É incrível o que o tempo pode fazer com uma pessoa...

Como eu, uma garotinha inocente e ansiosa pela vida, pude me tornar no ser arrogante e manipulador que sou hoje em dia? Eu não consigo perceber como ou quando tomei esse caminho obscuro. As pessoas a minha volta foram sempre tão gentis; gentis de mais até, e eu sempre presunçosa e orgulhosa de mais para tratá-las da mesma maneira.

Não obstante, eu fiz algo de bom nessa minha vida. Eu ajudei um homem, eu o ensinei a amar novamente. E mesmo que ele não tenha mudado a sua aparência amarga e cruel diante de todos os outros, eu posso dizer o quão amável ele se tornou quando abriu seu coração para mim. E pensar que tudo começou com uma brincadeira não tão inocente assim...

Em todo o caso, no começo eu não tinha idéia que me depararia com tamanha responsabilidade. Até mesmo o diário me alertara "Uma vez escolhido o caminho, não haverá volta" e agora eu começo a entender o que ele quis me dizer. Agora eu carrego o peso do amor e da confiança que depositaram em mim, sobretudo deste homem. Ele confia que eu o ame, pois eu mesma afirmei, confia que o que estou prestes a fazer é por um bem maior, e não um bel prazer ambicioso por de mais. E também como poderia ser de outro jeito, eu me pergunto. Mas não importa, agora está feito. Eu escolhi o caminho e que venham as conseqüências, porque não terá valido nada se eu me arrepender agora. Embora eu confesse, de muitas escolhas eu queria me arrepender e lamentar a sorte e o destino.

Daí eu me lembro, não acredito no destino e sim nas nossas escolhas nos levando até onde estamos. E eu estou condenada. Quando leio essas linhas escritas com a minha caligrafia ainda infantil tenho vontade de chorar. Chorar por tudo o que já passou e que eu deixei passar. Mas do que adiantaria? E se não vale nada, eu digo que choro pelo que está prestes a ser, choro pelas promessas feitas que já não sei mais se posso cumprir, choro por ter que agüentar ser tudo o que eu não sou por toda a minha vida. Eu choro por cada passo que dou nessa casa velha, aonde todos os meus companheiros vem se reunir. Companheiros? Como eu me atrevo a chamá-los assim se eu já não sei mais a quem eu estou traindo nessa história toda? Novamente, já não me importa, só espero sair viva de tudo isso. Desses jogos perigosos aos quais me dispus jogar de livre e espontânea vontade, tudo por uma sensação boa que chegaria sempre que eu vencesse. Mas eu me esqueci que não se pode vencer eternamente, me esqueci da prudência e mergulhei fundo de mais. Já não consigo voltar a enxergar uma solução para mim.

O que eu me dispus a fazer, eu sei que pode salvar o mundo mágico, eu posso ajudar o Harry, e eu quero ajudá-lo, mas para mim está tudo perdido. É um preço alto a se pagar, - uma vida por outra – e tudo o que realmente importa é que funcione errado para que não haja mais sacrifícios. Só que isso seria quebrar a cadeia da vida, seria destruir conceitos tão ou até mesmo mais antigos que o próprio tempo. E isso, embora possua algum poder dentro de mim, eu não sou capaz de fazer. Vou rezar agora, e talvez chorar um pouco mais. É meu aniversário, estou prestes a ser alguém, ter alguma importância ao colaborar com o resto do mundo, mas eu morri, estou praticamente vazia por dentro. Salvo uma pequena chama de compreensão mutua que conservo com aquele homem que outrora fora meu mestre.

Às vezes, acho que a minha história se confunde com a de outras pessoas tão próximas a mim, mas daí percebo, não são tão diferentes assim, então não há nada de errado em embaralhá-las na minha cabeça, afinal essas pessoas fazem parte das minhas memórias também. Nunca vou me esquecer deles. De seus sorrisos calorosos, dos olhares de compreensão, do carinho, amor e confiança que se dispuseram a me oferecer tão abertamente.

Esta noite seus sorrisos vão se apagar, os olhares que outrora foram doces e cheios de carinho vão me incriminar e tudo o que eu acreditava ter vai deixar de existir. Porque eu vou me enterrar mais ainda nesse buraco em que me meti e não haverá mais luz para me guiar.

Enquanto isso, aproveito a história maravilhosa que minha infância pode me oferecer, embora ela não tenha sido tão maravilhosa assim.

Eu tive parentes muito compreensivos para com todos os meus problemas, eu driblei os meus medos corajosamente graças a eles e às vezes até mesmo por eles, por amor a todos os habitantes do meu pequeno mundo, um amor que eu nem acreditava ser capaz de sentir por qualquer pessoa.

Eu posso dizer nessa minha breve existência, que enfim tive amigos, poucos, mas os mais incríveis e preciosos de todos os seres desta terra. E eu os amo, e faço isso para que possa vê-los sorrindo através da chuva, esperando por mim de braços abertos. Porque, nessa minha estadia com eles aprendi a acreditar em mim mesma e a ter esperança. Mais um fardo que agora carrego no meu coração. Eu tenho esperança de que ainda me aceitem, tenho esperança de que as coisas melhorem a partir daqui dessa minha decisão insana.

