Capítulo # 4

Recepção Saudosa

A melhor qualidade de um bom mentiroso é conseguir convencer as pessoas de que o que falam, sentem e pensam é a mais pura verdade. Os atores têm uma espécie de dom para isso (os de qualidade pelo menos...), o que não os torna muito diferentes de apenas bons mentirosos. Mas, o que a maioria das pessoas não sabe, é que isso exige uma concentração tremenda, sem falar em dedicação total ao "personagem". É preciso entregar-se por inteiro a mentira dentro de você, e torná-la real, uma verdade real à prova de qualquer veritaserum. O que significa apagar a verdadeira verdade dentro de sua mente.

Mas como fazer isso sem perder a objetividade? Seria confuso por demais, já que a mentira (geralmente e nesse caso, definitivamente) é contada para esconder os seus verdadeiros interesses. Não haveria sentido então em mentir se logo a mentira tornar-se ia real. Então como fazer para convencê-los? Como fazê-los acreditar em seus falsos interesses? Eram essas as perguntas que pululavam na mente de Amy enquanto ela rumava para o castelo de Lord Voldemort. As botas negras afundando na lama e a respiração tornando-se cada vez mais tensa.

Estava muito perto agora, e a vegetação ao seu redor tornava-se cada vez mais escassa, escura e sombria. O caminho inclinava-se gradativamente numa ladeira, à medida que ela ia se aproximando dos portões de ferro. Sentia suas pernas fraquejarem, o que já não era nenhuma novidade, afinal a tenção no ar era palpável. Atravessou os portões enferrujados e seguiu por uma extensa alameda cercada por árvores secas e já sem vida. A cada passo que dava a distância entre ela e as enormes portas de carvalho diminuía significativamente.

Uma rajada repentina de vento trouxe o rufar das folhas à distância, remexendo com os longos cabelos da garota e fazendo com que ela levantasse os olhos do chão e mirasse diretamente para o caminho a seguir.Subitamente toda a tenção contida no peito de Amy pareceu transbordar de uma vez só, no exato momento em que seu coração parou. De repente os sons já não eram audíveis e as cores ameaçavam misturar-se num redemoinho de ilusões, transformando o chão em um palco giratório e a folhagem ao redor em manchas disformes. Foi nesse momento também que Amy avistou a entrada do castelo, e logo ao lado recostado sobre a parede de pedra o vulto de alguém que ela jamais imaginou que veria outra vez desde que fugira de casa.


-Ora, ora senhorita Geller – disse ele com olhos lânguidos e a típica voz arrastada. Ainda surpresa Amy demorou-se um segundo a responder, mas quando o fez conseguiu esconder toda a euforia que estava sentindo.

Ora, ora Lúcio, o que faz aqui?

Nada mais do que o meu oficio... - disse ele desconversando – Venha comigo, o Lorde está esperando por você.

Ele a guiou para dentro e assim que cruzou o portal Amy sentiu um forte arrepio percorrer sua espinha, arrepio este que preferiu ignorar, afinal já era muito mais do que tarde para mudar de idéia.

Passaram por longos corredores de pedra escura e fria, o castelo parecia abandonado tamanho o silêncio. O único som que emitiam era o constante estalido de seus passos ecoando pelo assoalho. Permaneceram por mais um tempo assim, até que Lúcio decidiu quebrar o silêncio:

Sabe, eu não deixei Narcisa participar – disse ele, no que parecia ser uma tentativa de diálogo misturado com uma confissão.

Hm... – resmungou Amy, sem saber exatamente o que responder.

O que quero dizer é que talvez você deva repensar essa sua decisão. Afinal, isso aqui não é lugar para mulheres.

Belatrix é mulher. – Amy argumentou infantilmente. Lúcio deu um risinho debochado.

Você entendeu o que eu quis dizer...

Amy sorriu cúmplice – Mesmo assim, pretendo continuar. – disse sem olhá-lo nos olhos

Muito bem, a escolha é sua. – murmurou Malfoy desapontado.

Silêncio novamente. E à medida que se aproximavam de seu destino, Amy conseguia captar a tensão crescente no ar. Era como se todos estivessem ansiosos para que ela recebesse a aceitação do Lorde. Pois embora não tivesse visto ninguém durante todo o trajeto dentro do castelo, ela sabia que estavam ali. Não todos, mas provavelmente uma grande parte dos seguidores. Eles a observavam, e testavam a cada passo que dava. Essa percepção fez com que a jovem enrijecesse os músculos e corrigisse o olhar antes assustado. Devia ser resoluta e demonstrar que estava disposta a encarar o desafio.

O barulho ritmado dos passos continuava. Através de um portal, chegaram a um comprido corredor de pedra polida; iluminado por umas poucas tochas, que bruxuleavam aqui e ali.

