Epílogo. Azkaban

Bellatrix sorriu internamente quando aquelas correntes emergiram dos braços da cadeira e envolveram seus pulsos. Magia. Há quanto tempo não sentia aquilo...

— Bellatrix Lestrange, Rodolfo Lestrange, Rabastan Lestrange e Bartolomeu Crouch Jr. — leu o chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia, do centro das arquibancadas que se abriam em arco para um antro iluminado. Ali haviam sido colocadas quatro cadeiras de segurança com algemas que impediam os acusados de invocarem qualquer tipo de magia. — Vocês foram trazidos aqui perante o Conselho das Leis da Magia para serem julgados por um crime tão hediondo de que raramente se ouviu falar neste tribunal — continuou, quase gritando para abafar os gemidos de Bartô Crouch Jr.

Bellatrix, entretanto, mal ouvia as súplicas de Bartô ou as palavras do idiota mestre daquela palhaçada de julgamento. Já dissera tudo que tinha a dizer. Seu nome era Bellatrix Lestrange, torturara os Longbottom até a loucura. Era Comensal e praticante de Artes das Trevas. Sabia usar cada uma das Maldições Imperdoáveis com uma maestria invejável, principalmente naqueles tempos em que qualquer um que se dispusesse a ensinar uma coisa dessas era acusado de praticante de Artes das Trevas e trancafiado em Azkaban sem direito a apelação. Efetuara cada uma delas dezenas de vezes. Aprendera com o próprio Mestre. Era uma assassina. Só não matara o pivete Longbottom porque sabia que ele era um trunfo.

No fim, Bartô Jr. devolvera o bebê à avó adoradora de sangue ruins, dias antes de serem presos. Um minúsculo aborto sem importância. Às vezes ela pensava se não tinha adquirido prazer em matar sem motivo. Dias intermináveis naquela cela podiam levar as pessoas a pensarem idiotices como essa.

— Ouvimos as provas contra vocês. Foram acusados de capturar o auror Frank Longbottom e submetê-lo à Maldição Cruciatus, acreditando que ele tivesse conhecimento do paradeiro de seu amo exilado, Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado...

— Pai! — implorava Bartô, chorando e esperneando na cadeira como uma criança tendo um acesso de raiva. — Eu não fiz isso! Eu não fiz isso, pai, não me mande de volta aos dementadores...

— Vocês ainda são acusados — o Chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia continuava, impassível — de usar a Maldição Cruciatus contra a mulher de Frank Longbottom quando ele se recusou a dar informações. Vocês planejavam reconduzir Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado ao poder e de retornar a vida de violência que presumidamente levavam quando ele detinha o poder.

Vida de violência. Era assim que Bartolomeu Crouch se referia à sua dedicação. Fins e meios — o que eram essas coisas quando aquelas pessoas estavam todas inclinadas a colaborar com o desaparecimento da magia? Claro que ela queria que Voldemort voltasse ao poder. Queria o poder de novo em suas mãos. Queria ser a serva que conduziria seu Mestre ao lugar que ele merecia.

— Agora peço aos jurados que levantem as mãos se acreditarem, como eu, que esses crimes merecem uma sentença perpétua em Azkaban.

Ela viu os olhos assustados de Rodolfo saírem de foco ao ouvir o nome da prisão bruxa. Azkaban. Iam mandá-los para Azkaban. Claro, não podia ser diferente. Claro.

Bella vislumbrou as mãos de todos os bruxos sentados atrás de Crouch (o pai) se erguerem. Em suas faces havia a certeza da vitória. Ela manteve a altivez, indiferente aos gritos histéricos de Bartô Jr. que ecoaram ainda mais alto nas paredes do tribunal. Ele suplicava à mãe que fizesse alguma coisa.

A mãe de Bartô era uma bruxa miúda, magra, de grandes olhos azuis, reconhecíveis mesmo à distância. Chorava ao lado do marido, que fingia não ouvir seus soluços agudos. Idiota. Estava condenando o próprio filho. Seu sangue.

O patético Bartô ainda estava chorando quando as mãos voltaram a se abaixar e seu pai pronunciou a sentença. Bella não conseguia acreditar em como um Comensal poderia se rebaixar a tanto. Ele deveria saber que era muito tarde. Mas, pensando bem, Bartô não deveria estar ali. Seu pai poderia muito bem tê-lo livrado — mas não quis. E depois diziam que os Comensais eram desumanos...

