oferece. Não a perca.
ESPADA DOS
DEUSES
EPISÓDIO III: SAARA
--Capítulo 38—
Fogo e Gelo
Giafar andava em círculos, girando a espada com uma das mãos, muito calmo. Sirius e Snape estavam em posição de defesa.
- Esse cara é um babacão... – resmungava Sirius. – Éstá tão confiante... olha como está aberto. Qualquer ataque e...
- Talvez esteja esperando nós atacarmos com as espadas. – murmurou Snape, sem olhar Sirius. – Talvez se nós...
Sirius ficou em silêncio. Seria uma boa idéia atacarem com as varinhas, surpreendendo-o. Só podia ser essa a idéia de Snape.
- Você quer dizer... talvez ele não espera que nós ataquemos com as varinhas?
Snape fez que sim com a cabeça.
- Isso mesmo.
- Certo.
Os dois deram uma endireitada na postura. Giafar continuava andando em círculos, sorrindo. Sirius e Snape viraram o corpo e esticaram as espadas, e discretamente levaram a outra mão na parte posterior da cintura, para pegarem as varinhas. Ao porem as mãos nelas, as puxaram rapidamente.
- Flipp...
- Expelliarmus! – gritou Giafar, esticando bruscamente a mão direita na direção deles. Foi como se a magia deslocasse o ar. Os dois bruxos levaram um forte empurrão, as varinhas saíram de suas mãos e eles caíram de costas na areia.
Giafar não os esperou se apoiarem. Saltou com toda força, a espada erguida para um poderoso golpe. Sirius e Snape giraram o corpo na areia e se puseram de pé um centésimo de segundo antes do golpe certeiro de Giafar abrir uma fenda na areia, quebrando os blocos das ruínas que estavam mais abaixo. Ele se ergueu e já virou uma seqüência de ataques contra Sirius, que defendia dos golpes assustado. Snape foi quem teve tempo de respirar e ver o que acontecia. Giafar avançava e Sirius recuava. Ele tinha uma força tremenda.
Snape estreitou o olhar e atacou. Giafar virou-se, defendendo facilmente. Agora ele atacava Sirius e se defendia de Snape, girando velozmente. Os três espirravam areia e fagulhas de magias para todos os lados, ricocheteando nas ruínas. Sirius foi jogado de costas numa parede, e ele teve tempo de pôr um pé no peito de Giafar e empurrá-lo contra Snape, que tentou atacá-lo, mas o cavaleiro abaixou-se a ponto de fugir do ataque pondo as mãos no chão e girando.
- Esse rapaz é o capeta! – exclamou Sirius já ofegante, com alguns fios de cabelo grudados no suor do rosto.
Nessa hora Snape e Giafar faziam as lâminas das espadas se encontrarem. Giafar então virou uma joelhada na boca do estômago de Snape, com tamanha força que ele foi arremessado a uns três metros.
- A elite dos bruxos europeus não parece grande coisa. – sorriu Giafar, olhando Snape, que se levantava segurando o estômago de dor.
Sirius disparou contra Giafar um battoujutsu, que foi prontamente desviado. Em seguida ele desviou de um gatotsu de Snape, e de mais outro ataque de Sirius. Mas assim que desviou de mais um ataque de Snape, sentiu uma pancada no cotovelo, e deixou a espada escapar. Era Sirius, que pegava a cimitarra de ouro no ar e ia para longe do alcance dele.
- Oh, droga... – resmungou Giafar, parecendo surpreso, mas sem perder o ar de humor.
Snape aproveitou e atacou sem parar. Giafar desviava. Movia-se tão rápido quanto a lâmina da espada. Sirius então atacou, com um golpe diferente.
- Kaiten Kembu!
Snape saltou de costas no chão e por pouco não foi fatiado por Sirius, que desferiu dois golpes na diagonal com as duas espadas. Giafar saltou e desapareceu.
- Cadê...? – murmurou Sirius, ofegante, olhando para os lados. – Pra... onde... ele... foi? De... desaparatou?
Foi quando ele reparou que Snape olhava o céu, estático. Sirius resolveu olhar. E viu Giafar no ar, como se flutuasse, olhando os dois lá de cima, calmamente.
- Ele... levitou? – resmungou Sirius.
- Não... – gemeu Snape, se ponde de pé, sem tirar os olhos dele. – Ele... voou.
- Nenhum bruxo pode voar. – disse, convicto.
