Nereida

Por Senhorita Kaho Mizuki

Uma tarde fresca e ensolarada, o ar da maresia enchia seus pulmões, quando respirava fundo e tranqüilo. Abaixo, à esquerda, uma frota de navios cargueiros descarregava caixas de mercadorias, homens trabalhadores, suados e cansados, mas felizes em sua rotina à beira da praia. Sorriu e virou seu olhar para frente, para o horizonte, onde uma linha tênue separava o mar e o céu, distanciando-se ambos como dois mantos infinitos. Tão diferente da sua terra, onde o chão e os lagos congelados formavam um manto branco de neve e gelo, para qualquer lugar onde a vista se estendesse. E frio, ali era tão quente, havia o mar para se refrescar, o sol para esquentar-lhes os corpos.

Suspirou e fechou os olhos, e então foi acordado de seu devaneio ao sentir que lhe jogavam água. Ergueu-se assustado, mas ao divisar os três rapazes dentro do mar, zombando dele, assumiu uma expressão aborrecida, enxugando o rosto com a barra da camisa branca. Estava sentado nas pedras, pouco acima das que eram banhadas pelas ondas, elas se fechavam e formavam um nicho, criando uma espécie de piscina natural. Um dos rapazes ergueu seu tronco numa rocha, mas sem sair da água, um sorriso que iluminou seu rosto juvenil.

– Sonhando acordado, Isaac?

– Não me enche, Sorento!

Olhou o jovem com fúria, então Sorento jogou água no finlandês, tirando sua barbatana de dentro do mar para isso. Sim, ele possuía barbatanas, os três dentro do mar possuíam, eram tritões, que um dia foram guerreiros exibindo armaduras douradas em defesa de seu deus. Agora eram simples rapazes, ou fingiam assim ser. Sorento, Io, Baian e Isaac já não eram os guardiões dos sete mares, Mas nem por isso a missão de proteger Posseidon estava encerrada. Eles sabiam, ele estava vivo, confinado, dormindo um sono profundo, dentro do corpo mortal de Julian Solo, um herdeiro milionário.

Seria uma heresia imperdoável abandoná-lo, mas tinham de agir com cautela, fingir ser simples empregados da mansão Solo, Julian não se lembrava do que acontecera, aparecer para ele do jeito que eles realmente eram seria impossível. Como as lendas sobre as ninfas do mar, eram metade humanos, metade peixes, possuindo belas escamas brilhantes e coloridas ao invés de graciosas pernas dentro do mar. Mas nada que impossibilitasse sua vivência em terra. Isaac não possuía barbatanas, nascera humano, na Finlândia, sendo um órfão treinado na Rússia ainda socialista para se tornar um cavaleiro de gelo. Mas o destino o fez se tornar um cavaleiro marinho...e perder uma das visões.

O finlandês tocou a imensa cicatriz que tomava a metade de seu rosto, vendo Sorento voltar para a água e juntar-se aos outros dois. Eram tão lindos, corpos esguios que se tocavam e acariciavam, enroscavam suas caudas umas nas outras, num jogo de sensualidade. "Ninfas do mar...", sussurrou, hipnotizado pela bela visão abaixo de si, então fez uma careta de dor, cerrando a mão que tocava sua cicatriz, "e eu sou o monstro Kraken! Exatamente como na lenda...".

Uma lágrima caiu de seu único olho, acompanhada de um soluço que não pôde conter. Mas os três estavam alegres e ocupados demais para perceber a tristeza do amigo.

Depois de percorrer uma longa estrada, ladeada de milhares de árvores plantadas com rigor, a limusine negra percorre os domínios da mansão, parando próximo à praia. Um homem alto de cabelos longos e azulados desce, abotoando o terno preto ao fazê-lo. Vai até a outra porta do carro e a abre para um jovem também de cabelos azulados, porém mais curtos. Faz um gesto de agradecimento ao homem, sorrindo polidamente.

– Obrigado, Kanon.

– Porque quis vir direto para cá e não antes passou na mansão, meu senhor?

– Saudades do mar...

– Hahaha. Mas o senhor ficou só um dia fora!

– Eu sei...

Deu um sorriso alegre ao responder, o mar era sua vida, seu sustento, o meio que ergueu sua família e lhes deu poder e prestigio. Abriu os braços e respirou fundo, odiava tudo o que lhe afastava dele, compromissos, contratos, e tudo que envolvesse negócios. Mas era preciso, então suportava.

