Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir...

Preso aos olhos dela, preso aos lábios dela, preso ao corpo dela... Sentia junto à própria pele os seios dela subirem e descerem sob a blusa de algodão, arfantes, como a respiração de ambos.

'- Você sabia.' - ele falou em voz baixa - 'Você se lembra de tudo. Não estava delirando.'

Ela não desviou o olhar. Nem mesmo se moveu por entre os braços dele, que a prensavam contra a parede de uma das muitas passagens secretas daquele castelo. Se horas tivessem passado, nenhum dos dois teria percebido. O silêncio de seus olhos pareciam absorvê-los.

Se ao te conhecer, dei pra sonhar
Fiz tantos desvarios
Rompi com mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir

Se nós, nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir

'- Não vai se defender?' - ele perguntou, sério.

'-Não há nada que eu possa alegar a meu favor.' - ela confessou.

Lentamente, ele soltou os pulsos dela, que prensara contra a parede ao arrastá-la para dentro da passagem. Os dedos dele percorreram os contornos do corpo dela, até envolverem-na pela cintura.

'- Isso significa que você se rende?' - ele perguntou com um meio sorriso, embora seus olhos continuassem sérios.

'- Eu não me renderia se houvesse alguma alternativa de fuga.'- ela respondeu simplesmente, espalmando as mãos sobre o peito dele.

Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu

James abriu os olhos, encarando o teto branco sobre a cama. Sentiu um peso estranho no braço e, sem interesse, virou-se para observar a cabeça loira da garota que passara a noite com ele.

Não se lembrava do nome dela. E tão pouco se importava.

Com cuidado, ele se levantou. Não queria ter que dar explicações. Em silêncio, fechou a porta da Sala Precisa. E logo seus passos o levaram de volta para a torre dos leões. Era cedo demais para haver alguém ali.

Teve que rever seus conceitos assim que o quadro da Mulher Gorda se fechou atrás dele. Sentada displicentemente junto à lareira, estava a mesma garota que o assombrara em seus sonhos. A mesma que o perseguia inconscientemente, mesmo quando estava com outra.

Como se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu

Lily levantou a cabeça, encontrando os olhos de James. Todo o seu corpo pareceu-lhe dolorido com o esforço que fez para não jogar-se nos braços dele. As sensações que o sonho lhe trouxera estavam ainda vívidas demais.

Antes que ela pudesse se trair, ele quebrou o contato e, em largas passadas, dirigiu-se para as escadarias que levavam para o dormitório dele. Ela o observou até que ele desaparecesse de suas vistas.

Fechando os olhos, a ruiva suspirou. Mal sabia ela que James fazia o mesmo, encostado à porta que acabara de fechar.

Ambos pensavam no sonho.

Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios inda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair

Ele fechou os olhos, enquanto inclinava a cabeça. Sem aviso, sem espera, sem palavras, ele novamente sentiu os lábios dela sob os seus. Ela arqueou o corpo, abraçando-o pela cintura com as pernas, enquanto as mãos brincavam nervosas com os cabelos revoltos dele.

Depois de um tempo infinito, eles se separaram aos poucos, sem deixarem de se encarar.

'- Eu não vou deixar que você fuja de novo.' - ele respondeu com a voz rouca, tocando de leve a pele clara que a saia desnudara quando ela o abraçou.

'- Talvez não seja necessário mais fugir.' - ela lembrou, enquanto abria os botões da camisa dele.

Ele sorriu, e inclinou-se novamente, aprofundando o beijo.

Não, acho que estás te fazendo de tonta
Te dei meus olhos para tomares conta
Agora conta como hei de partir...


Eu sei, eu reconheço, estou torturando vocês com essa fic... Mas o que posso fazer se a inspiração surge assim, meio de repente, e me faz voltar a esse surto? Quem sabe um dia eu continue... Quem sabe se acaba por aqui... Eu, sinceramente, não sei...

Para quem não tem a sorte de conhecer essa canção... Procure na discografia do grande Chico Buarque... "Eu te amo". Eu acho essa música perfeita. A melodia dela, a letra, a poesia... A força que existe nas imagens que Chico constrói são quase pulsantes... "Meu sangue errou de veia e se perdeu..." Certo, é melhor eu parar por aqui.

Beijos!

Silverghost.