Cap 14 – In Memoriam

Acho que nunca estive de tão bom humor e olha que eu estou escrevendo na aula de Adivinhação, que é tremendamente maçante.

Eu estive tão ocupada, que não tive tempo de escrever ontem. Eu realmente passei a tarde inteira de ontem estudando na biblioteca. Feitiços não será um problema por um bom tempo. Mas acho que não vou fazer um, por vontade própria, tão cedo, já que tive que ficar treinando todos aqueles movimentos, quando voltei de lá (não se pode praticar na biblioteca).

Kel nem acreditou quando me viu fazendo os deveres. Veio, toda engraçadinha, perguntar se eu estava me sentindo bem. Nós estávamos conversando sobre o que tinha acontecido na aula de Binns. André Kirke (que joga no time, de batedor), estava roncando tão alto nessa aula, mas TÃO alto, que Binns finalmente percebeu, mas ao contrário do que achamos que fosse acontecer, ele apenas olhou pela janela e comentou distraidamente "Hum, parece que temos uma tempestade a caminho. Já posso ouvir os trovões". TROVÕES. A sala explodiu em risadas silenciosas (parece impossível uma combinação assim, mas aconteceu!), e quando eu olhei pra trás, pude ver que Jenn chorava de tanto rir.

Quando, eu estava me preparando pra dormir, eu ouvi um barulho vindo do lado de fora, perto da janela e quando fui ver, era, novamente, a coruja do Draco.

Eu mal pude controlar um sorriso quando li :

"Pensando em mim? Porque não estou surpreso?

Boa noite.

D.M."

Aproveitei que a coruja dele ainda esperava uma resposta e escrevi rapidamente, em um pedaço de pergaminho:

"Não pensar em você... é IMPOSSÍVEL.

P.S.: Já que você pode, sonhe comigo.

V.W."

Eu até podia vê-lo sorrindo, ao ler a parte do "Não pensar em você é impossível", já que eu estava CLARAMENTE debochando da cara dele, a respeito do que ele me disse no dia das Bruxas.

Fui dormir, sorrindo. E acordei atrasada, pra variar. Quando desci para tomar café, não avistei Draco. Mas tudo bem, porque parece que vamos nos ver hoje. Pelo menos foi o que a intimação engraçadinha que ele me mandou, depois do almoço, dizia.

"Vejo você às 16h.

Venha em trajes de banho.

Nova senha: duendes.

D.M."

Imagino que a nova senha seja por causa da história que ele me contou. Muito engraçadinho. Vou depois da aula, para lá. Gostaria que o tempo passasse mais depressa. Essa aula é MUITO chata.


Assim que a aula de Adivinhação acabou, eu disse para as meninas que ia procurar a Luna, mas é claro que não fui, já que eu tinha um encontro marcado com Draco.

Quando cheguei lì ele já estava me esperando, sentado em uma mesa que ficava ao canto. Tinha vários livros espalhados por ela.

"Onde está seu traje de banho?", ele perguntou, assim que me viu, ligeiramente desapontado, mas tentando disfarçar um sorriso.

"Oi pra você também", eu disse e dei um beijinho na bochecha dele.

"O que é isso? É tudo o que eu mereço?", ele perguntou, indignado.

"Ai, que dramático", eu disse e me inclinei para beija-lo. Eu juro que não sei o que me dá nessas horas, porque esse não é o meu comportamento normal. Eu, normalmente, não tomaria a iniciativa com um garoto, mas parece que com Draco tudo é diferente. Até isso.

Eu coloquei minha mochila sobre a mesa também e fiquei olhando o que ele estava fazendo. Parecia ser um trabalho sobre História da Magia.

"Ih, pelo visto vai demorar, não é?", eu disse, apontando para os livros. "História da Magia", eu acrescentei, já que aquilo explicava tudo. Os trabalhos de H.M. eram ainda piores que os de Poções, porque qualquer história – por mais interessante que fosse - ficava terrivelmente maçante durante as aulas de Binns. E Poções ainda poderia ser um pouco mais útil, no futuro, quem sabe.