Levantou uma sobrancelha, reconheceu o jovem sentado curvado nas pedras como o garoto Isaac. Pôs as mãos nos bolsos e decidiu aproximar-se, o rapaz notou o barulho atrás de si e espiou para trás, fez uma cara de espanto e virou-se para a piscina. Pegou uma pedra pequena e a tacou nos garotos dentro da água, acertando Io, que gemeu e o fulminou com o olhar.

– Mas que idéia idiota é essa, Is...Isaac?

Percebeu que o rapaz gesticulava energicamente, fazendo sinais estranhos. Era Julian! Tinha chegado de viagem, se os vissem daquela maneira, era o fim.

– Descansando um pouco, Isaac?

Continuava a gesticular até que parou estático ao ouvir a voz do grego, então virou-se lentamente, exibindo um sorriso sem graça.

– Desculpe, eu... eu já ia voltar para o trabalho, só estava...estava...

– Haha... tudo bem, Isaac, tudo bem...não vim te repreender. Você é muito trabalhador, merece um descanso.

– Obrigado, se-senhor.

Abaixou a cabeça, constrangido aos encontrar seus belos olhos azuis e brilhantes no rosto do jovem comerciante. Sua franja farta escondia boa parte da cicatriz que tanto o martirizava, mas não a lágrima que ainda continuava na outra face. Julian ergueu a mão para secá-la, mas o finlandês recuou assustado ao toque de seus dedos. Um clima tenso e silencioso envolveu os dois, então ouviu-se um ruído, Julian ergueu uma sobrancelha, enquanto Isaac retesava os ombros com medo.

O grego colocou as mãos na cintura, olhando para além do russo. Aproximou-se mais, subindo nas pedras, ficando ajoelhado diante de Isaac e então ficando sobre ele, colocando uma mão atrás do rapaz e olhando para baixo, para a piscina natural. O cavaleiro marinho engoliu em seco, cerrando o olho, sentindo o corpo próximo a si, seu perfume, seu calor. O patrão era muito bonito, sentia a maciez de seu cabelo tocar-lhe a face marcada.

– Um lindo dia para se distrair, não é... Isaac?

Abriu os olhos, um arrepio percorreu seu corpo ao sentir seu lábio tocar sua orelha. Julian se afastou um pouco, ficando com o rosto próximo da de Isaac, sorriu gentilmente. Desceu das pedras e acenou para o rapaz, antes de virar-se e entrar no carro novamente. Kanon acenou bem humorado para ele também.

Respirou aliviado quando viu o carro partir, olhou para trás, havia nada, foram espertos a ponto de se esconderem a tempo. Mirou novamente o horizonte, melancólico, aquele não era seu lugar. Um lugar de pessoas bonitas, alegres, sedutoras. O que um homem deformado, tímido e sem jeito estava fazendo entre eles? Antes uma Sibéria fria e deserta...

Parou a colher a caminho da boca, descendo-a de volta ao prato, notando algo. A ausência de alguém na mesa. Da cabeceira, Julian olhou para todos os presentes, que comiam silenciosos, parando na cadeira vazia entre Tétis e Io. Era o costumeiro lugar onde Isaac comia, cabisbaixo e quieto, escondido e sem participar das animadas conversas do jantar. Virou-se para Kanon, ao seu lado na mesa.

– Isaac está bem?

– Sim, sim, está. Ele disse que só estava um pouco indisposto e pediu desculpas por não comparecer à mesa.

Sorriu, era mentira, não havia encontrado Isaac em lugar algum da mansão. Mas Julian pareceu aceitar a desculpa, pois apenas baixou a cabeça e voltou a tomar sua sopa. Teria de se retirar da mesa com discrição, sem levantar suspeita, e sair procurando pelo menino russo.

Carregando uma bandeja, Kanon viu a luz do quarto do garoto acesa, empurrou a porta com o pé. Isaac estava na varanda, fazendo flexões sem parar, seu corpo estava suado e vermelho a respiração ofegante lhe falhava a voz ao contar o número de flexões. Dragão Marinho balançou a cabeça, inconformado, ia acabar se matando daquele jeito, sem comida no estômago, fazendo exercícios em excesso. Depois dormia com o corpo dolorido e vinha se queixar.

Colocou a bandeja de comida na mesa perto da varanda, então o garoto o percebeu, sentando no chão, enxugando a testa com as costas da mão. Virou o rosto para cima, mirando Kanon, o coração acelerado e respirando de boca aberta, enquanto o outro se sentava ao seu lado. Intimidado pelo olhar do cavaleiro mais velho, baixou o rosto.

– Onde estava?