Talvez fosse pela corrente de ar gelado que cruzava aquela passagem ou as conseqüências da chuva que Amy enfrentou de madrugada, ela não sabia bem, mas de qualquer forma sentiu os pêlos da nuca se eriçarem e o suor frio se acumular nas palmas da mão.

"Relaxe" dizia para si mesma "A dor leva a iluminação" inspirou profundamente "Pense assim e tudo correrá bem".

O fim do corredor estava próximo, uma imponente porta de carvalho encontrava-se logo adiante.

Os passos de Lúcio pararam abruptamente, interrompendo a sinfonia ritmada e despertando Amy de seu transe. Abriu a porta lentamente e fez sinal para que ela entrasse.

Espere aqui, logo o Lorde irá recebê-la.

A porta fechou-se, deixando Amy sozinha dentro do cômodo escuro.

Lúcio afastou-se da porta dando longas passadas. Ao contrário dos outros comensais, queria estar o mais longe possível dali e de preferência o mais rápido possível. Caminhou em direção ao Salão de Refeições totalmente em silêncio. Seu semblante exteriorizando a estranha preocupação que sentia. Afinal, essa garota que ele acabara de abandonar à própria sorte era descendente dos Delacroax, família da qual sua mãe tinha se originado. Ou seja, Amy era quase como uma parente para ele, uma parente com uma fortuna imensa como herança, uma parente distante o suficiente para desposar Draco...

Seria realmente um desperdício colocá-la na frente de batalha... – O homem suspirou pesadamente e balançou a cabeça com o costumeiro ar debochado:

Um desperdício, de fato. Disse consigo mesmo antes de entrar no Salão onde o resto dos comensais esperava pacientemente.

Para Amy a sala parecia ainda mais gelada do que o corredor...Era possível ainda, escutar o barulho de água correndo sob as pedras que compunham o chão, levando Amy a conclusão de que estava no âmago do castelo, incrustada bem no centro da propriedade, numa de suas partes mais antigas talvez.

O tempo passava lentamente para a garota, mais lentamente ainda agora que já terminara de analisar o pequeno e úmido ambiente...

Na saleta onde estava enclausurada havia apenas uma antiga lareira (também de pedra) apagada, uma poltrona de veludo negro a um canto e bem no centro da sala encontrava-se um objeto longo, alto e comprido, mas de espessura muito fina. Amy não sabia dizer o que era esse tal objeto. Também, como poderia, aquele estranho artefato estava encoberto por uma longa capa de tecido vermelho-sangue que impedia a visualização do que quer que ele fosse realmente.

Curiosa como era, Amy sentiu-se tentada a espiar por debaixo da capa, felizmente conteve-se e apenas analisou, sem tocar no objeto. Isso a manteve entretida por algum tempo, mas não tempo o suficiente e, cansada de esperar, sentou-se na poltrona mofada e ficou a observar a lareira vazia. Seus pensamentos, alguns quilômetros-luz distantes daquele lugar tenebroso.

Transportou-se então para os confins de sua mente e memória. A imagem de Lúcio a esperando na entrada, despertava em si antigas saudades, de quando a vida ainda era fácil, quando ainda morava na mansão Delacroax.

(flashback)

Foram anos tranqüilos aqueles que passara com seus avós maternos, já estando cansados das incessantes festas era raro que recebessem visitas. Os Malfoy estavam lá de vez em quando, com o filhinho deles, o pequeno Draco. Draco é um belo nome, Amy pensava consigo mesma, afinal ela sempre tivera uma queda pelo latim antigo. Mas ela se interessava mesmo era por Narcisa, não entenda mal, ela não tinha tendências homossexuais ou coisa parecida, o que realmente a fascinava era a maneira com que Narcisa hipnotizava o marido, mesmo já tendo sido mãe, continuava exuberante como um grande felino, sempre com uma pose graciosa e grandes olhos azuis por trás dos cílios espessos. E aquela longa cascata de cabelos dourados, brilhado ao Sol no jardim da mansão. Naqueles momentos de contemplação, Amy sentia-se feia com seu cabelo escuro como o breu e olhos tão estranhos, da cor do âmbar. "Nenhum homem há de notar em mim, sem nenhum atrativo descente" pensava, tristonha para logo em seguida sentir uma onda de inveja ao olhar para a jovem loira. Freqüentemente desejava que ela não pudesse comparecer as visitas, para que apenas Lúcio viesse, e para que ele dedicasse toda sua atenção a ela, Amy Geller.

Uma noite, seus desejos tornaram-se realidade. E ela não pode evitar registrar cada momento em seu 'querido' diário:

"Já era fim de tarde quando a chuva parou e caminhamos pelas ruas enlameadas até a loja de animais ...Acho que vovó também estava cansada, pois assim que saímos da loja com mais um pacote, a primeira coisa que fez foi chamar o carro do ministério para nos pegar.

