Cap 9 – Hogsmeade

Que dia mais extraordinário! Desrespeitar leis faz com que a gente se sinta meio rebelde, né? Não que eu tenha desrespeitado muitas leis ou leis muito, muito sérias. Eu tive um bom motivo, afinal de contas.

Como eu gosto de contar as coisas em sua devida ordem, vou começar a contar a partir da hora em que eu desci pra tomar café, vestindo (sim, Jenn conseguiu se decidir por uma roupa para mim, aproximadamente vinte minutos depois que eu interferi naquela loucura) calça jeans, uma camiseta de manga, preta, e uma jaqueta por cima. Isso tudo porque o dia estava relativamente nublado – uma pena, porque fez sol ontem a manhã inteira e eu estava làtrancada naquela sala escutando tudo o que a McGonagall estava falando.

Eu notei que Liv estava tentada a já se juntar a Ernesto (eles estavam agora, namorando oficialmente), mas Mione e os outros Monitores estavam organizando os grupos por Casas.

Ron estava mais atrapalhando do que ajudando, porque deixava Mione nervosa quando falava 'Ei, seu idiota! Entre na fila' ou 'Você, coisinha insignificante. Quem pensa que é pra me desobedecer? Eu sou Monitor!'. Eu sou extremamente fiel a minha família, e me recuso a acreditar que aquela velha máxima 'Caso você queira conhecer o verdadeiro caráter de uma pessoa, dê poder a ela' se aplique a Rony. Ele, provavelmente, não se aplica a regra nenhuma. Ele é sempre um caso a parte.

Aí nos dirigimos para Hogsmeade pacifica e organizadamente. Éramos um grupo grande, mas que logo se espalhou pelo vilarejo, o que não era uma grande surpresa. Com aproximadamente dez minutos que estávamos làeu já não via Liv e Kel por lugar nenhum. Jenn estava caminhando ao meu lado, mas parou pra conversar com umas Corvinais do sexto ano.

Eu aproveitei a chance e disse que ia dar uma volta e foi aí que uma coisa me ocorreu: eu não tinha marcado nenhum lugar específico com o Malfoy! Quer dizer, como íamos nos encontrar sem dar pista por aí? Eu não podia simplesmente chegar perto dele no meio da rua e dizer 'Oi Malfoy. Vamos ali? Preciso que você faça isso, isso e aquilo por mim'. Seria muito encantador ver a reação do meu irmão a isso. Não, na verdade seria assustador.

Eu estava passando pelas lojas, olhando pela vitrine e imaginando se ele estaria em alguma delas (alguma loja, não vitrine!). Reparei, quando passei pelo Três Vassouras, que Ron, Mione e Harry estavam lá dentro. E além deles, tinha uma porção de professores. Quero dizer, eu imaginei que isso ia acontecer. Com todo aquele alerta sobre Você-Sabe-Quem e os Comensais, não era de se surpreender que quase todos os professores estivessem acompanhando as suas Casas. Eu só não tinha visto Snape por ali, mas eu também não consigo imaginar Snape num lugar que não seja sua Masmorra. Ele não deve nem saber o caminho para Hogsmeade. (...) Ai, como eu sou cruel.

O fato é que eu já estava chegando no final da ruela e ia dobrar a esquina, quando uma mão, vinda aparentemente do nada, me puxou para o lado esquerdo da rua, enquanto a outra tapava a minha boca para que eu não gritasse. Por Merlin, juro que meu coração parou de bater por uns bons quinze segundos. Quer dizer, eu tinha acabado de pensar em Comensais e toda aquela coisa e de repente alguém me puxa daquele jeito (muito suspeito) para um beco!

Eu estava com a respiração ofegante, quero dizer, estou certa de que eu mal podia respirar. Meus olhos deveriam expressar pânico total, porque quando a tal pessoa me virou, para que finalmente eu visse seu rosto (e, bem, era o Malfoy), ela pareceu assustada pela minha expressão assustada. Muito confuso, isso.

Ele me soltou e quando eu consegui recobrar a minha razão, minha respiração e toda a minha coordenação motora eu olhei raivosamente para ele (que ainda olhava para mim com uma expressão muito estranha) e comecei a bater nele.

Quero dizer, eu meio que o empurrei até que ele encostou-se ao muro do beco e depois eu comecei a bater com as minhas mãos fechadas no peito dele. O mais estranho é que ele não fez nenhum movimento, de nenhum tipo, para que eu parasse de bate-lo. Ele ficou lá parado, sem nem mesmo se defender e não é muito agradável quando você se dá conta de que está batendo numa pessoa que não está se defendendo como pode. É como se você batesse num bebê (um bebê grande e forte, mas que não queria se defender) e isso fere totalmente meus conceitos morais, por isso eu parei.

