Paris entrava em outubro, mas nada havia que identificasse a cidade como a "capital da arte" aos olhos de Rodolfo, que se concentravam em observar a paisagem que corria pela janela enquanto o táxi rodava pelo centro da cidade, cruzando uma área geminada de jardins e embaixadas. Primeiro por causa da chuva, que caía intermitente há mais de uma semana, deixando o céu cinzento e toda a cidade mergulhada numa espécie de melancolia. Segundo porque a Assembléia Internacional dos Bruxos não media a aplicação de seus poderes no cerco ao casal fugitivo e seu valioso segredo.
Ainda assim, aquela cidade cheia de um clima romântico não pôde deixar de fascinar Bellatrix, que sempre vivera em construções góticas marcadas pela ostentação gratuita. Através da janela de vidro escurecido do carro, seus olhos negros brilharam frente à imagem do Louvre iluminado em meio à noite chuvosa.
Rodolfo apenas a observava reprimir exclamações, se perguntando como ela conseguira esconder dele esse lado ingênuo por tanto tempo. Claro que ela jamais admitiria, mas às vezes, ele surpreendia aquela jovem, que sempre lhe parecera fria e metódica, sorrir docemente ao pensar em seus desentendimentos dos tempos de Hogwarts. Nas noites posteriores que passaram em Paris, ela simulava um desgosto, sem muito sucesso, quando Rodolfo se sentava ao lado dela na cama e começava a lembrar das pequenas confusões em que haviam se metido como Comensais recém-admitidos. Suas fugas dos guardas de Hogsmeade, os sinais secretos e os códigos usados para comunicarem uns aos outros os horários das reuniões, suas primeiras tentativas de efetuar feitiços avançados e seus fracassos espetaculares em coisas que hoje eram capazes de fazer sem mesmo pensar.
Dessa vez, os dois haviam escolhido um hotel modesto, afastado do centro e de aglomerações bruxas, e se empenharam em não chamar qualquer atenção, o que não era difícil com o uso de feitiços anti-trouxa adequados. Só havia o inconveniente de não serem notados por nenhum garçom nos cafés. Suas roupas haviam ficado para trás na fuga da Suíça e os dois, com pouco dinheiro e sem poderem se arriscar a fazer feitiços mais elaborados, se viram obrigados a entrar em lojas trouxas a fim de se disfarçarem o melhor possível.
Após semanas fugindo e se escondendo em quartos de hotel, os dois puderam voltar a circular ao ar livre, o que melhorou consideravelmente o humor de Bellatrix. Rodolfo se encantava ao vê-la se divertir em fazer caras e bocas para pessoas que não podiam notá-la.
Mesmo submetidos à quase absoluta clandestinidade, Bellatrix e Rodolfo não se deixaram isolar do mundo. Diariamente compravam todos os jornais trouxas disponíveis, os quais Bella, com seu habilidoso francês, lia em inglês para Rodolfo, os dois em busca de qualquer coisa que pudesse lhes dar uma pista do que estava acontecendo com os Comensais no Reino Unido.
Foi uma grande surpresa para eles quando, após uma semana na cidade, receberam uma encomenda de uma confeitaria do outro lado da cidade. Bellatrix despedaçou completamente o bolo ainda dentro da caixa, achando que aquilo com certeza era uma chave de portal ou coisa assim que os faria serem transportados instantaneamente para uma prisão bruxa. Mas Rodolfo resolveu, sob protestos veementes da garota, examinar o que sobrara e descobriu pequenas mensagens escritas na parte interna da caixa com tinta verde-esmeralda. Eram notícias codificadas, mandadas por Comensais infiltrados dentro do Ministério da Magia francês, dando conta das buscas que se faziam atrás deles.
Alguns dias depois, eles receberam uma caixa de biscoitos com a oferta de um esconderijo seguro, onde poderiam ficar até que a poeira baixasse. Bellatrix recusou no ato; não queria ficar escondida nem um momento a mais que o estritamente necessário. Além do mais, seu plano de voltar à Inglaterra parecia estar dando certo, ou tanto quanto uma fuga frenética com identidades falsas poderia dar certo. Rodolfo concordou dizendo:
— Hoje não sabem onde estamos, mas, se aceitássemos, seria mais um elo fraco que poderia nos levar para a cadeia. Enquanto nos mantivermos por nós mesmos estaremos seguros.
Mas os dois não estavam nem de longe seguros. Depois de esquadrinhar Munique e Berne atrás do casal, os agentes da Assembléia Internacional dos Bruxos suspeitaram que Bellatrix e Rodolfo estivessem na França. Dezenas de aurores de várias nacionalidades, especialistas em localização de emissões mágicas, chegaram a Paris com toda a sua parafernália de antenas e sensores mágicos na esperança de que um dos fugitivos fizesse algo incriminador, como conjurar uma Marca Negra, efetuar uma Maldição Imperdoável ou um feitiço de magia negra avançada.
Apesar de uma investigação mais ativa ser dificultada por estarem numa enorme cidade trouxa, os aurores não deixaram de se passar por policiais e fazer batidas em hotéis. A ordem era queà menor suspeita de que tivessem encontrado Bellatrix ou Rodolfo, o Ministro da Magia francês deveria ser informado imediatamente.
