Perdas... e ganhos?
Autora - Naru L e Juliane.chan ( dialogos Ikki)
Tem alguns momentos da vida que você pára, olha em volta e pensa: 'Impossível ficar pior.'. É claro, que algum tempo depois, dias, horas ou minutos, você vai cair na real que a realidade é dura e não importa quão ruim seja a situação presente, ela sempre pode piorar.
Este é um desses momentos. A realidade finalmente encontrou um caminho na minha mente e fez com que eu 'acordasse'. Quando comecei a voltar a consciência no hospital, sentindo cada músculo do meu corpo dolorido pensei que nada podia ser pior do que aquilo. Minutos depois uma das enfermeiras ' graciosamente' disse que eu estava cego.
Não sei qual seria sua reação, mas a minha não foi das melhores. Disseram que eu fiquei 'violento' só porque tentei levantar mais de uma vez, empurrei algumas pessoas que tentaram me conter e arranquei as faixas que cobriam meus olhos. Eu sei, não parece bom quando a gente escuta, mas eu realmente pensava que aquilo era só alguma brincadeira de mau gosto e assim que tirasse aquelas malditas bandagens tudo voltaria ao normal.
Quando você leva uma vida como a minha, sempre correndo perigo e sofrendo tentativas de ser passado para trás, não costuma acreditar no que as pessoas dizem. Precisa ver com seus próprios olhos. Tudo o que consegui com essa minha pequena rebeldia foi ser preso na cama e sedado. 'Comportamento inaceitável' foi o que disseram.
Nos dois dias que se passaram, antes que eu fosse transferido para o Santuário, eu tive muito tempo para pensar que nada podia ser pior do que aquilo. Preso em uma maldita cama, sem poder receber visitas ou ver as pessoas estranhas que diziam estar ali para cuidar de mim.
A única coisa boa em tudo isso é que tive bastante tempo de pensar no que tinha acontecido. Cenas soltas e desconexas passavam diante dos meus olhos, irônico eu sei, uma vez que essa era a única coisa que eu podia ver agora. O encontro com o que deveria ser uma fonte segura. O percurso até o clube que deveria estar lotado aquele hora. Uma voz conhecida gritando meu nome e um tremendo... Nada.
Isso mesmo, nada! Alguma parte da minha mente gritava de frustração por lembranças tão escassas e que não me adiantavam de nada, mas a outra continuava se divertindo com seus joguinhos em repetir sempre as mesmas cenas.
Estar aqui no Santuário não melhorou minha condição. É uma falsa sensação de segurança. Algo completamente inexplicável, uma vez que não há lugar mais seguro e sofisticado em tratamentos do que este no mundo.
O estranho é que toda vez que eu penso na palavra 'seguro' um alarme soa na minha cabeça, o mesmo tipo de sensação que lembro ter tido quando aquela voz chamou meu nome antes desse maldito... Inconveniente.
Dois dias depois da minha chegada aqui às visitas começaram, Seiya e Hyoga foram os primeiros. As palavras deles soavam vazias aos meus ouvidos, e depois de quinze minutos o que eu mais deseja era pular da cama e acertar um murro na boca dos dois. Quem sabe isso os fizessem se calar? Porque por mais ausente que eu tentasse parecer eles não paravam de vir e falar sem parar como fariam quem provocou meu estado atual pagar.
A pena que eu podia ouvir permeada as palavras dos dois era algo insuportável. Eu não preciso que sintam pena de mim. Não entendem que isso é apenas algo passageiro? O tempo vai fazer melhorar, tal qual uma perna quebrada volta ao normal depois de alguns meses.
Alguns dias passaram e quando continuei a receber visitas que me irritavam igualmente, tomei a decisão de trancar a porta do quarto. Algo simples não é? 'Eu devia ter pensado nisso antes!' O problema é que as portas aqui do Santuário não possuem chaves e procurar algo suficientemente pesado para segurar a porta não é algo fácil quando seu corpo ainda dói e você não enxerga.
Agora eles batem à minha porta quando querem entrar; É uma sensação de poder satisfatória. Pode parecer nada para o resto das pessoas, mas quando você é reduzido a alguém sem direito de opinar sequer se quer receber uma visita ou não, é porque se transformou em alguém patético demais. Então, a solução é tomar uma atitude infantil como essa apenas para se sentir um pouquinho menos inútil.