Eu ainda olhava furiosamente para ele, quando ele perguntou, sério "Terminou?".

"Como é que você faz uma coisa dessas comigo? Quero dizer, me puxar assim de modo tão suspeito quando há centenas de Comensais soltos por...", eu estava dizendo, mas aí minha voz foi sumindo, quando eu me dei conta de o que eu estava falando. Comensais.

Ele ficou làolhando para mim, sem dizer nada. Eu não pude ler nenhum tipo de sentimento ou mensagem em sua expressão, ou em seus olhos. Eles pareciam tão nublados quanto o céu. Um tom de cinza que chega a dar medo. Medo da tempestade que possa acarretar.

"Você ainda precisa daquele pequeno favor? Caso contrário eu tenho mais o que fazer", ele disse, soando aborrecido.

"Eu...", eu hesitei, mas agora não dava pra simplesmente dizer 'Não, não precisa, desculpe o inoportuno, pode volte para o seu ninho'. "Sim, preciso", disse, meio derrotada.

"Pois então?", ele perguntou, com um leve movimento de ombros.

"Eu preciso que você me ajude a sair daqui".

"Sair daqui – pra onde?", ele perguntou, como se suspeitasse de mim (...de mim! Ora essa, que absurdo).

"Eu preciso visitar meus irmãos, em Londres. Não vai demorar muito, mas eu preciso que você me ajude a procurar uma lareira", eu disse, de uma vez só.

Ele ficou olhando pra mim por um segundo e depois disse "Eu estou falando sério. O que era mesmo que você queria que eu fizesse?", ele perguntou, não acreditando no que eu estava dizendo.

"Isso que eu acabei de dizer. Olha, eu sei que é contra as normas da escola...", eu ia dizendo, mas fui interrompida.

"Contra as normas da escola? Isso bate, possivelmente, contra as leis do Ministério. Quero dizer, você mesma acabou de dizer. Tem centenas de Comensais soltos por aí. Você não pode simplesmente andar de Pó de Flú, pulando de uma lareira para outra. E por uma lareira que você não sabe se tem as condições necessárias para ser perfeitamente segura". Ele disse isso muito rápido, muito sério e parecendo até um pouco bravo.

Eu pisquei quando ele disse isso. Quando eu pisco, significa que eu não consigo ter uma reação imediata. Quero dizer, o Malfoy me falando sobre não ir contra leis? E falando de Comensais daquela forma como se o pai dele não fosse um? Onde foi parar toda a razão daquela conversa, afinal?

"Eu não estou acreditando no que estou ouvindo", eu consegui dizer, depois do choque. Ficamos uns três segundos em silêncio, nos encarando até que ele disse:

"Certo. Eu consegui deixa-la assustada, não foi?", ele sorriu arrogantemente e acrescentou "Por um momento eu vi PÂNICO nos seus olhos", ele disse, agora debochando claramente da minha cara. Como assim? Ele estava brincando comigo, quando eu estava pedindo algo tão sério e importante (pelo menos para mim!)? Que garoto ardiloso. E estúpido!

Eu suspirei e disse, completamente derrotada dessa vez "Eu bateria em você até transforma-lo em uma polpa, se ainda tivesse forças". Depois, com o que restava da minha dignidade eu perguntei "Você vai me ajudar, afinal de contas?".

"Vou. Depois que você me contar porque precisa tanto ir ver os seus...irmãos", ele disse e deixou bem claro que não acreditava que eu ia ver os meus irmãos. Só devia haver imoralidade e obscenidade na mente dele. Por Merlin! E, pra piorar, quando eu ainda estava decidindo se devia me render àquela chantagem estúpida e contar algo tão pessoal (quero dizer, são pesadelos! São o mais profundo clarão do nosso subconsciente. Isso deve querer dizer alguma coisa, afinal de contas) para o Malfoy, ele acrescentou "Eu não vou ajudar você, se você não me contar".

"Mas isso é chantagem!", eu disse, começando a ficar brava de novo.