- ELE voa.
Os dois ficaram olhando Giafar, no alto, divertindo-se com a cara de espanto deles.
- Foi por pouco. – sorriu. – Dessa vez vocês quase me pegaram.
E desceu em linha reta, aterrissando suavemente no chão.
- Mas não vai acontecer de novo.
- Ah... seu...
Sirius atacou furioso. Giafar desviava sem problemas. Até que deu uma vacilada e a espada do inglês lhe raspou o rosto, fazendo-o saltar de novo para o ar.
- Desça aqui, seu... covarde! – esbravejou Sirius. – Não tem coragem para...
- Flippendo!
O ataque de Snape passou como um raio por Sirius e atingiu o rosto de Giafar, que se desequilibrou e caiu de costas na areia. Os dois aproveitaram para atacar. Giafar esticou mais uma vez as duas mãos e fez um flash branco cegá-los por alguns instantes, o suficiente para pegar de novo sua cimitarra e ir para o lado oposto.
- Afinal de contas o que você faz da vida, seu... – gemeu Sirius, esfregando os olhos. – Você quer evitar que nós coloquemos as mãos nas Espadas Mágicas, é? Pode tirar seu cavalinho da chuva, ninguém aqui vai desistir delas!
- Espadas Mágicas? – resmungou Giafar. - Ninguém precisa de Espadas Mágicas.
- Ah, não? Então o que é que Lorde Voldemort pode querer nesse cafundó?
- Voldemort? – perguntou Giafar, desfazendo a posição de ataque. – Quem é Voldemort?
- Não se faça de desentendido, seu cavaleiro de baixo escalão! – rosnou Snape. – Nós sabemos que vocês estão do lado de Lorde Voldemort para buscar a Espada dos Deuses e assim ter poder suficiente para reinar nos dois mundos.
- Não é nosso dever proteger a Espada dos Deuses. – disse Giafar, parecendo incomodado. – Nós somos os treze Cavaleiros Sagrados do Templo...
- Ora! – resmungou Sirius, pronto pra outro ataque. – E se são Cavaleiros Sagrados do Templo, fazem o quê, senão guardar as espadas?
- Somos os 13 Templários de Theron! – gritou Giafar, parecendo muito bravo. – Nosso único objetivo é proteger Theron e resgatar para nossa cidade a alma de...
- Do que você tá falando? – resmungou Snape. – Nosso único objetivo é pegar as espadas e sair daqui. Não temos nada a ver com Theron, ou seja lá o que for.
- Então porque protegem aqueles mercadores? – rosnou Giafar, apontando a cimitarra. Sirius tentou clareara mente. Guardou a espada e fez sinal que se acalmassem.
- Esperem, esperem. – pediu, confuso. – Então porque estamos lutando? Queremos as espadas, não queremos prejudicar Theron ou qualquer um que esteja lá. Do que você está falando? Mercadores?... Que mercadores?
Os três então ficaram em silêncio. Os outros cavaleiros assistiam. Giafar parecia estar confuso. Snape virou-se para Sirius.
- Ele acha que protegemos bandidos que provavelmente querem achar Theron e saquear a cidade da lenda. Aquele porco imundo do Moredin Ali... Ele e seu bando devem estar querendo mesmo as relíquias de Theron.
- Mored... – Sirius então chegou à resposta. – Moredin sabe que ao violarmos o Templo do Fogo, Theron estará desprotegida... e poderá ser encontrada... Mas nós não estamos sempre ao lado dele para proteger, então quem é que faria esse trabalh... Kione!
- ...Kione... – repetiu Snape. Os dois paraceram 'murchar'.
- Ela está sempre conosco. Nós sempre a protegemos. Rony está se envolvendo com ela! Isso quer dizer que... Moredin está... usando-a para nos...
- Uma escrava? Porque ele mandaria a escrava?
- Justamente por isso. Kione está fazendo o trabalho... de nos espionar e informar Moredin. Porque esses Templários achariam que...
- Kione está se rebelando, Sirius Black, não seja tá estúpido! – disse Snape, com um pouco de raiva. – Se a menina estivesse mesmo trabalhando para ele... ela não se envolveria tanto conosco.
- Talvez estivesse ganhando nossa confiança...
- A menina não tem nada a ver com as sujeiras de vocês! – urrou Giafar, apontando novamente a cimitarra.
