A/N: Desculpem a demora, mas estive que tempos à volta deste capítulo... não sei porquê, quanto mais o lia e relia, menos gostava dele. Mas, enfim, aqui está o Capítulo VII, mais longo do que o habitual - para me redimir ;)
makimachi: Obrigada pela review :) Lê este capítulo para saberes mais!
Amanda e Luana: Ainda bem que gostaste, sabia que a parte Aoshi/Megumi te ia agradar especialmente ;D
lere: Veremos o caso do Enishi quando ele aparecer; sim, ele vai aparecer em breve, apenas porque é um vilão demasiado interessante para ser deixado de fora ;P
Lady Etrusca: Eu sabia que tu, lá no fundo, és uma romântica... bem, talvez não seja assim tanto no fundo ;) Mas... nome de gata? Do que te havias de lembrar... LOL!
Natalie: Obrigada! A pobre Misao está a sofrer às minhas mãos, coitada dela... ;P
Disclaimer: RK não me pertence. Se fosse esse o caso, eu faria os possíveis e os impossíveis para proibir a voz portuguesa de Saitou, que soava pior que um papagaio em plena crise de meia-idade, e as de Sanosuke e Kenshin, que mais tarde puderam ser ouvidos na versão portuguesa de Shrek a ter um diálogo muito construtivo:
"Conheces o... homem-queque?"
"O homem-queque? Sim, eu conheço o homem-queque. Aquele que vive na pastelaria."
"Ela casou-se com... o homem-queque..."
"O homem-queque?"
"O HOMEM-QUEQUE!"
Uma tela ainda em branco sobressaía das sombras, no centro de uma sala desarrumada e suja. Latas de tinta e pincéis encontravam-se espalhados ao acaso, e não raros salpicos de tintas de cores escuras cobriam as paredes soturnas. Um homem envolto em ligaduras mal ajustadas ao seu corpo aproximou-se da tela, segurando numa mão uma lata de tinta vermelho-sangue e, na outra, um pincel já velho. Olhou a superfície branca fixamente durante alguns segundos, enquanto mergulhava o pincel na tinta e evitava que algumas pontas soltas das suas ligaduras caíssem na lata e sofressem o mesmo destino do pincel. Erguendo-o no ar, em frente aos seus olhos, observou, deliciado, pequenas gotas espessas e vermelhas escorrerem quase até aos seus dedos. Com um grito selvagem, esboçou um gesto brusco com o braço que segurava o pincel e salpicou profusamente a tela de vermelho.
Um riso maníaco ecoou pela pequena divisão. O homem desfigurado ria com uma mão sobre a cara, esta livre de ligaduras, não logrando ocultar totalmente a sua pele severamente queimada. Contemplava o seu trabalho com olhos loucos, desfocados. Vermelho-sangue...
XxXxXxXxXA história de Toba parecia ser escrita em sangue.
Aoshi observou silenciosamente Okina, enquanto este recolhia os lençóis manchados de vermelho da cama de Misao.
"Foi aqui que ela se tentou suicidar?" perguntou suavemente, como se temesse que o idoso senhor se assustasse. Tal não aconteceu; Okina mantinha o sangue-frio a todo o custo, o que provava que a primeira avaliação que o agente fizera dele estava correcta: Okina era mais do que um simples avôzinho meio depravado.
"Sim. Se quiserem falar com a Misao, ela está no meu quarto a descansar. Mandaram-na há pouco para casa."
"Pensei que ela ia ficar no hospital." Soou a voz de Saitou, que acabara de entrar.
"Também eu." murmurou Okina, olhando tristemente para os lençóis tingidos de vermelho. "Calculo que... não fosse tão mau como parecia."
Suspirou e saiu do quarto com passadas rápidas. Saitou olhou para Aoshi, como se esperasse que ele tomasse a iniciativa de ir falar com a rapariga. Quando nada aconteceu, impacientou-se.
"Não tenho todo o dia! Vamos falar com ela ou não?"
XxXxXxXxXMisao, parecendo mais magra e mais pálida do que nunca, jazia imóvel na única cama da divisão. Os seus grandes olhos pareciam agora mais apagados, fixos no tecto e secos. Como era possível que, em apenas algumas horas, uma rapariga jovem e saudável revertesse de uma alegria que lhe era tão habitual para um estado de desespero tal que a levasse a querer acabar com a própria vida? Era isso que Aoshi tencionava descobrir, mas Saitou antecipou-se-lhe.