"Bem, você pode estar querendo ir a Londres fazer algo ilegal, ou pode estar planejando matar alguém e eu quero saber onde e com quem estou me metendo", ele disse, sorrindo irritantemente e depois continuou "Isso tudo é só para eu já começar a preparar o meu depoimento. Você sabe, quando os Aurores me interrogarem sobre o que você foi fazer lá". Ele estava NITIDAMENTE debochando de toda aquela coisa. E eu já estava cansada. Não dormia há quatro noites, não conseguia nem me lembrar como era simplesmente me jogar na cama e dormir em paz, sem ter consciência de nada, por algumas horas. Pensando nisso, eu suspirei e disse:

"Tudo bem, Malfoy. Eu conto, mas poderia ser depois? Depois que eu voltar?", perguntei, meio desesperada "...Por favor?". Certo, foi o meu fim, eu declaro.

Ele pareceu meio surpreso por alguma coisa, acho que foi o fato de eu ter pedido 'por favor'. "Tudo bem", ele disse, depois olhando pra mim de relance, perguntou "Alguma idéia?".

"Você é o sonserino aqui. Essa é a razão de toda a humilhação pela qual estou me submetendo. Você é quem tem que pensar", eu disse. E era a mais pura verdade. Acho que não era nem possível que eu conseguisse raciocinar. Eu estava precisando dormir e isso me deixava um pouco deprimida. Quem não ficaria?

Ele passou a mão pelos cabelos, suspirou e disse "Certo, não temos muito tempo. Você notou que todos os professores estão por aqui, certo?", eu concordei com a cabeça "A razão de eu, Monitor, estar aqui é justamente proibir e evitar que aconteça coisas como a que você vai fazer agora. Por isso, é tudo por sua conta e risco. Está entendendo?". Ah, agora sim. Isso era um sonserino. Isso era o Malfoy de volta.

"Sim, perfeitamente", eu disse. "Já sabe onde podemos arrumar uma lareira segura?", eu perguntei.

"Sim, mas eu ainda estou pensando. Ajudaria se você ficasse calada". Definitivamente esse era o Malfoy. Eu quase fiquei feliz em ver que era ele mesmo. Quero dizer, vai que alguém tinha possuído o corpo dele? O comportamento dele estava muito estranho, ultimamente. (...) Mas só o fato dele estar ali, falando comigo, me ajudando, já era um agravante: ele estava muito estranho, definitivamente diferente.

Eu cruzei os braços, enquanto esperava ele terminar de ter sua brilhante idéia. Foi num susto que eu percebi que, dois segundos depois, estávamos andando. Ele estava segurando meu braço direito e me puxando suavemente para a direção oposta de onde eu tinha vindo. "Usar lareiras públicas não é seguro. E eles não deixariam uma estudante, menor de idade, fazer isso, de qualquer modo. Eu só consigo pensar em uma casa. E você vai ter que me agradecer eternamente por isso", ele falou, sombriamente.

"Para onde estamos indo?", eu perguntei, sem me conter. Ele olhava o tempo todo para os lados, acho que se certificando de que não havia ninguém nos observando. Mas na verdade, eu não via nenhum estudante por aquele caminho.

Nós parecíamos estar saindo da área 'comercial' de Hogsmeade, onde tem os Pubs, lojas e tudo o mais; estávamos seguindo, na verdade, para uma parte mais...'povoada'. Uma parte que quase ninguém visita, pelo menos não os alunos, já que pouquíssimos têm parentes em Hogsmeade.

Ele me soltou e permitiu que eu mesma me conduzisse, mesmo que fosse para me dirigir para Sabe-Se-Lá-Onde ele estava nos levando. "Eu não posso contar. Teria que te matar depois disso", ele disse, visivelmente aborrecido.

Eu achei melhor não perguntar duas vezes. Quer dizer, desde que ele desse um jeito de eu ir falar com os gêmeos, eu ficaria imensamente feliz. 'Os gêmeos são minha salvação', eu havia pensado, naquela noite que fiquei observando a lareira, no Salão Comunal. A idéia de usar uma lareira surgiu ali, mas é claro que eu sabia que todas elas estavam bloqueadas, em Hogwarts.

Eu não podia simplesmente usar uma lareira dos professores, como comunicação, porque isso seria fazer algo bem debaixo do nariz deles e bem, esse ano eu não tinha os gêmeos pra criarem uma distração mor. E não podia mandar uma coruja dizendo 'Oi maninhos. Vocês já fizeram o que prometeram para mim? Espero ansiosa. Ginny'. Sei làeu sei o quanto eles trabalham melhor sob pressão (era só ver o quanto eles produziam quando mamãe brigava com eles ou quando os proibia de fazer alguma coisa. Eles rendiam feito loucos).

Eu precisava, desesperadamente, da ajuda deles. Eu estava começando a me sentir realmente mal com toda essa história de sonhos e pesadelos. Não é algo que, normalmente, você pode controlar. Então, a perspectiva disso, de poder não sonhar, era como...um sonho. (...) Certo, eu preciso realmente dormir.

