Cap 26 – Em Casa, Finalmente
Segunda-feira. Eu estou de volta há pouco mais de duas semana e tenho certeza de que minha vida vai acabar. E eu falo sério. É como uma bomba prestes a explodir, só que o relógio de contagem regressiva nem começou a funcionar ainda. Hum. Eu odeio metáforas. O que eu estou tentando dizer é que eu estou sendo pressionada a contar sobre Draco para os meus pais. Diariamente.
Todos os dias ele me manda uma coruja dizendo que quer me ver e que a grande culpada por ele não poder fazer isso, sou EU. Eu sei, ele está certo, mas...não é ele quem vai ter que falar com o meu pai! Quero dizer, não é só o fato dele ser Draco Malfoy...é que eu não costumo falar com o meu pai sobre meninos. Acho que ele ouviu alguma coisa sobre Miguel Corner, milhares de anos atrás, mas ele não comentou nada. É isso o que ele faz. Escuta, mas não comenta. Acho que ele sabe que eu só vou falar alguma coisa do tipo pra ele, quando for realmente sério. E o fato de, agora, eu ter que ir falar com ele...significa que é realmente sério. Eu estou sendo clara? Acho que não. Argh.
Acho que agora eu não tenho mais pra onde correr. Não tenho mais desculpas. Draco me mandou uma coruja, hoje, e eu cheguei a conclusão de que estou perdida.
(suspiro)
Diz assim:
"Virgínia,
Eu não sei o que tanto você está fazendo, que não lhe sobra tempo para conversar com os seus pais. Suas desculpas estão se tornando evasivas. Não as use mais. Não vão funcionar.
Ou você conversa com eles logo, ou você conversa com eles AGORA. Caso contrário, eu vou ficar imaginando (ou melhor, eu vou ter a certeza de) que você desistiu disso tudo e ainda não me avisou.
Esse é o meu último aviso. Se, em dois dias, eu não receber a noticia de que você nos livrou desse obstáculo, eu vou aparecer aí e eu mesmo vou me apresentar aos seus pais. E não pense que não farei isso. Não se esqueça de que eu conheço o caminho...
Afetuosamente,
Draco Malfoy".
É oficial. Eu estou MORTA.
Bem, morta eu não estou. Mas se dependesse do meu nervosismo, eu acho que eu estaria bem próxima disso...
Ontem, quando eu recebi a intimação de Draco eu fiquei pensando e, na verdade, eu não tinha outra saída...eu ia mesmo ter que falar com eles.
Aí hoje, eu esperei o papai sair para o trabalho. Se eu tinha realmente que fazer aquilo, eu tinha, primeiro, que GANHAR a mamãe. Pra ter apoio quando fosse falar com o papai, obviamente.
Então, eu esperei todos saírem da cozinha: os gêmeos, Ron e Harry (que realmente veio passar uns tempos conosco) e comecei a ajudar mamãe, tirando a louça do café da manhã, quando a coisa se descontrolou. Quero dizer, eu estava tão desconcentrada e ao mesmo tempo, tão nervosa, que deixei uma xícara cair e ela simplesmente se espatifou no chão. Maldita.
Mamãe olhou estranhamente para mim e usando a varinha ela consertou a xícara. Depois ela voltou sua atenção para a louça suja, novamente e me perguntou, tranqüilamente "Querida...tem alguma coisa errada?". Duh. Como é que ela sabia? Será que essa coisa de intuição de mãe funciona ou simplesmente estava escrito na minha testa? Eu fiquei abismada. Na verdade, eu fiquei tão surpresa, que respondi:
"Tem", assim, na lata. Eu me senti estúpida, porque eu tinha combinado comigo mesma que a tática era sondar e depois falar, mas eu estava atropelando a mim mesma. Eu sou uma traidora.
"E o que é, meu bem?", ela perguntou, ainda sem olhar pra mim. O que eu podia fazer? Mentir? É claro que não. Eu comecei, então tinha que terminar...
"Mamãe...é que eu...eu...", eu fico muito desarticulada, quando estou nervosa. Mas eu continuei "Eu estou namorando", eu disse, soando um pouco vaga.
Então, ela finalmente olhou para mim, e perguntou, um pouco surpresa "E porque isso está errado, filha? Ele não é um bom menino?". Ai, Deus. Como é que eu ia falar aquilo?