– Estava quente, fui dar um passeio.

– Podia ter avisado que não ia jantar...

– Hn, pra quê? Não iam notar minha ausência mesmo.

– Eu notei... – o menino continuou indiferente – e Julian também. Tive de inventar uma desculpa.

O finlandês o olhou admirado, piscando. Viu o sorriso cúmplice de Kanon e encolheu os ombros, ruborizado. Não comparecera ao jantar, porque simplesmente não se encaixava, eram todos lindos, perfeitos... e ele uma aberração. Kanon queria apenas animá-lo, e só cuidava dele porque prometera a Camus que o faria.

Apesar de seu desânimo, sua barriga roncou alto, fazendo o cavaleiro mais velho rir. Encolheu-se mais ainda, abraçando sua barriga ingrata à sua tristeza. Kanon pegou a bandeja, ajeitando-a sobre seu colo, e ergueu seu rosto para levar a colher até sua boca. E assim, como uma criancinha, serviu toda a sopa, limpando os cantos dos lábios com a ponta dos dedos, num gesto de ternura.

– Amanhã irei ajudar alguns pescadores, quer vir junto?

– Pescar em barcos? – um sorriso iluminou seu semblante melancólico.

– Sabia que ia gostar.

Jogou os papéis em cima da mesa, encostando as costas no espaldar da poltrona de couro, suspirando cansado. Io andava de um lado para o outro do escritório, com seu bloco de anotações na mão, falando sem parar nos compromissos do dia. Suspirou cansado, acompanhando-o com os olhos semi cerrados, com sua expressão de tédio. Ser herdeiro de um Império como os do Solo dava trabalho, além de ser uma tarefa enfadonha. Com o canto dos olhos, mirou para além da janela comprida e aberta, onde podia ver seus navios, com seus empregados trabalhando arduamente. Mil vezes ser um pescador e só se preocupar com a comida do dia seguinte.

Franzindo as sobrancelhas e se endireitando na poltrona, apertou os olhos, para focalizar melhor à vista, notando algo. Deixando Io falar sozinho, andou até a janela, encostando a cabeça na parede, com um sorriso nos lábios. O General Marinho parou de falar e engasgou, não o encontrando na mesa. O viu na janela e bufou, por Zeus, será que não podiam trabalhar direito? Se aproximou e então percebeu o que via, deu uma risada abafada. Como de costume, Kanon ajudava alguns pescadores, com a eterna companhia do cavaleiro Kraken.

– Desculpe, meu senhor. Eu sei que Kanon é uma visão linda de doer, mas pensei que o trabalho vinha antes do prazer.

Percebendo o tom zombeteiro, olhou-o de esguelha, dando um sorriso malicioso.

– E quem disse que estou olhando para Kanon?

Skilla piscou os olhos, confuso, olhando de novo para os navios, enfim percebendo do que se tratava. Vestindo uma calça jeans surrada, que lhe aderia à pele das pernas torneadas, o peito bem talhado descoberto, brilhando ao sol coberto de suor. Puxava a rede cheia de peixes, fazendo com que os músculos dos braços e costas se retesassem. Sorria para o mestre grego, tornando sua figura mais sedutora e irreal. Julian mordiscou o lábio inferior, embevecido. O outro deu outra risada abafada e largou o bloco de notas, encostando-se do outro lado da janela.

– Ah...o tímido Isaac. Imagino como ele deve ser na cama, deve praticamente explodir.

– Julian olhou-o assustado com seu tom de voz, com as sobrancelhas franzidas, estava falando sério. – Você...

– Não, não! Nunca tentei algo, ainda que quisesse muito. – levantou as palmas, se defendendo – Se eu tocar em um fio de cabelo em Isaac, Kanon me mata. Ele ama o garoto mais do que tudo, mataria quem o magoasse.

– Kanon... o ama?

Piscou, viu Io acenar com a cabeça. Voltou a olhar para fora da janela, os dois cavaleiros marinhos pareciam se entender apenas com olhares e sorrisos, Isaac estava muito feliz. Baixou os olhos, sentindo-se estranho.

– Não estou me sentindo bem, Io. Por favor, peça para que Kanon me substitua na empresa hoje, sim?

– Como desejar. – sorriu e fez uma mesura.

Voltavam para a mansão, ainda era cedo, faltavam algumas horas para o almoço. Kanon abraçou os ombros do jovem finlandês, que o olhou e sorriu feliz. Era aquilo que o realizava agora, ter Isaac perto de si e vê-lo alegre, vê-lo esquecer seu passado e sua cicatriz, junto com o rancor. Tinha aprendido que a ambição levava a nada, havia coisas mais importantes para se importar, como o pupilo de Camus.