- Hum? - resmungou Sirius, junto de Snape, olhando o cavaleiro. – Como não tem?
- Ela está com aquele garoto ruivo! Ela será executada em praça pública assim que Moredin chegar em Morada do Sol! Ele sabe de tudo que aconteceu!
- Como?
- Vocês foram encarregados de não permitir que nós chegássemos perto da garota o suficiente para...
- Kione não está conosco! – berrou Snape, ofendido. – Ela não veio, por acaso não notou?
- Ela ficou em Morada do Sol! – disse Sirius.
Giafar pareceu levar um balde de água fria. Olhou para trás. Os Cavaleiros se olhavam intrigados.
- O escaravelho! – berrou Giafar para um grandão. Do outro lado um magricela de turbante enfiou a mão numa sacola de pano apressado. Retirou o cordão de ouro com o escaravelho verde esmeralda que Giafar havia conseguido ao executar um bando de contrabandistas. Mas a jóia não estava verde, estava vermelha. Vermelho-sangue. Ele ficou pálido. – Pelos Deuses...
- Que houve? - perguntou Sirius, vendo que aquilo não era bom sinal. – Algum problema?
Giafar correu e saltou para a parte de cima de uma coluna, onde pegou sua túnica de cavaleiro e vestiu apressado, em seguida tratou de amarrar a espada de ouro na cintura.
- VAMOS! – berrou para os outros cavaleiros. – VAMOS RÁPIDO! NÃO PODEMOS DEIXAR QUE... RÁPIDO!!!!!!!!!!!!
Os cavaleiros ignoraram Sirius e Snape e saltaram para longe das ruínas. Uma ventania com areia começou, e dela surgiram vários cavalos negros. Mas Giafar não subiu em nenhum. Gritou que iria na frente, que todos deveriam segui-lo e disparou voando na direção de Morada do Sol.
- Vão para o Templo! – berrou um grandão para Sirius e Snape.
- COMO? – murmurou Sirius, em meio ao vento.
- Encontrem seus amigos e as espadas! Voltaremos assim que conseguirmos para ajudá-los! Busquem as espadas antes que os mercadores consigam achar a entrada para Theron! Achar as quatro espadas e destruir o Templo do Fogo é a única forma de selar a entrada da cidade para sempre! Vão!
Os cavaleiros sumiram. Sirius e Snape não sabiam o que fazer ou o que dizer.
- O que... O que foi isso? – gemeu Sirius.
- Maldito... aquele maldito Moredin... – rosnou Snape. – Ele nos usou... usou a garota para deixarmos livre o caminho...
Snape deu as costas e correu para a entrada do templo.
- Ei! Snape!
- Vai ficar aí, idiota???? Ande rápido!!!!!!!
Sirius olhou para trás pela ultima vez, antes de correr até Snape, entrando no Templo do Fogo.
Lupin e Rony não paravam de usar seus feitiços de fogo para acabar com as hordas de esqueletos que os atacavam. Já haviam descido uns bons cinco níveis, de onde tinham parado da ultima vez. Estava ficando quente e abafado o lugar.
- Malditos bichos! – gritava Rony, histérico. – Malditos bichos! Morram de novo, seus malditos bic...
- Você já acabou com todos, Rony. – reparou Lupin. De fato, os últimos quatro já estavam se reduzindo a pó.
- Ah... onde estão essas espadas medonhas? – resmungou, cansado. – Eu já estou farto disso tudo.
- Você precisa ter calma, Rony... – sorriu Lupin. – Tenho certeza que Gina e Draco estão se saindo muito melhor do que...
Passos apressados ecoaram pelo lugar, fazendo os dois se aprontarem para o ataque. Mas quem se aproximou foram Sirius e Snape.
- Sirius! – exclamou Lupin. Os dois foram ao encontro dos outros. – O que houve com os aqueles cavaleiros?
- Ahm... – começou Sirius. - Parece que tiveram um problema... e voltaram para Morada do Sol.
- Pra Morada? – estranho Rony.
- Ao que parece... Moredin e sua turminha estavam aprontando alguma pra gente. – advertiu Snape. – E nós confiando plenamente naquela escrava.
- O que Kione tem a ver com isso? – rosnou Rony.
- Sua queridinha – começou Snape. – não nos avisou sobre isso. Moredin e os outros querem mesmo entrar naquela lendária cidade de Theron e estavam nos usando.