Eu espero que ele me perdoe. Porque, por mais que eu às vezes o faça duvidar, eu o amo de verdade. Eu amo a todos aqueles que me mostraram que havia sim uma luz, e que se eu me esforçasse poderia alcançá-la. E eu vou alcançá-la...Esta noite.

As palavras já não fazem sentido. Eu já não faço muito sentido. Está óbvio que eu caminho em direção às trevas, e num ato maluco espero encontrar a luz.

Mas, não é isso que o bem costuma fazer?Quero dizer, sempre que está perto do fim uma atitude insana e totalmente impensável se mostra e tudo acaba bem?

Pelo menos era assim nos livros que eu costumava ler.

O que aconteceu com os velhos tempos onde eu brincava no jardim com os pássaros e admirava a beleza de tudo ao meu redor? Por que as coisas não podem ser como nos livros? Nem sempre previsíveis, mas, muito menos dolorosas.

Às vezes eu odeio a realidade, e toda a dor que vem com ela, mas não há nada que eu possa fazer, preciso vivê-la ou morrer por ela. Pela realidade dos outros que talvez eu possa fazer um pouco melhor.

Mas sempre que se dá para alguns, se tira de outros.

Por um breve momento eu pude perceber a quem estou traindo. E qual a minha surpresa ao me dar conta de que sou eu mesma? Estou prestes a trair tudo o que conheci, tudo o que fui, tudo o que amei, desejei e almejei mais profundamente durante tanto tempo. Vou trair meu passado, talvez eu deva realmente é jogá-lo fora, ele nunca me foi muito útil mesmo. Veja aonde ele me deixou afinal...Não importa, não faz diferença, é insano, mas é verdade. Eu vou pela paz, pela serenidade e para dar um basta a tudo isso.

Eu realmente preciso ir agora, o tempo urge.

Deseje-me sorte.

Com carinho, Amy.

Assim que retirou a pena do pergaminho as palavras desapareceram e no lugar de seus relatos outras duas palavras surgiram, numa letra que não era a sua.

"Boa Sorte".

Amy sorriu cansada. Eram dez horas da noite e as estrelas brilhavam fracamente naquele céu de verão. Fechou o livrinho negro e guardou-o carinhosamente em uma bolsa preta. A bolsa que levaria consigo naquela noite de suicídio. Ela estava prestes a entrar no covil das cobras, no ninho do inimigo, mas levaria consigo toda a experiência adquirida com pequenos jogos de estratégia e manipulação que jogara durante a vida, e o fato de que o inimigo não tinha noção do perigo que ela representava. Até porque, hipoteticamente falando, ela não representava perigo nenhum.

Levantou-se e se espreguiçou. Deixou o quarto com passos despreocupados, rumando em direção a cozinha para ver se Molly tinha deixado alguma comida ainda e para verificar se Severo já havia chegado da sua missão. Ela queria contar a ele seus planos, queria tanto, mas sabia que o sucesso deles dependia do silêncio. Qualquer coisa que quisesse falar teria de esperar o momento certo.

Quando chegou ao piso inferior, encontrou Harry sentado à mesa, com o cotovelo apoiado na madeira e o olhar distante. Hell também estava lá, com as costas apoiadas nas paredes de pedra fria. E o seu olhar irregelante encontrou com os olhos zombeteiros de Amy. As duas se cumprimentaram com um aceno de cabeça. Harry ainda não percebera a sua presença, estava de costas para ela, e Molly ao fundo lavava os pratos.

Amy observava cada movimento a sua volta, e se despedia em silêncio de todos. Imaginou que as crianças já estivessem deitadas em seus quartos há essa hora, com exceção de Harry é claro, já que se encontrava bem a sua frente. Ele andava muito tempo sozinho depois da morte de Sirius. E Hell também. Na verdade, era bem comum encontrar os dois juntos pelos cantos. Calados, mas se entendendo mutuamente com um misero olhar.

Amy sorriu, eles dois não estavam assim tão sozinhos quanto pensavam, agora tinham um ao outro. E fora a morte de Sirius que causara essa aproximação. Até mesmo nas coisas ruins podemos encontrar as boas. E era realmente bom que eles estivessem juntos, depois de tudo o que passaram, serão capazes de cuidar bem um do outro.

Olhar para os dois nessa parceria silenciosa fez com que se lembrasse de Flora. Sua mais antiga e querida amiga. Fazia muito tempo que não se viam. Desde que ela encontrara o amor nos braços do Weasley mais velho. Os dois viajavam o mundo em missões para a Ordem, enquanto ela permanecia trancafiada lá dentro, ajudando Severo a separar documentos antigos e a ministrar a poção mata-cão para Lupin. Mas não por muito tempo. Já estava tudo preparado. Havia escrito um bilhete que deixaria no travesseiro de Remo, explicando tudo e se desculpando. E quando ele lesse, ela já estaria muito longe para que pudessem alcançá-la e impedi-la.