Encontraram Io no meio do caminho, vestido socialmente. Queria falar com ele. Mandou Isaac entrar na mansão e tomar um banho, o menino acenou e obedeceu-o. O cavaleiro de Skilla virou-se para vê-lo, descendo o olhar até o traseiro do rapaz, sorrindo malicioso. Mas logo recebeu um puxão de orelha, acompanhado de um olhar de fúria do Dragão Marinho.

– Ei! Calma! Olhar não arranca pedaço! – esfregava a orelha dolorida.

– Diga logo o que quer.

– Hunf! Julian quer que o substitua hoje, ele está um pouco indisposto.

– Indisposto? Porque não fala que não está a fim de trabalhar logo de uma vez? - Tirou a camisa e foi andando – Deixe o carro pronto, vou tomar um banho. Em meia hora eu desço.

Hesitou na porta, não era uma boa idéia entrar pela frente, estava cheirando a peixe. Sorento iria armar um escândalo se o visse na sala sujo como estava. Deu a volta, entrando pela cozinha. Já havia bastante movimento nela, com as cozinheiras andando para lá e para cá, afobadas. Viu a governanta e andou rápido, rezando para que não o visse ali. Tarde demais, a velha senhora o avistou, e foi até ele, com uma cara de poucos amigos.

– Onde estava, mocinho? Tem trabalho a fazer! – sentiu o cheiro de peixe e apertou o nariz, fazendo uma careta – Mas que cheiro! Direto para o chuveiro, e rápido! Há batatas a serem descascadas e cenouras a serem picadas, e sabe que faltam empregados suficientes nessa casa!

– Si-sim senhora!

Recebeu a enxurrada da mulher, apenas acenando atrapalhado com a cabeça. Quando saiu da cozinha, respirou aliviado. Foi se arrastando até seu quarto, entrando no chuveiro com roupa e tudo.

Viu pela janela Kanon entrar no carro, sorrindo satisfeito. Dentro de seu quarto, espreguiçou-se, havia tirado as roupas formais, colocando apenas uma calça e uma camisa leves, há quanto tempo não ficava assim, à vontade. Saiu e desceu as escadas, indo para a ala de quartos de hóspedes, onde Kanon e os rapazes dormiam. Andou pelo corredor confuso, qual era o quarto de Isaac? Parou ao ouvir o barulho de água caindo, sorriu e encostou a orelha numa porta, era aquela.

Abriu a porta sem fazer barulho, olhando o aposento inteiro. Ora, mas ali estava o quarto típico de um adolescente. Diferente do seu, que parecia mais museu. A cama desarrumada, o pijama jogado em cima displicentemente. A tv com o vídeo game ligado, os joysticks no chão. Pôsteres de jogadores de futebol e basquete espalhavam-se pelas paredes, na varanda, uma bola gasta e suja, junto de um tênis em igual estado. Alteres e pesos, descobriu onde se exercitava, escondido de todos.

Um lugar totalmente novo para ele, sentiu-se bem. Jogou-se na cama, tirando os sapatos, olhando para o teto e suspirando. Nesse momento Kraken saía do banheiro, com uma pequena toalha na cintura e outra na cabeça, esfregando na cabeleira. Parou de cantarolar e ficou estático ao ver Julian esparramado no seu colchão, olhando-o sorridente e dando um animado "oi".

– Hoje decidi tirar uma folga, pensei que talvez pudéssemos fazer alguma coisa.

– Pude... eu e você? – apontou atrapalhado, o grego acenou – Ce-certo...

Sentou na cama de costas para Julian, vermelho e confuso, colocando uma bermuda. Encostou as costas no espaldar da cama, segurando os joelhos contra o corpo, sendo imitado por Julian, que se postou ao seu lado. Suspirou desapontado, estava tímido de novo perto dele, esperar alguma iniciativa de Isaac ia ser impossível. Olhou para o criado mudo, pegando um álbum de fotos que estava em cima, abrindo-o. O finlandês sorriu tímido e pegou o álbum, começando a apontar e identificar as pessoas nas fotos.

– São meu mestre Camus e Hyoga, e as pessoas do vilarejo onde morávamos, na Sibéria. Aqui tínhamos dez anos. – mostrou uma foto dos dois garotos abraçados, sorrindo para a câmera.

– E esse? – apontou para uma foto onde Camus estava sendo abraçado por um homem.