- Isso não é certeza, Snape. – ralhou Sirius, olhando Rony. – Tenho a leve impressão que Kione traiu seu senhor para evitar isso... Ao que parece, aqueles cavaleiros de Negro estão indo para lá acertar as contas com o velho.
- E Kione? – perguntou Rony, rápido. – Ela não tem culpa de...
- Não temos tempo pra isso. – resmungou Snape. – Vamos antes que seja tarde.
Rony ficou para trás, sem saber o que fazer. Sirius o olhou.
- Rony, vamos. Vai tudo ficar bem.
- Eu... estou... com uma sensação estranha há dois dias... E se minha irmã estiver bem? – perguntou Rony, com a voz num tom baixo. – Quer dizer... eu achava que algo de ruim iria acontecer com ela aqui... mas... E se essa sensação for em relação a Kione?
- Alguma coisa me diz que aqueles cavaleiros não vão com a cara de Moredin também. E isso é um ponto a favor dela. Agora vamos.
Sirius esperou Rony sair do lugar e correr atrás dos outros professores. Ao saírem pelo portão, a parede se fechou.
Gina e Draco, no canto do salão de pedra, estavam prontos para o próximo ataque. Os nundus pareceram irritados, e avançaram. Os dois também atacaram, com um gatotsu, e fincaram as espadas nos nundus. Antes que o bafo perigoso atingisse os dois, o poder das espadas funcionaram. O nundu de Draco congelou, o de Gina entrou em chamas e em pouco tempo virou fuligem.
Sobrou apenas um.
- Ele é meu. – disse Gina.
- Não é mesmo, Weasley. – riu Draco.
- Ele é de quem chegar primeiro.
Gina correu em direção ao animal, que também avançou. Draco correu atrás dela. Quando chegou bem próximo dele, Gina saltou. O nundu não teve tempo de frear, e foi detonado por um golpe certeiro da espada de Draco.
- Belo trabalho. – elogiou Gina, olhando a estátua de gelo que o bicho se tornou.
- Hum. – resmungou Draco, empurrando a estátua de gelo e fazendo ela se partir em centenas de pedacinhos ao bater no chão. Em seguida ele olhou a espada em suas mãos. – Acho que isso será útil para nós, não?
- Claro. – Gina sorriu olhando a dela. – Já podemos nos considerar profissionais no ramo.
Naquela hora o lugar tremeu. A areia do teto começou a cair.
- E agora? – murmurou Draco.
O salão fez um estrondo, e as colunas começaram a se mover, como se desparafusasse o teto. Sentiram que estavam descendo. O chão começou a girar devagar.
- Para onde será que estamos indo? – comentou Gina, olhando o teto, que ficava cada vez mais distante.
- Espero que não seja para mais encrencas. – gemeu Draco.
As paredes começaram a se abrir, como se o salão fosse uma flor que desabrochasse. Foi aí que puderam ver que estavam descendo para outro salão, maior ainda, circular, quase do tamanho do estádio de quadribol de Hogwarts, e tão alto quando o desfiladeiro do Templo das Trevas de Azkaban. O chão era o desenho de uma grande estrela, que se unia a um pentagrama onde o piso do salão onde Gina e Draco estavam se encaixava. Mais colunas se erguiam nas extremidades do lugar. Em um lado do salão, um gigante de pedra, parecendo uma escultura de um deus indiano, mas tinha o rosto de uma esfinge egípcia, com quatro braços, sentado em um trono.
- E agora, o que seria isso? – resmungou Draco, saindo do centro do lugar. Gina olhou pra cima.
- Parece mais ser um grande... funil...
Assim que Malfoy pôs os pés pra fora o arco externo do chão entrou para a parede, e revelou o porquê do salão ser um funil: estavam dentro de um vulcão. Muitos metros abaixo do piso, a lava borbulhava. Gina chegou na beirada do chão e olhou para baixo, dando um assobio:
- Fiiiiuuu... Cair lá embaixo não deve ser legal...
Draco mantinha os olhos na estátua. Gina virou-se para ele.
- O que foi, Malfoy?
- Tem alguma coisa errada nessa estátua.
- Você tá vendo coisas.
- Alguma coisa me diz que... isso não está normal. Está... quieto demais...
Gina ficou ao lado de Draco e olhou para a cara da estátua, procurando algo de diferente. Os dois fixaram o olhar nela. Foi quando um frio repentino gelou a espinha deles. A estátua acabava de abrir os olhos.
