N.A 1 Alguém notou o quanto ficou apressado o fim do Episódio Saara? Agora vou ter tempo de dar um fim decente, no quesito "nem deu tempo de aproveitar Theron"...

ESPADA DOS DEUSES
EPISÓDIO III: SAARA

—Capítulo 44—

As Mil e Uma Noites – parte 2

O céu de Theron estava carregado de nuvens pesadas e escuras, e um vento gelado varria a cidade. Anme e Yume estavam em uma das varandas do palácio no térreo, olhando o clima. No jardim, à frente deles, estava Snape, treinando um Draco bem menos enfaixado.

Olha só. - comentou Yume, depois de um longo trovão ao longe. – O clima está mudando.

É... – concordou Anme. - Mudar é bom. Mas não é fácil.

Não é fácil. – enfatizou Yume.

Naquela hora Snape e Draco guardavam as espadas e subiam as escadas da varanda, de volta ao palácio, antes que começasse a chuva.

Vai chover! – sorriu Anme.

Cair água do céu! – animou-se Yume.

Draco parou do lado deles:

Vocês nunca viram chuva não?

Ah, já. Mas não nos últimos 300 anos do seu tempo...

Sem Aïsha tudo fica meio doido.

Então vocês precisam da menina pra colocar tudo no eixo?

Resumindo... Sim.

Na verdade os céus estão fazendo um ritual. Theron está se purificando para que Aïsha possa pôr os pés em sua verdadeira casa.

Snape torceu o nariz:

Essa mania de vocês falarem tudo poeticamente me irrita. Vamos entrando, Malfoy, antes que chova.

Os Templários apenas observaram os dois entrarem, sem entender o porquê da impaciência.

Kione abriu os olhos ao escutar um barulho longo e brando, vindo de fora do palácio: um trovão, uma coisa que ela nunca tinha escutado antes. Ergueu a cabeça, olhando para fora do quarto. As grandes cortinas balançavam de acordo com o vento frio. O dia escuro, nublado. Ela estranhou aquele fenômeno climático. O que será que estava acontecendo? Estava sonhando? Esfregou os olhos, e ainda estava deitada ao lado de Rony, que ainda dormia um sono profundo, nem um pouco incomodado com os trovões. Mais um trovão, e Kione saiu da cama, pra saber o que era aquilo.

Foi até a varanda e seu queixo caiu, ao ver as grandes e escuras nuvens sobre a cidade, tudo meio escuro, e o vento frio. Ela esfregou os braços, incomodada com a temperatura. Voltou para o quarto, colocar uma grossa capa sobre a roupa fina que usava. Então Rony virou-se na cama, enfiando o nariz no travesseiro e gemendo. Esticou o braço na cama, pro lado onde Kione estava. Não encontrou nada, além da roupa de cama amarrotada. Bateu o braço pra cima e pra baixo, como se tateasse à procura dela, mas nada. Ficou batendo o braço sem parar, até Kione resolver falar:

Estou aqui, habib.

Rony gemeu e abriu um dos olhos.

Hum. – em seguida se ergueu na cama, o cabelo todo arrepiado e a cara amassada. – Que foi?... Que cara é essa?

Kione olhou para fora, enquanto ele se endireitava, esfregando o rosto e bocejando.

É o clima... Está... estranho.

Rony esticou o corpo pra olhar o céu da varanda.

Vai chover. – concluiu, se levantando.

Estranho. – comentou Kione, enquanto Rony colocava uma blusa.

Aqui é um deserto... É mesmo raro ficar chovendo... – disse Rony, tentando arrumar o cabelo.

Os dois desceram para o térreo, e encontraram Gina, Lupin, Zen e Giafar na beira de uma varanda coberta, na lateral do palácio. Lupin estava bem contente:

Chuva, chuva, chuva... Faz tempo, hein?

Já estava sentindo falta. – sorriu Gina. – O clima seco e quente do deserto cansa...

Olha o chuvisco... – falou Giafar, encostado na parede, esticando a cabeça e reparando o chão. – Os primeiros pingos estão caindo. E grossos.

