N.A 1 Último e derradeiro capítulo da Saara! Aproveitem!
ESPADA DOS DEUSES
EPISÓDIO III: SAARA
—Capítulo 47—
Lendas feitas de areia
Alheios à movimentação do lado de fora, cinco outros Chacais andavam rapidamente, esgueirando-se pelo lado de dentro do castelo de Theron. Ao entrarem pela cozinha, alguns soldados os atacaram, mas foram rapidamente executados.
Malditos. – resmungou um dos Chacais. – Quantos mil soldados existem protegendo essa cidade?
Um número necessário para acabar com vocês.
Os Chacais olharam e se viram cercados por três Templários: Yasa, o grandão, Anme, o jovem de bigode e chapéu coco, Yume o rapaz indiano de turbante.
Demônios! Matem todos esses cavaleiros!
Os Chacais avançaram ferozes contra os Templários, numa poderosa luta de espadas e feitiços. Os Chacais eram poderosos, mas estavam particularmente atrapalhados na luta: os Templários usavam o 'terreno' muito bem: saltavam nas mesas, nos armários, chutavam as cadeiras, faziam os Chacais de bobos. Yasa agarrou um deles pelo pescoço e o ergueu, sufocando-o:
Todos que entram em nossa cidade com más intenções devem ser eliminados.
Ei, grandão! – chamou um dos Chacais. Yasa olhou, e ele disparou um tiro de pistola contra o ombro do Templário, que largou o outro e bateu de costas no armário, segurando o ferimento.
Yasa! – gritou Anme. – Ah, seus malditos.
Yume lançou um poderoso feitiço, como uma esfera luminosa, mas o Chacal se desviou, e o ataque destruiu o grande portão que dava acesso aos outros salões do palácio.
Os Templários cercaram Yasa, para protegerem-no.
Eu... estou bem. – gemeu Yasa, erguendo-se, com o ombro sangrando.
Não seja tolo! – ralhou Yume. – Temos que sair do palácio. Não nos regeneramos aqui dentro.
Mashii, o Templário de cabelos prateados e olhos azuis, apareceu na porta, vindo do lado de fora, e parou, ofegante.
Mashii! – sorriu Anme.
Agora vocês estão cercados. – sorriu Yume. – É o fim, Chacais de Rubi.
Mashii imediatamente sacou sua espada e entrou. Os outros Templários também fizeram o mesmo. Mas os Chacais, ao se verem cercados, riram:
...Morreremos, mas levaremos vocês juntos. – disse um deles, abrindo a roupa e exibindo o que parecia muitos explosivos mágicos, porque eram incandescentes.
Ah, não... – gemeu Yasa. – Não os deixem ativar!
Mas era tarde demais. Todos os cinco Chacais, sem medo, se explodiram, levando junto todos os outros Templários. Mashii foi lançado para fora do castelo com o impacto, e caiu de costas no chão, com o lado esquerdo do rosto destruído e metade do corpo rasgado, quase todo mutilado na explosão. O sangue começou a sair, mas em segundos parou, dando lugar aos vermes amarelos, que, freneticamente, se moviam por todo o corpo aberto do Templário. Pouco tempo depois seus órgãos e tecidos estavam novamente reconstituídos, e Mashii deu um longo suspiro, tremendo e acordando. Com muita dor ainda, ele virou o corpo, e ergueu a cabeça: a parte do palácio onde os amigos estavam estava completamente destruído e em chamas. Tanto os Chacais quanto os Templários haviam morrido.
Meus irmãos... – sussurrou Mashii.
Os Templários e os bruxos estrangeiros não tiveram tempo de pensar: se jogaram no chão, com as mãos na cabeça.
Rony, que estava encostado na parede, mais uma vez explodia de fúria. Mas, dessa vez, ele se manteve firme. Retirou as bandagens do braço direito e exibiu a marca deixada pelo fogo em volta do braço, e a cicatriz agora brilhava como brasa incandescente. Ele ergueu o olhar para os Chacais, segurou o cotovelo da mão direita como se concentrasse todo o poder e o expeliu, esticando o braço, que rompeu em chamas, no seu mais poderoso "golpe":
Dragão de Fogo!
Todo o fogo que estava em Theron obedeceu ao seu comando. Rony moldou sua energia de fogo como um longo dragão. Em seguida todo o fogo e fumaça girou no céu e se uniu ao dragão, aumentando o volume das chamas de modo monstruoso. Em segundos um gigantesco dragão flamejante se erguia na cidade.