Entrei carregada de sacolas, que depositei no chão magicamente ampliado, como todo o resto do interior daquele carro, apoiei meu cotovelo na porta e fiquei com os olhos distantes, mirando toda e qualquer coisa que passava pelo lado de fora da janela.

Quando chegamos, um dos elfos doméstico nos anunciou que vovô nos esperava para o jantar. A essa hora eu não tinha a mínima vontade de fazer qualquer outra coisa que não fosse tomar um banho quente e me deitar em minha cama macia. Mas isso seria uma desfeita para com este homem, que apesar de tudo, nos sustentava. Sem falar no discurso que minha avó faria depois. "Francamente Amelie, se você não consegue se disciplinada e educada em sua própria casa, não quero nem imaginar fora dela, ou longe de mim sequer!" Eu poderia ser bem educada assim que voltasse a sentir as minhas pernas, obrigada.Em todo o caso, tomei um belo banho, coloque um vestido branco esvoaçante que julguei ficar muito bem em mim, prendi as pontas da frente do meu cabelo para trás com uma fita dourada e desci para a sala de jantar, onde Lucio Malfoy se encontrava sentando ao lado direito de meu avô que estava na ponta daquela mesa desnecessariamente longa.

- Desculpem-me pelo atraso. Murmurei olhando para o chão e sentindo o meu rosto corar, tanto de vergonha pelo atraso como de surpresa por encontrar aquele homem à mesa de jantar.

- Senhorita Geller, que prazer em vê-la. Disse Malfoy, levantando-se e beijando a minha mão. – Sua presença é bem vinda, com ou sem atraso. Ele me olhou com aqueles olhos gelados e um arrepio percorreu a minha espinha. Controlando-me para não tremer, lancei um sorriso amarelo, me sentindo uma completa idiota por me atrasar propositalmente. Vovô sorriu para mim e convidou-me a sentar enquanto ele e Lucio retomavam sua conversa sobre estratégias políticas e sobre o ministério estar fora de controle.

Vovó que estava do lado esquerdo de vovô, fez um sinal com a mão que dizia para eu me sentar ao seu lado. Fiquei contente em reparar que Narcisa não estava presente. Não seria capaz de agüentar os olhares que Lucio concedia para ela e não concedia para mim.

Nesse momento creio que fica evidente a minha afeição pelo senhor Malfoy, e sem receio, lhe digo que não teria sido um mau casamento, eu não teria recusado pelo menos, mas agora já era tarde de mais para esse tipo de especulação. O jantar foi servido quinze minutos mais tarde, assim que os homens terminaram seus drinques. No meio de toda aquela quinquilharia de talheres de prata, copos de cristal, velas e candelabros, eu pude reconhecer algo parecido com um ganso assado, alguma espécie de maionese e saladas coloridas. Havia mais outros assados e um ensopado também. Quando o aroma da carne invadiu minhas narinas foi que me dei conta do quanto estava faminta, me mantive em pé durante um longo e cansativo dia de compras apenas com um parco almoço. Acontece que eu era totalmente influenciável diante a presença do Senhor Malfoy. E como a dama que era, tratei de comer como se deveria. Pouco e delicadamente bebericando uma taça de vinho.

- E então Lucio, como vai Narcisa? Vovó perguntou com um falso interesse estampado no rosto.

- Ela vai ficar bem, só precisa de repouso os médicos disseram. Ele mantinha o olhar frio e a voz arrastada.

- Oh Merlin! Quando fiquei sabendo mal pude acreditar! Continuou vovó, agora com o olhar pesaroso. Eu não fazia a mínima idéia do que estavam falando.

Perder um bebê, tão jovem ainda. Pobre mulher...

- Bah...Ah sim, uma tragédia. Tragédia é o que eu lhe digo. Vovô disse meneando a cabeça negativamente.

- É sim, concordou Lucio sem muito entusiasmo. Por um momento acreditei que o pobre Draco havia sofrido algum acidente, mas então...

- E o pequeno Draco? Como fica até a mãe se recuperar? Vovó perguntou. O que me deixou aliviada. Não sei por que, mas de certa forma eu simpatizava com o pequeno Malfoy.

- Ele está com uma parente nossa, não se preocupe Fainne. E ele sorriu para ela.

Enquanto ele falava, eu pude observar que, embora demonstrasse indiferença, estava abalado e cansado. E não pude deixar de admirá-lo ainda mais como homem. Tão bonito; tão nobre, mantendo-se forte diante de uma situação dessas, que convenhamos não é das mais fáceis.

