Capítulo1: Dias de Calmaria
Shitamachi, Tóquio
Ano 11 da Era Meiji
Dojo Kamiya
'Humm... Cheiro bom...'
Kaoru abriu os olhos lentamente sentindo dificuldade de enxergar por causa da claridade que adentrava ao quarto e iluminava todos os cantos. O cômodo era mobiliado com uma pequena penteadeira onde havia uma escova, um pente, um pequeno frasco de perfume e algumas de suas fitas de seda favoritas, e uma cômoda onde guardava seus kimonos. Sentou-se no futon sentindo uma leve tontura. 'É hoje...' Levantou e trocou o yukata que usava para dormir por um kimono lilás com pétalas brancas desenhadas caprichosamente na borda e nas mangas. Hoje definitivamente não era um dos seus dias favoritos
Saindo do quarto, foi em direção à cozinha, de onde vinha o aroma agradável de comida. Lá encontrou Kenshin preparando o café da manhã, este virou-se ao sentir sua presença.
"Bom dia Kaoru-dono."
"Bom dia Kenshin."
"A senhorita dormiu bem?
"Sim, obrigada por perguntar."
"O café da manhã logo estará pronto, a senhorita poderia pôr a mesa, por favor?"
"Certo."
Enquanto fazia isso, pensamentos povoaram a sua mente:
'Faz um mês que os acontecimentos envolvendo o Enishi Yukshiro terminaram. A polícia ainda não conseguiu encontrá-lo, mas eu não tenho medo. Espero sinceramente que ele encontre paz e consiga se perdoar e, principalmente, que o Kenshin também encontre paz...'
Logo em seguida Kenshin apareceu com a sopa misô e depois com o arroz, porém, por um pequeno descuido, o recipiente em que o último estava caiu, derramando um pouco do seu conteúdo pelo chão.
"Oro!"
"Kenshin! Deixa que eu ajudo!"
"Não Kaoru-dono, tudo bem! Este servo fará isso sozinho, não se preocupe!"
"Não quer ajuda?"
"Tudo bem, não é necessário."
"Então tá."
Kenshin começou a catar os pequenos grãos de arroz espalhados pelo chão.
'Quem mandou se apaixonar por esse baka?' Pensava ela e sorria enquanto o observava. Desde muito tempo sentia isso por ele. Quando ele havia se despedido para ir lutar contra Shishio em Kioto foi como se alguém houvesse comprimido seu coração e logo depois ele se fragmentara em mil pedaços. Fora um dos momentos mais dolorosos da sua vida. Isso a assustava um pouco. Era um sentimento grande demais, de proporções enormes, que tinha várias faces e ela simplesmente não conseguia compreender o que acontecia. Sabia que isso era o que chamavam de amor, mas ainda assim era tudo muito estranho. Talvez se sentisse assim porque era muito nova e nunca antes tinha se apaixonado 'realmente', como agora. Seu sorriso se desfez e deu lugar a uma expressão melancólica. Pensava se Kenshin sentia o mesmo. Ao seu ver era praticamente impossível, pois ele tivera uma esposa tão diferente dela. Tomoe era o seu oposto, uma mulher de modos refinados, educada, calma e sabia como tratar um marido, sem falar na beleza. Ela, apenas uma kendoka suada, com alguns calos nas mãos, de pavio curto e sem nenhum refinamento. Como ele poderia sequer pensar nela quando teve ao seu lado uma mulher como Tomoe? Seus pensamentos foram interrompidos por seu pupilo 'mal agradecido', 'mal educado', e outros adjetivos negativos que passaram na mente de Kaoru.
"Hei, Busu! Cadê o café?"
"Cale a boca!"
"Ow, Kenshin, que lambança!"
"Este servo já está terminando."
"Onde será que está o Sanosuke?"
"Provavelmente deve estar caído bêbado em alguma sarjeta de Shitamachi."
"He! Se eu conheço bem o Sano, acho que é exatamente isso o que ele está fazendo. Até que de vez em NUNCA você acerta alguma coisa, feia!"
Kaoru apenas o ignorou, o que Yahiko estranhou. Não era do feitio de Kaoru ignorar as suas provocações.