Podem se levantar. – gritou Rony, sem tirar os olhos do dragão. – Ele não irá queimar vocês.
N...Não? – gemeu Draco, olhando do chão, incrédulo.
Vão atrás do Moredin! Eu limpo essa bagunça! – falou, sem o mínimo de receio.
Os Templários e professores se ergueram. Os cavaleiros correram para o palácio. Rony correu para frente, acompanhando o dragão nos céus:
Gina! Malfoy! Me ajudem!
Os dois se olharam, mas concordaram. Rony, rapidamente, olhou ao redor, como se raciocinasse. Virou-se para os amigos e ordenou:
Eu vou limpar tudo de cima para baixo, vocês limpam de baixo para cima assim que eu terminar.
É pra já, chefe. – sorriu Gina, batendo continência.
Rony pôs os dedos na boca e assobiou. O enorme dragão desceu a asa em chamas, e ele subiu em suas costas, como uma pequena pulga. Os dois levantaram vôo, bateram as asas e mergulharam novamente, invadindo Theron.
O dragão e suas chamas se dissolviam como água por cada canto de Theron, varrendo a cidade com o fogo. Os bandidos que eram pegos, se transformavam em cinzas em segundos, enquanto os soldados feridos, e os moradores que ainda estavam pela cidade, não eram atingidos. Os Chacais de Rubi foram praticamente assados, mas mesmo assim se reergueram. Até, claro, darem de cara com o grande dragão azul que era Malfoy, que os congelava instantaneamente, apenas com um 'bafo de gelo'. Em seguida, Gina ficava com a parte divertida: atingir cada Chacal e o transformar em minúsculos pedacinhos de gelo.
Os Templários se assustaram ao entrar no salão: ele estava tomado de gramas verdes e delicadas flores. No canto, o corpo de Ten, coberto pelas flores. E, ao fundo, Zen, sorrindo novamente, junto de Kaminari.
...O que houve? – perguntou Ooki, enquanto outros Templários iam até o corpo de Ten.
...Nada... – sorriu Zen, sereno. – Apenas... mudei o visual do salão. O ar estava muito carregado, depois de nossa luta contra os Chacais.
Kaminari chegava, de certa forma, aliviado:
Zen se enfureceu!... Ele... Ele vingou meu irmão. Cada pedaço de grama e flor... era o sangue e os pedaços dos Chacais. Zen foi incrível!
Atai torceu o nariz:
Ai... Imagino mesmo.
Tudo acabou bem. – sorriu Zen.
Nessa hora Mashii aparecia, apoiando-se numa das colunas, ainda sem forças:
Eles... estão mortos!
Os outros Templários o olharam, e Zen correu para ajudá-lo, antes que caísse de fraqueza.
O que houve, Mashii? – perguntou Giafar.
Yume... Yasa... Anme... – disse, ofegante, com os olhos cheios de água. – foram... mortos... por uma explosão...
Como? – murmurou Ooki. – Mas... onde eles...?
Cinco Chacais haviam entrado pelos fundos, próximo da cozinha... Nós os cercamos, mas eles se sacrificaram... eles explodiram tudo, e os Templários ficaram presos... Eu fui lançado para fora do palácio, e caí, quase morto. Como estava fora da construção... consegui me regenerar, mas eles...
Giafar deu um soco numa das colunas, rachando-a:
DROGA!...
Theron está salva... – choramingou Kaminari, para gaguejar e voltar a chorar, soluçando como uma criança comum. – Mas... Mas... Quantos amigos... Quantas pessoas morreram... Pô... Por quê?
Yuki, ao lado de Kaminari, agachou-se e pegou o garoto no colo, que se agarrou ao ombro dele e continuou a chorar.
...Vamos encontrar os outros. – ordenou Giafar. – Precisamos ajudar quem precisa...
Rony desceu do Dragão de Fogo, e ele se ergueu para os céus, girando e desaparecendo. O silêncio da noite finalmente chegou à cidade, quase toda destruída. Malfoy e Gina vieram logo atrás, com a menina vibrando sem cerimônia.
NÓS CONSEGUIMOS! HEY, HEY, HEY, RONY É NOSSO REI! Ona, Ona, Ona, a Gina é muito fodona!
Idiotas... – resmungou Malfoy.