- E fiquei sabendo que Amelie está indo para Hogwarts esse ano. Disse Lúcio. É minha impressão ou ele acabou de dizer meu primeiro nome? – Isso é verdade? Perguntou sorrindo para mim, esperando por uma resposta. Acenei com a cabeça positivamente, um sorriso tímido e um olhar insinuante se formando em minhas feições.

- Bem, espero que nos faça orgulhosos quando entrar para a Sonserina. Falou olhando para o vovô.

- Darei o melhor de mim. Disse eu confiante e altiva, para que ele prestasse atenção.

- Então já sabe das quatro casas de Hogwarts?

- Sim. Foi um sim bem delicado esse.

- Alguma preferência? Perguntou-me em tom de desafio

- Sonserina sem dúvida. Uma casa que reúne todas as qualidades que as outras mesmo juntas não conseguiriam reunir. Ele sorriu novamente para mim, admirado, como se tivesse orgulho dessa minha falsa opinião. Falsa porque eu não tinha uma casa favorita. Sabia apenas que jamais seria uma Lufa-lufa (não por ter algum preconceito, mas simplesmente não se enquadrava ao meu perfil). E como não tinha uma verdadeira opinião já formada, tratei de criar uma rápida e que pudesse agradá-lo ao mesmo tempo. Tinha dado certo pelo jeito.

- É uma garota exemplar que você tem aqui, Gerald.

- É, é sim. Bah...Vai dar uma boa mulher, vai sim, eu lhe digo. Vovô falou daquele seu jeito estranho, como se estivesse falando sozinho.

- Mais ensopado? Ofereceu vovó.

- Ah...Não. Me perdoe Fainne. A comida estava deliciosa, mas eu preciso ir. Já está na minha hora. Dizia Lucio, já se levantando. Fiquei triste, achei que ele fosse passar a noite na mansão conosco. Mas provavelmente iria voltar para a sua 'querida' Narcisa.

- Foi um prazer recebê-lo, senhor Malfoy. Arrisquei dizer, me levantando prontamente para me despedir.

- O prazer foi todo meu em estar aqui, Amelie. Uma boa noite para você. E acariciou meu cabelo com aqueles dedos longos, ele sorria e tinha um brilho misterioso nos olhos frios. Eu o encarei altiva, tentando demonstrar alguma dignidade diante daquela forte presença que ele tinha:

- Igualmente.

- Senhor Delacroax, Senhora Delacroax. Cumprimentou-os com um aceno de cabeça.

- Foi bom vê-lo Lucio. Mande lembranças a Narcisa.

- Certamente que irei. E boa sorte em Hogwarts Amelie.

- Muito obrigada.

- Bem, então até uma próxima vez. E desaparatou.

Logo depois, meus avós se retiraram da mesa e os elfos prontamente vieram recolher as sobras e limpar a sala.

- Bah...Foi um dia e tanto...Disse vovô com um suspiro cansado.

- Venha querido, já está tarde, vamos nos deitar. Boa noite Amelie, querida. Você se portou lindamente esta noite. Estou orgulhosa de você. Disse e me beijou a fronte.

- Obrigada vovó. Ela sorriu de volta para mim. Eu estava muito feliz.

- É isso mesmo, bah...muito bem 'picurrucha'. E me deu um cafuné, desfazendo todo o meu cabelo.

- Obrigada vovô. Dei uma risada tentando fugir do cafuné desmancha-penteado.

- Boa noite, pequena.

- Boa noite.

Subi saltitando as escadas até o meu quarto, onde a lareira estava acesa e espalhava um calor reconfortante por todo o ambiente. Coloquei minha camisola de cetim branco e rapidamente me enfiei dentro das cobertas. Finalmente estava livre para sonhar..."

(fim do flashback)

Amy riu de si mesma ao lembrar desse passado distante e de como havia se sentido há poucos minutos atrás ao encontrar Lúcio pela primeira vez depois de tanto tempo.

"Tanto tempo..." suspirou saudosa. Tanto tempo e ele ainda lhe causava esse efeito borboleta.

Mas agora havia Severo, e ninguém poderia nem sequer conjeturar substituí-lo, especialmente uma antiga paixão boba como essa que sentira por Lúcio.

"Severo..." de olhos fechados, sussurrou lentamente o nome daquele homem com uma paixão reprimida. Sentindo um calor inexplicável possuí-la. As batidas do coração aceleradas. Ela o amava, e isso doía. "Espero que me perdoe..." uma lágrima fujona escapou por entre suas pálpebras e escorreu veloz por sua bochecha. Amy não fez questão de secá-la, muito pelo contrário, queria senti-la, sentir intensamente que Severo fazia parte dela e da vida dela.

Foi nesse momento que ouviu o barulho de passos no corredor por onde passara. Rapidamente secou a lagrima, banindo toda e qualquer saudade da mente e do coração. Precisava estar preparada, pois sentia, agora mais do que nunca que este era o momento crucial.