"Não, não é isso, mamãe. Ele é realmente ótimo. E...e eu gosto muito dele", eu disse, tentando não sair correndo dali.
"Que bom, querida", ela disse, e voltou a se concentrar na louça suja. "E então, o que está errado?", ela perguntou.
"Bem... é que eu não sei se vocês vão...gostar dele", eu completei, esperando pelo pior. Estava na hora de dizer o que eu não estava realmente disposta a dizer.
"Que bobagem, Ginny. Porque nós não iríamos gostar dele?", ela perguntou, abanando a mão, como quem diz 'Oh. Esqueça isso'.
"Bem, porque...ele é um Malfoy", eu disse, mas acho que não me fiz ouvir, porque mamãe tinha aberto a torneira e todos os pratos começaram a se ensaboar, e então a cozinha se encheu de barulho. Eu realmente acho que ela não havia me escutado.
"Desculpe, querida. Eu não ouvi o que você disse", ela se virou pra mim, enxugando as mãos no avental. GRANDE. Eu teria que falar de novo.
"Eu disse que...", eu juro, eu quase chorei quando tive que repetir aquilo "...que ele é um Malfoy". E, naquele momento, eu tenho a impressão de que até os pratos ouviram o que eu disse, porque eles pararam de se bater e tentar se ensaboar e o silêncio voltou a reinar na cozinha. Eu odeio aqueles pratos.
"Um Malfoy, querida?", ela perguntou, realmente surpresa.
"É, ele é filho de Lúcio Malfoy", eu disse, baixinho. E, a isso, ela não respondeu nada. Acho que ela estava meio que em choque com a notícia. Então eu comecei a declarar o discurso, que eu havia passado a noite ensaiando. "Mas, mamãe, ele não se parece em nada com o pai dele. Quero dizer, talvez fisicamente, mas fora isso eles são totalmente diferentes. Eu te garanto, ele nunca faria mal a alguém e...". Eu me interrompi, porque, na minha cabeça, aquele discurso tinha soado melhor. O que estavaerrado?
"Minha filha...eu não sei o que dizer", mamãe disse e eu entrei em pânico. Ela SEMPRE tem algo a dizer; ela sempre sabe o que dizer. Aquela situação devia ser realmente absurda, para deixa-la sem fala.
"Mamãe, eu sei que parece muito estranho isso ter acontecido, mas...não é como se eu pudesse ter evitado. Quando eu vi, eu já estava apaixonada e agora...agora não tem mais jeito", eu disse, me sentindo muito desconfortável. Aliás, aquele era o mesmo discurso que eu havia feito para Kelly.
"Porque você diz que é 'muito estranho' isso ter acontecido?", mamãe perguntou, parecendo ainda mais confusa.
"Bem, eu digo isso principalmente pelo fato de...bem, é que...", não estava dando certo, eu ia ter que ser mais direta "Rony não gosta muito dele", eu minimizei o fato. Não é que Rony não gostasse de Draco...ele simplesmente o ODEIA.
"Não gosta dele? Porque?".
"Porque...", eu comecei, mas não havia como defender Draco de uma pergunta como aquela...então eu fiz o melhor que pude "Porque, quando Rony, Harry e Draco eram crianças, TODOS eles eram tremendamente estúpidos e estabeleceram essa rivalidade idiota entre eles", eu expliquei. O que não deixava de ser verdade. Pra ser sincera, aquela era precisamente a questão.
"Mas agora eles não são mais crianças, querida, embora eu não goste de admitir. Acha que eles ainda não gostam do seu namorado?".
"Eu sei que não gostam, mamãe. Embora Harry tenha feito as pazes com Draco, eu acho que eles não têm uma relação muito amistosa. Mas, mamãe, você tem que entender...Rony é muito cabeça-dura e não consegue enxergar a um palmo na frente dele. Ele não percebe que Draco mudou e que não existem mais motivos para toda essa rivalidade estúpida. Entende?", eu disse, num fôlego só.
Mamãe deu um profundo suspiro e disse "Querida, querida...", ela balançou levemente a cabeça e eu senti meu coração afundar. "Vamos ter um grande trabalho, para explicar isso ao seu pai", ela disse, me olhando carinhosamente e meu coração pareceu sair pela garganta, dessa vez.
"Você...você não está brava?", eu perguntei. Aquilo era o céu!
"É claro que não, minha filha. Você achou que eu ficaria?", ela perguntou.
