Shiryu


Autora - Naru L


Vozes, posso ouvir vozes... Algumas estranhas e outras conhecidas chamando por mim ao longe, mas estou cansado demais para tentar alcançá-las. Palavras desconexas chegam até mim em intervalos que não consigo definir, mas a confusão que sinto é grande demais.

Sinto cada parte de meu corpo doer como se tivesse levado a pior surra de que posso me lembrar, tento me mover, mas o mínimo esforço é o bastante para que eu perceba que é impossível. Depois de alguns anos nesse tipo de trabalho você aprende que a dor é algo insignificante, nosso corpo aprende a não considerar e você pára de sentir. Se não consigo me mexer agora é porque estou realmente... Ferrado!

Respiro fundo tentando colocar um pouco de clareza em minha mente, outra coisa inútil. Tal ato apenas fez com que a dor ficasse mais forte e qualquer pensamento coerente desaparecesse. Alguma coisa apertou minhas costelas, faixas. O cheiro de éter é forte demais para que eu deixe de percebê-lo mesmo no estado em que me encontro.

'Ok, ao menos agora eu sei onde estou... Hospital'.

Um 'bip' constante e insistente ao meu lado, indica que tem um monitor cardíaco ligado, tento me mover novamente e o intervalo entre um sinal e outro diminui 'Melhor parar, vou acabar chamando atenção desnecessária' Tento abrir meus olhos e só então percebo a faixa cobrindo-os, com muito esforço, lentamente levanto uma mão tocando o tecido. ' Meu rosto dói... o que aconteceu comigo?'

Respiro fundo novamente, uma imprecação deixando meus lábios em uma voz gutural que custei a reconhecer como minha. Suor frio escorre por minha pele, fazendo os pequenos ferimentos arderem, à muito custo contenho o gemido alto de dor de escapar de meus lábios e posso ouvir o monitor acelerar mais e passos apressados entrarem no quarto.

' Certo, acho que essa não foi uma boa idéia...'

– Tenha calma, Senhor Suyama. – Uma voz feminina e agradável chega a meus ouvidos e se não sentisse tanta dor sorriria, se a aparência dela fosse como a voz deveria ser bonita. Mas ao invés disso, outro gemido deixa meus lábios e sinto mãos delicadas sobre meu peito tentando me manter deitado – Permaneça deitado, por favor.

'Quando foi que tentei levantar?'

– Eu sei que deve estar sentindo muita dor, mas não deve se mover ou vai piorar a extensão dos danos.

' Como se eu não soubesse de tudo isso...'

– Eu não... – Minha voz soa de um modo tão diferente do habitual que assusta até a mim mesmo, minha garganta dói pelo esforço e as palavras morrem perdendo o sentido.

– Eu sei. – Perco a sensação de uma das mãos sobre meu corpo e quase que instantaneamente um alarme soa, alto demais para mim. – Vamos lhe dar outro sedativo, vai ficar tudo bem...

'Quem disse que eu quero sedativo?' Shun tem razão, enfermeiras são todas iguais, não importa a aparência que tenham, eu não saber a real aparência dela no momento é apenas um detalhe. Instintivamente meus braços tentam empurrá-la, a dor se intensifica com o esforço nos músculos machucados, mas já estou me acostumando a senti-la.

– Não quero... – Novamente minha voz morre quando outro par de mãos me empurra contra cama de modo nada gentil, normalmente isso não me incomodaria, mas a dor que isso causa é insuportável e eu paro de lutar.

– Apliquem o sedativo, ele está delirando.

'Ela deve ser bonita para ser tão burra. Desde quando uma pessoa resistindo é sinal de que está delirando?' outras mãos juntam-se na tarefa de me imobilizar pouco antes que eu sinta a picada fria em meu braço. Enquanto meu corpo começa a amolecer sinto as enfermeiras começarem a se afastar, grito mentalmente de frustração. ' Como posso ter me tornado essa coisa fraca?'

– Ele vai ficar bem agora... Avisem a senhorita Saori que ele acordou. – Mãos gentis tocam meu rosto tentando me deixar confortável, o contraste com os toques anteriores são tão grandes que chego a me perguntar se eu ao estava realmente lutando contra eles.

Respiro fundo novamente, sentindo meus músculos doloridos relaxarem lenta e involuntariamente sob o efeito do remédio. Talvez se eu descansar mais um pouco consiga conversar com eles da próxima vez, minha mente começa a se anuviar e mesmo assim sinto o alarme soando. 'Ela disse que deveriam avisar Saori?'

– Atena... – Minha voz soa pastosa como a de alguém que bebeu além da conta – é tudo culpa sua... – Não consigo entender a razão de dizer isso, a pequena e delicada Saori não seria capaz de causar tal dano em meu corpo mesmo que quisesse.' Devo mesmo estar delirando'

– Gostaria de saber quem é essa Atena por quem ele tanto chama... – A voz da garota soou desapontada a meus ouvidos, isso me faria rir em qualquer outra circunstancia, mas a dor misturada ao efeito do sedativo impede-me de ter qualquer tipo de reação. Ela continua a falar enquanto sinto o sono lentamente ganhar a batalha contra mim. – Se é uma namorada, aposto que vai deixá-lo quando souber que ficou cego...

A voz da garota não passou de um sussurro, mas foi alto o bastante para me atingir com o impacto mais forte do que o de um caminhão.

'Eu fiquei... Cego?'