Nura varria o quintal calmamente, cantarolando. Kione, do alto do andar de seu quarto, olhava a vista, perdida. Nura parou de varrer e a olhou.
- Eles voltarão, meu doce. – disse Nura. – Nada de mal irá acontecer com eles.
- Hum... Eu sei, Nura. – respondeu Kione, abrindo um sorriso tímido, para em seguida olhar o horizonte e completar baixinho. – Mas eu não sei se comigo...
- Alá está olhando por você e pelo seu Cavaleiro do Fogo. Não se preocupe.
- Rony, Nura. O nome dele é Rony. E que suas palavras sejam verdadeiras.
- Você está tristonha, é só por isso?
- Hum... Tive sonhos ruins. Sonhei com meu passado.
Nura se agarrou à vassoura, parando de varrer.
- Seu passado? Escutou os gritos mais uma vez?
- Não. Vi toda a cena. – disse, abaixando a voz. – Meus pais... meus irmãos... sendo mortos. Foi... horrível. A morte tão de perto...
- Isso é...
- Vi quando Moredin me encontrou. – disse, sem emoção na voz. – Ele também estava saqueando as caravanas destruídas, um dia depois do ataque. Eu fui a única que restou. Pura sorte. Ou azar. Os deuses poderiam ter me deixado ir com meus pais e minha família. Isso evitaria que eu passasse tantos anos como...
Kione resolveu calar a boca e não continuar. Nura se entristeceu.
- Gostaria que você fosse mais bem cuidada por Moredin. Ele é um bom senhor, mas deveria cuidar de você como filha. Ou como esposa. Seria muito...
Alguns barulhos na frente da casa chamaram a atenção das duas.
- Quem será? – perguntou Nura, largando a vassoura. Kione sentiu repentinamente uma sensação muito ruim dentro de si. Uma onda de pavor tão grande quanto a que teve no sonho.
Nura entrou em casa e deu de cara com seis homens, empregados de Moredin, entrando apressados na casa, prontos para uma guerra.
- Por Alá, o que está... Moredin?
Moredin entrava na casa, escoltado por mais homens, que ficaram na porta, de vigia. Ele andava com uma túnica branco-azulado, com as mãos pra trás e o rosto com uma expressão terrivelmente contida.
- Senhor... o quê... algum... problema?
- Não se faça de besta, mulher. – rosnou Moredin, fuzilando Nura com o olhar. Ela engoliu um seco. Ele olhou em volta, tremendo de raiva. – Essa casa está suja. Existe uma maçã podre nessa cesta, que deve ser jogada fora. Existe... alguém que manchou a honra e o orgulho de todo o meu poder como nenhuma outra criatura amaldiçoada desse planeta seria capaz de manchar. E está na hora de retirar essa mancha.
- Senhor, o que...
- Você sabe, Nura. Não sabe? – Moredin se aproximou de Nura, ela podia sentir o calor de ódio saindo dele, as mãos ainda estavam para trás. Mas ele estava roxo de raia, literalmente. – Você sabe. Sempre soube... de Kione.
- Perdão?...
- Não se faça de desentendida! – berrou Moredin, salpicando a mulher de cuspe e a ponto de explodir. – EU SEI DE TUDO! EU SEI O QUE ELA FEZ! EU SEI QUE ELA ESTÁ COM AQUELES ESTRANGEIROS, EU SEI QUE ELA TOCOU AQUELE ESTRANGEIRO, EU SEI QUE ELA FOI TOCADA POR ELE, EU SEI QUE ELA PERMITIU SER TOCADA, EU SEI QUE ELA PERMITIU SER...
O tom de voz dele abaixo até quase sumir, enquanto ele tomava fôlego. Ele tremia. Seus olhos se encheram de água, num desgosto profundo.
- ...Porque você escondeu de mim? – murmurou. – Você sempre soube deles... E permitiu que ela destruísse minha honra dessa maneira. Ela cuspiu na minha cara. Ela jogou minha cara no chão e pisou em cima de mim, jogando fora tudo que eu dei de melhor para ela todos esses anos. Por quê?
- Piedade... – gemeu Nura. – Ela é jovem... tola...
- Piedade? – gemeu Moredin, sem piscar. – Ela destruiu minha moral, Nura. Ela destruiu a mim e às Escrituras Sagradas. Ela não será perdoada. Jamais. Ela deve. Ela vai pagar.