"Não realmente. Eu posso terminar mais tarde", ele disse, começando a fechar um dos livros.

"Não, não. Termina agora, eu não me importo em ficar olhando", eu disse.

"Ficar olhando? Você prefere ficar olhando?", ele perguntou incrédulo. Depois ele completou "Você está me subestimando, Virginia", ele disse, maliciosamente.

"Eu não vou cair nessa provocação" eu disse, tranqüilamente "Termine o trabalho e depois a gente pode...hum, conversar".

Ele ficou lì me olhando, comum sorriso curvando sua boca e depois disse "Você é muito estranha, Virgínia".

"De um modo bom ou ruim?", eu perguntei, sem me deixar abalar.

"Eu não estaria aqui, se fosse de um modo ruim", ele disse, com sua voz macia, mas de uma forma totalmente arrogante.

"Foi o que eu imaginei", eu disse e o beijei de leve. Eu estava decidida a não me aborrecer com ele hoje.

Ele voltou sua atenção ao trabalho, enquanto eu fiquei olhando os livros que ele estava usando. Um deles, estranhamente, não parecia ser um livro didático. 'Hum, eu pensei, não sabia que Draco gostava de literatura'.

"Posso dar uma olhada?", perguntei, segurando o livro.

"Claro", ele respondeu, ainda parecendo concentrado em escrever.

Eu andei até o sofá e me sentei lì confortavelmente, enquanto observava melhor o livro. A capa era toda preta e parecia decididamente velho. Mas não tinha título. Só tinha escrito 'Nick Traina'. Eu abri, para procurar o título e também não encontrei. Aquele era o título do livro? E então, qual seria o nome do autor? Ia perguntar a Draco que tipo de livro era aquele, mas achei melhor não interromper. Fiquei folheando distraidamente, até um parágrafo que me pareceu interessante:

"Um sonho despencou na minha cabeça esta tarde. Deixou meu crânio fraturado, minha mente rompida e meu coração dilacerado. Sei que posso consertá-lo, mas isso pode ser tão difícil quanto deixa-lo escorrer por entre meus dedos. Choro ao pensar nisso e sei que não posso deixar que isso aconteça. Não posso me deixar escapar da luz da qual lutei tanto para me aproximar. Não quero mais viver na escuridão. Tenho muito a perder".

O que era aquilo? Nunca li um livro assim, quero dizer. Parecia o diário de alguém, terrivelmente deprimido. Eu me mexi incomodamente no sofá e continuei a ler. Outro parágrafo, mais adiante, me chamou atenção novamente:

"Alguma vez já escondeu sua sensibilidade, seus verdadeiros sentimentos, porque tinha medo de ser pisado? Bem, eu fiz. Eu fiz tudo isso. Vivi assim. Estou vivendo assim. Faço companhia a mim mesmo e tento imaginar alguém amando meu corpo e minha alma atormentados pelo ódio. Tenho que ser forte para fazê-lo. Tenho que fechar os punhos, ranger meus dentes, fingir ser puro e continuar com minha vida, a despeito das conseqüências. A despeito da dor e do fogo que irão queimar meu peito, tenho que controlar meus sentimentos e lidar com eles. Sem comida, sem risadas, sem aplausos, só sobrevivência. Apenas o esqueleto com dentes, suado e podre, que me guia e me apavora e com o qual tenho que lidar. Tenho que encontrar meu vício definitivo e leva-lo até o fim para que possa ir com um puta estampido, alto e esfumaçado".

Eu confesso que estava abismada. Merlin, que pobre alma. Eu fiquei imaginando todos os demônios que essa pessoa teve que enfrentar, pelo modo como falava. Tenho consciência de que a minha expressão devia ser de choque total, mas eu não queria parar de ler. Quero dizer, a forma como ele falava instigaria qualquer um a ler mais.

