Cap 22 – Justificativas e Desculpas
Duas coisas aconteceram hoje que merecem destaque. A primeira foi um sonho que eu tive, e que foi muito estranho, pra não dizer extremamente atípico. Quero dizer, eu sonhei com Draco. Mas não era Draco, como eu o conheço hoje...ele devia ter uns oito anos. E eu sei que era ele porque não existem muitos garotos (com cabelo platinado e olhos cinzas) que falam e agem como adultos.
Nós estávamos à beira do lago de Hogwarts, que, estranhamente, não estava apinhado de pessoas. Na verdade, só nós dois estávamos la. E eu - que não era uma criança, como Draco - estava de pé, à beira do lago, jogando pedrinhas na água, vendo-as saltando até que afundavam.
Ele estava deitado na grama, com os braços por trás da cabeça, parecendo pensativo, até que ele me perguntou "Ginny...você acha que Deus existe?". Eu lembro de, no sonho, ter estranhado uma criança fazendo uma pergunta tão complexa. Quero dizer, 'Deus existe' é uma questão que não tem realmente uma resposta que todos concordem.
"Eu penso que sim. Quero dizer, como explicar tudo o que existe? Se a resposta não é Deus... qual é?", eu perguntei, olhando nos olhos dele, e agora ele já estava sentado, olhando para mim. Ele acenou com a cabeça levemente, mas não sei se minha resposta o convenceu. "Porque?", eu perguntei, me sentando ao lado dele.
"Eu apenas quis saber sobre Deus, porque...", ele estava dizendo, enquanto brincava com a grama, distraidamente "Se não há nenhum Deus, então não há nenhum céu".
"E se não há nenhum céu...", eu acompanhei a linha de raciocínio dele.
"Então... onde minha mãe está?", ele perguntou, olhando para mim, com grandes e tristes olhos cinzas.
Quando ele perguntou isso, eu acordei imediatamente. Mas a imagem ficou gravada na minha mente durante muito tempo. Aquela pergunta ficava ressoando nos meus ouvidos '...Onde minha mãe está?'.
E a segunda coisa que aconteceu, foi uma conversa que eu tive com Rony, agora a pouco, na hora do almoço. Mas primeiro eu tenho que explicar a minha linha de raciocínio, que me levou a perguntar algumas coisas para o Ron.
A princípio eu estava pensando naquela coisa toda entre Draco e Harry. Olha, pra ser bem sincera eu duvido muito que eles virem melhores amigos a partir de agora, porque desde o dia em que Harry foi até a mesa da Sonserina, eles não se falaram mais. Não que eu tenha visto, pelo menos.
Mas, mesmo assim, Harry falou com ele. Certo? Certo. Isso significa que a rivalidade acabou. Isso significa que não deve haver ressentimento. Certo? Bem, era o lógico, não era? Da parte de Harry eu não sei se funcionou realmente assim, mas da parte do Ron eu tenho certeza. Quero dizer, depois dessa conversa, estou certa de que Ron ainda odeia Draco.
Bem, quando eu cheguei para almoçar, eu reparei que Harry ainda não havia chegado, mas que Rony e Hermione já estavam la, então eu me sentei perto deles. Depois, me enchendo de coragem eu disse "Eu queria perguntar uma coisa a vocês...", e depois, acrescentei num falso tom casual "Harry tinha dito pra vocês que ia fazer aquela coisa com o Malfoy? Quero dizer, ir até a mesa dele e tudo o mais...", eu falei, baixinho, porque até na Grifinória tem fofoqueiros.
"Não", Ron respondeu, mal humorado. Não era um bom sinal.
"Ronald...", Hermione disse, meio brava, num tom de voz que deveria ser uma ameaça, porque Ron bufou e continuou a comer.
"O quê?", eu perguntei pra Hermione, sem entender nada.
"Rony acha que Harry ficou louco por ter feito aquilo", ela disse, revirando os olhos. Hum, mas quando você para pra pensar a respeito, a atitude de Hermione foi um bom sinal.