Nós só paramos de andar, quando chegamos em frente a uma casa enorme, porém bem simpática, com um jardim muito bem arrumado. Havia centenas de espécies de flores. Tinha uma cerquinha branca e tudo o mais. A casa era muito maior do que a minha e parecia ser terrivelmente luxuosa.

Malfoy olhou pra mim e disse "Certo. Você fica aqui. Está vendo a terceira janela, da esquerda para a direita?", eu acenei, confirmando "Ela dá para a sala. É lá que fica a lareira. Fique olhando por ela, e quando eu der o sinal, você espera que eu saia da sala e entra pela janela. Certo?".

Eu estava assustada. Nós estávamos arrombando uma casa? Ou simplesmente estávamos arrombando a casa de alguém conhecido? Quer dizer, eu nem cheguei a imaginar que o Malfoy conhecesse o dono daquela casa. E parecia duplamente mais errado fazer isso na casa de alguém que era conhecido (pelo menos para ele) e sem sua devida permissão. Mas quem daria permissão para uma aluna de Hogwarts dar 'uma voltinha' em Londres?

"Certo", eu disse, tensa.

"Por favor, não demore mais do que vinte minutos", ele disse, quase que num gemido.

"Como disse?", eu perguntei, estupefata.

"Não demore muito, foi o que eu disse".

"Não, você falou...Você falou 'por favor'?", eu perguntei, em completo horror.

"NÃO", ele disse firmemente "Agora fique aí". E seguiu para bater na porta. Eu, ainda chocada, me dirigi até a terceira janela, como ele havia instruído. Não dava pra ouvir nada do lado de fora, e quando olhei pela janela (tinha cortinas floridas nas janelas), pude ver que ele conversava com uma senhora. Eu só podia ver uma parte dela, de perfil, mas pude notar que ela parecia absolutamente encantada em vê-lo. Sei que está ficando repetitivo, mas era tudo muito surreal. Agora era definitivo: ele conhecia o dono daquela casa. A dona, aliás.

Eles seguiram numa conversa que durou uns cinco minutos naquela sala, até que, ele parecia ter dado um jeito de tira-la de lá. Ele olhou pela janela antes de sair junto com a senhora da sala, e fez um sinal para mim. Eu não precisei ser avisada duas vezes e entrei de mansinho na casa. Era uma sensação muito estranha, mas estava tudo positivamente emocionante.

Havia, como é de costume, um saquinho de Pó de Flú ao lado da lareira. Eu peguei um pouco na mão e guardei o saquinho no bolso – sei làvai que os gêmeos não tinham Pó de Flú por lÿ Eu não podia correr o risco. Joguei o pó na lareira e vi suas chamas ficarem verdes; sibilei 'Beco Diagonal, número noventa e três' e entrei na lareira.

Depois, eu estava caindo no chão da loja deles, onde brilhava lá fora, um anúncio em néon 'Gemialidades Weasley'. Eu me levantei do chão, limpando meu jeans e tentando parecer natural. Tinha gente ali por perto. Bastante gente. Eles devem estar trabalhando muito, eu pensei com remorso, talvez por isso ainda não tenham feito minha poção.

Eu me direcionei ao balcão, e lá estava uma menina loira, que devia ter uns dezoito anos, atendendo desesperadamente os clientes. Tinha criança para todos os lados e elas pareciam particularmente tentadas a experimentar seus novos brinquedos ali mesmo, na loja. Isso estava pondo a atendente desesperada.

Eu abri a boca para falar 'Oi, eu quero falar com meus irmãos', mas antes disso, ela me disse, com cara de desespero "Desculpe, mas hoje isso aqui está uma loucura. A senhorita poderia esperar um instante?".

"Ah, não..." eu disse, me explicando "Eu estou aqui para ver os gêmeos, na verdade". Ela ficou olhando um minuto para mim e depois parece que a ficha simplesmente caiu e ela disse:

"Mas é claro! Puxa, desculpe! Você é Ginny, não é?", eu confirmei, com assombro "Imaginei pelo cabelo ruivo", ela acrescentou.

"Ah. Isso", eu disse. "Então, posso vê-los? Eu não tenho muito tempo".

"Claro que pode. É só passar por ali e seguir para o escritório deles, lá nos fundos". Ela deve ter pensado que eu nunca tinha estado ali antes. Eu agradeci e segui para a sala deles, lá nos fundos.