"Vomita, Makimachi. A que veio isto agora?"
Misao lançou-lhe um olhar vazio e sorriu. Foi a vez de Saitou parecer confuso. Olhou para Aoshi com ar de quem julgava que a rapariga tinha enlouquecido repentinamente e puxou do bolso o seu fiel maço de cigarros. Estava prestes a acender um quando o agente se debruçou ligeiramente sobre Misao e reformulou a pergunta de Saitou.
"Porquê, Maki... Misao?"
A rapariga riu-se, aparentemente voltando sem esforço ao seu estado normal.
"Shinomori-san, chamou-me Misao!"
Com isto, ergueu-se do leito o suficiente para se sentar, encostada a várias almofadas. Examinou as ligaduras que lhe envolviam os pulsos com uma certa curiosidade, após o que se voltou para os dois polícias e assegurou:
"Eu estou bem, a sério! O Jiya diz que é próprio da idade... mudanças de humor?" Apesar de tentar soar convincente, a desculpa era esfarrapada e nada podia mudar esse facto.
"Custa-me crer que o velho tenha dito isso." Saitou olhava-a insistentemente com um olhar de descrença nada lisonjeira. Abriu a boca para dizer mais alguma coisa (sem dúvida, algum insulto) mas foi como que arrastado para fora do quarto por Aoshi.
"Deixemo-la por agora. É óbvio que, qualquer que fosse a razão para ela fazer o que fez, não a vamos saber tão cedo." explicou o agente, pacientemente, uma vez longe de olhares e ouvidos indiscretos.
"Podíamos fazê-la falar, sabes?" A pergunta de Saitou era retórica, mas não impediu Aoshi de perguntar a si próprio exactamente que meios é que Saitou usaria na rapariga se ele ali não estivesse. Era caso para pensar, pois os métodos do polícia mais velho eram tudo menos ortodoxos...
"Por agora não. Temos mais que fazer."
"Estás a viver aqui na Aoi-ya, não estás?" inquiriu Saitou, a sua expressão mudando, subitamente, de indiferente para calculista. "Vigia-a. Ela sabe alguma coisa."
Considerando por breves momentos a hipótese de Saitou estar a ser demasiado melodramático, Aoshi manteve o seu olhar frio e azul fixo no do seu colega, de um âmbar líquido e agudo.
"Tu também te apercebeste, não estou certo?" Saitou parecia estar a divertir-se. "Sabes muito bem que ela está a esconder algo."
"Tal como toda a gente, isso não é..."
"Não." interrompeu Saitou, cortante. "É diferente. Faz o que eu te disse e, por uma vez na tua vida, não discutas comigo."
Enquanto fitava as costas de Saitou afastando-se, soube instantaneamente aquilo que havia estado relutante em admitir em frente dele: sim, tinha sentido algo diferente naquela rapariga.
Mais do que saber alguma coisa, ela sentia alguma coisa. Sentia a vida esvair-se daquela cidade, amaldiçoada pelas mãos hábeis de um assassino que, sem dúvida, voltaria a matar.
XxXxXxXxXAoshi deu por si a cumprir fielmente as instruções de Saitou e a vigiar Misao de perto, embora essa não fosse, ao princípio, a sua intenção. Além disso, começava a sentir-se desconfortável, ali de plantão perto do quarto da rapariga, a receber todo o tipo de olhares estranhos vindos dos outros habitantes da Aoi-ya que, nessa altura do ano, eram apenas os empregados: duas mulheres com pouco mais de vinte anos e dois homens também dessa idade, um dos quais parecia muito capaz de lhe tentar bater se ele se atrevesse a entrar no quarto de Misao.
Decidindo mentalmente que o estado dela não a permitiria sair tão cedo dos seus aposentos, dirigiu-se ao restaurante para tomar um café. Era o único cliente, para além de um homem bem vestido, com um penteado muito fora de moda, que não parecia estar nos seus melhores dias. As inúmeras garravas vazias que o rodeavam denunciavam a causa da sua alegria pouco discreta.
"Hihihihihihihihi!" ria o homem, brincando com uma das garrafas e atirando várias outras ao chão com estrondo.
Um dos empregados, precisamente aquele que parecia um brutamontes, aproximou-se dele e abanou-o suavemente.