– Ah... esse é Milo...

Fez uma careta e virou a página, revelando uma foto recente. Hyoga e ele estavam lado a lado, o Cisne tinha um esparadrapo cobrindo um dos olhos, obra sua. Ficou olhando para a foto, triste e de olhar vazio. Julian fitou seu perfil melancólico, chegando-se mais ao finlandês. Porque olhava tanto a foto, gostava muito daquela pessoa? Era um rapaz muito bonito, os cabelos dourados refletiam a luz. Mas Isaac estava triste na foto, era como se sentisse ofuscado, opaco.

Por isso Kanon o protegia tanto? Apesar do corpo forte, parecia tão frágil. Fez virar seu rosto para encará-lo, surpreendeu-se, não notara que estavam tão perto um do outro. Depositou um beijo de leve no canto da boca do finlandês, que arregalou os olhos, surpreso. Depois sorriu e segurou o rosto de Isaac, tomando a boca dele, gentilmente, movendo sobre os lábios que ainda resistiam cerrados, lambendo e mordiscando o lábio inferior. Sentiu a respiração do outro ficar pesada e então afastou Julian de si, com um safanão.

Ficou de costas para o grego, na beira da cama, curvado e com a mão na boca, respirando ofegante. Solo tentou tocar sua face marcada, mas o outro logo recuou amedrontado, olhando-o com os olhos vidrados. Porque fizera aquilo, por acaso era alguma brincadeira de mau gosto? Viu Julian baixar os braços ao longo do tronco, mirando-o sem entender sua recusa.

– O que foi, Isaac?

– Que tipo de brincadeira é essa? – rosnou.

– Não é brincadeira, Isaac. Porque é tão difícil aceitar que alguém goste de você?

– Olha para mim, olhe bem. Para o meu rosto, o que vê?

Apontou amargurado para a cicatriz que tomava quase a metade do rosto. Suspirando, Julian se levanta, procurando algo pelo quarto. Encontra um espelho e o pega, colocando-o na frente de Kraken. Ao se ver refletido, desvia o olhar, o grego se posta atrás dele e segura seu rosto firmemente, obrigando-o a se olhar para o espelho. Afastou o cabelo esverdeado da nuca, encostando seu queixo no ombro dele, abraçou seu peito.

– O que eu vejo? Um rosto exótico e másculo, um lindo e brilhante olho verde, cabelos macios. E o corpo de um deus, frio e ao mesmo tempo quente... se olhe no espelho, Isaac. Você é deliciosamente suculento...

Dizia tudo com a boca encostada na sua orelha, a voz provocativamente rouca, causando arrepios na espinha, enquanto sua mão acariciava o peito largo e nu, ainda úmido e quente do banho, aspirando o cheiro do cabelo molhado e perfumado. Mordiscou o lóbulo da sua orelha, antes de forçá-lo a virar o rosto para si, tomando a boca dessa vez com fome e urgência, não mais a gentileza de minutos atrás.

O finlandês soltou um gemido abafado ao sentir a língua invadir sua boca, sugando-a. Sem equilíbrio pelo ataque inesperado, acaba se apoiando em Solo, deixando-o brincar com seus mamilos, aperta-los até que gemesse de dor. Julian o deixa deslizar ao colchão sem forças para resistir, sorrindo ao vê-lo submeter-se obediente.

Passou a depositar vários beijos na face dele, descendo mais e mais, mordiscando, lambendo e chupando a pele macia, provando seu gosto, cada poro transpirando desejo. Isso, que liberasse seu desejo reprimido, e explodisse, justamente como Io lhe falara. Queria vê-lo perder a compostura, a timidez e gritar seu nome em êxtase. E que Kanon soubesse que conseguira enlouquecê-lo. Parou em um mamilo, mirando-o e sorrindo, para então passar a língua e morder, recebendo um grito de dor em resposta. Depois o beijou, como se para se desculpar, olhando para a cara transtornada de Isaac.

Ele falara em alguém gostar dele, o chamara de deus, dissera que era suculento. Que não fosse mentira, não logo vindo dele, da reencarnação de Posseidon. Julian era tão lindo e gracioso, sensual apenas na forma em que andava e gesticulava. Gentil e elegante, educado para agradar e dominar. Desde o começo atraíra sua atenção, seu desejo, seu coração. Mas sabia que nunca teria seu olhar dirigido a si daquela forma, com luxúria, estava cercado de beldades, porque o faria?