Nura sentiu o estômago embrulhar, quando viu três homens subirem as escadas apressados, seguidos por Moredin.
- Fique onde está, Nura. – rosnou Moredin. – Depois pensarei o que fazer com você.
Kione estava encostada na parede do quarto, sem saber o que fazer. Sem forças para sequer correr. Como Moredin descobriu tudo? Como, se ninguém tinha visto ela junto de Rony, a não ser as pessoas mais confiáveis dela e do estrangeiro? Antes que decidisse qual pergunta refletiria primeiro, a porta do quarto foi aberta com uma pancada forte e os dois homens entraram, olhando-a, faiscando de raiva. Ela deu alguns passos, boquiaberta e sem reação. Alguns segundos depois Moredin apareceu, andando arrastado, as mãos para trás e os olhos estreitos para ela. Kione sentiu o queixo começar a tremer. Antes que ela tentasse dizer alguma coisa, os homens avançaram nela e a agarraram pelo braço. Kione não se debateu. Apenas encheu os olhos de água e olhou Moredin, deixando as lágrimas escorrerem ao falar com ele, trêmula:
- ...Meu senhor.... Por Alá...
- Cale a boca. – sibilou Moredin, aproximando-se enquanto os homens a apertavam com mais força. – O sagrado nome de Alá não merece sair dessa sua boca imunda.
- ...E... Eu...
- MANDEI CALAR A BOCA!
Moredin saiu de sua posição, virando um tapa poderoso em Kione, fazendo um dos homens cambalearem com o impacto. Ela abaixou a cabeça e se engasgou.
- Vamos sair daqui agora, Kione. – rosnou Moredin, tremendo. Ele não estava mais roxo, e sim branco. Branco de ódio ao olhar para ela. – Levaremos você até a praça principal. Você irá pagar por tudo que fez para mim, pra todos que são próximos a mim e para minha casa. De acordo com as Escrituras. Você cuspiu na cara de Alá.
- Eu não cometi nenhum pecado... – murmurou Kione, de cabeça baixa, contendo o choro. Outra pancada.
- VOCÊ NÃO TEM O DIREITO DE FALAR NADA! VOCÊ TRAIU A MIM! TRAIU SEU SENHOR! VOCÊ ESTÁ SE RELACIONANDO COM O ESTRANGEIRO E IRÁ PAGAR COM SUA VIDA POR ESSA AFRONTA!
Kione ficou em silêncio. Os homens a arrastaram para baixo. Olhou Nura, que caiu de joelhos e desabou a chorar ao vê-la.
- Os Deuses que tenham piedade de nós, habiba... Como podem lançar tamanha menti...
- PARE DE FINGIR QUE TUDO NÃO PASSA DE UM ENGANO, SUA VELHA! – urrou Moredin.
O silêncio baixou na casa. Moredin deu as costas e foi sair quando Kione perguntou baixinho:
- Por quê, senhor?... Por que tudo não passa... de um engano?
Moredin respirou fundo. Saíram seguidos de Kione e dos homens que a levavam. Na saída outras pessoas já esperavam por eles. Entre eles uma de suas amigas a olhava enojada, mas com um sorrisinho de triunfo, junto a um dos melhores homens de Moredin.
- Fadíla... – murmurou Kione. Então tinha sido ela, uma das garotas que conhecia desde que chegou na casa de Moredin. Ela entregou Kione para Moredin. Provavelmente havia sido recompensada por isso. Talvez agora ela se tornasse a "preferida" dele. Por um momento breve Kione sentiu vontade de rir dela, sabendo o que a esperaria.
Todos da rua olhavam Kione como se ela fosse a pior coisa que pudesse ousar existir. Dos degraus da mansão, os homens jogaram-na no chão de terra, ralando os joelhos e os braços. Outros homens a agarraram e ela foi algemada por pesadas correntes, e presa a um camelo, que Moredin montou. Em seguida eles levaram Kione ladeira acima, em direção à praça da cidade. No meio do caminho várias pessoas já a insultavam, lhe jogavam pedras. Os homens de Moredin tentavam evitar com muita má vontade. Era de direito de todos agredirem ela também. Nura ia atrás deles, cabeça baixa, chorando e rezando sem parar, baixinho.