"Vamos, Houji, já bebeste demais, vai andando para casa e cura a bebedeira."
"Eu, bêbado?" insurgiu-se Houji. "Bando de macacos! Deixem-me mas é em paz...!"
Aoshi chamou uma das empregadas de parte e perguntou-lhe:
"Pode dizer-me quem é aquele homem?"
Ela soltou uma risada antes de responder:
"É o Houji-san! Passa os dias a beber, porque..." A sua disposição mudou drasticamente neste ponto. Franzindo o sobrolho, pensava em algo que, sem dúvida, a incomodava. "Ele teve um acidente de viação há uns anos. Ia no carro com o colega, tinha exagerado na bebida, e... despistou-se. Ele não sofreu nada, mas o colega não teve tanta sorte. Sofreu graves queimaduras em todo o corpo. Os médicos nem perceberam bem como conseguiu sobreviver..."
Misao aproximou-se deles silenciosamente. Quando a rapariga que conversava com Aoshi a viu, desatou a ralhar-lhe.
"Misao! O que fazes a pé? Queres matar-te?" Apercebeu-se que a sua escolha de palavras tinha sido infeliz e calou-se. Misao sorriu-lhe, como que lhe assegurando que estava tudo bem.
"Sinto-me muito melhor agora, Omasu. Não se preocupem comigo." Olhou para Aoshi, que continuava sentado a estudar atentamente Houji, que agora se debatia nos braços dos dois empregados que tentavam, sem muito sucesso, pô-lo na rua. "Houji-san parece estar particularmente alegre hoje." comentou. "Posso ajudá-lo em alguma coisa, Shinomori-san?"
"Pode dizer-me as razões para o que fez hoje."
Omasu achou por bem afastar-se. Retirou-se para trás do balcão mas manteve um olho em ambos e o outro em Houji, que ameaçava destruir o restaurante com os seus acessos de fúria.
"Já disse que não sei bem porque o fiz." declarou Misao, com um ar cansado. "Suponho que talvez tudo isto me tenha afectado muito mais do que eu própria julgava... não é fácil, sabe, perder todos os meus amigos desta forma."
Sim, Aoshi sabia, talvez bem demais. Mas isso era um assunto que não tencionava partilhar com mais ninguém.
"O seu círculo de amigos limitava-se à falecida Tomoe Himura?" inquiriu, deixando transparecer propositadamente alguma incredulidade. Se continuasse assim, era provável que acabasse sarcástico como Saitou; havia que ter cuidado.
"Não, mas... com a Kaoru no hospital, o Kenshin alheio a tudo, sempre lá com ela... a Megumi, demasiado ocupada para me vir visitar... é difícil." concluiu, com um arrepio.
De repente, tudo ficara extremamente calmo e silencioso: aperceberam-se que Houji tinha sido finalmente posto fora. Misao sorriu, embaraçada.
"Bem, tenho que ir. Se o Jiya me vê aqui, provavelmente mata-me. Não lhe diga que me viu levantada, sim?"
Aoshi acenou em sinal de concordância e viu-a voltar para o quarto. Omasu aproximou-se de novo com algum receio.
"Hum... desculpe, vai querer mais alguma coisa?"
O sombrio agente olhou brevemente a sua chávena de café ainda meio-cheia. Acenou negativamente, agradecendo. Antes de se retirar, contudo, quis saber:
"Esteve a falar-me de Houji-san e do colega... afinal, eram colegas em quê?"
"Estavam a tirar um curso na universidade... algo relacionado com arte; pintura, julgo eu... mas não chegaram a terminá-lo." Encolheu os ombros tristemente. "Por razões óbvias."
XxXxXxXxX"Mas afinal quem é esse puto?" Saitou estava refastelado na sua cadeira, atrás da sólida e muito desordenada secretária no seu escritório. Tinha apreciado o sossego de uma esquadra vazia e silenciosa... até ao momento em que Sanosuke viera importuná-lo com uma conversa estranha acerca de um miúdo querer ser recebido pelo inspector encarregado da investigação do assassinato de Tomoe Himura.
"Não sei, ele só disse que queria falar contigo. Embora eu não veja porque é que alguém haveria de querer uma coisa dessas, mas enfim..."
Saitou olhou Sanosuke ameaçadoramente. Soprou uma nuvem de fumo que ficou a pairar, hesitantemente, entre ambos os polícias.
