A/N: Enquanto que alguns de vocês poderão relacionar a premissa "um agente vai a uma pequena cidade de província colaborar na resolução de um horrível crime, etc." com a série de televisão (já bem antiga) Twin Peaks, outros por certo desconhecem-na por completo. Contudo, as semelhanças com a dita série ficam-se por aí, o que quer dizer que a história evolui num sentido totalmente distinto. É passada num universo alternativo, nos dias de hoje.

Outra coisa... eu raramente escrevo em português, mas o público frequentador desta secção em língua portuguesa de Rurouni Kenshin pareceu-me tão simpático que decidi experimentar. Espero que me possam ajudar com as vossas críticas, pois estou sempre disposta a aprender!

Já escrevi demais, vamos à história!

Disclaimer: Rurouni Kenshin não me pertence. Quem diria...?


Aoshi Shinomori olhou com indisfarçável desânimo para a rua principal da pequena e parada cidade de Toba. Vendo a calma e tranquilidade que por ali reinavam parecia-lhe quase impossível que um tão horrível assassinato tivesse sido perpetrado nos bosques que circundavam a cidade, e muito menos que a vítima, uma jovem rapariga de 22 anos, ainda há dois dias por ali se passeasse, indo à escola e fazendo compras na mercearia da esquina.

Agora estava morta e teria sem dúvida deixado saudades naqueles que a haviam conhecido. Aoshi nunca sequer lhe tinha visto a cara, mas lamentava-se sempre que uma tão jovem vida deixava o mundo dos vivos, talvez em reminiscência dos anos que tão estupidamente tinha deitado fora ao envolver-se em situações pouco recomendáveis.

Sacudiu a cabeça. Não era altura nem o local certo para meditar nesse género de assuntos. «Nem agora nem nunca...» acrescentou em pensamento. O chefe da polícia local esperava-o na esquadra (que ele não fazia ideia onde fosse) e, olhando para o seu relógio de pulso, constatou que já levava meia hora de atraso. O chefe da polícia devia com certeza estar furioso. Mas isso realmente não lhe interessava. Afastando impacientemente os cabelos negros que insistiam em cair-lhe para os olhos, seguiu caminho.

XxXxXxX

Por fim tinha conseguido encontrar a esquadra, que não era, afinal, muito longe do lugar onde antes se tinha detido a contemplar a cidade e os seus próprios pensamentos. O chefe da polícia, um homem com pouco mais de 30 anos, impressionantemente alto e de aspecto ameaçador esperava-o à porta.

"Shinomori, é você?" perguntou ele, soprando-lhe para a cara o fumo do cigarro que estava a fumar.

"Sim." respondeu Aoshi, desagradado pelas evidentes más-maneiras daquele polícia de província. "E o senhor é...?"

O homem esboçou um meio-sorriso sarcástico enquanto sacudia ligeiramente a cabeça para afastar dos olhos as madeixas de cabelo negro que lhe caíam para a cara.

"Saitou. Hajime Saitou. Chefe da polícia desta cidadezinha no meio de nada."

"Agente federal Aoshi Shinomori, de Kyoto..."

Saitou interrompeu-o de imediato, levantando a mão.

"Pare. Já sei. Ou julga que não temos telefones?"

Os frios olhos azuis de Aoshi lançaram-lhe um olhar perigoso. Com quem é que aquele idiota pensaria que estava a falar? Um dos seus subordinados mentecaptos?

"Conto com a sua inteira colaboração neste caso." declarou Aoshi, num tom irritado. "Esperava que demonstrasse mais consideração por um colega que o veio ajudar."

"Ajudar? Deve haver um mal-entendido. Eu não pedi a ajuda de ninguém, muito menos dos Federais lá de Tokyo, ou Kyoto, ou o raio que o parta. Quero deixar bem claro," Saitou apontou, quase espetando um dedo nos olhos de Aoshi. "que a sua ajuda, como tão alegremente lhe chama, foi-me imposta e não é de todo bem-vinda. Para mim, isto é como que um certificado de incompetência que me passam."