Quando eu me recuso a abrir, a droga da minha porta, ouço as ameaças das enfermeiras. Vozes sem um pingo de delicadeza e consolo que apenas dizem que vão derrubar a porta ou arrancá–la. O sorriso que curva meus lábios fica maior quando ouço os médicos dizerem que irão contatar meu supervisor. Eu não sei o que passa pela cabeça dessa gente para sequer cogitar a possibilidade de que isso vai fazer com que eu volte a me ' comportar'.
Isso faz com que lembre das palavras de Hyoga, acusando Saori pelo que aconteceu comigo. Imagino que isso seja um tipo de válvula de escape para ele, deve se sentir culpado por ter sido o ultimo a falar comigo antes que eu partisse. Dizer todas aquelas coisas horríveis deve fazer com que se sinta mais leve, mas o problema é que não fazem bem nenhum a mim.
Falhar desse modo é invariavelmente culpa apenas do agente. Eu sei que briguei com Saori pedindo que alguém me acompanhasse. Lembro perfeitamente da ligação para Hyoga na noite anterior a minha partida, mas a verdade é que duvido muito que algo fizesse diferença na situação. A única diferença é que eu poderia ter companhia aqui. Talvez não, um outro agente poderia ter morrido. E nesse caso, eu teria que conviver não apenas com minha própria perda, mas também com o peso da morte de outra pessoa sobre meus ombros. Isso é algo difícil de desejar.
A verdade é dura, mas única. 'Um outro agente não teria feito diferença'.
oOoOoOoOoOoOo
O silêncio que só vem acompanhado da noite caiu sobre o Santuário novamente. Essa é a única maneira de diferenciar o tempo para alguém mergulhado na escuridão. Os passos no corredor param de soar. Enfermeiras e médicos irritados param de bater a minha porta, dizendo coisas que estou cansado de saber. E eu permaneço aqui, sentado em frente a essas grades, observando o mundo que me cerca.
Sorrio comigo mesmo, é estranho usar esse verbo quando na realidade não posso observar nada. Mas a verdade é que isso é apenas um detalhe que não me impede permanecer sentado, mergulhado em meus pensamentos. Continuo, compulsivamente repetindo as poucas cenas de que me recordo na esperança de lembrar de algo que seja útil.
Todas as manhãs, quando os primeiros pássaros começam a cantar, eu me arrasto até a cama. A cabeça explodindo com o esforço infrutífero de procurar por respostas de perguntas que nem mesmo sei quais são.
Caio em um sono agitado, acordando a cada passo mais próximo. A cada voz que soa no corredor e xingo a mim mesmo por ser tão estúpido a ponto de deixar que minha mente cansada me pregue peças.Não existe perigo no Santuário... Ou será que estou enganado?
oOoOoOoOoOoOo
É noite novamente quando eu acordo e sei, antes mesmo de abrir os olhos que não existe razão para tal ato além de minha própria teimosia em continuar vivo. Respiro fundo, movendo–me cautelosamente até recostar–me aos travesseiros desconfortáveis e encarar o mesmo e conhecido nada.
Ouço um riso abafado soar perto demais. Dentro do quarto onde não deveria haver ninguém além de mim. Seguro as cobertas com força, preparando–me para atirá–las para o lado. Quem sabe, talvez eu tivesse a sorte de acertar o intruso com elas e assim conseguir algum tempo para fugir. Só depois caio na realidade de que eu atravanquei a porta e isso seria completamente inútil.
– Quem está aí? – O riso soou novamente, mais alto dessa vez e eu o reconheci.– Fênix?
– Bom saber que o fato de estar cego não atrofiou seu raciocínio.
Quase sorri com aquelas palavras, depois dos idiotas vindo me visitar cheio de cuidados com o que falavam, alguém sincero era com certeza um alivio.
– Vá à Merda Amamiya! Veio para sentir pena de mim, como os outros? – Perguntei com raiva. Eu sei que é contraditório, mas o que fazer? Depois de alguns dias mergulhado no tédio eu tinha que despejar minha irritação em alguém, certo?
– Você primeiro, Dragão! Quero que me diga tudo o que sabe sobre o seu incidente!
Agora ele com certeza tinha me irritado. Perguntas que eu não posso responder são algo que realmente me tiram do sério. Um psicólogo diria que é algum complexo, eu digo que é algo inconcebível ser incapaz de responder algo tão simples, e pior, que aconteceu comigo!