Rony e Kione se aproximaram, reparando nos grossos pingos que marcavam o ladrilho seco dos jardins. Ela estava encantada, e ao mesmo tempo assustada. Lupin notou a ansiedade dela quando a chuva caiu de uma vez, pesada, forte, fazendo muito barulho, como uma tempestade de verão.

Ei, Kione, não quer tomar banho de chuva?– sugeriu Lupin.

Ela imediatamente fez que não com a cabeça.

Não tem problema, não machuca. Só... molha.

Vai, Kione. – riu Rony, tentando encorajá-la. Mas a resposta foi apenas se encolher atrás de Rony, agarrando-se á sua blusa. – Nunca viu chuva? Aproveita.

Lupin esticou a mão na chuva:

Tá vendo? Não tem nada, vem.

Rony a puxou para perto da saída e também colocou a mão na chuva.

Olha, é gostoso, Kione, especialmente depois de tanto tempo nesse calor infernal...

Ela continuava com medo. Até que Rony riu:

Medrooooosa! – e largou Kione no lugar, indo pra chuva. Em poucos segundos ele estava encharcado. – Vem! Está ótimo!

Vai, Kione! – disse Lupin.

Mas... – murmurou. Para começar ela só esticou a mão, encolhendo-se e fechando os olhos, com medo de doer. Mas, é claro, não doeu nada.

HAHAHAHAHAHA. – riu Lupin. – Não tem nada demais, viu?

Rony se aproximou e esticou as mãos, ensopado, e sorrindo:

Vem, Kione.

Ela o olhou naquele estado e ainda ficou na dúvida.

Pode vir, confie em mim. Não vai acontecer nada.

Era o que ela precisava ouvir. Esticou a mão devagar para ele, que a puxou para a chuva, com cuidado. Ela se encolheu ao sentir tantos pingos 'metralhando' seu corpo. Em pouco tempo também ficou ensopada, e sem medo da chuva.

Você está encharcada. – sorriu Rony, com o cabelo empapado e a água escorrendo pelo rosto como uma torneira. – Tá vendo como é legal?

Kione olhou para trás, com todo o cabelo também colado no rosto e nas costas, molhadinho da silva, como se estivesse dentro de um lago. Lupin, Giafar e Gina sorriram ao ver a cara de espanto dela.

É... água. – comentou.

Claro que é! – riu Rony.

Caindo... do céu.

É, habiba! É chuva! Nunca ouviu falar?

J� mas... Nunca vi.

Tá vendo agora. E está debaixo dela. Não é bom?

Kione fez que sim com a cabeça. Olhou para cima, de olhos fechados e boca aberta, sentindo os pingos caírem sem parar. Era uma sensação maravilhosa, um milagre dos Deuses. Voltou a olhar para Rony, chacoalhando a cabeça.

É muito bom! – vibrou, tirando o cabelo molhado do rosto.

Vão ficar aí? – perguntou Giafar. – A gente já vai entrar.

Podem ir, deixa ela curtir mais um pouco – pediu Rony.

Aproveitem. Mas depois é daí pras termas. Ou vão se resfriar.

Rony acenou e voltou a atenção pra Kione, que já andava pelo jardim pulando nas poças d'água, fazendo anarquia.

Ô criança feliz. – comentou, se aproximando.

Nunca imaginei – disse, saindo de uma grande poça e chegando na frente de Rony – que houvesse algo tão maravilhoso quanto isso.

Maravilhoso? Bom... pra mim é só chuva. Ruim, ás vezes. A gente não pode sair de casa.

Ruim? Por Alá Ruim, chuva? Como podem achar ruim algo tão magnífico?

Sei lá...

Fazem pouco caso porque têm em abundância. Dariam muito mais valor se não tivessem, como nós, que vivemos no deserto.

Rony fez que sim com a cabeça. Ela tinha razão, e muita razão, nunca tinha parado pra pensar o quanto uma simples chuva podia ser importante. Kione então chegou até Rony e o abraçou. Ele fez o mesmo e a levantou, sacudindo no ar com força. Kione, agarrada ao seu pescoço, fechou os olhos, rindo, até ele a colocar no chão de novo. Ele lhe deu um selinho, para ela em seguida chupar os próprios lábios e comentar, curiosa:

É... molhado.