Era um sonho, e quando acordasse para a realidade iria querer morrer. Escondeu o rosto entre os braços, tremendo com o toque das mãos e da boca molhada na sua pele. Sentiu sua bermuda ser tirada e suas pernas acariciadas, sentiu a maciez dos cabelos de Julian entre elas. Arfou quando se aproximou mais, beijando e chupando a parte interior das coxas, chegando na virilha. O grego sorriu ao ver a ereção pronta para seu deleite, a beijou e passou a ponta dos dedos de leve em toda a extensão, torturando o russo, que apertava ainda mais os olhos e os braços à medida que o tocava.

Solo riu baixinho, ah, era tão sensível... Isaac gemia, pedindo que parasse. Mas não queria parar, queria levar essa tortura deliciosa adiante. Achando que já tinha feito sofrer o bastante, deixou as caricias suaves de lado e lambeu o sexo túrgido do rapaz, antes de tomá-lo por inteiro na boca. Kraken sentou na cama num pulo com o choque, exasperado se viu dentro daqueles lábios carnudos.

– Julian... não faz isso...não!

Arqueou as costas para trás quando o sugou com força, e continuou a sugar e a manipulá-lo com a mão, lançando um olhar para o finlandês, que o olhava suplicante, soltando pequenos gemidos arfantes. Aumentou o ritmo da sucção, enlouquecendo-o ainda mais. Levou a mão à cabeleira azul, espalhada pela sua barriga e coxas, para afastá-lo, mas não conseguiu, apenas passando os dedos pelos fios sedosos.

Não agüentava mais, a boca dele era tão quente e úmida, apertada. Ia aumentando o ritmo mais e mais, ajudado pela mão subindo e descendo, até que Isaac foi tomado por espasmos, inundando o interior da boca de Julian. Fechou os olhos, desabando na cama, ofegante, e quando os abriu, viu o grego lamber o líquido viscoso dos dedos, duas gotas escorrendo pelos cantos dos lábios. Lambia como se estivesse degustando um doce.

Foi assaltado por uma terrível vergonha, enrubesceu e se jogou de bruços na cama, se cobrindo dos pés a cabeça. Solo parou de lamber os dedos e franziu a sobrancelha, estava tremendo e chorando. Fora tão ruim assim? Se aproximou do garoto, esfregando suas costas sob o cobertor, para confortá-lo.

– Isaac? – sua voz era gentil.

– Vai embora!

– Está sendo infantil!

– Nervoso, Julian arranca o cobertor, descobrindo o finlandês nu, deitado de barriga para baixo, escondendo o rosto entre os braços cruzados. Sorrindo malicioso, passa a mão pelas costas dele, seguindo pela espinha, sentindo-o tremer e se encolher. A mão continuou até chegar nas duas nádegas macias e firmes, arrebitadas, enchendo a mão na carne quente de uma delas. Levou os dedos ainda melados à boca, molhando-os bem, para depois desliza-los pela fenda entre as nádegas. Isaac arregalou os olhos e olhou para trás, gritando de dor ao sentir ser invadido.

– Pára! Isso dói!

– Relaxe... ou irá doer mais...

Disse com a voz rouca, perto da orelha dele, enquanto penetrava os dois dedos longos o máximo. Como resposta, o finlandês ergueu os quadris, para facilitar a penetração, gemendo e deixando as lágrimas de dor correrem. Julian começou a tirar e pôr os dedos, às vezes lento, outras mais rápido. Mordiscava sua nuca e orelha, enquanto massageava seu interior. Isaac mordia o dedo, para evitar que gritasse ou gemesse mais alto.

Sentiu os dedos o abandonarem e ele se afastar, não se virou para ver, talvez tivesse ido embora. Então uma mão passou pelo seu rosto, fazendo-o virar para cima. Julian estava de joelhos na cama ao seu lado, havia tirado a roupa. Kraken suspirou, era tão lindo, era mais alto e esbelto que ele, tinha uma aparência delicada mas forte, longe da sua própria embrutecida pelo treino constante.

– Quero vê-lo enquanto o faço...

O finlandês franziu as sobrancelhas e piscou confuso, fazer o que? Mas logo sua boca foi tomada por um novo beijo intenso, enlaçando e sugando sua língua. Ficou por cima de si, acariciando o sexo novamente intumescido, pôde sentir que o grego estava no mesmo estado, entre suas barrigas. Separaram as bocas e Julian depositou um beijo terno na sua testa, antes de pegar suas pernas e as colocar nos seus ombros, do lado da sua cabeça.