– Pra quê? – Atirei os lençóis para o lado, jogando as pernas para fora da cama. Um gesto impensado que me custou uma pontada nas costelas. Ignorei isso por enquanto e desloquei minha raiva em outro ponto .– Para que eu ouça outro discurso piegas de 'vou te vingar, Shiryu'? Não obrigado! – Pude ouvi–lo prender o riso e isso fez com que eu relaxasse um pouco. Imitar Ogawara era sempre divertido. Ok, nesse caso é trágico. – Eu mesmo cuidarei de tudo quando...
– Quando voltar a enxergar? – Ele completou minha frase e ao contrário do que podia parecer aquilo não me irritou, apenas fez com que eu encarasse a verdade de que talvez nunca mais voltasse a enxergar.– Atiraram em mim hoje, agora essa história é pessoal!
– Cala a boca. – Respondi seco. Voltei a deitar na cama, um suspiro frustrado escapando de meus lábios antes de confessar. – Acontece que... Eu não... Não me lembro de muita coisa. – Foi a vez dele suspirar. Mesmo sem poder vê–lo eu sabia que ele devia estar com o cenho franzido em irritação – O que houve? Está mais irritante que o costume.
– Explodiram a minha moto! – Eu sei que parece maldade, mas a irritação quase infantil presente na voz dele quase fez com que eu gargalhasse – Eu disse que era pessoal.Não se lembra nem disso?
– Os outros vem aqui com pena de mim – Respondi, minha voz carregada de sarcasmo. – E agora tenho que agüentar sua conversa idiota por causa de uma droga de moto?
– Tem sorte de estar cego ou eu calaria sua boca!
– Você? – Perguntei sem conseguir conter mais o riso – Mesmo cego eu posso acabar com você!
– Tá me fazendo perder tempo, babaca! – Ouvi os passos aproximando–se da cama – Não se lembra nem disso? – ele jogou algo leve sobre minhas pernas. Minhas mãos automaticamente fecharam–se sobre o pequeno envelope. Recostei–me na cama, em silencio enquanto tentava reconhecer o que podia ser aquilo. Virei o envelope algumas vezes até que algo caiu de seu interior, pesado demais para ser uma carta.
'Uma chave' Ok, eu devo estar mesmo estúpido para não reconhecer uma chave sem que ela caísse em mim. Literalmente.
– Uma chave deveria fazer eu me lembrar de algo? – Suspirei irritado. E nesse momento reconheci o perfume que o envelope exalava. – Você esteve com Shun–Rei? – Perguntei lentamente, quase com medo da resposta.
– Não se preocupe... Ninguém mais sabe sobre isso. – Pela primeira vez naquele encontro ele parecia querer me consolar – Ela está bem.
– Você disse que houve um tiroteio...
Podem me chamar de estranho, mas se alguém tenta me consolar eu instantaneamente penso que tem algo errado. Essa sensação só tende a piorar quando a fonte desse ato é alguém como Amamiya.
– Eu disse que atiraram em mim e na minha moto.
– Menos mal.
– 'Menos mal' o cacete. Não me ouviu dizer que minha moto explodiu?
– Shun–rei estava perto? – Perguntei calmamente, como se faz com uma criança.
– Não. – Ele respondeu de mau humor. Eu podia apostar que devia estar com uma expressão emburrada e realmente lamentei não poder observar aquilo.
– Você obviamente está bem, uma vez que veio até aqui me perturbar! – Sorri, em minha mente eu podia ver claramente cada uma das reações dele. Se não tivesse tanta confiança, provavelmente temeria pela minha vida nesse momento. – Como entrou? Pela janela?
– Eu gostaria de explodir você nesse momento, Dragão!
– Perda de tempo. Já fizeram isso há pouco tempo atrás... Seja mais original.
Um silêncio desconfortável caiu sobre nós. Não é estranho como as pessoas falam coisas sem pensar e depois caem na dura realidade? O fato da explosão não tinha nada a ver com ele, eu sabia perfeitamente bem que aquilo não passava de uma brincadeira, então por que se importar?
– Está mesmo magoado por causa da moto? – Perguntei depois de alguns minutos. Já era bastante ruim ficar no silêncio quando estava sozinho, não precisa disso agora. – Tenho certeza que pode comprar outra com seu salário... Ou convencer alguém a comprar para você.
– Quantas vezes eu tenho que dizer que não saio por aí caçando mulheres ricas para comprarem coisas para mim?
– Já aconteceu...
– Eu não pedi!
– Ah sim. – Sorri, ouvindo–o bufar irritado. Tudo voltara ao normal. – Só aconteceu.