"Certificado de incompetência? Bem, lá terão as suas razões." disse Aoshi, com um sorriso malicioso, feliz por Saitou lhe ter proporcionado um pretexto tão bom para fazer troça na cara dele. Quaisquer pensamentos relacionados com a cooperação entre ambos foram imediatamente abandonados.

"Ui! Se olhares pudessem matar..."

Os dois homens olharam na direcção de onde vinha a voz, dando de caras com um rapaz que certamente não teria mais de 20 anos, alto, de ombros largos e um penteado demasiado parecido com uma crista de galo para ser considerado normal. O rapaz sacudiu o seu cabelo-desafiador-da-gravidade e deu uma gargalhada.

"Não me digas que és aquele agente federal de Kyoto!" exclamou ele. "Aqui o Saitou não tem feito mais nada senão queixar-se desde que soube que ias vir."

"Acontece que o agente federal tem um nome." disse Aoshi calmamente, mas não sem dar à sua voz um quê de gélido. "Para ti e para o teu chefe, é Shinomori-san."

O rapaz pareceu levar aquilo na brincadeira e, com um largo sorriso, apontou para si próprio.

"Chamo-me Sanosuke Sagara e este é o meu primeiro caso! Quer dizer, se exceptuarmos a vandalização do quintal da velha Ogata-san na semana passada..."

"Faz-me um favor e cala-te... ahou." rosnou Saitou com um olhar assassino.

Sanosuke não pareceu a Aoshi do género de ouvir os insultos de Saitou e ficar calado, mas com certeza a sua curiosidade de saber pormenores do caso levara a melhor, pois seguiu-os docilmente até ao gabinete de Saitou, onde este tinha guardado todo o material relacionado com o homicídio.

Aoshi sentou-se no confortável sofá de cabedal que estava encostado a um canto, perto da única janela no gabinete de Saitou. O mal-humorado polícia atirou-lhe a pasta contendo os detalhes do caso e fotografias do corpo, claramente fazendo pontaria à sua cabeça. Aoshi olhou-o de relance após segurar a pasta de forma quase precária. Abriu-a e olhou para as fotografias ao mesmo tempo que Saitou acendia outro cigarro e Sanosuke se sentava em cima da mesa.

"Tomoe Himura, apelido de solteira Yukishiro." murmurou Aoshi para si próprio, lendo os dados pessoais da vítima. Passando os olhos pelas fotografias do cadáver pálido e nu lamentou uma vez mais que tanta gente tivesse de morrer daquela maneira. Os cabelos negros e longos de Tomoe contrastavam sombriamente com a sua pele, impossivelmente branca. O sangue que a tingira tinha sido parcialmente levado pelas águas da ribeira junto à qual tinha sido encontrada. Múltiplos cortes e facadas denunciavam a causa de morte.

"Violada?" perguntou Aoshi a Saitou.

"Em princípio, sim." respondeu ele, soprando uma nuvem de fumo. "Contudo, não podemos ter a certeza disso."

"Como assim? Fizeram-lhe uma autópsia, presumo?"

"Sou mais uma vez obrigado a recordá-lo que, embora isto pareça o fim do mundo, não o é na realidade. Claro que temos uma médica-legista e claro que fizemos a autópsia do corpo."

"Então? Qual é a dificuldade?"

"O marido dela, Kenshin Himura, está fechado em casa desde que soube da morte dela. Quando o fomos interrogar não disse uma palavra, dir-se-ia ou que está em choque ou que enlouqueceu de vez. Por isso não podemos comprovar que os vestígios que encontrámos no cadáver pertencem ao assassino e possível violador. Podiam muito bem ser do Himura."

"Vou ter de falar com esse Kenshin Himura. Onde mora?"

