Capítulo 14. Cerco e inconveniências

Naquela semana, estava sendo acalorado o encontro entre Bartolomeu Crouch, chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia, Augusto Rookwood, um dos mais graduados agentes do Departamento de Mistérios, e Alastor Moody, coordenador dos aurores. Rookwood era um homem maciço, muito alto e forte, com algo de galã na forma como estava sempre puxando para trás os cabelos platinados, enquanto Moody tinha um ar intimidador, com seu aspecto macilento e as costas curvadas.

Em todo o prédio do Ministério, aquela era a única sala onde realmente estava acontecendo alguma coisa. Todo o restante dos funcionários estava muito preocupado com a renúncia da ministra Batilda Glosburry, ocorrida no dia anterior. Tudo estava um caos sem controle, mas aqueles três continuavam com suas atividades usuais, como se nada tivesse acontecido.

- Bem, senhores, os detalhes da segurança dos aurores que estão retornando do exterior com os presos já estão resolvidos. Resta-nos discutir como proteger aquela coisa que o –o Dumbledore quer nos dar - propôs Crouch.

Moody deu um soco na mesa de reuniões:

- Esse é o problema. Aquele sujeito parece sempre estar um passo a frente de todo mundo. Não importa onde coloquemos aquela coisa, em poucos dias, todos os seus desgraçados seguidores vão estar atrás dela!

- Não estou gostando nada da idéia de manter aquilo em nosso departamento - resmungou Rookwood. - Já tivemos baixas o suficiente, precisamos de um tempo para nos recuperar depois de toda essa operação internacional...

- Pode ficar sossegado, senhor Rookwood - interveio Bartô Crouch. - O prédio do Ministério é muito seguro e eu não poderia pensar em um lugar mais impenetrável que a sala das profecias. Além do mais, a segurança do Departamento de Mistérios vai ser reforçada, vamos proteger seus agentes até das correntes de ar.

- Espere um minuto... Agentes seus no meu departamento? - Rookwood se exalou. - Não, receio que nesse caso só possa confiar nos meus agentes.

- Calma - interveio Moody, seu olho mágico dando um giro de 360º na órbita. - Você sabe muito bem que estamos mesmo precisando de uma ajuda...

- Nem pensar. Não quero nem aquilo no meu departamento nem seus agentes xeretando nas coisas dos aurores.

- Rookwood! Você já pensou que desastre seria se um daqueles... hum, Comensais... colocasse as mãos numa coisa dessas? Seria o caos, com toda a certeza! - Moody falou e deu um tapa na parte de trás da cabeça para fazer o olho parar de girar. - Desculpem. Ainda não me acostumei com isso.

- Nem brinque com isso - Rookwood estremeceu.

- Não sou um homem de brincadeiras - respondeu Alastor. - Estou dizendo que Dumbledore está muito certo em querer que aquilo fique em segurança e não posso imaginar lugar mais seguro que o Departamento de Mistérios.

- Está bem - suspirou Rookwood. - Eu não estou dizendo que ela não pode ficar conosco, mas, definitivamente, não quero outros departamentos envolvidos. Enquanto estiver conosco, aquilo fica sob minha responsabilidade.

- Só sob sua responsabilidade?

- É, Alastor, foi o que eu disse...

- O que quer dizer com isso? - perguntou Crouch. - Não quer nossa ajuda?

- Seus agentes ficam do lado de fora. Dentro do Departamento de Mistérios só entram inomináveis e aurores!

- Mas, Rookwood - insistiu Bartô -, o senhor pensa que meus agentes são de algum modo partidários daquele sujeito? Nossa presença não trará nenhum perigo a vocês.

- Não, definitivamente não. Se querem nos dar aquilo para guardar, vai ter que ser responsabilidade apenas nossa. Vocês ficam fora!

E não adiantou mais. Não importou o quanto Bartô insistisse na necessidade de fortalecer a segurança do Departamento de Mistérios para receber a tal coisa de Dumbledore, Rookwood estava irredutível, ainda que Moody deixasse bem clara sua desaprovação:

- Só quero saber se o senhor tem certeza de que o seu pessoal é mesmo capaz de fazer isso!

- Você também é parte do meu pessoal, Moody! - bradou Rookwood. – Não é porque está trabalhando no Departamento de Execução das Leis da Magia que deixou de ser um inominável.

- Por pouco tempo. Estarei me aposentando assim que toda essa sandice acabar. Bartô está cuidando disso.

Rookwood arregalou os olhos de surpresa e mirou Crouch esperando uma confirmação. Quando esta veio sob a forma de um discreto aceno de cabeça, o chefe do Departamento de Mistérios não conseguiu conter sua satisfação.