Ao chegar na praça central, um público grande esperava por Kione. Estavam em volta da praça, esperando seu julgamento e punição. No lugar da fonte e da bela praça de mármore, apenas um duro e áspero piso de pedra crua, com um grande e forte tronco no centro, com as cordas e correntes pregados nele. Ela já havia escutado que aquela praça era transformada pelos bruxos quando haviam sacrifícios ou execuções. Mas há séculos aquilo não era usado. Bem, esta era a hora de fazer a praça de execuções voltar a funcionar.
Moredin desceu do camelo. Kione foi desamarrada e ficou frente a frente com Moredin, só os dois, além de dois homens próximos ao tronco. Moredin voltou a pôr as mãos para trás e parecia ter se livrado de qualquer tipo de sentimento.
- Você sabe porque está aqui hoje, não sabe, Kione? – enquanto isso alguns velhos bruxos, com caras pouco amigáveis, de turbantes brancos, alguns barbudos, outros de bigode, vestindo túnicas beges, se aproximaram de Kione. – Você cometeu o pior dos pecados. Você está aqui para ser julgada e executada em praça pública por todos os erros que cometeu contra minha pessoa, seu senhor.
Kione notou que alguns homens desenrolavam chicotes de couro. Outros afiavam as espadas. Outras pessoas da platéia seguravam pedras. Ela ia morrer. Ia ser executada por amar, por querer ficar com o homem que ela sempre quis ter. Ela nunca mais veria Rony, ele ia voltar do templo e não iria encontrá-la. Talvez até ele fosse morto. Mas uma única coisa martelava o coração de Kione, e a fazia querer chorar e implorar aos berros para que não fizesse aquilo: ela tinha certeza de que não tinha cometido pecado algum.
- Eu não cometi erro algum. – disse Kione, os olhos cheios de água, mas com a voz decidida, apesar de ligeiramente trêmula.
Moredin estremeceu e a agarrou pelos cabelos da nuca, puxando seu rosto para bem perto do seu, e rosnando entre os dentes:
- Não-se-atreva-a-dizer-UMA-palavra-sequer!
- Não tenho medo de dizer a verdade. – disse.
Moredin lhe deu mais um tapa.
- CALE-SE! Você é tão repugnante quanto o demônio! Você nunca mais irá cuspir mentiras e blasfêmias nesse mundo, porque está condenada a arder no inferno pra sempre!
- Meus pensamentos e minha alma estão tão puros quanto os de uma criança abençoada pelo nascimento, eu tenho certeza.
Moredin agarrou Kione com força e a jogou contra o tronco. A multidão gritou enquanto os homens a acorrentavam. Ela virou-se para Moredin, de joelhos, as mãos no chão. Tentou se levantar, mas as correntes a deixavam agachada.
- De joelhos. – murmurou Moredin. – DE JOELHOS!
Kione não se ajoelhou. Os homens então começaram a lhe dar as chibatadas mais doloridas de sua vida. As únicas pessoas que não a agrediam erma Moredin e os velhos detrás dele. Ela sentiu as roupas se rasgarem, as chicotadas entrarem cada vez mais em sua carne, fazendo uma dor louca invadir seu corpo. Mas ela cerrou os dentes e olhou para Moredin, certa de que aquilo tudo era uma grande injustiça.
Moredin se irritou com o olhar de Kione, e puxou o grosso cajado de um dos homens que a olhavam e se aproximou. Os homens pararam de chicoteá-la quando ela já não sentia dor. Seu corpo já estava mole, as pernas tremiam e ela estava de joelhos. O sangue saía das feridas abertas, debaixo daquele sol escaldante, daquela poeira que lhe sujava e lhe ardia os machucados.
- Pare de me olhar assim. – murmurou Moredin, apertando o cajado nas mãos.
- Tem medo de me olhar porque no fundo sabe que não fiz nada de errado. Você sabe que eu só fiz o que fiz porque eu achei em outro homem tudo aquilo que você nunca me deu.
Antes que o público terminasse de escutar Kione, Moredin lhe dava um forte golpe com o cajado no rosto. Kione sentiu que alguma coisa dentro do seu nariz havia se arrebentado e em poucos segundo o sangue a fez engasgar e tossir, respingando o chão e espalhando poeira.
- Cale a boca! – berrou Moredin, lhe dando mais uma pancada a cada berro - CALE A BOCA! CALE A BOCA! CALE A BOCA! CALE A BOCA! Sua miserável!!!!