"Acabei de dizer que essa hipótese está descartada, não fui suficientemente claro? Ele não fala com ninguém, muito menos com alguém que não conhece."

"Tenho de falar com ele, mesmo assim. Leva-me lá ou tenho que descobrir sozinho o caminho?"

"Seja." suspirou Saitou. "Hoje não estou para me chatear, muito menos consigo."

"Ah pois, para isso estou aqui eu!" exclamou inesperadamente Sanosuke. "Ou já te esqueceste que ainda temos contas para ajustar em combate?"

Aoshi olhava para um e outro, maldizendo em pensamento a falta de profissionalismo e ineficácia daqueles polícias, que até nas horas de serviço falavam em dar pancada um ao outro. Isto é, se o miúdo era mesmo polícia. Parecia demasiado novo e pouco treinado para o cargo. Era uma questão que poria a Saitou, depois de ter interrogado Kenshin Himura.

"Podemos ir?" inquiriu Aoshi com um ar de tédio, depois de se fartar de ver Sanosuke e Saitou a agredirem-se verbalmente.

XxXxXxX

Em frente a um dojo com muito bom aspecto, que Saitou disse pertencer aos Himura, os três detiveram-se.

"Um dojo?" murmurou Aoshi.

"Sim, os Himura, marido e mulher, eram professores de kendo. Davam-se muito bem com os miúdos aqui da zona." informou Sanosuke. "Eu às vezes até me fazia de convidado para as refeições, porque o salário que o Saitou me paga não me dá para mandar cantar um cego, muito menos para comer no restaurante."

"E já experimentaste cozinhar, ahou?" retorquiu Saitou.

Sanosuke fez-lhe um gesto ofensivo com os dedos e Saitou ripostou soprando-lhe o fumo do seu sempre presente cigarro para a cara. Aoshi teve de impedir-se de sorrir ao descobrir o método ofensivo de Saitou: soprar fumo para a cara das pessoas e, quem sabe, um dia mais tarde oferecer-lhes de presente um cancro de pulmão.

Saitou avançou para a porta de madeira forrada a papel e fê-la deslizar suavemente com um ruído sibilante.

"Hum..." começou Sanosuke, hesitante. "Não devíamos bater primeiro?"

Saitou não era, evidentemente, da mesma opinião e entrou sem cerimónias, seguido de Aoshi. Enquanto semicerrava os olhos para os habituar à escuridão, Aoshi conseguiu vislumbrar uma figura sentada num canto, encostado à parede com a cabeça baixa, quase entre os joelhos. Segurava uma katana e estava completamente imóvel. Não deu acordo de si, nem mesmo quando Saitou e Aoshi pararam mesmo à sua frente. Aoshi conseguia agora ver que os longos cabelos deste misterioso homem eram de um ruivo flamejante, algo que ele nunca tinha visto. Uma cicatriz em forma de cruz atravessava-lhe a face esquerda, parcialmente escondida por algumas madeixas ruivas desalinhadas.

"Himura!" chamou Saitou. "Queremos falar contigo."

Kenshin Himura levantou a cabeça, mas os seus olhos estranhamente vazios não davam qualquer indicação de que ele os estivesse a ouvir.

"Queremos falar contigo sobre a tua mulher... Tomoe-san." disse Aoshi suavemente.

"Tomoe..." murmurou Kenshin. "Ela..."

Saitou e Aoshi olharam-no, expectantes. Sanosuke juntou-se-lhes, aparentemente triste para além de palavras ao ver Kenshin naquele estado.

"A culpa é minha." declarou Kenshin, baixando a cabeça novamente. "Estou cansado... queria tanto dormir, mas não consigo fechar os olhos..."

Saitou esboçou um esgar de impaciência ao ouvir aquelas palavras que não faziam nenhum sentido.

Kenshin levantou novamente a cabeça.

"Posso vê-la?" perguntou finalmente, com uma voz estrangulada.


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