Mas é claro! – riu Rony. – Estamos na chuva.

Mais molhado que o normal.

Ah, sim. Por esse lado, é verdade...

Kione puxou o rosto dele, lhe dando outro beijo, debaixo da chuva, dessa vez mais longo. Se Rony estava querendo descobrir se existia alguma coisa melhor do que beijar Kione, agora ele sabia que existia: e era beijá-la debaixo de chuva.

Lupin, transformado em lobo, descia o braço nos alunos sem dó, num salão azulejado, que lembrava uma arena de circo, num buraco no chão. 'Descia o braço' era modo de dizer. Draco, Rony e Gina já estavam evoluídos e bem treinados o suficiente para escapar de Lupin com certa facilidade. Estava em Theron a um mês, e não estavam com pressa de irem embora.

Snape, sentado na arquibancada, limpava a espada com um paninho. A Espada do Gelo estava constantemente se congelando, por falta de uso, e o professor tinha que estar sempre limpando-a, raspando o gelo da lâmina e passando um pano nela.

Lupin atacava Draco, que recuava e desviava sem parar, quase sem pôr os pés no chão por tamanha rapidez. O professor deu um rugido e bateu os dois braços no chão com força, rachando o azulejo. Draco saltou e, antes que Lupin se reerguesse, os braços dele foram congelados no chão.

Mas... Que... Grrrrrrr... – rosnou Lupin.

Gina pousou em suas costas, apontando a espada para sua nuca:

Oi, lobo mau. – sorriu, descendo um golpe com a espada. – Incendio!

Lupin virou o rosto por um triz. A lâmina em chamas passou rente a ele, chamuscando os pêlos castanhos da cara.

JÁ CHEGA! – urrou, juntando forças e arrebentando os blocos de gelo. – Agora é pra valer!

Ele girou o corpo, e Gina saltou, escapando do ataque. Assim que se pôs de pé, ereto, Lupin foi arremessado para longe por uma rajada de vento gelado. Quando abriu os olhos deu de cara com Rony, com a palma da mão aberta em sua direção:

Mas o q...

Você já virou churrasquinho de lobo. – riu Rony. – Dragão de Fogo!

Snape fez um barulho, como se segurasse uma risadinha de deboche. Lupin fechou os olhos e suspirou fundo, porque Rony, é claro, estava só esnobando. Ao abrir os olhos Gina e Draco já estavam ao lado de Rony, rindo do professor.

Foi quase, heim, pelúcio? – sorriu Rony.

Se a gente não é bonzinho... – disse Gina. Draco não gostou do comentário.

Lupin balançou a cabeça e se levantou.

Vocês estão melhorando cada vez mais. Serão excelentes Aurores Supremos.

Opa. – corrigiu Gina. - Cavaleiro do Apocalipse.

Ah, é... – sorriu. – Tem razão. A "força feminina" é toda Cavaleiro do Apocalipse... Estou me referindo à nova geração, Severo! Você não se inclui nessa! – completou, ao ver o olhar de Snape.

Giafar chegou ao lugar quando Lupin retirava o licantropo e voltava ao normal.

Como vão os treinos? – perguntou.

Bem... eles já aprenderam praticamente tudo... quase não tem mais graça...

Seria legal colocá-los então contra nós, Templários.

Hum... não... Também não é pra tanto...

Que bom que tiveram tempo de se aperfeiçoarem. O tempo está se esgotando, e terão de ir embora.

Sabemos... Mas é uma pena, deixarmos tudo isso pra trás. É um ótimo lugar... sentiremos falta de vocês.

Também sentiremos falta. – lamentou-se Giafar. – Mas é nosso destino... Seremos eternamente gratos por tudo que fizeram por nós.

Rony escutava tudo, sem dizer nada.

Os bruxos arrumavam as malas, mesmo ainda faltando alguns dias para o período deles em Theron se extinguir.

Porque temos de deixar tudo pronto? – resmungou Rony, fechando uma das malas. - Não podemos arrumar tudo na noite anterior da nossa partida?

Não. - disse Lupin, natural. – Theron pode se restaurar antes, temos de sair ou jamais voltaremos ao nosso mundo.

Ué? Por quê?