Kione balançou a cabeça mole, encostando a testa no chão. Seu rosto inteiro tinha se machucado, não só o nariz sagrava, mas também o supercílio, a parte lateral da cabeça, junto à orelha, a testa, e a parte da lateral do seu maxilar. Demorou um pouco para as estrelinhas que encheram sua visão sumirem.
Os velhos a olharam cheios de raiva:
- Você desonrou seu senhor! – gritou um deles.
- Você é o pior dos vermes! – disse outro.
- Você tem idéia do que fez?
- Não devo satisfações a vocês, - gemeu Kione, erguendo a cabeça. - seus...
Moredin lhe dava mais uma pancada, dessa vez no queixo. A força do golpe a fez cair de costas no tronco, olhando para o céu, sentada. Eles continuaram:
- Você admite que se aproximou de outro homem, de um estrangeiro, na ausência de seu senhor?!
Kione não dizia nada. Seus olhos foram se enchendo de água, enquanto sentia os dentes sangrarem, moles e doloridos por causa da pancada.
- Você admite que deixou que ele visse seu rosto nu?!
- Você admite que desrespeitou a casa de seu senhor se relacionando com ele?
- Você admite que traiu todos os bons princípios de nossa cultura ao ficar com ele debaixo do teto da honrada casa de seu senhor?!
- Você admite que se lambuzou do mel imundo dos demônios ao se deitar com seu amante nos lençóis e na cama do seu bondoso senh...
- PAREM DE DIZER MENTIRAS!!!!! – urrou Kione, debatendo-se no tronco e nas correntes, rompendo-se num choro desesperado e cheio de ódio, espirrando sangue e lágrima para os lados, olhando-os completamente revoltada. – EU CONDENO TODAS ESSAS INJÚRIAS QUE SAEM DE SUAS BOCAS!!!! EU CONDENO ESSAS PALAVRAS AMALDIÇOADAS, MESQUINHAS E IMUNDAS!!!! EU AMALDIÇOO SEUS PENSAMENTOS NOJENTOS E IMPUROS!!!! EU...
Kione não terminou. Moredin lhe deu um chute com toda a força que poderia juntar. Ela caiu no chão, tossindo, como se sentisse uma violenta ânsia, tossindo, contorcendo-se de dor e agarrando-se às correntes e ao tronco. Moredin a agarrou pelos cabelos e se ajoelhou, tremendo de ódio:
- Já... chega. CHEGA.
- Vocês não podem me condenar. – gemeu Kione, chorando ofegante. – Não podem me condenar por amar.
Moredin apertou-a com mais força.
- Você é minha escrava e sempre foi. Eu faço o que quiser com você. Você deveria sempre, SEMPRE ter feito o que eu ordenava.
- E... Eu fiz.
- Não. Não fez. Se não tivesse feito não estaria aqui.
- Vocês irão morrer sabendo que eu paguei por um crime que não cometi.
- Você não deveria ter se envolvido com nenhum homem! – berrou Moredin. – VOCÊ É MINHA ESCRAVA, VOCÊ É TODA, TODA MINHA!
Alguns instantes de silêncio e Kione, chorando e tremendo disse entre os dentes:
- Você pode mandar em meus atos, mas nunca aprisionar minha alma. Você pode ter todo meu corpo, mas jamais pode ter meu coração.
Foi a gota d'água. Moredin explodiu de ódio, e fez o público calar a boca, enquanto ele a agarrava com força com a mão esquerda e lhe descia um soco certeiro. O impacto do golpe no rosto de Kione foi mais forte que qualquer outro, capaz de quebrar o osso de seu rosto. Sua cabeça foi praticamente prensada entre os punhos de Moredin. O sangue dela sujou as mãos dele, pingou para a areia do chão, dessa vez numa intensidade fora do normal. Nura caiu de joelhos, enquanto dois homens a seguravam para não invadir a praça.
Ele ergueu-se, afastando as mãos sujas de vermelho-vivo, e tinha os olhos brilhando de raiva. Os dentes cerrados como os de um animal pronto para o ataque. Kione ergueu o olhar mole para ele e para os outros. A vista dela foi se escurecendo rapidamente, e ela sentiu a praça inteira girar ao seu redor. Tentou encostar o ombro no tronco, mas escorregou, tombando no chão, sentindo a areia quente se misturar com o gosto do seu sangue e entrar nos cortes de seu rosto. Que bom que estava tudo terminando. Não do jeito que ela gostaria, é verdade, mas estava terminando.