"Bem, eu achei que a senhora fosse ficar um pouco preocupada, porque o pai dele era um...bem, a senhora sabe", eu disse.
"A principio eu fiquei, Ginny", e aqui ela deu um suspiro, antes de continuar "Mas você se refere a ele com tanto carinho que eu não tenho como não confiar em você. Se você diz que ele é um bom garoto, é porque ele deve ser um bom garoto", ela disse, passando a mão no meu rosto.
"Oh, mamãe...", eu disse, abraçando-a.
"Deixe comigo, querida. Eu vou falar com o seu pai", ela disse. Céus, ela é o máximo! Eu nem ia ter que contar aquilo para o papai! Bem, eu teria que encara-lo depois, de qualquer forma, mas só o fato de que eu não ia ter que contar aquilo me fez a pessoa mais feliz do mundo.
Eu estava dando um abraço tão apertado nela, que Ron estranhou, quando entrou na cozinha, seguido de Harry.
"O que está acontecendo aqui?", ele perguntou, ainda parado na porta. Quem se importava com a opinião de Rony, afinal de contas? Mamãe estava do meu lado!
"Sessão de abraços, Ron. Vai querer um?", eu perguntei, me virando para ele, com os braços abertos.
"Não", ele respondeu, assustado "Acho que prefiro esperar Hermione chegar", ele concluiu. Bobo.
Eu me virei para Harry e perguntei "Harry?", ainda com os braços abertos.
"Er...", ele respondeu, meio constrangido.
Eu abaixei os braços e ri "Eu estava brincando, Harry". Pelo amor de Deus, aquela coisa que eu senti por ele foi há quantos milhões de anos atrás? Eu nem me lembro.
Eu me virei para mamãe "Se precisarem de mim, eu estarei la em cima", eu disse, começando a subir as escadas, para o meu quarto.
Quando cheguei aqui eu pensei em escrever para Draco, contando o meu progresso, mas de repente eu fiquei imaginando...E se acontece alguma tragédia, quando mamãe for falar com papai? Quero dizer, e se ele não concordar? Ou se ele ficar muito, muito bravo? Achei melhor não me precipitar. E então, escrevi só um breve bilhete:
"Oi Draco,
Como você está? Eu vou bem.
Como vão as coisas na Mansão? Mais calmas?Por aqui está tudo bem...agora não posso escrever, nos falamos depois, ok?
Com saudades,
Ginny".
Eu sei, ele vai me matar, mas eu tive que ignorar a última carta dele (a que ele me fez tantas ameaças). Quando tudo estiver resolvido eu vou ter que falar de qualquer jeito, certo? Pra quê antecipar as coisas?
Bem, aquela pergunta sobre a Mansão é sincera, eu realmente estou curiosa pra saber como vão as coisas por la. Ele me escreveu contando como estava tudo tão tumultuado, já que ele está fazendo uma espécie de reforma na Mansão. Eu perguntei porque ele simplesmente não vai morar em outro lugar (e eu lembrei do que saiu uma vez no jornal, sobre ele e Narcisa terem abandonado a Mansão e terem se mudado para outra casa), mas ele respondeu alguma coisa sobre aquele ser o seu lugar. O seu lar. Bem, eu não o culpo. Imagino que ele queira ficar perto das lembranças da mãe dele...embora aquele lugar deva estar repleto de lembranças do pai dele também. Mas é como dizem...todo bem tem um pouco de mal e todo mal tem um pouco de bem.
(suspiro)
No jantar, eu estava tão constrangida, que quase não consegui levantar os olhos do meu prato. Quero dizer, mamãe ainda não tinha conversado com papai, mas ela faria aquilo em breve e eu estava me sentindo meio culpada. Sei lá porque.
"Ginny...você está comendo sopa de berinjela?", Fred perguntou, meio surpreso, mas eu estava tão distraída que não dei muita atenção.
"Ginny?", Jorge perguntou, estranhando o fato de eu não ter respondido "Tudo bem?".
"Hum?", eu levantei os olhos para eles. "Ah, é. A sopa. Está ótima, mamãe", eu disse, sentindo meu rosto corar. Gah.
Depois disso eu subi para o meu quarto, novamente, e agora eu estou aqui pensando que não quero acordar amanhã. Quero dizer, papai já vai saber de toda a história com Draco e encara-lo vai ser...um pouco constrangedor. Mas eu supero, eu acho.