Lupin e Snape se aproximaram dos alunos, feridos e cansados, mas também igualmente satisfeitos:
Se alguém duvidava de vocês... – sorriu Lupin. – não duvida mais.
Ainda um pouco imprudentes. – resmungou Snape. – Mas devo admitir que são competentes.
Seu dragão de fogo é uma das coisas mais espetaculares que já vi, Rony.
Rony sorriu encabulado, e olhou o braço, coçando a nuca e falando um "Ééé...". as marcas do fogo eram agora como tatuagens pretas, e que, curiosamente, lembravam um dragão.
Você só vai poder usar ele quando estiver incandescente de novo? – perguntou Gina, curiosa.
Acho que sim. – comentou Rony.
Os bruxos se olharam, em silêncio, com a sensação de dever cumprido. Olharam para o céu e viram nuvens carregadas, que imediatamente começaram a derramar água sobre a cidade, como uma chuva de purificação.
Kione tinha caído de costas em um dos canteiros do palácio, e estava de costas, do mesmo jeito que tinha saltado, imóvel, com as flechas enterradas no peito. Como num reflexo, mexeu um dos dedos. Até resmungar, contorcer o rosto de dor e abrir os olhos, olhando o céu. Voltou a fechar os olhos, respirou fundo e segurou uma das flechas de seu peito, prendeu a respiração e a arrancou sem dó, apenas fazendo uma careta ao rasgar o peito de novo. Fez isso com as outras duas, para respirar fundo, estremecer e virar de lado, gemendo de dor, com a mão nos furos. Alguns instantes depois ela soltou a respiração, para se erguer e ficar sentada. A cabeça ainda girou um pouco, como quando você se levanta da cama muito rápido. Tirou a mão dos ferimentos e já não havia sinal deles. Ela deu um sorriso dolorido, enquanto massageava as costelas doloridas. Naquela hora os Templários corriam ao seu encontro, na mesma hora em que a chuva começava a cair.
Giafar a levantou, e imediatamente a abraçou, quase emocionado:
Minha irmã! Você está bem!
Ele largou de Kione pouco tempo depois, que a abraçou e a encheu de beijos, sem se importar de estarem imundos, suados e feridos.
Ficamos preocupados demais...
Estou bem, Giafar... – sorriu. – Só um pouco tonta...
Tudo acabou, minha rainha. – disse Yuki, tristonho. – Todos os bandidos foram derrotados, a cidade está em paz.
O que... – começou Kione, notando que faltavam alguns Templários – Anme, Yasa e Yume... onde estão...?
Yoru abaixou a cabeça, dizendo em voz baixa:
Eles lutaram até o fim, minha rainha... bravamente.
Kione ficou chocada, olhando os Templários. Nunca imaginava que, algum dia, conseguiriam matar algum Templário. Ela abaixou a cabeça, colocando a mão na testa, suspirando.
Era o destino deles. – sorriu Giafar, penosamente. – Qualquer um de nós faria o mesmo.
Eu sei... – confirmou Kione, respirando fundo e sorrindo para os outros. – Vocês são os cavaleiros mais corajosos que já conheci...
Ela ficou mais impressionada ainda ao ver que, depois de falar uma frase tão simples, mas tão sincera, todo os Templários desviaram o olhar, visivelmente se emocionando.
Mas... Mas... – gaguejou, sem jeito. – Eu... Eu não queria que vocês se entristecessem...
Não é isso... – sorriu Zen. – É que, se você não estivesse conosco, dificilmente teríamos tanta força de vontade para proteger Theron...
Você é nossa mãe. – sorriu Kaminari, agarrando-se à perna de Kione.
...Mãe? – riu.
Não mãe – riu Atai, passando a mão na nuca. – mas é que nossas gerações sempre protegeram a família real... E quando você subiu ao trono, sozinha, durante muito tempo nós, a nova geração, lhe protegemos, não só como rainha, mas também como nosso 'tesouro', nossa 'irmã mais nova'. Sem você Theron não anda bem, e nem nós...
Ah... – sorriu, encabulada.
Kione!
Kione ergueu o olhar e viu os bruxos se aproximarem, e Rony correu ao seu encontro:
Habiba, chutamos a bunda dos caras! – sorriu o garoto, como se tivesse ganhado apenas uma partida de xadrez de outro garoto na escola.
Kione sorriu e se largou nos braços de Rony, aliviada por vê-lo tão bem depois de tudo.