"Este servo já terminou, vamos comer."
Comendo em silêncio os três terminaram o café da manhã e cada um dirigiu-se aos seus afazeres. Kenshin lavando roupa, Yahiko enchendo o saco de Kaoru, mas ela continuava a ignorá-lo. Hoje estava com um semblante entristecido que tentava disfarçar toda vez que alguém falava com ela.
"Kenshin, vou sair. Talvez eu demore um pouco."
"A senhorita não quer que este servo a acompanhe?" Disse, desligando-se um pouco do trabalho de tentar tirar uma mancha particularmente difícil do gi de Yahiko. A voz de Kaoru estava com uma pequena gota de tensão.
"Não, abrigada. Quero ficar um pouco sozinha, até logo."
"Mas..." Já era tarde demais, Kaoru havia fechado o portão.
'Qual é o problema?'
Caminhando lentamente por uma alameda arborizada, o céu meio nublado, Kaoru pensava no assunto que iria conversar com sua amiga. Fazia tempo que não falava sobre aquilo, e Tae era, além do Dr. Gensai, a única com quem podia falar sobre o assunto. Todo ano precisava falar sobre o assunto, não era daquelas pessoas que conseguiam guardar os sentimentos, tinha que falar com alguém, mesmo que fosse doloroso. Também pensava em quando iria contar a Kenshin. Afinal, ele havia contado sobre o seu passado e sobre Tomoe, não era justo ela guardar isso, pelo menos era o que achava. Mesmo sabendo que talvez ainda houvessem muitos segredos do passado que Kenshin ainda não tinha revelado.
"Ai, ai..."
"O movimento está pequeno, não é mesmo Tae?
"Sim... Tsubame, você já lavou aquela louça?"
"Já. Ah! Olha só quem está entrando!"
O restaurante estava entregue às moscas, todas as mesas estavam vazias. Tae olhou para a entrada do restaurante com a expressão entediada, mas logo se animou com quem viu.
"Bom dia Kaoru!"
"Olá, Tae! Olá Tsubame! Um bom dia para vocês também."
"Bom dia Kaoru. Humm... Yahiko-kun... ele não veio?" Disse a menina com um leve rubor nas bochechas.
"Não, Tsubame. Mas amanhã eu deixo ele vir te visitar, ok?" Kaoru não pôde conter um pequeno sorriso ao ver a expressão envergonhada da menina. Dava pra ver que esses dois se gostavam bastante. 'Se continuar assim, aposto que o Yahiko se casa primeiro do que eu.' Pensou, suspirando.
"Algum problema?"
"Não, não Tae! Só estava pensando numa coisa." Respondeu, sem graça.
"Aposto que era no Kenshin-san!"
"O quê? Na... Não! Não é nada disso!" Gaguejou ela, sentindo-se ficar levemente ruborizada também.
"E então? Finalmente... Finalmente ele se declarou?!?!?" Tae às vezes era entusiasmada demais, e também um tanto desconcertante. Não era esse o assunto da conversa que tinha vindo ter.
"Não! Eu queria con..."
"Oh! Que pena! Kaoru, querida, você precisa se cuidar! Já está na idade de se casar. Se não, pode morrer solteira e..."
"Tae, por favor!"
"Oh, desculpe Kaoru, acho que me excedi um pouquinho." Disse Tae dando um sorrisinho.
"Só um pouquinho? Você..." Mas de repente parou. Não podia ter um acesso de raiva e esquecer o que veio fazer. Ficou séria, assim como havia entrado e perguntou para a amiga baixinho "Er, Tae?"
"Sim?"
"Posso conversar com você..." E olhando para Tsubame acrescentou "... em particular?"
Tae olhou um pouco estranhada para sua jovem amiga, mas logo seu rosto mudou, como se tivesse entendido o que estava para acontecer. 'Claro! É hoje!'
"Hã... Bom... Sim, claro, claro! Tsubame, vá comprar um... ahn... um, um vaso! Sim, um vaso!"
"Um vaso???" Tsubame fazia cara de quem não entendia patavincas. Para que Tae iria precisar de um vaso? "Mas, pra quê?"
