Capítulo 2

O Soldado Perfeito não deveria sentir medo, afinal, o Soldado Perfeito é perfeito, certo? E a perfeição significa, entre outras coisas, não ter medo de nada. O que quer dizer que eu deveria parar de sentir medo, principalmente por um motivo tão, tão... bom, a palavra fugiu. Nas últimas semanas eu tenho estado muito esquisito, verbalmente desarticulado, esqueço palavras com facilidade e, principalmente, passo horas perdido em pensamentos ilógicos e imbecis como esse. O que há comigo? Algumas vezes chego a cogitar a possibilidade de falar com Trowa ou Wufei sobre isso, mas... eles podem achar que eu pirei de vez e resolverem me internar. E... também, eu tenho vergonha (sim, sim, outra coisa que o Soldado Perfeito não deveria sentir). Vergonha por achar que estou me apaixonando por Duo? Um pouco, quase insignificante se comparado à vergonha de ter que dizer que comecei a escrever poemas. Humilhante, não? Pois eu acho. Eu tenho uma imagem a zelar. Tenho orgulho próprio! Seria um baque fatal ao meu ego ter que revelar que eu, Heero Yuy, escrevo belos textos poéticos, rimados, e com uma métrica perfeita. Eu, o cara sem sentimentos, sem emoções, a máquina de batalha, transformado numa coisa melosa e suspirante por um alegre americano de tranças, dono dos mais belos olhos que eu já vi, do sorriso mais cativante, do corpo mais bem delineado, dos cabelos mais macios, da pele mais alva, da boca mais... estão vendo do que eu estou falando? Estou beirando a insanidade! Duo povoa meus pensamentos dia e noite, acaba com meu sono, meus poucos momentos de descanso. Sua voz despreocupada ecoa em minha mente, e seu perfume enche minhas narinas. Sua presença me inebria e tudo o que eu consigo fazer é encará-lo, e desejar tê-lo em meus braços.

Mas... por que não contar a ele sobre meus sentimentos? Simples: sou orgulhoso demais. Quando ele veio te mim, e abriu seu coração, eu o magoei, rejeitei e destruí suas esperanças. Não é admissível para mim simplesmente chegar para ele e dizer que mudei de idéia. Percebem? Além de tudo, vou parecer um canalha. Tem que haver uma saída, uma escapatória.

Que vergonha... antigamente mesmo ameaçado de morte eu era capaz de pensar em uma solução para tudo. Agora, em paz e segurança no meu quarto, sou incapaz de algo tão simples. Reconheço, então, o motivo de ter tido que abdicar de todas as emoções para me tornar tão mortífero e cruel em batalha.

Por que minha vida é constantemente transformada em um circo, com pessoas passando de um lado para o outro, coisas extraordinárias acontecendo todas ao mesmo tempo, e, de repente, fica só o picadeiro vazio, habitado apenas por meus pensamentos? (1)

Por que, por tudo que há de mais sagrado nesse mundo, eu tive que mentir para Duo naquele dia fatídico? Por que eu levei em conta o que ainda sentia por aquela vaca perua? Essa é a coisa de que mais me arrependo em toda a minha vida. Aliás, desde que Relena entrou de um modo mais presente nela, tenho me arrependido de uma porção de coisas.

E Duo, como será que ele está se sentindo? Faz alguns dias já que não o vejo. Será que anda me evitando? Será que sua dor é tão insuportável assim que ele não consegue nem me ver de relance na cozinha ou na sala? Será que percebeu o quanto eu era indigno de seu amor e está envergonhado por ter um dia nutrido sentimentos por mim? Ou ele ainda me ama, e me observa secretamente, sempre à espreita, esperando um movimento que denuncie meu amor por ele? Será que ele descobriu que eu escrevo poesias? Eu poderia muito bem ir falar com um dos outros rapazes, tomá-lo como confidente e espião e esperar que solucione minhas dúvidas e acabe com a minha apreensão. Mas... acho melhor não, eu teria que acabar revelando meu segredo.

Outro dia eu estava chegando em casa, e vi Duo sentado no parapeito da janela do nosso quarto (2), olhando ao longe com uma expressão sonhadora. Seria egocentrismo demais supor que ele estava pensando em mim? (3) Entrei correndo em casa e subi esperançoso as escadas, mas quando abri a porta do quarto, meu americano magicamente havia desaparecido. Aff... isso sim é egocentrismo. Chamá-lo de "meu".

Eu deveria ir falar com ele, não deveria? Acabar logo com esse sofrimento infundado e tentar ao menos uma vez em minha vida ser genuinamente feliz.

Está resolvido, então. Será que ele está em casa?

— Quatre. Sabe onde o Duo está?

Que sorte o loirinho estar passando aqui na frente justo agora.

— Ah, Heero, acho que ele saiu...

— Okay, Qat.

Droga! Justo agora! Bom, assim que ele voltar eu falo com ele. Espero não perder toda a minha coragem até lá.

Estranho como eu mudei tanto depois que as guerras se findaram... Antes eu tinha um controle sobre o que eu queria, o que eu sentia, e agora... me sinto mais fraco, mais vulnerável... talvez não tenham sido nem as guerras, mas sim Relena. Como pude ser imbecil o bastante para me deixar levar por ela? O dia que eu pegar ela, vou matá-la se piedade!

Por que Duo demora tanto? Onde será que ele foi? No parque talvez? Ou no cinema?