- Você mais do que ninguém sabe que somos os melhores, Alastor. Vai dar tudo certo, nem mesmo uma mosca vai conseguir chegar perto daquilo sem autorização expressa do ministro da Magia, - e olhou sorridente para Crouch - que espero que logo seja anunciado; estamos realmente precisando de alguém determinado para consertar todo o mal feito dos últimos anos.

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Pastas e pastas relatando detalhadamente o caminho de Bellatrix e Rodolfo desde sua saída de Londres, cartas de Comensais na Inglaterra, relatórios, mapas, manuais para a fabricação de armas mágicas específicas, balancetes de contabilidade, instruções para a fuga, livros, cartazes e até material didático sobre a história da ação purificadora. Tudo encontrado na pasta de Karkaroff.

Aquilo caiu como uma luva para o Ministério da Magia e, na mesma semana da prisão de Karkaroff na Alemanha, o chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia, Bartolomeu Crouch, já tinha anunciado uma medida que permitia aos aurores usarem Maldições Imperdoáveis contra suspeitos de serem ou contribuírem com os Comensais.

A duríssima investida dos aurores contra o Movimento Comensal abalou em muito a confiança dos militantes, que passaram então a ser vitimados pela maior caçada que a comunidade bruxa já conhecera. Muitos Comensais acabaram por tentar desertar o Movimento, ou mesmo se entregar ao Ministério, mas foram sumariamente eliminados por seus colegas.

Na mesma época, famílias bruxas tradicionais começaram a ser investigadas e Régulo Black, herdeiro de uma poderosa linhagem de sangue puros, apareceu morto, aparentemente pelos próprios Comensais. Ninguém tinha certeza se ele fora um Comensal que tentara abandonar o Movimento ou se aquilo fora mais um atentado.

Sim, porque os atentados se tornaram prática freqüente, quase sempre eliminando famílias inteiras de uma só vez. Assim foram eliminados os Prewett, os McKinnon e os Bones em pouco mais de dois meses. O medo, que se espalhara como fogo dentro do Movimento Comensal acabou por tornar suas investidas mais violentas, dando um nítido aspecto de guerra civil à luta entre aurores e Comensais.

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O táxi veio deslizando suavemente pelo requintado centro comercial de Berne, Suíça. Uma chuva fina banhava a cidade desde as primeiras horas da madrugada daquela sexta-feira de meados de agosto.

Parou diante da fachada do luxuoso hotel e dele saltou um casal. O rapaz usava um terno marrom por baixo de um sobretudo cinza. A moça usava um longo casaco branco, com um lenço preto na cabeça e óculos escuros lhe escondendo os olhos marcantes.

- Tente se comportar como um marido que eu escolheria, ok? - resmungou ela, enquanto observava os carregadores em uniformes vermelhos tirarem numerosas malas do táxi.

O rapaz apenas suspirou e respondeu, mal-humorado:

- E o que seria isso? Um capacho em quem você pudesse pisar sempre que quisesse?

Bellatrix lançou a Rodolfo um olhar de alerta e então se dirigiu às portas de vidro do hotel.

O ambiente ali dentro era o mais pomposo possível. Um tapete vermelho cobria o caminho para a recepção, o chão era de mármore italiano, as maçanetas das portas eram de um dourado lustroso e os quadros nas paredes eram perfeitas reproduções de obras impressionistas retratando lagos e jardins romanticamente iluminados.

Bellatrix foi quem se dirigiu à recepcionista. Rodolfo apenas ficou observando enquanto sua guarda-costas cuidava de tudo, demonstrando um mal-disfarçado embaraço cada vez que ela repetia animadamente a mentira sobre sua suposta condição de recém-casados.

Bellatrix recebeu a chave do quarto e puxou Rodolfo pelo braço em direção ao elevador - ele muito aliviado por não ter a menor tendência a corar, mesmo com aquela garota a chamá-lo de "amorzinho" com ternura fingida e lhe dar freqüentes beijinhos no rosto, ao mesmo tempo em que sorria daquele jeito doce, que para ele parecia bastante assustador. Há muito tempo Rodolfo não conseguia negar pra a si próprio o fascínio que aquela menina, aquela mulher, com tanta determinação e paixão para colocar no que acreditava, exercia sobre ele.

E, quando as portas do elevador começaram a se fechar e Bellatrix se pendurou em seu pescoço, com um sorriso dissimulado no rosto, ele não pôde mais resistir, seus lábios se encontraram aos dela, num beijo frenético, urgente, imenso e ilimitado.

Quando a porta se abriu no nono andar do prédio, os dois tiveram que ser chamados aos gritos por outro casal de hóspedes que queria descer.

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