Um pequeno mantra, antes de dormir: 'Vai dar tudo certo, vai dar tudo certo, vai dar tudo certo, vai...'.
Será que foi o poder do Mantra? Quero dizer, não que tudo já esteja resolvido, mas as coisas estão realmente dando certas!
Na hora do café, tudo correu normalmente e eu estava começando a desconfiar que mamãe ainda não havia falado sobre Draco para papai, mas quando todos já haviam se levantado e eu estava ajudando mamãe com a louça, papai apareceu novamente, já com a capa, pronto para ir para o trabalho. E então aconteceu.
"Querida. Eu posso ter uma palavra com você?", ele perguntou. A principio eu achei que ele estava se referindo a mamãe, mas como ela não se mexeu e apenas lançou um olhar confiante para mim, eu fui até onde estava papai, que colocou uma mão no meu ombro.
"Sua mãe me contou que você está namorando", ele disse e eu acho que ele estava tão desconcertado quanto eu, embora ele soubesse disfarçar melhor. "Qual é mesmo o nome dele?", ele perguntou, mas aquilo era desnecessário. Tenho certeza de que ele não havia esquecido o nome de Draco...acho que ele apenas queria ouvir aquilo de mim.
"Er...Draco Malfoy, papai", eu disse, sentindo meu rosto corar.
"Bem, certamente eu vou querer conhece-lo. Porque não o convida para vir jantar conosco, na sexta-feira?", ele perguntou, casualmente.
"Certo. Eu convido", eu disse rapidamente, antes que ele mudasse de idéia.
"Ótimo", ele disse e estava se virando para sair, quando de repente ele parou e se virou novamente para mim. Eu achei que ele fosse falar mais alguma coisa, mas tudo o que ele fez foi me dar um beijo na testa. Meu pai também é o máximo. Amo minha família...E aí eu lembrei de Rony.
(gemido)
'Isso vai ser difícil', eu pensei e fiquei imaginando uma forma sutil de contar isso a ele.
Sutil, eu havia dito? Acho que meu pai não conhece o significado dessa palavra.
Eu não precisei me dar ao trabalho de contar aos meus irmãos, porque papai fez o favor de contar por mim. Não que tenha sido melhor assim, sei la...
Estávamos jantando, quando, do nada, papai falou "Ah, sim, rapazes. Sexta-feira o namorado de Ginny virá jantar conosco". Eu achei que fosse engasgar. Mas quem se engasgou foi Fred.
"Quê?", ele meio que gritou.
"Quem?", Jorge perguntou, olhando para mim com a testa franzida, e depois olhando novamente para papai.
"É, quem?", Rony repetiu, meio bravo. Acho que ele se sentiu ofendido por não estar sabendo de nada. Harry e mamãe apenas assistiram a cena.
Papai olhou para mim, como se me encorajasse a responder aquelas perguntas e eu quis me esconder debaixo da mesa. Meu rosto não estava vermelho; ele estava púrpura.
"Mamãe?", eu implorei, choramingando. Eu sei, eu sou uma covarde, mas pelo amor de Deus! Veja bem minha situação.
"Acredito que vocês já o conhecem, meninos", mamãe respondeu, mas olhava diretamente para Rony. Pra ver a reação dele, eu acho.
"E quem é?", Rony perguntou, novamente. É, eu ia ter que dizer.
"Dhphtco Mmploy", eu tentei dizer, baixinho.
"Quê?", três vozes perguntaram. Nenhum dos meus irmãos havia me entendido.
"Eu disse 'Draco Malfoy'", eu repeti, dessa vez com um tom um pouco mais alto e claro.
"Quê?", foi a vez de Rony engasgar. Eu estava ouvindo muito aquela palavra, ultimamente.
"Você não pode estar falando sério", Fred disse.
"Não mesmo! Quero dizer, ele não é o filho de...?", Jorge estava falando, meio confuso, mas Rony, ainda chocado, o cortou, olhando para papai.
"Pai, você conheceu Lucio Malfoy, você pode imaginar de que peça estamos faland...", mas papai o interrompeu.
"Certamente, filho. Eu conheci o pai dele. O que não significa que eu possa julgar o namorado de sua irmã, levando em conta só a família a que ele pertence", papai falou, severamente, mas acho que ele estava tentando se convencer disso, também. Rony ficou ainda mais chocado.