Acabo por perceber que não faço a mínima idéia dos lugares que ele frequenta, assim como sei muito pouco sobre ele. Éramos amigos antes de eu ir embora dali... eu julgava saber tudo sobre a vida dele, mas agora não me acorre nada. Esqueci tudo com o tempo e falta de uso de tais informações.

Como não me apaixonei por ele antes? Uma pessoa tão alegre, tão cativante, tão bonita, encantadora, sensual... como fui capaz de não enxergar tudo isso em Duo? Como pude ser tão cego? Talvez tenha sido porque ele sempre estava comigo, mas como amigo. Conversávamos durante horas sobre diversos assuntos, dormíamos no mesmo quarto, passamos agradáveis horas passeado no parque, jogávamos videogame, ele me enchia a paciência e eu era rude com ele, brincávamos e ríamos juntos e, enquanto eu o considerava meu melhor amigo, ele me amava e me desejava como eu o amo e desejo agora. É engraçado como a vida dá voltas e voltas, e assim como encontramos pessoas que a muito não víamos, acabamos por sentir coisas que fizemos outras sentirem, com ou sem a consciência disso. Fiz meu americano sofrer silenciosamente por mim, e agora cá estou eu, sofrendo do mesmíssimo jeito por ele. É justo? Não sei... mas que acontece, acontece. E não desejo essa agonia para ninguém.

Sinceramente não é legal e muito menos saudável passar praticamente todas as horas do seu dia tentando imaginar se alguém te ama, ou o que ele está pensando agora, se estará pensando em você, ou ficar perdido em fantasias, onde tenho coragem suficiente para dizer a ele o que sinto, e ele diz nunca ter me esquecido, me perdoa por ter mentido para ele e prolongado seu sofrimento, e então passamos uma maravilhosa noite de amor. Só em meus sonhos mesmo... minha mente ainda persiste na idéia pouco reconfortante de que Duo superou isso e está pronto para partir para outra, buscar consolo nos braços de outra pessoa.

São tantas idéias contraditórias que minha cabeça gira, gira, gira e não sai do mesmo ponto. Horas divagando para não chegar a conclusão nenhuma, para não achar solução ou conforto para meus medos. Ou melhor, para não achar uma solução que não exija tanto esforço de mim. Porque solução eu achei. A coisa mais óbvia do mundo, e mesmo assim, a mais difícil de ser realizada: falar abertamente com ele.

Vozes... vozes na sala. A voz de Duo! Ele chegou! Finalmente! Reuni toda a coragem que tinha e saí do quarto. Mas parei estático ao vê-lo de mãos dadas com uma garota.

Quem era ela? E o que ela fazia de mão dadas com ele? Senti um ódio misturado com ciúmes que nuca tinha sentido antes. Tentei engolir aquela bola de sentimentos antes de fazer meu rosto contraído de raiva voltar à expressão costumeira. Desci as escadas mais ruidosamente do que de costume, para fazê-los notar minha presença.

— Oi Heero! – cumprimentou-me ele – Esta é Anne.

Ainda com a cara fechada, disse "oi" para ela. Antes que eu perguntasse ou insinuasse algo, meu amor continuou:

— Sabe, a melhor amiga dela se mudou recentemente, e a Anne se sente muito sozinha. Passei aqui para pegar minhas coisas, porque vou morar com ela por uns tempos.

Como se aquela declaração não bastasse, ele ainda piscou marotamente para mim, como fazia na época em que éramos apenas amigos, e ele era o maior "pegador" da vizinhança.

A tal Anne deu um risinho tímido e deu um beijo estalado na bochecha dele. Aquela piranha! Vagabunda! Prostituta!

— Vou sair. – disse eu simplesmente, antes de deixar a sala.

Assim que a porta da frente bateu atrás de mim, as primeiras lágrimas começaram a brotar de meus olhos. As primeiras que já derramei desde os meus três anos de idade. E não era pela perda de meus pais, mas pela perda do amor da minha vida, e pela minha própria estupidez.

O que me deu na cabeça para pensar que Duo ficaria sofrendo por mim por tanto tempo? Ele me esqueceu, ele voltou à época em que éramos apenas amigos. À época em que eu morria de ciúmes sem nem me dar conta. À época em que eu era feliz e não sabia.

(1) Ai, ai... o Heero e essas analogias infelizes dele... tá ficando cada vez pior

(2) Mania da autora

(3) Nããão, magiiiina...

N/A: Finalmente! Séculos e séculos depois, ressurge das sombras o segundo capítulo de Meus Sentimentos! Esse demorou pacas, e eu peço mil desculpas aos leitores, se é que sobrou algum. Mas em compensação, a demora serviu para eu elaborar um enredo decente para a fic, e mais alguns capitulozinhos. Logo, podem esperar, que ainda vão ter mais por vir.

Eu queria agradecer imensamente à Anna Malfoy, Kagome 009, Bulma-chan, Karin Kamiya, Pipe, Bra, Elfa Ju Bloom, Karura Shinigami, Duo-chan Maxwell e Aquila Marin por terem comentado o primeiro capítulo. E... bom, mesmo esquema? Sem comentários sem capítulos? Enton espero receber bastante reviews, heim? (podem xingar, dar sugestões, dizer o que quiserem, pelo menos digam alguma coisa)

Quanto ao Heero, ele acabou me saindo um chato egocêntrico e tava me irritando profundamente. Não foi minha culpa! Mas sabe quando o personagem toma vida própria? Vou tentar dar um jeito nesse ego gigante nos próximos capítulos.

Duo: Por favor! Senão ninguém aguenta!

Nitty: Pode deixar!

Heero: Ninguém me entende...