– Sim! Só... – Ele parou de falar e eu quase pude vê–lo balançar a cabeça, irritado.– Por que estamos falando de mim?
– Você começou a agir como os outros, cheio de cuidado com o que poderia falar perto de mim... – Respondi calmamente, sorrindo com vontade pela primeira vez desde que acordara no hospital – Achei que seria melhor acabar com isso de uma vez.
– Sobre a chave... – Ele falou entre dentes o que só fez com que eu risse mais – O que você lembra?
– Serve para abrir uma fechadura?
– Você ficou completamente idiota? – Ele quase gritou ao meu lado e eu tive mesmo que me conter para não continuar rindo. – Que diabo de resposta imbecil foi essa?
– Você perguntou o que eu lembrava sobre chaves.
– Eu perguntei o que você lembrava dessa chave! – Ouvi os passos se afastando rapidamente – Acho que não foi só sua visão que foi afetada!
Ouvi o barulho da janela se abrindo e soube que ele iria embora. Provavelmente percebera que era inútil falar comigo. Respirei fundo, endireitando o corpo antes de chamá–lo:
– Ei, Fênix?
– O que é? – Ele respondeu mal humorado, sem fazer nenhum movimento para se aproximar de mim novamente. – Pensou em outra resposta cretina para me dar?
– Está esquecendo disso. – Joguei a chave dentro do envelope rapidamente e atirei em sua direção, ou da onde eu achava que ele estava parado.Quando não pude mais sentir a textura do papel contra meus dedos, percebi a grande estupidez daquele ato, provavelmente atirara tudo pela janela.
– Boa mira. – Contra todas as possibilidades ouvi quando ele dobrou o envelope e o barulho de tecido contra tecido quando ele o guardou em um dos bolsos. – Algo tinha que ter sobrado nessa sua carcaça inútil.
Continuei parado, encarando o velho e conhecido nada enquanto o ouvia sair pela janela. Só podia ser um golpe de sorte ter acertado onde atirar aquilo. Quais eram as chances de algo assim se repetir?
– Volto aqui quando souber de algo. Só espero que até lá tenha parado com seus ataques... Principalmente o de fechar a porta.
Suspirei, ouvindo–o praguejar alto do lado de fora.
– Você está do lado de dentro, idiota. Poderia sair por ela.
– E arrastar aquelas coisas pelo quarto para alertar a segurança? Não, obrigado.
– Como se descer pela janela do segundo andar não fosse suspeito. – Um alarme soou na minha cabeça pela primeira vez. Levantei da cama, caminhando na direção da janela e perguntei mais alto do que deveria. – Essa janela não tinha grade?
– Ela não nasceu aqui... – A voz dele soou divertida enquanto descia. – O que o fez pensar que não poderia ser retirada?
Dei de ombros, afastando–me da janela e desabando sobre a cadeira. Ao menos ela deveria estar ali se alguém não tivesse tirado do lugar. Praguejei alto caindo sentado no chão e podia jurar ter ouvido a risada de Fênix ecoando lá embaixo. Ignorei essa impressão sabendo que ele não seria tão idiota a ponto de arriscar ser descoberto apenas para fazer uma brincadeira de mau gosto como essa. Estiquei o braço, procurando pela cadeira e respirando fundo para recuperar o fôlego pelo susto dor, causados pelo tombo.
Quando minha mão tocou o metal frio da perna da cadeira a lembrança de um cofre dentro de um banco veio com clareza absurda a minha mente. Parei de me mover, ávido por qualquer fragmento de lembrança que pudesse ajudar no quebra cabeça que minha memória havia se tornado.
Podia ver com clareza a entrada de um dos grandes bancos do centro da cidade, o gerente sorrindo tranqüilizador enquanto me guiava para uma sala cujas paredes eram cobertas por cofres. Franzi o cenho, ignorando a pontada de dor que esse movimento causou, concentrado nas lembranças. A parede cheia de cofres se apagou, sendo substituída por algo que parecia tão absurdo que eu só pude pensar que era uma peça pregada por minha mente para que eu desistisse daquele esforço inútil. Um restaurante não podia ter ligação com um banco, não é mesmo?
Suspirei desanimado, puxando a cadeira para que pudesse levantar com dificuldade. A conhecida dor de cabeça causando pontadas em minha fronte.Estranho como parecia haver parte de mim que não queria lembrar e não se importava de utilizar truques sujos para continuar me deixando no 'escuro'.