Os dementadores vieram levar novamente os presos e Bellatrix, Rodolfo e Rabastan se ergueram com dignidade das cadeiras, prontos para deixar o tribunal. Bartô gritou, tentando se desvencilhar dos carcereiros de Azkaban.

Os bruxos que os haviam condenado sorriam. Eles achavam que estavam ganhando alguma coisa. Não importava. Bella estava viva e isso lhe dava a certeza de que, em algum lugar, seu Mestre estava vivo também, tentando encontrar uma forma de retornar. E ela esperaria por ele, em Azkaban, ou até no inferno se fosse preciso.

O que era Azkaban para quem tinha feito o que ela fizera? O que era Azkaban para quem tinha acreditado no que ela acreditara? Nada. Espera. Um intervalo.

— O Lorde das Trevas voltará a se erguer, Crouch! — ela falou, bem calmamente, olhando diretamente para todos aqueles bruxos que se julgavam melhores que ela por serem fracos demais para perseguirem o poder que ela buscara por toda a sua vida até ali. — Joguem-nos em Azkaban, nós esperaremos! Ele se erguerá e virá nos buscar e nos recompensará mais do que aos seus outros seguidores! Somente nós permanecemos fiéis! Somente nós tentamos encontrá-lo!


Bellatrix apenas observou nas sombras enquanto a enorme grade de metal era trancada pelo auror. Ouvia gemidos altos de uma das celas vizinhas à sua. À direita, ela podia apostar sua varinha, devia estar Bartô Crouch Júnior. Bella conhecia bem aquele gemido de criança tentando convencer a mãe a acreditar em suas mentiras inconfundíveis. Ela ouvia também, no corredor, o som de uma mulher chorando - a mãe em questão que Bartô tentava convencer.

A cela da esquerda devia pertencer a Rabastan, ela o vira de relance ser empurrado para lá antes de ela própria adentrar na escuridão. Agora ouvia altos sons do rapaz esmurrando uma porta.

Exausta, Bella fechou os olhos, tentando exorcizar da mente a lembrança daqueles últimos minutos no prédio do Ministério. Os dementadores interromperam seus gritos diante do Tribunal e haviam-na empurrado em direção à porta. Bella seguira o caminho indicado, mantendo a postura altiva que nascera com ela. Seu olhar destemido só vacilou quando foi colocada dentro do elevador e ela pôde vislumbrar o longo corredor de pedra.

Bellatrix sacudiu a cabeça, sem querer lembrar mais.

— Nós esperaremos — murmurou, esfregando o pulso num gesto que antes a fazia se sentir próxima de seu Mestre.

Agora não fazia mais nada. Não havia mais magia ali. Era só uma marca esverdeada, como sangue coagulado sob a pele. Mas era também sua esperança. Sua força.

— Pare com isso, idiota — falou, autoritária.

O barulho de batidas na porta cessou e Bella pôde ouvir a respiração arfante de Rabastan. Talvez um gemido. Ele não seria o único ali a chorar, sucumbindo ao desespero.

— Vamos morrer aqui... — guinchou ele.

— Ora, cale a boca! — gritou Bella. — Não vamos morrer aqui!

Bellatrix era a única mulher presa naquela ala de Azkaban e, talvez por isso, sua cela fosse a maior e a única a ter uma vista de verdade do corredor. Sabia que toda aquela ala da prisão estava sendo ocupada por partidários de Lord Voldemort — exceto por Sirius Black, que estava há quatro celas de distância. À medida que os dementadores se afastavam em sua ronda, rostos surgiam nas grades, curiosos com a gritaria, e a bruxa reconhecia mais e mais feições familiares.

— Escutem todos vocês — ela se ergueu e agarrou as grades. — Nós não vamos morrer aqui! Voldemort vai voltar e, quando isso acontecer, vamos ser os primeiros a quem ele vai congratular. Não somos presos derrotados, somos seus servos mais fiéis. Os únicos que não o negaram quando tudo parecia perdido. Até lá, nós esperaremos. Somos serpentes, somos imortais e incansáveis. Nós esperaremos!

Alguns rostos esboçaram sorrisos fracos, outros apenas desviaram os olhos, sem esperança. Ela divisou os olhos negros de Sirius, estreitos de ódio. Bella deixou o corpo escorregar para o chão, as mãos ainda agarradas às grades. Seus olhos estavam ardendo e ela tentou se convencer de que era efeito da maresia. O barulho repetitivo das ondas, batendo em algum ponto acima, ecoava nas paredes de pedra com múltiplas infiltrações.