Tsc, Rony. – murmurou levemente impaciente. - Você sabe, Theron vai desaparecer, não podemos ficar aqui para...

Lupin silenciou. Rony ainda não sabia?

Ninguém me disse nada... – falou Rony, olhando o professor. – Por quê?

Bom... Nós... achávamos que seria melhor se...

Kione sabe?... É por isso que ela anda estranha?

Rony... ela está no mesmo impasse que você, até mais agoniada e... Ei, Rony! Espere! Aonde vai!

Rony saiu apressado do quarto. Encontrou Kione no jardim, se divertindo com uma grande e espaçosa gaiola cheia de macaquinhos, que ela tinha recentemente 'lembrado' onde ficava. Ficava colocando pedaços de fruta nas grades para os bichinhos quando Rony chegou, cansando de correr, e com a cara levemente fechada.

Habib... – Kione murchou o sorriso ao ver a expressão de Rony. - ...Algum problema?

O que está acontecendo, afinal?

...Como?

Você sabe, Kione. Que história é essa de Theron desaparecer?

... – ela sentiu o estômago inteiro congelar.

É verdade?... Isso vai acontecer?

Rony, eu...

Porque não me contou antes? – disse, levantando a voz.

Habib, espere. – pediu Kione. – Eu ia contar.

Ia? Quando?

...Logo. Ia contar logo...

Ah, logo quando? Na véspera da nossa ida? Ou na hora em que eu estivesse indo embora?

Kione fechou os olhos e prendeu a respiração antes de continuar:

Pare, Rony. Pare... Eu ia contar sim, só não sabia... como. Você... Você acha que é fácil para mim dizer isso pra você?... Dizer... que eu vou desaparecer junto de Theron, que nunca mais vamos nos ver?

Afinal, o que é tudo isso? – murmurou Rony, confuso, esticando os braços ao seu redor.

Kione suspirou, se afastando da jaula, e voltando a se aproximar de Rony, cabisbaixa.

Eu, agora que voltei pra Theron, voltei a ser Aïsha. A cidade, os Templários, tudo precisava de mim. O portal entre os dois mundos foi novamente reaberto por completo assim que eu não voltei pra cá depois do ataque à minha caravana. Ele precisava ser fechado, e agora que eu estou aqui ele o está fazendo, tudo está voltando ao normal. Theron, todos que vivem aqui são parte de uma lenda. Somos uma cidade perdida no tempo, no espaço, como outra realidade, outra dimensão. Assim que a passagem se fechar nós voltaremos às origens. E é isso... Vocês devem sair daqui antes do portal se fechar completamente.

Rony ficou olhando Kione uns instantes, lentamente se entristecendo e sentindo um aperto no coração.

Nunca mais... vou ver você?

Kione olhou Rony no fundo dos olhos.

O 'nunca' é um lugar muito distante, Rony...

Por que não podemos ficar juntos?... Eu achei que a gente ia ser feliz... pra sempre.

Eu... também achei, Rony... até me lembrar de tudo... lembrar que sou Aïsha...

É tudo... tão... confuso...

Eu sei, Rony...

Você... – disse Rony, se aproximando mais de Kione. – não pode... vir comigo?

Kione o olhou. Ele praticamente implorava, com a voz baixa e os olhos sem brilho.

Venha comigo... Eu prometo... que vou cuidar de você direitinho...

Rony, eu... não posso. – murmurou Kione, sentindo um aperto na garganta e os olhos formigarem. - Meu lugar é aqui... Theron precisa de mim...

E eu...? Posso... ficar?

Como?

Se você não pode ir comigo... eu posso... ficar, não posso?

Ficar...?

Sim, eu fico. Em Theron. Pra sempre... com você.

Kione não sabia o que dizer. Rony segurou suas mãos e as beijou:

Por favor, se eu puder ficar com você, eu fico aqui...

Mas... você tem família, amigos, estudos. Você tem... uma missão a ser cumprida.

Não tem problema. Eu abandono tudo, só não diga que não vou mais ver você, Kione... Eu já te perdi uma vez, não quero que isso aconteça de novo.

Você jamais vai me perder, Rony... Mas você não pode fazer isso... Eu não quero...