"Vocês estão sofrendo de psicose coletiva? É do Malfoy que estamos falando!", ele gritou.
"Ronald, pare agora mesmo com esse escândalo!", mamãe mandou.
"Rony, você não o conhece! Não pode falar...", eu estava tentando me defender, quando ele me interrompeu.
"Eu não o conheço? Quem teve que atura-lo por sete anos foi eu ou você?", ele falou, muito bravo, para mim. E então se virou para falar com papai "Pelo amor de Deus, dê só uma olhada em quem era o pai dele! Você vai poder imaginar como ele é, a partir disso". Eu comecei a ficar realmente brava.
"Isso não é verdade, Rony! Ele não é como o pai dele. Na verdade, ele despreza o pai dele tanto quanto nós!", eu disse, soando realmente brava.
"Viu só?", Rony apontou um dedo para mim, olhando para papai. Ele deve ter pensado que tinha arranjado um argumento realmente bom. "Ele não valoriza a própria família! Como uma pessoa assim pode ser considerada boa?", ele perguntou, se sentindo vitorioso.
Eu disse, exasperada, "Oh, pelo amor de Deus...", mas outra voz se fez ouvir.
"Na verdade, Rony, levando em conta o pai que ele tinha...eu acho que é realmente notável ele despreza-lo". Eu tive que olhar duas vezes. Era Harry quem estava falando aquilo. Quero dizer, era HARRY! O garoto que é desprezado pela própria família e que veio se abrigar em nossa casa, por causa deles. Harry sabe como é crescer em uma família horrível. Ele tinha conhecimento de causa! Rony TERIA que ouvi-lo.
Mas Rony olhou para ele por um minuto, paralisado pelo choque, e depois sibilou "Traidor".
"Ronald Weasley, pare já com essa bobagem!", mamãe gritou, indignada.
"Estão todos loucos...loucos...", Rony estava murmurando, parecendo meio psicótico, quando eu comecei a sentir uma ardência nos meus olhos e tive a certeza de que ia começar a chorar.
Quero dizer, quem ele pensava que era para tentar envenenar meus pais contra Draco? E porque ele tinha que ser tão cabeça-dura? Porque ele não estava dando importância ao que eu estava dizendo?
Eu não pude mais agüentar e me levantei da mesa, subindo rapidamente para o meu quarto. Eu ainda estava no meio da escada quando ouvi os gêmeos conversando.
"Não é a coisa mais espantosa que você já ouviu?", Fred perguntou.
"Não, mas está entre as dez mais", Jorge respondeu.
Eu quase ri, por entre as lágrimas, mas eu não tinha realmente forças para isso. Tudo o que consegui fazer foi me jogar na minha cama e chorar.
Agora a pouco me dei conta de que o prazo estabelecido por Draco havia acabado, e que, embora eu já tivesse falado com os meus pais, eu ainda não havia dito nada para ele.
Eu me levantei penosamente e escrevi num bilhete "Eu falei com os meus pais. Foi horrível" e despachei a coruja de mamãe. Horrível é até pouco perto da forma como eu estou me sentindo. Eu ainda me sinto péssima.
(suspiro)
Agora eu vou tentar dormir. Não que eu ache que vá conseguir, é claro.
É, eu não consegui dormir. Pela manhã eu ouvi passos na escada e barulho de vozes la fora, mas eu não me levantei. Eu não queria ter que olhar para a cara de Rony, porque tenho medo de agredi-lo fisicamente. Juro. Eu estava a um passo de fazer isso, ontem à noite.
Logo cedo, eu já recebi uma carta de Draco. Ele não perde tempo.
"Virgínia,
O que diabos aconteceu? O que você quis dizer com 'Foi horrível'? Você poderia, por favor, ser um pouco mais clara? Ou, de preferência, MUITO mais clara?
Eu agradeceria.
D.M.".
E então eu escrevi a ele, contando sobre minha conversa com mamãe e minha conversa com papai. Depois eu narrei o lamentável episódio de ontem à noite e comentei que não sei se é uma boa idéia ele realmente aceitar o pedido de papai e vir jantar conosco amanhã. Quero dizer, com esse clima o jantar vai ser um fracasso! Talvez devêssemos esperar um pouco mais.
(suspiro)
Porque Rony tem que ser um idiota?