Era mesmo uma coisa inesperada: seu primo, um patético grifinório, preso junto com Comensais da Morte. E isso a fazia pensar em suas irmãs, Andrômeda e Narcisa, e no que estariam pensando dela naquele momento. Andrômeda provavelmente estaria chorando, ela sempre chorava com as divergências dentro da família, o que Bellatrix sempre achara idiota. Narcisa, por outro lado, devia estar dizendo a si mesma "eu sabia que ela ia acabar assim!", e então voltaria a se preocupar com o que mandaria os elfos prepararem para o jantar.

E Bellatrix se sentiu estranha ao perceber que realmente se importava com essas coisas — pela primeira vez na vida, estava se preocupando com o que alguém pensava a seu respeito.

"Não seja nunca emotiva", as palavras de Voldemort lhe voltaram à mente. "Sentimentos enfraquecem, Bella. Raiva justificada, ódio ou mesmo prazer, nada disso vai te ajudar. É isso aqui que deve trabalhar quando você diz as palavras mágicas", dizia ele, apontando com o dedo para a têmpora dela. Bella tentava manter isso em mente enquanto proferia uma série de feitiços, sem parar, para que o desespero nunca chegasse a se manifestar.

Rodolfo idiota. Ela queria não lembrar daquilo. Da imagem dele tentando se desvencilhar dos dementadores no corredor e gritando alguma coisa para ela. Não pudera ouvir. Mas podia facilmente adivinhar o que seus lábios queriam lhe dizer.

Aquela última visão ficaria gravada em sua mente com tamanha força que nem mesmo a ação degradante dos dementadores seria capaz de arrancá-la de lá. Os olhos assustados, o seu rosto pálido, descendo, enquanto ela subia, através de grades douradas do elevador. Ele escolhera um momento nada apropriado para dizer aquelas palavras que nunca dissera. Seria a última visão que Bellatrix teria de Rodolfo pelos próximos quatorze anos.

Mas ela ainda não sabia disso. Só sabia que ia esperar.

Abaixou a cabeça e fechou os olhos com força. Quando voltou a abri-los, percebeu que havia no chão uma pequena vasilha de alumínio. O jantar havia sido colocado na cela antes de ela ser encarcerada. Abriu a vasilha e tirou de dentro uma colher, que ela segurou com firmeza e arrastou o cabo pelo chão, testando para ver se a pedra ficaria marcada. Satisfeita com o resultado, levantou-se e andou até a parede no fundo da cela, onde fez uma marcação vertical.

Um dia.

— Não é hora de pensar em coisas fracas como amor...

Voldemort voltaria para salvá-los e, nos longos dias de espera que viriam depois daquele primeiro dia, esse deixou de ser um pensamento feliz que os dementadores podiam explorar, para virar uma obsessão doentia. E aquilo ninguém nem nada no mundo poderia lhe tirar.

Fim.


N/A: É, acabou. Espero que a Bella volte logo a habitar minha cabeça pra poder escrever uma continuação ou uma fic-prólogo (ainda não estou bem certa o.O).

Obrigada pelos comentários:

JuH: Obrigada… mas sabe que às vezes essa Bellatrix me dá um pouco de medo? É, eu estou pensando em novos projetos agora, alguma coisa vai sair n.n

Ameria A. Black: Mas, mas, mas... os sinciotrofoblastos não me deixam em paz! u.u É, eu olho todo dia para a DF e tenho remorso de ter deixado a coitadinha à míngua, mas eu não consigo, tudo que eu escrevo agora saidepressivo demais...

A Ilse é coisa da Jubs e sua incrível capacidade de prestar atenção aos detalhes (e de me torturar até me fazer prometer que ela vai aparecer bastante numa outra fic...)

Jubs: Nha, você está completamente certa, o Rodolfo é o Rodolfo e tudo que esteja perto dele TEM que ser foda! lol E Rodolfo/Bellatrixé um jogo de poder em que um está sempre tentando pisar no outro.

E a Ilse é legal sim, apesar de eu só ter percebido isso quando vocêfalou... Bem, o testemunho do Rabastan foi um tanto quanto inútil, como tudo que ele faz XD Não tinha por que narrar, mas pra imaginar ele é só pensar naquele menino pentelho que se acha o gostoso e pronto, esse é o Rabastan!

É isso n.n'

Bjos o/

Bel.