Rony não entendeu.

Você não pode deixar sua vida de lado assim, Rony. Você está só começando a viver... Não posso tirar você de sua família, de seus amigos, de seus objetivos. Seria egoísmo de minha parte... Por favor, habib, me entenda...

Não... Não me chame de habib! – exclamou Rony, olhando Kione levemente atormentado, dando um passo pra trás, com os olhos marejados. – Você... Você não é a Kione. Você não pode ser... Você é essa Aïsha, não é a Kione que eu conheci! Você não é a minha Kione!

Kione respirou fundo e fechou os olhos com força, erguendo as mãos e pedindo, com a voz falha:

Por favor, Rony... Não faça as coisas serem mais difíceis do que já estão sendo. Quando eu fiquei com você, eu achei que pudesse ficar pra sempre ao seu lado... Até voltar pra Theron.

Rony passou as costas da mão no nariz, atordoado, começando a choramingar:

Então... por quê? Por que depois que voltou você ainda continuou comigo? Teria sido tão mais...

Pare, Rony. – implorou Kione, segurando o choro. – Eu... precisava de você... Eu preciso de você. Agora, quanto mais eu volto a ser Aïsha... mais me dói aqui dentro. Porque a cada dia que passa, o amor que eu sinto não diminui. Fica cada vez mais apertado, cada vez mais doído, cada vez mais... mais...

Kione pôs a mão na boca, tentando, em vão, não chorar. Rony mordeu os lábios e a puxou em um abraço apertado:

Por que tem que ser assim? – choramingou, agarrado à Kione. – Por que não podemos simplesmente ficar juntos, sem nada nem ninguém pra nos atrapalhar?

Me perdoe, habib... – chorava. – Eu jamais quis machucar você. Eu jamais quis me separar de você...

Rony recolheu o rosto, beijando-a sem parar, delicadamente:

Então prometa... que nunca mais vai se esquecer de mim...

Você vai ficar pra sempre dentro do meu coração, habib... Pra sempre...

Giafar, Kione, Snape e Lupin conversavam à noite, depois do jantar, em uma sala pequena ao lado do refeitório. Estavam sentados em grandes almofadas de veludo, tomando chá e sentindo a brisa fresca da noite.

Iremos acompanhá-los amanhã, Remo – disse Giafar. – até a saída de Theron. Ficarão seguros.

A gente agradece desde já sua hospitalidade e a ajuda de todos, Giafar. – falou Lupin.

Apesar das desavenças do início, estamos voltando pra Hogwarts com as espadas e com poderosos aliados desse lado do mundo. – comentou Snape, meio de má vontade. – Isso nos ajuda.

Voltaremos a ser uma lenda dos desertos, mas estaremos, de alguma forma, dispostos a ajudá-los.

Então Kione pôs a mão na testa, zonza.

Algum problema? – perguntou o irmão.

Estou... um pouco zonza...

Zonza?

Enjoada... – murmurou. Os bruxos se olharam levemente assustados.

Até onde você foi com o Cavaleiro do Fogo? – perguntou Giafar, afinando a grossa voz.

Eeei...! – gemeu Kione, brava. – Não é isso que estão pensando!

Olha...

Eu já... – nessa hora Kione estremeceu da cabeça aos pés, um círculo brilhante de estrelinhas girou em seu corpo rapidamente e desapareceu no ar, como encanto. – Iau...!

Que foi isso? – assustou-se Lupin.

Kione respirou fundo, balançando a cabeça. Olhou as próprias mãos, como se todo o mal estar tivesse passado como mágica.

...Aïsha? – chamou Giafar com a voz baixa. Pela primeira vez Kione ergueu o olhar, atendendo pelo nome, fazendo o irmão sorrir. – Você está... completa!... Seu espírito! Ele... se... purificou. Você voltou a ser Aïsha!

Assim, de repente? – resmungou Lupin, torcendo o nariz. – PÁ! Virou Aïsha?

Kione continuava a olhar as próprias mãos:

Sim... eu voltei... a ser Aïsha... Até hoje eu sentia minha memória, meus poderes voltando como peças de um quebra cabeça. Mas agora, de repente...