Giafar, mais uma vez, se desesperou, de repente:
...Hana! Alguém sabe onde está Hana? Meu Deus! Minha Hana! Minha esposa! Meu amor!
E o líder saiu, desesperado, correndo na chuva, na direção das cabanas onde os moradores da cidade estavam. Snape mais uma vez resmungou:
Ele nunca sabe onde a mulher dele está. Duvido que o filho seja dele.
Os bruxos riram, Lupin balançou a cabeça:
O sentimento de honra e justiça dele é enorme. Ele coloca seu dever como Templário na frente de tudo, até da própria vida. Pelo jeito ás vezes ele desconfia que existem coisas mais importantes, e corre atrás do prejuízo...
O que aconteceu com Moredin? – perguntou Kione.
Fugiu. – sorriu Zen. Todos o olharam. – Eu o encontrei no corredor do palácio... voltando do seu quarto. Ele sabia que você não tinha morrido.
Sorte. – suspirou Kione. – Eu lembrei da ligação nossa com o palácio... Foi por isso que Ten morreu... aqueles bichinhos não apareceriam. Mesmo ferida eu consegui correr até o quarto, e saltei da varanda, e Moredin me atingiu no ar... eu não estava mais no palácio.
Por isso você não morreu nem com as flechas, nem com a queda.
Até que é divertido... – sorriu a rainha.
Como você deixou ele fugir! – berrou Rony, inconformado. – Vamos atrás dele!
Não, deixe-o. – suspirou Zen. – Prometemos para Aïsha que não o mataríamos. E ela tem razão: ele fugiu, derrotado, sem nenhum homem para protegê-lo, e sem conseguir nada. A derrota irá persegui-lo por toda a vida.
Hum... – murmurou Rony. – Tem razão...
Após a grande e breve batalha, ainda na madrugada, os moradores voltavam para suas casas, com os materiais necessários para reconstruírem a cidade. O Dragão de Fogo impediu que as labaredas queimassem as estruturas das casas, tinham apenas que reconstruir o que fosse de madeira e palha. A chuva resfriou Theron, e os moradores juntavam seus pertences entre os escombros e os separavam. Iam passar a noite no castelo, e pela manhã voltariam para arrumar tudo.
Tudo já estava tranqüilo, os moradores feridos atendidos e alojados para descansarem, quando Giafar saiu aos berros de uma das casas, chorando de felicidade, com um bebê nos braços, enrolado em um pano e ainda sujo de sangue.
Mas o quê...? – resmungou Atai.
MEU FILHO! – berrava ele, feliz, alheio á tudo que havia acontecido. - MEU FILHO NASCEU!
...Nessa confusão? – resmungou Rony, torcendo o nariz.
A mulher deve ter ficado emocionada e pariu... – comentou Gina, inocente.
Que falta de delicadeza, meninos... – sorriu Lupin, divertido.
Os Templários e Kione se aproximaram, e Giafar de nada parecia aquele rude cavaleiro: todo molhado, chorava como um meninote.
Olhem, meu filho! Meu bebê!
Ele segurava o delicado bebê nos fortes braços, mas a criança dormia profundamente, com a boca aberta, provavelmente procurando o seio da mãe, que tinha ficado pra trás, deitada na casa.
É uma menina... – sorriu Kione.
Sim, uma menina! – chorava Giafar, completamente emocionado, desmoronando toda aquela aparência bruta que tinha. – Ela veio ao mundo justo quando acabava essa batalha... quando Theron era salva... É minha filha, que representa nossa vitória, olhem só, não é a menina mais linda do mundo?
Com certeza. – murmurou Draco, apático. Gina riu.
Giafar continuava a passar os dedos calejados e sujos pelo rostinho da garotinha, sem parar de chorar:
É minha princesa, meu tesouro, minha vida, minha preciosa...
Ela é linda, Giafar... Mas acho melhor devolvê-la para Hana. – comentou Kione, encantada com a emoção do irmão.
Giafar voltou às pressas para a casa, reencontrando-se com a esposa e devolvendo a filha. Os Templários o seguiram, junto dos outros bruxos.
Os estrangeiros ficaram do lado de fora, pensando em tudo que haviam passado. Até Lupin comentar:
Bem... Acho que nossa missão aqui está encerrada.
Ah! – suspirou Draco, se esticando. – Vamos voltar pra casa!
Atrapalhamos demais essa terra. – disse Snape, desanimado. – Na verdade quase fomos culpados por ela virar pó.