Na hora do almoço, eu ouvi a voz de Hermione, mas também não desci para comer. Eu não sentia nenhuma fome.
Acho que ela já deve saber das últimas novidades. 'Tomara que ela ponha um pouco de juízo na cabeça de Rony', eu pensei. Quero dizer, eu lembro que ela havia gostado da atitude de Harry em ir falar com Draco, então eu acho que ela vai entender isso melhor do que Ron.
Mais à tarde, eu saí do meu quarto, mas foi só porque eu tive medo de começar a mofar, ali dentro. Aquelas paredes estavam me oprimindo.
Eu não encontrei ninguém pela cozinha, e dando graças a Deus, eu me dirigi para fora de casa, para me sentar perto do lago, como eu sempre faço.
Eu fiquei la, apenas observando o lago, tentando não pensar em nada. Até que eu ouvi uns passos atrás de mim, e quando eu me virei para ver quem era, eu dei de cara com Ron. Argh. Será que ele não sabia que eu estava com instintos assassinos?
"Ginny", ele disse, seriamente.
"O que é que você quer?", eu perguntei friamente.
"Eu quero que você pare para pensar e comece a agir racionalmente", ele falou, cruzando os braços, como se fosse o dono da razão.
"Ah, Rony. Dá o fora", eu disse, cansada demais para discutir novamente com ele.
"Ginny, você tem que perceber que...", ele estava falando, mas eu o interrompi.
"Rony, será que você não percebe que já me fez mal o suficiente?", eu perguntei, exasperada "DÁ O FORA", eu quase soletrei.
"Olha, eu acho que você está sendo um pouco melodramática demais", ele soou meio aborrecido. "Não é como se eu estivesse tentando arruinar a sua vida".
"Você não tem que tentar, Rony, você está fazendo isso bem naturalmente", eu disse, sarcástica. Eu acho que o ofendi, porque ele ficou alguns segundos calado, mas depois disse:
"Ginny, você não entende, eu só quero o seu...", ele estava dizendo, mas eu o interrompi novamente.
"Será que você não entende? Isso que você quer NÃO vai me fazer feliz. Vê se enxerga isso!", eu respondi, me levantando e saindo correndo de la. Que garoto difícil!
A pessoa que disse que 'as pessoas não sabem o mal que nos fazem com o bem que nos querem fazer', tinha toda razão.
Eu entrei brava, batendo a porta da cozinha, e indo até a sala, onde eu me sentei no sofá, bufando de raiva. Aí eu ouvi a porta da cozinha se abrindo novamente e alguém vindo para a sala.
"Ah, NÃO, Rony! Vai embora!", eu gritei, mas quando olhei para a pessoa, eu vi que era Harry. Certo.
Ele se sentou ao meu lado, sem olhar pra mim, assim como eu também não olhava pra ele. Então ele disse "Eu já sabia". Anh? Eu não havia entendido.
"Desculpe. O que você disse?", eu perguntei, olhando pra ele.
"Eu disse que já sabia sobre...você e o Malfoy", ele explicou. Meu queixo caiu. Eu fiquei pensando 'Mas isso é impossível! Isso sequer faz sentido'.
"Eu...er, COMO você sabia?", eu perguntei, meio desnorteada.
"Bem...eu tenho um mapa que mostra todas as pessoas que estão em Hogwarts", ele disse e então eu entendi tudo, mas estava chocada demais para falar alguma coisa. "E eu acabei percebendo o quanto vocês se viam com freqüência...e, bem, eu comecei a desconfiar. E eu ia conversar com você, mas aí vocês pararam de se ver, eu acho", ele disse, ajeitando os óculos.
"Mas depois...", eu disse, fracamente.
"É, depois vocês voltaram a se encontrar e eu quis saber o que realmente estava acontecendo. No dia em que eu decidi fazer isso, eu encontrei vocês dois atrás do Castelo, conversando. Depois de um tempo você foi embora e eu vi quando ele recebeu uma coruja e depois saiu de Hogwarts. E então eu o segui e ...er, bem, eu acho que você sabe o resto", ele disse, olhando para um ponto fixo, acima do meu ombro.
Oh, Deus. Ele estava se referindo ao dia em que Lucio Malfoy os aprisionou. Eu me senti terrivelmente culpada. De repente eu senti um peso enorme nas minhas costas.