Quando eu entrei, pude ver que a sala estava ainda tão bagunçada quanto eu podia me lembrar. Parecia que eles tinham começado a fazer seus experimentos ali mesmo, porque tinha a marca de uma explosão em uma das paredes. Eu não consegui segurar o riso. Isso pareceu chamar a atenção de alguém, porque eu ouvi um barulho e depois Jorge estava lá na sala, olhando para mim. E ficou olhando. Depois ele olhou para um calendário que estava em cima da mesa e perguntou, confuso:

"Estamos na Páscoa?".

"Não, não estamos. Eu vim porque preciso falar com você e Fr...", eu ia dizer 'Fred', bem na hora em que ele apareceu, todo sujo de alguma coisa roxa. Pareceu tão confuso quanto Jorge. Olhou de mim para Jorge, e para mim de novo até que perguntou:

"O Natal já chegou?". Sério, ás vezes eu acho que eles combinam as piadas que vão fazer em determinadas ocasiões.

"Não!", eu disse, segurando o riso e tentando ficar séria. "Eu vim aqui porque preciso falar com vocês".

"Gin", Fred disse, com a voz surpresa "Eu estou impressionado. Como você conseguiu sair de Hogwarts? Eu e Jorge nunca conseguimos ir muito longe. Mas, maninha, você está em Londres". Ele falava como se isso fosse um grande feito. Bem, na verdade era.

"Eu tive alguma ajuda", murmurei, não querendo perder tempo. "Olhem, eu preciso da ajuda de vocês. Estão vendo essas manchas?", eu perguntei apontando para minhas olheiras.

"Quem bateu em você?", Fred perguntou, soando meio tenso. Eu ignorei isso.

"Eu não durmo há quatro noites" suspiro "Lembram aquela promessa que me fizeram no verão? Sobre os pesadelos e tudo o mais?", eu perguntei, agoniada.

"É, lembramos, e sabe, não é tão fácil quanto imaginamos. Temos trabalhado nela, mas não temos certeza de que ela está perfeitamente pronta. Nem pudemos transformar a poção em algum tipo de guloseima para melhorar o sabor", quando Jorge disse isso, eu senti que estava murchando. "Ei, mas calma, Gin, não é o fim do mundo. Nós temos alguns doces pra aumentar sua energia, se você quiser", eu deveria estar parecendo um fiapo, pra eles terem notado. Não querendo ser injusta com os meninos, mas raramente eles percebem alguma coisa.

"Eu não preciso aumentar minha energia, Jorge", eu disse, me sentando, derrotada "Eu preciso conseguir dormir, é isso o que eu preciso".

Eles trocaram uns olhares e Fred veio se sentar perto de mim.

"O que houve, Gin? Os pesadelos com aquele cara voltaram?". Era tão raro vê-los falando sério, que eu quase tive vontade de somar aquilo ao resto de desgraças que vinham me acontecendo em série e simplesmente abrir o berreiro ali. Eu senti uma lágrima descendo, mas tratei de seca-la logo.

"Não é com ele" eu funguei "Mas ainda assim é bastante ruim". E me senti com seis anos novamente, quando eles faziam prontidão ao pé da minha cama e de novo aos onze anos, quando até mamãe vinha ficar comigo. Ninguém merece uma vida assim, cheia de medos.

"Olha, Gin, ainda não está pronta, mas se está tão ruim assim, você poderia levar um pouco e..." Jorge estava dizendo, mas Fred o cortou.

"Pirou, Jorge? Ainda não tá pronta, cara. Não podemos simplesmente testar aquela coisa na Gin", ele disse.

"Eu não me importo!", eu disse, ansiosa "Eu realmente não me importo de ser a cobaia" eu completei, desesperada.

"É, você não vai ter como se importar mesmo, se simplesmente explodir, depois de tomar aquilo", Fred disse. Desde quando eles eram responsáveis? DESDE QUANDO?

"Por favor, Fred...Jorge...eu não viria de Hogwarts até aqui se eu não estivesse entrando em desespero, viria?", eu estava suplicando.

Eles ficaram uns três minutos em silêncio, trocando olhares (começo a pensar que talvez eles possam ler a mente ou ler os olhos um do outro). Finalmente, Fred suspirou e disse:

"Mamãe vai nos matar se algo acontecer a você, Ginny".

"Daremos uma pequena poção e você toma hoje, antes de se deitar, porque ela tem um efeito instantâneo, eu imagino... Bem, qualquer efeito colateral você vai pra Ala Hospitalar, certo? E diz pra Madame Pomfrey exatamente o que colocamos nessa poção", Jorge disse, enquanto procurava um pergaminho, para, aparentemente escrever os ingredientes.