Entretanto, a última semana de outubro chegou sem que se fosse encontrado um único vestígio do casal. Uma busca num hotel bruxo popular na cidade acabou causando certo alvoroço quando se percebeu que alguém tentava fugir pela lareira de um dos quartos - mas depois ficou claro que se tratava apenas de um bruxo cheio de Vira-Tempos sem registro para serem vendidos ilegalmente.
Ninguém poderia prever que Bellatrix e Rodolfo tinham conseguido enganar a todos atravessando a fronteira com a Espanha. Após uma parada muito breve numa capela em Madri, os dois estavam num navio britânico em direção à Londres.
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Bellatrix mirava o azul infinito com um olhar perdido. Era início do quarto dia de viagem e a manhã, enfim, começara clara e ensolarada, com o mar e o céu se juntando numa única imagem, separados apenas por uma tênue linha no horizonte.
Na noite anterior ela passara uns bons minutos praguejando contra a inutilidade dos trouxas em inventarem meios de transporte mais velozes. Rodolfo apenas lhe sorrira lembrando que fora por sua insistência que não tinham pegado um avião.
E ele não mentia. Bellatrix descartara totalmente a idéia de tomarem uma daquelas máquinas trouxas capazes de voar ou mesmo de pegarem um meio de transporte bruxo. Se arriscar a ficar um bom tempo fazendo check-in num aeroporto ou ter que passar por uma brigada de aurores disfarçados de agentes da alfândega seria um risco incalculável para ambos. Mesmo sendo mais lento, o caminho marítimo ainda era o menos vigiado.
Bellatrix não fazia questão de guardar para si o desgosto que sentia por estar num ambiente tão claramente não-bruxo. Reclamava a todo momento e em alta voz da imbecilidade dos sangue ruins. Rodolfo, por outro lado, mantinha-se muito quieto desde a cerimônia de casamento às pressas. Bellatrix se lembrava claramente de tê-lo visto tirar o anel de noivado do dedo apenas um instante antes do casamento. E, agora, voltando ao seu país, ela não conseguia deixar de pensar em como se sentiria a noiva de Rodolfo ao saber de tudo aquilo. Era uma sensação estranha a de se sentir mal por alguém que nem mesmo conhecia. Talvez não fosse exatamente uma sensação ruim, mas Bella preferia pensar que era isso que sentia a admitir que estava com ciúmes de Rodolfo Lestrange.
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Elise Malfoy tinha todos os jornais e periódicos bruxos que conhecia espalhados na cama. Após revirar cada um deles, ela mirava o teto, inconformada com a falta de notícias significativas.
Todos anunciavam uma detalhada investigação do Ministério que dera como frutos a descoberta de centenas de documentos provando a existência e dando conta das atividades dos chamados Comensais da Morte — embora o único trabalho que aquilo custara aos aurores ingleses fora abrir a maleta de Igor Karkaroff. De dentro dela,conseguiram tirar, junto de centenas de documentos comprometedores, papéis, manifestos, bilhetes, pergaminhos, livros, centenas de galeões e informações sobre todos os Comensais que estavam a serviço de Voldemort na Alemanha.
Tudo aquilo fora suficiente para incriminar, ou pelo menos deixar sobre sérias suspeitas, centenas de bruxos e bruxas, britânicos e estrangeiros, embora a maior parte estivesse identificada por apenas um codinome ou um número.
Mas sobre os presos não havia sequer uma linha publicada, nem mesmo sobre possíveis deportações para o Reino Unido.
Pelo menos Karkaroff ela tinha absoluta certeza de que fora pego. Os documentos falsos de Igor o identificavam como cidadão inglês e não havia nenhum indício de que seus documentos estivessem sendo desacreditados. Essa constatação era ao mesmo tempo estranha e alarmante. Mas nem se comparava à falta de notícias dos outros Comensais em missão na Alemanha, especialmente de Bellatrix e Rodolfo, que tinham conseguido escapar ao cerco de aurores e fugido de Munique, mas agora estavam incomunicáveis, sem a menor possibilidade de conseguirem orientações dos líderes do Movimento na Inglaterra.
Seus pensamentos foram interrompidos por uma leve batida na porta do quarto, ao que simplesmente respondeu que entrassem. Elise tinha absoluta certeza de que estava segura em seu quarto de hotel na Travessa do Tranco.
Não poderia estar mais enganada. E percebeu isso, um segundo antes de desfalecer sob a ação de um feitiço para estuporar que ela não sabia se partira da varinha do auror Frank Longbotton ou de sua esposa, Alice.
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N/A:
Obriada pelas reviews n.n
Lily Dragon: briga comigo não, eu queria atualizar, só que meu pc tava um lixo u.u Na verdade é uma grande sorte que os capitulos de Olhos Sombrios não tenham sido apagados como quase tudo que tinha no hd, se não eu ia ter que escrever tudo de novo e ia demorar ainda mais o.o
Ju Black: Eu não vi o filme Olga, mas li o livro, que é um dos meus favoritos, então não tem como não me influenciar. O prólogo, alguma coisa sobre o passado da Bella e a escolha por fazer dela uma recrutadora foram inspirados no livro, embora tenham diferido num ponto basico, porque a Olga era essecialmente boazinha o.o
Desculpe pela "espera angustiante", a culpa não foi (toda) minha u.u Mente corrompida XDDD Quando eu coloquei o beijo nem tinha pensado em fazer os dois passarem disso, mas uma súbita epifania de madrugada que me custou varias horas preciosas de sono me fez escrever o "depois"...
Até mais o/
Bel.