Ela e Giafar se olharam e quase na mesma hora se ergueram, indo até a janela. Lupin e Snape os seguiram. Na noite de Theron surgiu uma brilhante linha rosa e translúcida, circulando as dunas no horizonte.

Sim, agora você é mesmo Aïsha. – disse Giafar.

É a passagem. – falou Kione. – Está se fechando. Cedo demais... amanhã antes do entardecer desapareceremos... Eu... me purifiquei antes da hora...

Puxa. – comentou Lupin. – Uma pena... Quer dizer, por um lado, é bom saber que vocês voltaram... 'ao normal'...

O tempo de vocês se encurtou. – suspirou Giafar.

Vamos dormir mais cedo. – sugeriu Snape. - E vamos embora amanhã logo, para não corrermos riscos.

Não há riscos... – disse Kione. – Theron não desaparecerá antes da hora... – e ela sorriu, convencida. – Eu controlo o tempo, agora.

Tudo bem, mas Snape está certo... Melhor deixarmos tudo pronto. Vamos avisar os garotos.

Lupin e Snape saíram, deixando Kione e Giafar.

A hora da despedida se aproxima... Aïsha... minha irmã. – suspirou Giafar, colocando a mão sobre os ombros dela.

Eu sei... mas agora eu sou Aïsha. – disse Kione, sorrindo, fechando o punho. – E ainda... nos resta mais uma noite.

É... você voltou mesmo a ser Aïsha. – sorriu desconcertado. – Uma noite...

Rony deu um longo suspiro, olhando a linha rosada e voltou para dentro do quarto. A luz da grande lua iluminava todo o lugar. Kione estava de roupão, ajoelhada na cama, com uma expressão um tanto indiferente. Rony se aproximou da mesinha de mármore e tirou a camisa, para em seguida pegar a lamparina mágica que dava o mínimo de luz ao quarto:

Então, é a última noite nossa em Theron... Amanhã vocês desaparecerão, e nós iremos embora... – ele olhou o teto, para em seguida soprar a lamparina e fazer a bolinha de luz se apagar, sem fazer fumaça. – Você, agora... é Aïsha, não é?... Não é mais... a Kione...

Rony virou o rosto para olhar o rosto de Kione sob a lua, sorrindo, com a cabeça um pouco tombada.

Venha. – chamou. – Preciso lhe dizer uma coisa...

Rony suspirou e subiu na cama, se ajoelhando na frente dela.

Diga – falou, tentando focalizá-la melhor.

Pra você... eu ainda sou a Kione. – disse docemente, pondo a mão esquerda na nuca de Rony e o puxando para mais perto. – Eu vou ser sempre... a sua Kione...

Rony sorriu. Ela tombou o rosto e encostou sua boca na dele, para em seguida umedecer seus lábios com um suave toque de sua língua. Ele sentiu o corpo inteiro esquentar e um arrepio correr por toda sua espinha. Moveu o rosto pra frente, beijando-a vagarosamente. Com o braço esquerdo puxou Kione para seu colo, e com a direita abriu seu roupão. Depois correu as mãos quase aflitas pelas suas pernas, pelos seus quadris, pela sua cintura, para abraçá-la apertado junto de seu corpo.

Kione segurou o rosto de Rony e se afastou, os dois começando a ficar ansiosos demais:

Só temos mais uma noite... – sussurrou. – E é por isso que é maravilhoso saber que já sou Aïsha...

Rony não entendeu muito bem o que ela queria dizer com isso, nem teve tempo de pensar muito sobre o assunto, só queria aproveitar cada segundo daquela noite.

As malas já estavam arrumadas no saguão do palácio, e os Templários que ajudavam a juntar as bagagens andavam impacientes.

Puxa... – resmungou Ten, andando de um lado para outro (grudado no teto). – Essa noite tá demorando pra passar...

Tá mesmo... – concordou Kaminari, sentando em uma das malas, jogando Iô-Iô.

Ooki e Zen, encostados na porta, riram.

Vocês sabem de alguma coisa? – perguntaram os baixinhos.

Bom... – começou Ooki.

Você são novos demais pra entender dos mistérios de Theron. – sorriu Zen.