"Bem, eu acho que realmente afetaram o cérebro dele, naquele hospital", Rony disse. "Depois de sete anos odiando o Malfoy, onde já se viu...", ele começou a resmungar, olhando para o próprio prato.
"Eu acho que Harry teve uma atitude muito nobre", Hermione disse, levantando o queixo. Adoro Hermione.
"Sem dúvida", eu disse, com um discreto sorriso. Depois disso, Harry chegou e se sentou perto de nós, então eu achei melhor não prolongar aquele assunto.
"Sobre o que vocês estavam falando?", Harry perguntou, se servindo de suco de abóbora.
"Ah, você sabe. O jogo de amanhã", eu disse, disfarçando. Amanhã tem jogo da Lufa-Lufa contra a Corvinal. Mas é só pra cumprir tabela, porque a Lufa-Lufa não tem mais chances de chegar à final, levando em conta o número de derrotas que eles tiveram. Se a Corvinal ganhar, eles vão ficar empatados em número de pontos conosco, então teremos que jogar contra eles, e o vencedor vai pra final; enquanto o perdedor vai disputar a outra vaga com a Sonserina. Mas se a Corvinal perder, eles empatam com a Sonserina e então, eles é que vão disputar uma vaga, porque a outra já vai ser nossa. É bem fácil de entender, se você pensar a respeito.
"Ah, bem lembrado, Ginny", Harry disse, parecendo um pouco animado. Eu não o vi muito animado esses dias "Eu tenho que falar com o resto do time, porque quero que todos estejam la, para conhecer as novas estratégias da Corvinal", ele completou. Certo, se Quadribol o deixava feliz, faríamos todo o possível para animar Harry. Eu e o time, quero dizer.
"Como está o seu ombro?", eu perguntei para Harry. Eu estivera pensando a respeito e era uma sorte não termos nenhum jogo nessa semana, porque com Harry impossibilitado de jogar, seria um fiasco.
"Ah, tudo bem. Vai estar novo em folha para o próximo jogo", ele disse, com um pequeno sorriso. Uau. Parecia que há meses eu não via Harry sorrindo.
Depois disso, terminei de almoçar e me juntei às meninas, do outro lado da mesa. Por algum motivo, eu me sentia muito feliz. Quero dizer, era sexta-feira, o céu dentro do Salão Principal estava ensolarado e...tá, provavelmente não tem nada a ver com isso, mas podia, né?
Essa felicidade deve ter algo a ver com o fato de Draco ter voltado a falar comigo e embora a situação esteja diferente, já é alguma coisa. Nós não voltamos a nos encontrar desde aquela manhã, na nossa sala, mas tudo bem, porque quando eu olhei (hoje, na hora do almoço), para a mesa da Sonserina, só para ver se ele estava la, ele olhou diretamente para mim. Ele não sorriu, nem piscou ou algo do tipo. Mas eu senti meu rosto corar incrivelmente e tive que disfarçar, olhando para o outro lado, fingindo que estava interessada no que Liv estava dizendo.
Depois, eu comecei a lembrar do sonho que tive essa manhã e meu olhar pousou vagamente na mesa da Sonserina, novamente, mas ele já não estava mais la.
(grande suspiro)
Eu e meus sonhos estranhos. Pelo menos eu não tenho sonhado mais com aquele dragão esquisito.
Agora vou tratar de deixar todas as minhas tarefas prontas, ou minha segunda mãe – e aqui eu me refiro a Kelly – não vai me deixar sair para assistir o jogo amanhã. Ela diz que eu tenho o incrível poder de me esquecer de fazer os deveres, mas isso é mentira, porque eu sempre fui boa aluna.
Hum. Certo. É melhor faze-los logo.
Eu disse que ia assistir ao jogo hoje? Bem, era minha intenção, mas eu não fui. Não fui porque logo cedo eu recebi uma coruja de Draco, com um bilhete que dizia "Podemos nos ver essa manhã? Nossa sala. Firewhisky".
'Bela senha. Provavelmente foi com isso que ele tomou aquele porre', eu pensei, enquanto me dirigia para la, depois de pedir para Kelly me acobertar, se Rony perguntasse por mim.