Sorriu gentil e beijou uma das coxas, Kraken sentiu a ponta do seu sexo roçar na sua entrada, antes de forçar a penetração. Gritou com a invasão mais dolorosa, agarrando o lençol abaixo de si, rasgando-o com a força que fez. Quando se sentiu inteiro dentro dele, abraçou-o, esfregando suas costas para acalmá-lo. Começou a se mover lentamente, gemendo, Isaac era tão apertado e quente, e se entregava tão apaixonado. Seu calor febril passava para si, preenchendo seus membros, seu corpo. Fitou o rosto de Kraken, de olhos fechados com força e a boca entreaberta, soltando pequenos gemidos, as mãos agarrando o lençol, os nós dos dedos brancos.

– Isaac... – sussurrou, acariciando a face afogueada.

O finlandês abriu os olhos ao chamado, surpreendendo-se. A parede atrás de Julian desaparecera, dando lugar a ondas do mar. Mar? Olhou para os lados, estavam mergulhados dentro d'água, nada mais parecia com o seu quarto. Voltou a olhar para Solo, que sorriu e fechou os olhos, a expressão embevecida, começando a se mover mais rápido e duro dentro de si, mas estranhamente era suave, enchendo-o de prazer.

Imitou-o, fechando os olhos e ronronando, acompanhando-o no ritmo, forçando seu quadril contra o colo de Julian. Sentiu mãos o agarrarem por trás, e o beijarem no pescoço, e então abriu os olhos, assustado. Sorento aparecera, abraçando-o por trás e segurando seu rosto, trazendo-o para um beijo profundo. Por outra vez, Baian e Io se aproximavam, todos em forma de tritões, com suas graciosas barbatanas. Skilla pegando seu sexo pulsante com as mãos, para depois com um sorriso de luxúria tomá-lo na boca, sugando-o no mesmo ritmo com o qual Solo o possuía. O Cavalo Marinho passara a brincar com seus mamilos, passando a língua por eles e acariciando seu peito.

Gemia mais alto entre os beijos de Sorento, olhou desesperado para Julian, este lhe sorria, segurando suas pernas para penetrá-lo mais rápido e forte, proporcionando-lhe ondas de prazer. Seu grego era o mesmo e outro, ao mesmo tempo. Era o herdeiro humano e o deus imortal, tomando-o com luxuria. Da posição em que estava lhe parecia imponente, dominando-o acima de si, fazendo-o derreter e se entregar.

Perto do êxtase, Julian segurou sua mão contra os lençóis, entrelaçando os dedos, se aproximando e o beijando. Então arqueou as costas para trás, se enterrando inteiro nele. Isaac gritou, sentindo ser inundado, a semente dele escorrendo pelas coxas, enquanto sua própria inundava a boca de Io, que lambia seu sexo, querendo colher todas as gotas que conseguisse. Tomado por espasmos por todo o corpo, desfaleceu nos braços gentis de Sorento e Baian, que o embalaram acariciando os ombros e o rosto marcado.

O grego desabou sobre o corpo de Isaac, suado e ofegante. Ergueu-se um pouco na cama, mirando o semblante adormecido de Kraken, sorrindo terno. Passou os dedos pela face e lábios, sentia o peito subir e descer abaixo de si com a respiração profunda. Era inocente, puro... como as geleiras intocadas dos lugares mais frios do mundo. Frio como seu país... "Só eu sei fazer seu corpo queimar, Kanon...", soltou uma risada abafada.

Puxou o cobertor jogado no chão sobre os dois, abraçando Isaac e aconchegando a cabeça no seu peito.

O sol já havia se posto quando retornou a mansão, afrouxou a gravata quando pulou do carro. Estava faminto e cansado, seria a última vez que ia aceitar os caprichos de Julian. Aquele era o dia em que planejara passar com Isaac, distrai-lo, fazê-lo se divertir. Na entrada da casa, Sorento o recebeu, ajudando-o a tirar o casaco e o terno. Dirigiu-se até a biblioteca, Baian estava numa mesa lendo um livro, Sorento entrou junto e sentou-se no mesmo sofá que Io. Quando Kanon sentou-se na poltrona, Skilla se adiantou, servindo-lhe uísque.

Agradeceu a bebida, afrouxando a gravata. Ah, como era bom chegar cansado em casa e ser recebido pelos seus meninos... Levantou a sobrancelha, estranhando algo. Nesse momento a governanta roliça adentrou o lugar, cruzando os braços, mal humorada.

– O jantar está pronto!

– Aconteceu alguma coisa, Gertrudes?