Tudo acabou bem, graças à união de todos. – sintetizou Gina. – Voltamos pra casa felizes, mais fortes, com as espadas, e a certeza de que fizemos o correto.
Você pode ficar, Weasley. – resmungou Malfoy, antes que Rony se pronunciasse. Ele olhava o chão, pensativo, e sorriu, um pouco penoso:
Ainda tenho muito o que fazer lá fora... Acho que está mesmo na hora...
O corpo de Ten, Yasa, Yume e Anme foram enterrados em uma espécie de local sagrado dos Templários, antes do amanhecer, e apenas os outros cavaleiros puderam ir, junto de Kione. Era um pequeno jardim, em uma caverna, como a que Kione teve de ir para provar que era Aïsha. Era iluminada pela luz de cristais que, no teto, brilhavam como o sol. No chão, uma fina grama, com flores minúsculas e brancas, que soltavam um pólen branco, que enchiam o ar do lugar de um doce perfume, e flutuavam no ar, como flocos de neve. Para cada Templário foi colocado uma grande pedra ametista, com seus nomes gravados em ouro, como lápide.
Todos eles usavam um uniforme idêntico ao que sempre usavam, mas este era branco, e com os fios prateados. Eles se ajoelharam, e oraram durante um bom tempo, lamentando a morte daqueles que eram considerados seus irmãos. Kione foi a última a se ajoelhar e reverenciá-los, entendendo que a partir de agora, ela deveria mesmo ser Aïsha, incondicionalmente.
Na volta cada Templário foi para sua casa, nos domínios do castelo. Giafar voltou para casa pouco antes do sol nascer, e encontrou Hana deitada na grande cama de casal, dando de mamar para a filhinha recém-nascida. Ele se sentou ao seu lado, olhando a filha e acariciando os cabelos negros da esposa:
...Ela é linda...
Habib... – riu Hana, baixinho. – você não pára de falar isso desde que ela nasceu...
Mas é linda mesmo... É a cara da mãe. – sorriu, encostando a cabeça no ombro da esposa.
Kione entrou no quarto, e Rony dormia profundamente, exausto depois de toda a batalha. Ela parou na mesa ao lado da cama, tirou todas as jóias que usava para a cerimônia, tirou a túnica e colocou outra, de seda, que usava para dormir. E, ao se deitar, adormeceu quase que imediatamente.
Os professores dormiram muito pouco, mas se sentiram bastante renovados, apenas Draco e Gina demoraram para aparecer no café, com uma cara péssima de sono e exaustão.
Rony abriu os olhos logo que os primeiros raios da manhã clareavam o quarto, e piscou algumas vezes, olhando o teto. O tempo estava fresco, com uma brisa entrando pela varanda, e nem sinal de cheiro de fumaça no ar. Ele desceu os olhos para Kione, que dormia sobre seu ombro, abraçada a ele. Esticou o rosto e lhe deu um beijo na testa, e ela ergueu o rosto, porque já estava acordada.
Descansou? – sussurrou Rony. Kione gemeu, se encolhendo e bocejando.
Dormi profundamente. - falou, passando a mão no rosto. - Mas não deve ter duas horas que cheguei da cerimônia...
Nem me lembro de ter deitado. – sorriu Rony. – Precisávamos mesmo descansar...
Kione se levantou, se espreguiçando. Rony também, e foi direto para a varanda, coçando as costas por cima do pijama, que era como o de Kione: uma longa túnica branca de seda. Ele apertou os olhos e soltou uma exclamação:
Uaaaau!
Theron, como mágica, estava com poucos sinais da batalha. Apenas algumas casas do limite da cidade ainda estavam colocando seus telhados. A maior parte delas já estava pintada. Todos fizeram um grande mutirão, e Zen, em especial, guardou sua meditação e transferiu sua energia para fazer as gramas e flores voltarem à cidade, como havia feito na praça de execução de Morada do Sol.
Maravilhoso... – sussurrou Rony, feliz de ver a cidade se recuperar tão rápido. – Nós dormimos só algumas horas mesmo?
Kione veio até Rony e lhe abraçou pela cintura, apertando com força:
Enquanto os Templários velavam Ten, vocês arrumavam as coisas do castelo com os empregados, e depois já se arrumavam e dormiam, os outros não pararam um segundo. Theron tem essa vivacidade mesmo. – e deu um apertado beijo na bochecha de Rony.