Quando eu entrei na sala, ele estava em pé, ao lado da janela, com as mãos nos bolsos parecendo muito distraído, então eu acho que ele não tinha me notado ali. Eu tossi, para chamar a atenção dele e ele se virou, surpreso, para mim.
"Hum...como se sente?", eu perguntei caminhando incerta até a poltrona ao lado do sofá, em que eu prontamente me acomodei. Ele ficou olhando pra mim e depois disse:
"Atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desanimados; perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos", ele recitou, gesticulando brevemente, enquanto se sentava no sofá.
"Quem disse isso?", eu perguntei, curiosa, abraçando meus joelhos.
"Não me lembro. Mas alguém em dificuldades, sem dúvida", ele disse e eu senti que ele estava de bom humor. Bom sinal. Quero dizer, a última vez que nos vimos, tivemos uma conversa tão depressiva que eu estava feliz por estarmos voltando à normalidade.
"Isso significa que você está bem?", eu perguntei, afastando uma mecha dos meus olhos. Em resposta, ele apenas acenou com a cabeça. Depois, eu notei que o olhar dele pousou sobre meu braço direito, em que estava a minha pulseira. Mas ele não falou nada sobre isso.
Eu estava começando a ficar constrangida com aquele silêncio, por isso eu perguntei "Então...você me chamou aqui para o quê, exatamente?". Eu não quis soar rude; quero dizer, eu queria somente entender tudo aquilo.
"Nada específico", ele disse. 'Ah, a sinceridade extrema', eu pensei. Mas depois ele disse "Minto. Eu quis falar uma coisa com você".
"Então...?", eu disse, gesticulando levemente, encorajando-o a falar.
"Eu estava pensando sobre o que eu disse no hospital", ele disse, rápido demais para que eu pudesse me preparar para aquilo.
"Uh", eu gemi, tamanho o meu choque. Isso devia ter transparecido no meu rosto, porque ele disse:
"Eu queria me justificar", ele falou, calmamente e depois acrescentou, com um suspiro de cansaço "Virgínia... você precisa entender que eu nunca me permiti tornar-me íntimo de alguém antes. Nunca me permiti importar-me com os outros", ele disse, olhando diretamente nos meus olhos "Se não nos importamos, não há dor", ele falou e eu vi seus olhos faiscarem, antes dele completar "Se não queremos demais, ou não esperamos demais, não há desapontamento. É mais seguro assim", ele terminou e então eu percebi que eu estava em completo estado de choque.
Quero dizer, ele não estava bêbado como na outra noite, então o que diabos o levou a ser tão sincero? Não que eu estivesse achando ruim, é claro. Mas então eu tentei entender o que ele tinha dito. Quero dizer, ele terminou comigo porque tinha medo de se decepcionar? Como se eu fosse fazer algo ruim para ele, propositalmente!
"Você está tentando me pedir desculpas?", eu perguntei, confusa.
"Eu estou me justificando", ele disse, dando de ombros. Mas depois ele pareceu pensar melhor e disse "E sim, estou tentando pedir desculpas". Ele estava soando tão sincero que eu acho que, na hora, eu não estava realmente entendendo o que aquilo tudo significava. "Eu não deveria ter...falado daquela forma", ele disse, mas sem olhar pra mim.
Bem, eu não entendia muito bem o que toda aquela conversa significava, mas tudo bem, porque eu realmente o desculpei depois de ouvir aquela declaração tão sincera. Embora aquela declaração tenha deixado claro que não vamos voltar a ficar juntos. Certo...
"Tudo bem", eu disse com um suspiro "Eu entendo o que você quer dizer. Você sobrevive de suas próprias regras", eu completei, brincando com o cadarço do meu tênis. Eu não estava conseguindo encara-lo, porque, apesar de ter dito que o entendia, eu queria gritar pra ele parar com aquela bobagem e voltar a ficar comigo. Se ele estava se sentindo triste, magoado, ferido ou qualquer coisa do tipo (pelo que aconteceu com os pais dele, ou o que aconteceu com ele, quando ele desapareceu), eu poderia ajuda-lo! Eu estaria sempre ao lado dele. Ele devia saber disso.