Eu não sabia o que dizer. Nem sabia se ia funcionar, mas só a esperança de ter uma noite de sono era tentadora. Fiquei observando Fred ir pegar alguma coisa num armário e colocar num tubo que não tinha nem metade do tamanho da minha mão. Será que só aquilo ia fazer efeito? Ou será que era coisa demais, e o efeito seria enorme? Esse foi o tipo de coisa que ficou passando pela minha cabeça, mas quando Jorge me entregou o pergaminho, e Jorge me entregou o tubo, todas as dúvidas desapareceram. Quer dizer, eles eram os gêmeos, afinal de contas. Faziam sucesso por criar coisas impossíveis. Eu confiava cegamente neles.

Eu estava dando um abraço muito apertado em cada um, quando me dei conta de que já havia se passado, pelo menos meia hora e que o Malfoy ia me matar.

Tentei sair dali o mais rápido possível, mas Fred foi até a loja vizinha, comprar uns doces pra mim. Mimos. Coisas de irmão mais velho. Jorge ficou me mostrando um novo explosivo, que eles estavam criando para o aniversário de alguma cidade, ou alguma coisa do tipo. Parecia ser uma coisa grande. Bom pra eles, afinal de contas.

Eu acabei usando a lareira da loja deles para voltar, e quando me dei conta, estava de novo naquela sala estranhamente decorada com flores por todos os lados. Eu devolvi o saquinho de Pó de Flú e tentei tirar toda aquela fuligem de cima de mim. Depois eu pensei seriamente em dar uma espiadinha nas fotos que estavam sobre uma mesa, mas eu ouvi vozes e passos se aproximando e achei melhor dar o fora dali urgentemente. Saí pela mesma janela, e fui andando para longe da casa, até encontrar uma árvore que me parecia bastante acolhedora.

Resolvi ficar lá esperando o Malfoy e comendo doce. Eu estava me sentindo um bocado feliz. Meu humor tinha mudado da água pro vinho, em segundos. Isso era muito, muito bom.

O que foi muito, muito ruim, foi ver a cara do Malfoy se aproximando de mim, uns cinco minutos depois de eu ter saído de lá. Ele parecia mortificado, extremamente aborrecido e...bem, a palavra era puto. Aquilo não podia ser bom.

"Então?", ele perguntou, e me lançou um olhar que poderia ter transformado todo o Lago de Hogwarts numa pista de patinação, em pleno verão. Ele parou em pé, a minha frente e olhou atentamente para mim. "Você foi a Londres, comprar doces?".

"É claro que não!", falei, indignada. "Mas porque você está tão zangado comigo?".

"Não exatamente com você", ele respondeu, para a minha surpresa, e suspirou "Com ela. Ela me irrita". Ele disse e se sentou ao meu lado pegando meus doces sem a minha permissão.

Avaliei se era uma boa hora para fazer perguntas. Bem, ele estava comendo doces. Doces deixam qualquer um vulnerável – se esse não era um bom momento, não haveria outro. "E quem é ela?", eu perguntei, muito curiosa, mas muito cautelosa também. Ele suspirou profundamente antes de responder.

"É tia-avó da minha mãe. Sabe o tipo de parente que acha que as máximas 'Como você cresceu!' e 'Você precisa se alimentar mais' são tópicos respeitáveis para uma conversa? Ela consegue ser sete vezes pior", ele disse, com muita sinceridade e com a voz entediada. Eu estava tentando não rir. Tadinho! Mas aí me dei conta de que eu realmente devia ter dado uma olhada naquelas fotos...já imaginou se tinha alguma foto do Malfoy bebê? Numa daquelas roupas horríveis de marinheiro ou qualquer coisa do tipo? Impagável.

"Sete vezes pior? Impossível. A máxima 'Você cresceu' nunca perderá a majestade", eu disse, tentando não debochar demais.

"Talvez não. Mas ela me contou três vezes como foi o casamento da tia-avó dela e, levando em conta que isso foi há uns três séculos, foi realmente doloroso", ele disse, tentando continuar a soar sério, mas já começando a falhar.

"Não pode ter sido tão ruim", eu disse, tentando anima-lo.

"Ela estava usando um robe de seda. E que parte do 'Ela me contou TRÊS vezes como foi o casamento da tia-avó DELA' você não entendeu?", ele perguntou, exasperado.

"Um robe de seda?", eu perguntei, curiosa. Eu não tinha reparado naquilo.

"Oh, não me faça lembrar daquela cena", ele gemeu.