"Enjaulado, trancafiado, um animal que cospe e guincha, não mais 'são' do que um roedor infestado com raiva; espuma pingando de sua mandíbula trancada. Bato com a cabeça nas paredes, girando e girando em círculos, teto branco, colchão no meio do quarto, nu e singular. Faz parecer ainda mais vazio. De joelhos, eu grito para as paredes densas e grossas me resgatarem. Rezo para o céu vazio que não posso ver e para o Deus vazio que não vive lá para aliviar a minha dor, me consertar, me curar, me salvar. Não há resposta. Sento-me no canto, as mãos cobrindo meus olhos dessa realidade insossa, essa realidade horrível para a qual não consigo encontrar saída. (...) A confusão me sufoca e desespera. Meu mundo inteiro é feito de desilusão e pena, nada além de uma miragem, transparente, inexistente. Estiquei a mão e tentei tocar minha alma, mas ela não estava mais lá. Perdi-a em algum lugar".

Eu senti um arrepio. Decididamente, eu estava chocada com aquilo. Tanto que nem vi quando Draco se aproximou de mim, e sentou-se na beirada da mesinha de centro, de modo que pudesse ficar de frente para mim. Só notei quando ele tomou o livro das minhas mãos e disse "Acho que não vou poder te emprestar esse livro". Mas ele falou sem o tom de brincadeira a que eu já estava acostumada. Ele parecia estar considerando a minha expressão de horror absoluto.

"Por Merlin, Draco. Que tipo de livro é esse? Porque é que você lê isso?", eu perguntei, olhando pra ele com olhos de incredulidade. "Você gosta de se sentir deprimido?". Quero dizer, se não fosse o motivo de alguém ler aquele tipo de livro, eu não sabia qual era.

"Não precisa fazer drama, Virgínia. É só um livro. Você não esperava que eu lesse romances estúpidos, não é?", ele perguntou.

"Que comparação infeliz, Draco", eu disse, encolerizada. "Não se trata da classificação do livro...é a forma como ele fala. Tudo soa tão pesado, tão ruim...sei lì eu ainda estou meio desnorteada...".

"Você se deixa impressionar por qualquer bobagem", ele disse e suspirou "Mas concordo quando você diz que é um livro pesado. E você, definitivamente, não vai lê-lo", ele disse, como se aquilo encerrasse a questão. Mas eu estava pensando em outra coisa.

"Você...você se identifica com esse homem? É isso?", eu perguntei, inquieta.

"Talvez eu apenas tenha um gosto peculiar para literatura", ele disse, mas vendo minha expressão acrescentou "Virgínia, por favor. É a história de um cara como qualquer outro, só que esse colocou no papel tudo o que sentia. E talvez ele estivesse meio bêbado, ou deprimido demais quando fez isso, mas o que eu leio não tem relação direta com o meu modo de agir, então, quer parar com essa paranóia?", ele parecia aborrecido.

É. Talvez eu estivesse exagerando mesmo...mas é que aquelas palavras me deixaram meio impressionada.

"E...como é que termina o livro?", eu perguntei. A isso, ele ficou olhando para mim, como se decidindo se ia me contar ou não.

"Ele se suicida".

"Oh. Certo", eu disse, piscando, depois acrescentei "Não é como se isso fosse uma surpresa muito grande, depois de tudo o que ele escreveu".

Ele não respondeu, mas se sentou ao meu lado, fazendo com que eu me aproximasse mais dele. Eu me aninhei em seus braços e fiquei lì quieta. Aquele silêncio era perturbador. Estava cheio de perguntas no ar. E eu não encontrava um meio de fazer nenhuma delas, não sei bem porque.

"Pode perguntar", ele disse, de repente.

"O quê?", eu me assustei. Ele parece ter o poder de saber o que eu estou pensando. Deus, isso não existe!

"Eu sei que você está querendo me perguntar alguma coisa, desde que nós começamos a nos ver. Pergunte", ele disse, com a voz muito tranqüila.

"Você...bem, eu..." eu me enchi de coragem e falei "Eu não sei, Draco. É só que...eu não sei como você encara toda essa coisa do seu pai e dos... comensais" eu disse "É isso. Eu queria saber o que você pensa de tudo isso".