"Coisa minha. Vai lá!" Não queria deixar a menina sem graça, mandando ela sair por que tinha que conversar com Kaoru, por isso inventou essa desculpa.
"Ahn, então tá."
"Toma aqui o dinheiro." Depositou na mão da ajudante uma bolsa de pano com algumas notas.
"Volto logo. Até mais Kaoru, até mais Tae." Disse a menina, virando-se para sair.
"Até mais Tsubame!"
"Não volte tarde, ouviu?"
"Tá bem."
Assim que as duas viram a menina fechar a porta Tae virou-se para Kaoru e disse:
"Vem. Vou preparar um chá para nós. E acho que ainda tenho uns dois pedaços de Castela aqui."
"Certo."
"E aí! Como vão?" Sanosuke acabara de entrar pelos portões do Dojo Kamiya e encontrara Kenshin varrendo o quintal e Yahiko passando pano na varanda.
"Bom dia Sanosuke, este servo vai bem, obrigado."
"Oi Sanosuke. Pensei que você tivesse morrido, ou sido preso, hehehe"
"Ha! Você não tem nada melhor pra fazer não, ô garoto? Que tal dar uma passadinha no Akabeko para visitar a sua namoradinha..." Falando isso, Sano imitou o som de beijos. Yahiko, como sempre tentou atacar Sanosuke, mas só conseguiu ficar pendurado pela gola da roupa.
"Me solta! Você vai ver só! Me põe no chão!"
"Onde está a Jou-chan?" Logo em seguida jogou Yahiko longe, como se ele não passasse de um saco de batatas.
"Kaoru-dono saiu, não disse aonde ia."
"Hum... Não disse aonde ia?"
"É."
"Cuidado Kenshin, ela pode ter um amante, hehe." Disse o lutador, dando um sorriso maroto. Já estava cansado de ver esses dois empacados na linha de largada. Pensou que depois daquilo tudo do 'maluco de cabelinho branco' Kenshin iria pedir Kaoru em casamento imediatamente. Mas um mês já tinha se passado e pelo visto Kenshin era mais lesado do que pensava.
"Oro! Kaoru-dono? Um amante? Acho que o você está engando Sanosuke." Kenshin deu um sorriso inocente, com cara de despreocupado. Isso era impossível. Kaoru com um amante? Impossível. Além do mais, Kaoru não poderia ter um amante porque... porque... Bem, porque ela não tinha noivo nem nada e ele não era nada dela também. Nesse caso o termo certo seria 'namorado'. Óbvio que isso não o animou nem um pouco.
"Dããã... Como eu sou burro. Claro que não. Afinal, ela te ama né?"
"..." Kenshin não prestou atenção. Estava preocupado com outra coisa. Kaoru não tinha o costume de sair sem avisar aonde ia. Isso estava ficando estranho. E o modo como ela estava hoje... Ah! Não que ele pensasse que Kaoru tinha um namorado, claro que não... Ahn, não?
"Kenshin?"
"..."
"Kenshiiin?"
"..."
"KENSHIIIIIINNN???"
"Oro, oro, oro!" Kenshin despertou de seu devaneio.
"E o almoço, Kenshin?" Sano disse, dando um suspiro. Esse cara às vezes parecia que era surdo, ou que estava dormindo de olhos abertos de tão desligado que ficava quando pensava.
"Ah, sim. Este servo já vai prepará-lo." Disse isso caminhando em direção à cozinha.
"Bom Kaoru, o que houve?" Tae perguntou. As duas estavam sentadas nos fundos do Akabeko. Tae fechou o restaurante, já tinha uma idéia do que estava por vir.
Kaoru tomou um gole do seu chá lentamente. Colocou o copo em cima da pequena bandeja que estava no chão do pórtico em que estavam sentadas. Deu um longo suspiro e finalmente decidiu falar "Você se lembra que dia é hoje Tae?"
"Claro que me lembro. Não tem como esquecer. Na verdade, já suspeitava que esse seria o motivo da conversa." Respondeu a mulher com uma expressão de tristeza no rosto.
"Dez anos. Hoje fazem exatamente dez anos."
Continua...
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