"Harry, eu sinto muito...Eu causei aquilo tudo e...", eu estava tentando me desculpar, mas ele disse.
"Ginny, acredite. Foi melhor assim", ele disse, quietamente. Meus olhos se encheram de lágrimas. Eu sei que era um assunto difícil pra ele, mas eu tinha acabado de saber que aquilo tudo era culpa minha! Se ele não tivesse me seguido e me visto com Draco, ele nunca teria ido para...nunca teria acontecido...Oh. Eu comecei a chorar.
"Harry...me perdoe", eu implorei.
"Ginny, esqueça isso", ele disse, desconfortável com o fato de me ver chorando, eu acho "Se aconteceu, é porque teve que acontecer", ele disse.
"Mas mesmo assim...", eu estava dizendo, mas ele me cortou.
"Certo. Eu desculpo você", ele disse, sorrindo fracamente. Acho que ele falou aquilo para se livrar do assunto. Então, tudo o que eu fiz foi mudar de assunto, embora eu ainda me sinta terrivelmente culpada.
"Porque você me defendeu, ontem à noite?", eu perguntei, quietamente, enxugando as últimas lágrimas.
"Bem...eu disse aquilo porque eu sei que ele não é como o pai".
"Sabe?", eu perguntei, surpresa.
"Quando estávamos presos, durante toda aquela semana, eu pude ver a relação que ele tinha com o pai dele e como ele quase cuspia as palavras, quando tinha que falar com Lucio Malfoy", ele disse, não parecendo muito feliz com o rumo da conversa "Acho que ele o odiava, tanto quanto eu odiava Voldemort", ele concluiu.
"Foi por isso que você...meio que fez as pazes com Draco?", eu perguntei, incerta.
"É, bem, eu não diria que nos tornaremos amigos, mas a ajuda dele foi realmente de muita valia", ele disse, parecendo que estava conversando com ele mesmo, porque eu estava entendendo muito pouco, daquilo tudo. "Eu disse a ele que sabia sobre vocês dois. Ele não te contou?", ele perguntou, surpreso.
"Não, ele não me contou", eu respondi, erguendo as sobrancelhas, também surpresa com o fato. Mas depois que eu entendi porque, eu expliquei "Ele não gosta de tocar nesse assunto".
"Completamente aceitável", ele disse, balançando a cabeça afirmativamente. Oh, Deus...Harry Potter defendendo Draco Malfoy, na minha sala, e Ronald Weasley dando piti no jardim. Esse mundo é tão estranho.
"Obrigada", eu disse. Não sei o que eu estava realmente agradecendo, mas acho que ele entendeu, porque sorriu e disse, com humor:
"Vamos ter um jantar bem interessante, amanhã".
"Acho que não vai haver jantar...", eu disse, me lembrando que havia dito a Draco que era melhor ele não vir.
"Porque?", ele perguntou, surpreso. Alô? Será que ele não notou o tamanho da tromba do Rony?
"Ron", eu disse, e só aquilo bastou, para me explicar.
"Ah, ele. Não se preocupe. Eu vou conversar com ele", ele disse.
"Você vai?", eu perguntei, surpresa por ele estar me ajudando novamente.
"Eu e Hermione passamos o dia inteiro tentando convence-lo...mas se ele não vai nos escutar, ele vai ser vencido pela nossa insistência", ele disse, com o sorriso ainda maior. Acho que ele fica um pouco feliz quando não tem que lidar com os próprios problemas. Afinal de contas, é sempre mais fácil resolver os problemas dos outros.
"Hermione ainda está aqui?", eu perguntei, surpresa.
"Não, ela já foi. Mas disse que volta amanhã cedo", ele disse, se levantando.
"Certo. Obrigada novamente, Harry", eu disse.
"Não tem de quê", ele respondeu e saiu da sala, voltando para o jardim, eu suponho.
Depois daquela conversa eu senti tanta fome que ataquei toda a torta de maçã, que mamãe havia feito. Acho que vamos ter que fazer outra, para amanhã à noite...
N/A:
'Não é a coisa mais espantosa que você já ouviu?
Não, mas está entre as dez mais'. Stephen King. Inverno no Clube.
'Olha, eu acho que você está sendo um pouco melodramática demais. Não é como se eu estivesse tentando arruinar a sua vida.
Você não tem que tentar, Rony, você está fazendo isso bem naturalmente'. Adaptado de Everwood.