Eu estava agora, tapando a boca com uma mão, porque se as risadas saíssem, não iam acabar tão cedo, mas estava me sacudindo levemente e era bem óbvio que eu estava rindo da cara dele.

"Não ria da desgraça alheia - só eu posso fazer isso", ele disse, me olhando pelo canto dos olhos.

"Quem disse?", eu perguntei, de repente indignada.

"Eu digo".

"Eu me sinto feliz. Eu vou rir se eu quiser rir", eu disse, ficando meio brava.

"Você se sente feliz? Você parece brava, agora", ele disse, ciente de que me irritava.

"É claro que estou brava. Você está me irritando deliberadamente!".

"Eu achei que você tinha dito que estava feliz. Você consegue se sentir feliz e brava ao mesmo tempo?", ele perguntou, olhando diretamente nos meus olhos, com cara de santo.

"Arggghhh", eu disse, tentando me controlar. Ele estava sendo insuportável e de propósito! "Seja mais cuidadoso com o que diz, Malfoy, porque eu ainda posso gritar o suficientemente alto daqui, para aquela simpática senhora ouvir e vir correndo atrás de você com chantilly e cera quente", eu ameacei.

"Eu posso entender o chantilly, mas a cera quente é demais para a minha imaginação" ele disse e vendo minha expressão, acrescentou "Não se apresse em explicar. Eu realmente não quero saber".

"Você nunca pára de fazer piadas?", eu perguntei, meio cansada.

"Foi você quem falou da cera quente", ele observou.

"Certo", eu murmurei, já não tão feliz quanto antes.

Ficamos algum tempo em silêncio, evitando olhar um para o outro até que ele perguntou "Vai me contar, então, o motivo pelo qual eu tive que me submeter a uma seção de tortura há meia hora atrás?".

"Certo, a coisa com os meus irmãos", eu disse, escolhendo as palavras "Desde que me conheço por gente, eu tenho tido pesadelos tão estranhos que, pra você ter uma idéia, eu só tiro nota máxima em Adivinhação. Você sabe, para Trelawney quanto mais sinistro for seu sonho, sua premonição, qualquer coisa, mais pontos você merece". Acho que ele não estava entendendo muito bem aquela conversa toda. "Pesadelos. Muito. Ruins", eu disse, tentando soar mais clara.

"Você poderia soletrar isso? Acho que não fui capaz de entender ainda", ele disse, sarcástico; mas o sarcasmo não parecia atingir seus olhos, porque ele mantinha um olhar sério, olhando nos meus olhos. "E onde os seus irmãos entram nisso?", ele perguntou.

"Você deve se lembrar deles. Os gêmeos. Eles montaram uma loja, no Beco Diagonal, e eles inventam todo o tipo de coisa, desde explosivos até...", eu estava dizendo, mas fui interrompida.

"Você é garota propaganda deles? Porque você age como se fosse", ele soou muito arrogante. Que garoto abusado.

"Porque você não consegue escutar calado? Você me pediu pra explicar, eu estou explicando, então você poderia POR FAVOR parar de me atacar?", eu estava quase gritando.

"Prossiga", ele disse calmamente, como se eu não tivesse acabado de ter um ataque.

Eu suspirei resignada e continuei "Eles me disseram que iam inventar um tipo de poção para acabar com os meus pesadelos. E sim, eu sei que já existe uma poção assim", eu me adiantei a dizer, quando parecia que ele ia dizer alguma coisa "A Poção Sem Sonhos. O problema é que ela não pode ser ingerida com muita freqüência o que não resolveria muito o meu problema, visto que eu tenho pesadelos mais do que constantemente".

"Bela história", ele disse, simplesmente.

"E então eu fui lá hoje e os ameacei com a minha varinha até que eles me deram um pouco da poção".

"É por isso que você tem olheiras profundas aí?", ele perguntou casualmente, apontando claramente para os meus olhos.

"Eu tinha a esperança de que elas não estivessem tão visíveis, mas respondendo a sua pergunta: sim, é por isso. Eu não durmo há quase cinco dias".

"Isso é bastante", ele disse, soando vago. Os últimos comentários dele tinham sido (e estou sendo irônica) extremamente pertinentes. "Acho que devíamos voltar", ele falou, olhando para seu relógio. Eu concordei com ele e me levantei. Tínhamos, provavelmente, uns dez minutos de caminhada até que teríamos que nos separar.

Começamos a andar em silêncio, ele com as mãos nos bolsos e eu me enterrando dentro da minha jaqueta – o céu começava a ameaçar uma chuva. Foi aí que eu olhei mais atentamente para ele e reparei que sempre que o via, ele estava usando preto. Além do moletom e da calça, ele usava um pesado casaco preto. E, claro, não que a cor não lhe caísse bem, mas é uma coisa para se notar. "Porque você aparenta sempre estar indo a um enterro?", eu perguntei, apontando para as roupas.