Draco passou a mão pelo cabelo, lentamente, escolhendo as palavras e disse "Meu pai é um Comensal, mas ele fugiu na hora de pagar pelo o que ele fez" ele suspirou e acrescentou "Bem, eu acho que ele é um covarde, se isso responde a sua pergunta", ele disse, simplesmente.

"Então você acha que seu pai deveria estar preso?", eu disse. Não que eu não concordasse, mas...puxa! É o PAI dele.

"Você não pensaria assim, se fosse o seu pai, no lugar do meu?", ele perguntou.

"Meu pai nunca faria isso", eu respondi horrorizada, mas sem ter parado pra pensar antes de responder. Não que agora eu ache que meu pai faria algo assim, mas se eu tivesse um pai como Lúcio Malfoy, que foi o que Draco sugeriu, eu teria dito que concordava com ele.

"Bem, o meu fez", ele disse, calmamente.

Eu não pude dizer mais nada. Quero dizer, o que exatamente eu diria a ele? 'É, eu concordo com você, já que eu mesma já sofri muito por causa dele' ou 'Espero que o encontrem logo, para que ele possa apodrecer em Azkaban'. Não dava, né? Quer dizer, eu estou acostumada a ter uma família unida, leal. Não sei o que é falar mal do meu próprio pai, da forma como ele falou.

"Está respondida a sua pergunta?", ele perguntou, alisando meu cabelo.

"Sim".

"Ótimo", ele disse, me fazendo virar pra olhar pra ele "Porque eu não estou mais disposto a conversar" concluiu, e em seguida me beijou.

Ficamos namorando ainda um bom tempo, até que às 18h30 eu decidi que era melhor ir embora, porque se demorasse tanto quanto no domingo Ron teria outro ataque. "E além do mais" eu disse a ele "Eu estou morrendo de fome".

Draco chiou "Você não precisa ir comer".

Fiquei chocada com aquele argumento. "Está dizendo que eu estou gorda?", eu perguntei.

"Estou dizendo que você não precisa ir comer agora", ele disse, parecendo não entender como funciona o meu raciocínio. Certo, como se fosse fácil entender o dele.

"Ah. Você está se esquecendo também que foi o único aqui que já fez as lições do dia", eu disse.

"Você disse que não se importava", ele disse, erguendo uma sobrancelha.

"Sim. E não me importo, mas isso não muda o fato de que ainda tenho lições pra terminar", eu argumentei.

"Já vi que se essa história for se repetir todos os dias, você vai precisar de uma ajuda especial", ele disse, um pouco malicioso demais para o meu gosto.

"Não se anime tanto. Eu não costumo misturar negócios com prazer", brinquei.

"Hum" ele disse "Acho que você vai ter que abrir uma exceção para mim". E dizendo isso, me beijou novamente. Ele, definitivamente, sabe me tirar do sério. Me tirar do sério no bom sentido, eu quis dizer. Num ótimo sentido.

Quando nos separamos, eu tirei suavemente a mecha de cabelo que lhe caia sobre os olhos e disse "Eu tenho mesmo que ir".

Dessa feita, ele concordou "Eu sei. Nos vemos depois".

Peguei minha mochila e saí de lá sorrindo de orelha a orelha. Fui direto pro Salão Principal, jantar. Chegando lì Jenn e Kel já estavam jantando, e Liv chegou um pouco depois, vindo direto da mesa da Corvinal.

Meu irmão apareceu um pouco depois, acompanhado de Mione e Harry. Ele pareceu satisfeito por me ver ali, acho que ele não tinha sentido minha falta antes.

(suspiro de alívio)

Agora estou aqui escrevendo, quando deveria estar fazendo as tais lições que me fizeram ter uma breve discussão com o Malfoy.

Tudo bem, tudo bem. Eu vou fazer isso agora.

"...eu gostaria de me manter em segredo, como andar no escuro.

Se ninguém te conhece, ninguém liga.

Portanto, ninguém parte seu coração...".

(Nick Traina).