– Ora, se aconteceu alguma coisa... hunf! Pergunte ao seu aluno! Isaac me prometeu ajudar na cozinha, e sumiu a tarde inteira!

Virou as costas, se retirando da sala brava. Baian, Io e Sorento se entreolharam cúmplices, soltando risadinhas abafadas. Kanon franziu as sobrancelhas, olhando para os três garotos.

– Onde está Isaac?

– Nem faço idéia.

– Não olhe para mim!

Sorento apenas balançou a cabeça, também negando. O Dragão Marinho deixou o copo de lado, saindo furioso do lugar, os três caíram na risada quando se viram sozinhos.

Chegou ao corredor dos dormitórios e bateu na porta de Isaac, sem receber resposta. Abriu sem cerimônias, tendo uma surpresa nada agradável. Sobre a cama revolta, o menino e Julian dormiam enlaçados e sem roupa, com apenas o cobertor sobre os corpos. Pega a ponta do cobertor e puxa de uma vez só, acordando os dois garotos, que pulam assustados ao verem Kanon.

– Muito bem mocinho, deixando suas obrigações para isso? – apontando para Julian.

– Não brigue com ele, Kanon. – pediu Isaac.

– E você também! Gertrudes me disse que prometeu ajuda-la e nem apareceu, mas eu já sei de quem foi à culpa!

Olhou furioso para o grego, que lhe devolver com um olhar desafiador. Para provocá-lo mais ainda, abraçou os ombros de Kraken, encostando sua cabeça na sua, elevando sua voz arrogante.

– Isso mesmo. Isaac não a ajudou porque estava comigo e esqueceu, algum problema?

O finlandês olhava para os dois, alarmado, pareciam que iam se atacar a qualquer momento. Então Kanon abaixou a guarda e esfregou a cabeça e suspirou cansado. Olhou para os dois, Julian apertou mais o abraço, como um menino mimado que sempre fora. Sempre teve o que queria, não era? E quem era ele para contrariá-lo, apenas podia servi-lo.

– Tudo bem... que isso não se repita, entenderam?

Isaac acenou enérgico com a cabeça, Julian apenas levantou o queixo. Balançou a cabeça inconformado e os deixou, encostando as costas na porta depois de fechá-la. Maldição! Solo estaria apenas se aproveitando do seu protegido por puro prazer, como sempre fazia, ou tinha algo mais ingênuo e verdadeiro? Queria crer que a ultima opção fosse a certa. Ainda não sabia o quanto Posseidon dominava o corpo de Julian, se ali estava o deus brincando com uma marionete, ou um garoto que percebia, tinha algum carinho pelo melancólico Isaac. Seu Isaac...

Ah, se Julian se atrevesse a machucá-lo, a magoá-lo... sabia as conseqüências que podia ter. Por hora, deixaria quieto, até porque Kraken chegara a defendê-lo, ainda que fosse de seu feitio fazê-lo. O finlandês admirava-o tanto quanto admirava Camus, sabia bem. Ah, como gostaria que fosse o alvo das mesmas atenções.

Assim que Kanon saiu, o finlandês respirou aliviado por não ter confusão naquele quarto. O grego se aconchegou mais, ronronado no seu ouvido e beijando sua nuca, passou os dedos pelo abdômen bem malhado.

– Como deixa ele invadir sua privacidade assim, Isaac?

– Invadir? – olhou sério para o outro – Olha quem fala! E o que você fez?

– Ah... – sorriu e acariciou sua face – mas é diferente, somos amantes...

Kraken ficou boquiaberto, e então pegou os pulsos dele, tirando bruscamente as mãos que acariciavam suas faces. Olhou para o peito nu do grego e lhe apertou os dois mamilos. Julian gritou de dor.

– Quer dizer que já entrou aqui com esse propósito?

– Aiaiaiai! Pára, Isaac! Isso dói muito!

– Dói, é? Pois você não parou quando eu pedi!

O general marinho ouvia tudo de fora e começou a rir, balançando a cabeça. "Crianças..."

Maio/2003

Nereida: na mitologia grega, Nereidas são divindades do mar, filhas do deus marinho Nereu, protetoras dos marinheiros.

Tritões: monstros marinhos com corpo de homem terminado por uma cauda de peixe. Na Mitologia grega, Tritão era um deus marinho, filho de Posseidon e Anfitrite. Uniu-se a numerosas filhas dos do mar, gerando os Tritões.

Kraken: monstro marinho famoso até o século XVIII na Europa. Atacava navios usando seus tentáculos e tinha mais de dois quilômetros de circunferência.