Eu estava considerando a hipótese de dizer tudo isso a ele, quando nós ouvimos uma enorme gritaria, nos jardins, e eu percebi que o jogo deveria ter acabado. Mas isso não era bom.
"Eu tenho que ir", eu disse, me levantando e lançando a ele um olhar de relance. Eu descobri que não posso mais encara-lo nos olhos, porque sempre sinto meu coração afundar. Eu sentia que tinha que falar aquilo tudo pra ele, eu sabia que tinha que fazer isso, mas algo me impediu. Eu não sei bem o quê. De qualquer forma, eu tinha que voltar, porque já era ruim o bastante não ter ido assistir ao jogo. Eu ia levar uma bronca incrível, se alguém tivesse notado que eu não estava la.
"Certo", ele disse, sem expressão alguma no rosto. De repente, eu senti que uma enorme pedra se alojava em cima do meu coração. Nós tínhamos nos acertado? Não parecia... Quero dizer, ele mesmo disse 'É mais seguro assim', então eu imagino que ele não vai querer tentar de novo. Então, quando eu entendi aquilo, eu me senti horrível.
"Então...tchau", eu disse, e saí de la antes que começasse a chorar.
Eu acho que estava com uma cara horrível quando cheguei na Sala Comunal. E pra piorar o meu dia, o time todo estava reunido numa mesa, discutindo animadamente sobre o jogo, eu imagino. E então Harry veio falar comigo. Uh.
"Ginny, eu achei que tínhamos combinado que todo o time deveria assistir ao jogo de hoje", ele disse, num tom acusatório. Certo, então alguém realmente notou que eu não tinha ido. Ótimo.
Eu estava balbuciando alguma resposta quando, da escada eu vi Kelly colocar a mão na testa, teatralmente, fingindo que estava se sentindo mal, ou algo do tipo.
"Eu estava na enfermaria", eu disse, rapidamente, "Eu não me sentia muito bem", eu completei, rezando pra que ele não percebesse o quanto eu minto mal.
"Hum", Harry disse, parecendo um pouco constrangido por ter me dado uma bronca, enquanto eu pensava 'Vai morder a isca. Vai morder a isca...'. "Mas você está bem?", ele perguntou. 'Peixe esperto!', eu pensei, embora estivesse com uma tremenda dor na consciência.
"Ótima", eu garanti, embora eu me sentisse péssima. Primeiro por toda aquela situação com Draco e depois por ter mentido pra Harry. Eu sou uma pessoa horrível.
Eu me sentei junto com o time, e tentei me concentrar na conversa deles. A Corvinal perdeu da Lufa-Lufa e isso é realmente uma surpresa. Isso significa que fomos classificados, indiretamente, para a final. E que no próximo jogo, Sonserina versus Corvinal, quem sair vencedor vai disputar a final conosco.
Rony se empolgou falando do goleiro da Corvinal, que parecia ser realmente bom. É fácil para ele admirar o goleiro de outro time, porque não é ele quem tem que fazer horrores pra conseguir marcar um gol.
Depois, eu subi para o dormitório e não saí daqui o resto do dia. Péssimo humor. Animação zero. Paciência inexistente.
"I am the escaped one
After I was born
They locked me up inside me
But I left.
My soul seeks me,
Through hills and valley,
I hope my soul
Never finds me".
I am the escaped one - Fernando Pessoa
N/A:
'Eu apenas quis saber sobre Deus, porque...Se não há nenhum Deus, então não há nenhum céu.
E se não há nenhum céu...
Então, onde minha mãe está?'. Cena perfeita de Everwood.
'Atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desanimados; perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos'. Bíblia.
'Eu nunca me permiti tornar-me íntimo de alguém antes. Nunca me permiti importar-me com os outros. Se não nos importamos, não há dor. Se não queremos demais, ou não esperamos demais, não há desapontamento. É mais seguro assim'. Do livro 'Com Vinho e Sangue'.
'Vai morder a isca. Vai morder a isca... (...) Peixe esperto!'. Anos Incríveis.