"Na minha família, usar preto é algo como uma tradição", ele disse e eu ainda não sei se ele falou sério. Quero dizer, eu nunca tinha ouvido nada assim antes, onde já se viu?

"Certo" eu disse "Aposto que eu não aprovaria muitas das tradições dos Malfoy, de qualquer forma", eu disse e por um instante me arrependi. Não sei como ele poderia interpretar meu comentário.

"Você fala como se nós jantássemos cadáveres de seres humano se depois usássemos seus ossos como palitos de dentes", ele disse, soando levemente divertido, enquanto olhava pelo canto do olho pra mim.

"Na verdade eu imaginei que vocês usavam os ossos para enfeitar a sala, mas a coisa do palito de dente faz mais sentido. É mais funcional, sabe?", eu disse ainda brincando, já que ele não tinha explodido com meu comentário anterior.

Ele me deu outra olhada e eu fiquei imaginando porque ele não costumava me encarar de frente, a maioria das vezes. Era sempre de perfil, ou me olhando quando ele acha que eu não estou notando. Sei lá. Meio curioso, isso. Outra mania era aquela coisa com as mãos: sempre nos bolsos. Quer dizer, nem estava TÃO frio assim. Pra quê aquilo, por Merlin?

"Você nunca tira as mãos dos bolsos?", eu perguntei e acho que soei um pouco aborrecida.

"Isso a incomoda?", ele perguntou, erguendo levemente uma sobrancelha.

"Sim. Me irrita".

"Porque?", ele perguntou, curioso. Hum.

"Não tenho certeza", eu murmurei depois de um tempo, percebendo o quão boba eu deveria estar parecendo. Quando eu terminei de falar isso, ele foi parando de andar e eu percebi que era porque estávamos chegando muito próximo do centro de Hogsmeade. Eu tentei me apressar.

"Eu sei que eu não pareço muito grata, mas eu estou. Realmente. Mesmo você tendo me irritado a manhã inteira, eu ainda quero dizer obrigada", eu disse, num fôlego só. E por um instante eu imaginei que ele fosse dizer algo como 'Precisando: peça a outro', mas não.

"Disponha", ele disse, com um leve aceno de cabeça e um sorriso surgindo no canto esquerdo da boca. "Até mais", ele disse antes de me lançar um último olhar. Como ele faz aquilo? Com os olhos, quero dizer. Você poderia descobrir muitas coisas sobre ele, olhando em seus olhos (cinzas! Nunca tinha visto olhos cinzas antes), mas ao mesmo tempo eles diziam tão pouca coisa. Faz sentido? Acho que não.

E agora eu estou aqui, na minha cama, e já é quase de noite. Eu gastei uma tarde inteira escrevendo aqui. Eu não agüento mais dois minutos acordada. Não me importo realmente se explodir quando tomar essa poção, porque (mesmo que eu não vá admitir nunca mais) eu tive uma tarde muito agradável. Na medida do possível, é claro.

Agora, se eu morrer, eu quero deixar todas os meus livros pra Mione, mesmo os que ela já tem. Para Harry, eu deixo a honra de ter sido o primeiro amor da minha vida, mesmo que eu já não o ame mais. Meu caldeirão, minha varinha e outros pequenos utensílios mágicos eu deixo pro Ron, de recordação. Pros gêmeos eu deixo meu uniforme de Quadribol (assim eles podem enquadra-lo e me fazer uma bonita homenagem, na loja), pro Gui eu deixo minha agenda de endereços – eu tenho muitas amigas, isso vai consola-lo (sempre muito garanhão) e pro Carlinhos eu deixo minha vassoura (ele tem que redescobrir o quanto é bom voar. Ele só pensa em dragões, aproximadamente!). Eu deixaria minha coruja pro Percy, se ela não tivesse morrido, então, por favor, alguém entregue um bilhete pra ele dizendo 'Vale Uma Coruja'. Pro papai e pra mamãe eu deixo 'todo o amor que houver nessa vida'. Amém.

"I don't care if it hurts
I want to have control
I want a perfect body
I want a perfect soul
I want you to notice
When I'm not around
You're so fucking special
I wish I was special"

(Rradiohead – Creep)


N/A:

'Eu bateria em você até transforma-lo em uma polpa'. Cassandra Claire.

'Estamos na páscoa?

O natal já chegou?'. Gilmore Girls.