Todos eles se encontraram no café, farto, e comeram como se não se alimentassem há dias.
Estou com uma sensação estranha... – murmurou Snape.
Severo, por favor... – resmungou Lupin. – Não me venha com essa...
Ora, olha só quem apareceu! – exclamou Giafar, entrando sorridente no salão. – Achei que todos tinham morrido.
Silencio na mesa de café. Todos se olharam.
Porquê? – perguntou Kione, estranhando.
Ora... – riu Giafar. – Vocês estão dormindo há três dias.
...QUÊ? – espantou-se Lupin.
Isso mesmo. Vocês, de certa forma, se esgotaram na batalha. Eu mesmo acordei faz pouco tempo...
Meu Deus... – impressionou-se Kione.
É... Na verdade Mashii, que se feriu bastante, e os vermes tiveram um grande trabalho, também dormiu durante dois dias. Você, Kione, dormiu também porque foi a primeira vez que eles atuaram no seu corpo...
Poderiam parar de falar desses vermes nojentos? – resmungou Rony. – Estamos tomando café...
Tudo bem, tudo bem... Não fique bravo, senhor Cavaleiro do Fogo... Vocês também usaram seus poderes muito, por isso se esgotaram.
Bom, então tudo está muito bem, não? – sorriu Lupin. – O palácio reconstruído, a cidade também sendo recuperada... Acho que é hora de irmos, não?
Giafar e Kione desfizeram o sorriso, olhando os bruxos.
Ora, claro que queríamos ficar... – justificou-se. – Mas sabemos que fomos os culpados pela fragilidade de Theron... É melhor irmos... antes que o camelo velho do Moredin resolva vir atrás da gente de novo.
Alguma objeção da parte nossa? – perguntou Snape, bravo.
Os alunos fizeram não com a cabeça, meio desanimados.
E de vocês? – perguntou para Kione e Giafar.
Não, se vocês assim quiserem... – lamentou Giafar.
Fecharei a barreira de Theron nesta tarde, se é o que querem... – suspirou Kione.
Agradecemos, Kione... – disse Lupin, também um pouco desanimado. – Mas temos que ir, nosso mundo nos espera. E vocês também, tantos anos procurando por Aïsha, é injusto que fiquemos mais tempo, impedindo que vocês voltem para, como posso dizer... Para sua "dimensão".
Vamos após o almoço. – sugeriu Snape.
Claro, claro. – concordou Giafar, para em seguida se animar de novo. – Bom, mas adoraria convidar vocês, em especial os garotos, para darem uma volta pela cidade, ver como está o trabalho do pessoal. É incrível.
Os garotos se animaram na hora, e assim o fizeram, trocaram de roupa e saíram pela cidade.
A manhã correu extremamente sossegada, como se nada tivesse acontecido. Os moradores trabalhavam sem parar terminando de pintar a cidade. As flores e a grama já tinham tomado conta da cidade novamente. E até mesmo as barraquinhas dos comerciantes já estavam sendo remontadas. Logo após o grande banquete do almoço, era hora de irem embora.
Snape, Lupin, Gina, Draco e Rony foram levados até o limite de Theron por Giafar, Zen e Kione, que conversavam e riam sem parar no trajeto, que demorou, porque pararam muitas vezes pela cidade.
Uma parede translúcida se erguia na frente deles, no alto da colina.
É aqui. – disse Giafar. – O limite de Theron.
A grama verde das terras de Theron terminava na parede, do outro lado se seguia o chão de pedra, e, mais à frente, terminava num barranco. No horizonte, o deserto. Atrás deles, no vale verde, Theron.
É só atravessarmos, – disse Zen. – vamos.
A turma atravessou, sem problemas. Do "outro lado" eles tiveram de se despedir.
Sigam para o norte. – apontou Giafar. – Chegarão em Morada do Sol rapidinho, levem estes tapetes mágicos.
Agradecemos mais uma vez tudo o que fizeram por nós. – disse Lupin, pegando os tapetes junto de Snape. – Se algum dia puderem ir nos dar um 'alô', façam-no.
Faremos. Se ainda estiverem vivos. – sorriu Giafar. – Mas acho que somos nós que deveríamos agradecer.
Os bruxos ficaram frente à frente.
Kione... Aïsha. – começou Lupin, sorrindo. - Foi bom conhecer você. E... te ajudar... indiretamente, a voltar pra casa. E lhes ajudar em todos os outros momentos.