É verdade. – concordou Ooki, cruzando os braços e voltando a olhar as estrelas.

O horizonte começava a se pintar com o nascer do sol, e Rony dormia profundamente, deitado no ombro de Kione, e com o braço e a perna direita enroscados na 'rainha', como se tivesse com medo dela fugir. Ela, abraçada à Rony, passava levemente os dedos sobre seu rosto, coçando seus cabelos na altura da orelha.

Eu estou morrendo... – murmurou Rony. – Estou esgotado... mole... cansado. Não consigo me levantar. Minhas pernas estão bambas... Eu estou... Eu estou vendo a luz. Ela veio me buscar...

Kione riu do garoto, encostando sua cabeça na dele:

O que vai ser de mim sem você, habib...?

Rony deu um longo suspiro, abrindo os olhos, reparando do lado de fora do quarto, vendo que amanhecia muito devagar.

Parece que essa noite... demorou pra passar... Como se houvessem horas e horas...

Kione voltou a rir. Foi quando Rony juntou as sobrancelhas, prendendo a respiração. Até que desconfiou:

Ai... Você não... parou o tempo... parou?

Não, não parei. – riu Kione, também respirando fundo, muito orgulhosa de si. – Mas digamos que... Ora, eu sou Aïsha, não sou?

Ai... – gemeu Rony, enfiando o rosto no pescoço de Kione. – Você... desacelerou o tempo, não foi? Lerdeou a noite... né?

Kione fez um 'Hum-rum', enquanto Rony não parava de gemer, rindo.

Mas essa manhã não vai ser suficiente pra mim. Vão ter que... me rebocar pra fora daqui...

Tudo bem, habib... É só fazer a alvorada demorar um pouco mais...

Faria isso por mim? – sussurrou, se aninhando nos braços de Kione, muito preguiçoso.

Seu desejo é uma ordem... habib. – sorriu, abraçando Rony e lhe beijando a testa.

Ele pegou no sono rapidamente, dormindo como um anjo. Kione suspirou, olhando o teto, pensativa. Ficou acompanhando um raio de luz que entrava pela varanda, passeava pelo chão, até parar perto da cama. Ela piscou, cerrando as sobrancelhas, e esticou a mão na direção do céu, sem tirar os olhos do feixe de luz. Concentrou-se, sem fazer um grande esforço, e a luz, que adentrava no quarto, começou vagarosamente a "andar para trás". Ela parou, soltando a respiração. Voltou a mexer com o feixe de luz, que andava para frente e para trás, como uma mera lanterna. Até voltá-la para o "lugar certo". Em seguida ela sorriu, abraçando Rony, que ainda dormia profundamente.

Rony acordou com o sol alto. Deu um salto da cama. Estava sozinho no quarto. Olhou em volta, não viu suas malas. Ficou apavorado: pulou da cama, colocou a roupa e desceu, descabelado mesmo.

Onde vai com tanta pressa? – disse uma voz sorridente. Rony virou-se e deu de cara com Lupin, tranqüilo.

Nós... Onde... Não tínhamos que ir embora?

Achei que quisesse ficar. – comentou o professor.

Que quer dizer?

Vamos ficar.

Rony sentiu o queixo pesar.

Quê?

Vamos ficar. Doze dias no nosso mundo.

E...?

Seis meses.

Rony piscou. Verdade?

...Como?

Isso. – sorriu Lupin. – Já avisamos os outros, e adoraram a notícia. Só faltava você, mas não sei se eu podia ir no quarto da rainha...

Seis meses? – iluminou-se Rony.

Sim, seis meses aqui em Theron. Se enjoarmos, Kio... digo, Aïsha, disse que podemos ir antes.

Ir antes? Tá doido?

Lupin riu da felicidade do garoto:

Vá atrás de sua rainha. Ela quem decidiu que consegue nos "segurar" por mais tempo. Agradeça a ela, pois acredito ser um grande esforço para quem voltou agora, parar assim o tempo...

Demorou! – exclamou Rony, dando as costas e correndo pelo corredor, não se cabendo de felicidade.

O professor continuou olhando o rapaz, de braços cruzados. Rony desapareceu de vista e ele continuou seu caminho, perdendo-se novamente em pensamentos.