"Manda-o entrar. O melhor é acabarmos com isto depressa."
A pessoa que lhe foi apresentada surpreendeu-o, tanto pelo ar jovem e inocente, como pelo persistente sorriso que, ao contrário dos sarcásticos sorrisos recorrentes de Saitou, se manifestava não só nos lábios, como também nos olhos semicerrados. Contudo, o detective estava há demasiado tempo naquela profissão e, por essa razão, foi-lhe fácil avaliar o carácter daquele rapaz num só olhar: não havia nele qualquer emoção ou sentimento. Era mais vazio que um poço seco.
"O que queres? Estou ocupado." rosnou Saitou, remexendo nos vários montes de papéis que se encontravam na sua secretária.
"Imagino." O sorriso do rapaz moreno alargou-se ainda mais, se é que tal era possível. "Irei então direito ao assunto. Sou um psicólogo criminal da cidade vizinha. A Central achou por bem mandar-me para ajudar na investigação, logo depois de lhes terem comunicado que se tratava de um assassino em série."
"Não acredito nisto. Primeiro mandam-me um agente tenebroso de meia-tigela e agora um miúdo que diz que é psicólogo criminal? Decerto ainda não acabaste o liceu."
"Acabei o curso o ano passado. Prazer em conhecê-lo, Saitou-san, chamo-me Soujiro Seta."
Saitou enterrou uma mão no cabelo preto e brilhante. Remexeu-o um pouco enquanto o cigarro periclitante ameaçava escapar-lhe dos lábios e murmurou, mais para si mesmo do que para o sorridente Soujiro à sua frente:
"Só me faltava mais esta..."
XxXxXxXxX"Agradeço-te muito, Kenshin, por ficares comigo todo este tempo, mas realmente não é necessário..."
O ruivo, sentado descontraidamente junto à janela do quarto de hospital, esboçou um sorriso apagado.
"De nada, Kaoru. Não é incómodo algum."
"Kenshin... tu achas que... nada, nada, esquece."
Kenshin ergueu uma sobrancelha interrogativamente. Kaoru decidiu-se, finalmente, a falar.
"Achas que fiz bem em não lhes dizer nada? À polícia, quero eu dizer."
"Se é verdade que não és capaz de te lembrar de nada, então..."
"Mas esse é o problema!" interrompeu ela. "Não é que eu não me lembre, mas... como não consegui ver o assassino, pensei que não acreditassem em mim se dissesse a verdade. Achei que... podiam pensar que estou a encobrir alguém." Kaoru lançou a Kenshin um olhar fugidio.
"E estás a encobrir alguém?" perguntou este, calmamente.
"Eu..."
Mas Kaoru não pôde terminar a frase, pois Megumi entrou no quarto precisamente nesse momento.
"Karou, eu vinha..." calou-se ao ver Kenshin. "Ah, desculpem, não sabia que estavam juntos. Estou a incomodar?"
"De maneira nenhuma." Kenshin sorriu educadamente. "Algo de novo?"
"Sim, boas notícias. Trago a alta para a Kaoru." acenou alegremente com um papel amarelo e fino.
"Óptimo! Posso sair?"
"Quando quiseres. Mas..." O rosto de Megumi empalideceu visivelmente. "...devíamos ir ver a Misao. Ela tentou suicidar-se... mas está bem, não se preocupem!" acrescentou rapidamente, ao ver as expressões dos seus interlocutores.
"Porque não me disseste mais cedo?" Kaoru começara a ver-se livre das camadas de roupa que levava a mais, aparentemente esquecendo-se que Kenshin ainda estava no quarto. "Preciso de me despachar!"
"Eu vou ali..." desculpou-se Kenshin, dando o seu melhor para não olhar para a agora meio-despida Kaoru.
"Megumi, sinceramente, no que andas a pensar? Como pudeste esquecer-te de me contar uma coisa assim tão importante?"
Face à fúria de Kaoru, que não parava por um segundo de cuspir palavras indignadas, Megumi não teve hipótese de se explicar. Na realidade, não o queria fazer; não estava pronta a admitir, nem mesmo para si mesma, que o homem que lhe ocupara os pensamentos desde aquele fugaz encontro no seu próprio gabinete não lhe deixava espaço para pensar em qualquer outra coisa.
A/N: Como habitualmente, se deixarem uma review eu escrevo mais (sim, isto é uma vergonhosa chantagem) ;D