Kione também sorriu:
Sinceramente... não estaria aqui, hoje, se não fosse por vocês. Pra dizer a verdade, não sei o que eu seria se não tivesse conhecido vocês, e isso é válido para todo o nosso povo e nossa cidade, como conseqüência. Theron é uma lenda no seu mundo, e vocês serão uma lenda em Theron.
Lupin sorriu e fez uma discreta 'reverencia' à rainha:
A gente se vê. Fique bem... Majestade.
Os bruxos se cumprimentaram. A parede de Theron brilhou.
O portal está se fechando. – disse Kione, olhando para trás.
É hora de ir. – suspirou Giafar.
Kione trocou um longo olhar com Rony. Ficaram em silêncio. Lupin deu dois tapinhas nas costas de Rony, que estava sentindo os olhos se encherem de água, o nariz se umedecer e o queixo querer tremer.
Hora de nos separarmos... 'capitão'. – sussurrou o professor.
Rony abaixou os olhos, suspirando. Kione esticou a mão e passou os dedos de leve no rosto dele.
Não quero... – chorou Rony, baixinho. – Me separar de você...
Kione continuou a acariciar seu rosto, sorrindo penosamente e com os olhos se enchendo de água. Rony ainda choramingou:
...E agora... Quem eu vou chamar de habiba?...
Ela baixou os olhos, parando de fazer carinho no rosto dele, para retirar a pulseira-anel de ouro que sempre usava. Os bruxos esperavam, enquanto ela esticou a mão e pediu:
Sua mão.
Rony obedeceu. Ela depositou a pulseira delicadamente na mão dele, para, com a outra, empurrar os seus dedos, fechando a jóia na mão do jovem bruxo.
Era a ultima vez que Rony sentia as mãos delicadas e quentes de Kione, era a ultima vez que escutava sua voz doce e medrosa, junto com seu piedoso sorriso:
Venha me devolver, um dia. – sugeriu inocentemente, sorrindo, e deixando uma chata lágrima escorrer pelo canto do olho, e descer pelo rosto.
Rony mordeu o lábio inferior e fez que sim com a cabeça, sentindo um nó na garganta. A parede de Theron começou a sumir. Ele abaixou o olhar para ver a mão de Kione, que se tornou levemente transparente. Ela, assim como Giafar e Zen, se tornaram brilhantes, transparentes e um pouco desfocados, quase como fantasmas, mas ainda 'coloridos', cheios de vida. Os bruxos ficaram boquiabertos com a transformação.
Giafar pôs as mãos nos ombros de Kione, que, sorrindo serenamente, ainda olhava Rony. As primeiras lágrimas escorreram do rosto do garoto, que não conseguia mais segurar a vontade de chorar, e olhou sua mão: a pulseira de Kione ainda estava com ele, inteira, real.
Você... jura que vai... estar sempre comigo, habiba?
Kione abriu o sorriso, fazendo que sim com a cabeça. Beijou a ponta dos dedos e esticou a mão para o rosto de Rony, encostando-os em seus lábios. Ele fechou os olhos, sem sentir nada, mas tentando se lembrar do quanto era suave o toque dela.
Giafar fez um sinal de 'até', com os dedos na testa. Mas um breve momento e os três recuaram, voltando para os domínios de Theron, que se tornou transparente até desaparecer, deixando apenas o vale vazio, cheio de dunas e rochas.
Rony segurou a pulseira com firmeza, e a beijou.
Bem... – suspirou Lupin, para em seguida falar em voz alta. – Acabou. Vamos embora, pessoal, temos outro mundo pra salvar.
Lupin riu ao ver a cara de bunda de Snape com seu comentário. Gina, sorrindo, e com o rosto também meio vermelho, agarrou o braço do irmão.
Vamos voltar pra casa, maninho?
Rony respirou fundo. Lupin e Snape abriam os tapetes mágicos.
Vamos. – concordou Rony, para repetir a frase de Lupin, sorrindo, e gritando para o deserto. – Temos mais um mundo pra salvar!
Mas antes... – disse Lupin, fazendo mistério, com cara de safado. – Quem quer visitar Moredin? Nós prometemos não matá-lo, mas nada nos impede de... agradecer a hospitalidade... E, claro, a festa que ele nos deu em Theron.
Os alunos concordaram animados. Menos Snape. Subiram nos tapetes e voaram de volta pra casa, com as espadas mágicas, boas história e ótimas lembranças na bagagem.
