Shun
Autora – Madam Spooky
Revisão – Naru L
Eu odeio hospitais. As paredes brancas, o cheiro de éter, as enfermeiras que olham para os visitantes como se quisesse fazê-los desaparecer pela força do pensamento...
Duas delas estavam atrás do balcão de recepção quando me aproximei. Imediatamente me lançaram olhares entediados. Droga... Ambas eram mulheres de meia idade, jovens o suficiente para estarem ali, velhas demais para se renderem diante de um sorriso galanteador.
Franzi a testa, pensando se devia voltar e esperar que Saori falasse com o médico de Shiryu, mas imediatamente descartei a idéia. Eu era um agente e queria uma resposta. E quando você trabalha para a Fundação, esperar pelos outros nunca é uma alternativa.
Andei lentamente na direção das enfermeiras tornando meu rosto uma máscara de preocupação. Foram uma dúzia de passos realmente difíceis. Elas olharam para mim, os rostos desinteressados adquirindo a expressão entediada que só quem passa todos os dias repetindo o mesmo discurso ensaiado de "nós não temos informações disponíveis" consegue ter e eu lembrei da última vez que estivera em um lugar como aquele. Tinha sido depois de me meter em uma briga de bêbados e levar um soco na testa que me deixou com a cabeça girando durante dias. Uma enfermeira jovem e loura tinha sido designada para cuidar de mim e quando a vi quase me reconciliei com os centros médicos da vida.
Isso até ela colocar as mãos pesadas sobre a minha cabeça e eu perceber que, não importa como elas se pareçam, são todas igualmente sádicas.
- Vai ficar rondando como se estivesse pisando em cacos de vidro ou vai fazer a pergunta de uma vez?
Foi a voz da enfermeira, a mais alta delas, que segurava o telefone com a mesma postura que um gladiador usaria para segurar uma lança. Senti o impulso de me abaixar, mas me mantive firme. Devo ter demonstrado o meu desagrado porque as duas riram debochadamente, um riso superior e irritante cheios de dentes amarelados e tortos.
Era naqueles momentos que eu podia entender porque os outros odiavam tanto Saori Kido. Não que eu gostasse dela, para mim não passava de uma menininha brincando de siga-o-mestre. Mas se não fosse por ela, Shiryu não teria sofrido aquele acidente e não estaria naquele hospital. Sendo assim eu não teria que ter conhecido aquelas duas adoráveis enfermeiras que me fariam ter pesadelos com dentaduras mal feitas pelo resto da maldita semana.
- O nome é Shiryu Suyama – eu disse, contendo um suspiro. Tinha imaginado que encontraria duas estagiárias quase adolescentes que eu poderia deixar sem palavras com um sorriso e uma piscadela de olhos. Ao invés tinha encontrado Godzilla e King Kong que não estavam nem ai com meus olhos a não ser que eu estivesse sofrendo de conjuntivite. – Preciso saber o estado de saúde dele.
- Você é parente? – perguntou a outra enfermeira sem sequer levantar os olhos. Estava lendo uma revista que eu reconheci como a fotonovela que as namoradas de Ikki estavam sempre deixando espalhadas pelo chão do apartamento.
- Isso é importante, eu só...
- Você é ou não parente? – a outra me interrompeu.
Sempre me disseram que eu tinha o temperamento perfeito de um agente, sem, no entanto, me mostrar desumano. Mas os pensamentos que estavam passando pela minha mente naquele momento eram tudo, menos humanos. E daí se eu era parente? O estado de saúde de Shiryu não ia mudar por causa disso. Senti o ímpeto de dar uma resposta ríspida, mas ao invés disso sorri. E, embora não fosse a intenção, eu senti que estava dando aquele sorriso, o que eu tinha guardado para as estagiárias imaginárias. Incrivelmente, King Kong e Godizilla pareceram relaxar ao vê-lo.
- Sou meio-irmão dele – respondi choramingando falsamente. – Nós não nos víamos há anos e, de repente, eu recebo um telefonema dizendo que ele sofreu um acidente. Vocês devem entender...
Vi-me contando uma história incrível sobre como meu pai tinha vindo da China e conhecido minha mãe, uma inocente garçonete de cantina universitária que ele enganou descaradamente e com quem teve um filho, eu, mesmo havendo deixado uma família em seu país de origem.
Não demorou muito para a enfermeira com a revista entre as mãos começar a me olhar com piedade. A outra imitou a reação um instante depois. Sorri intimamente. O que um agente bem treinado não é capaz de conseguir com um pouco de drama?
- Você disse Shiryu Suyama? – a outra perguntou. Tinha largado o telefone e consultava uma lista de nomes no computador.
Balancei a cabeça e esperei. Ela levou mais tempo do que eu esperava para encontrar, mas finalmente sorriu e abriu a ficha de internação. O sorriso morreu assim que leu o que estava lá. Senti a preocupação me atingir com força, sobrepujando meu sentimento de triunfo. Será que Shiryu estava pior do que nós pensávamos?
- Seu irmão está estável... – ela disse, escolhendo as palavras. – Mas é possível que nunca mais volte a enxergar. Eu sinto muito por isso.
A notícia me atingiu como um soco no estômago. Eu mal tive consciência da minha própria voz agradecendo e dos olhares compadecidos que as duas enfermeiras lançaram sobre mim.
Shiryu... cego? O mesmo Shiryu com quem eu compartilhei tantas missões, que gostava de jogar xadrez no café Kobayashi do centro nas noites de quinta e que não perdia uma reprise de 007 e Missão Impossível só para rir dos efeitos especiais e dizer como nosso trabalho seria mais fácil e divertido se Hollywood, ao invés da Fundação, fosse responsável pelo equipamento?
Andei apressadamente de volta ao corredor onde tinha encontrado Seiya e os outros. Queria ver meu amigo e ter certeza de que o que eu acabara de ouvir era verdade e não uma piada cruel de duas enfermeiras sádicas que não gostaram da minha intromissão em sua interminável rotina. Talvez quando eu entrasse no quarto, Shiryu me olhasse com seu ar divertido habitual e perguntasse por que eu estava parecendo que tinha acabado de ver um fantasma. Eu diria que não era nada e que se ele achava que eu estava ruim, devia se olhar no espelho. Todos ririam. E seria tudo.
Mas também havia a possibilidade de que ele estivesse realmente cego. Nesse caso Saori Kido teria muito que explicar. E, certamente, eu não seria o único disposto a encostá-la na parede com o intuito de obter a verdade.
Pela primeira vez eu pensei que talvez odiasse a Fundação quase tanto quanto aos hospitais.
