Capítulo 4

Por quê? Por quê, por todos os deuses, essas coisas só acontecem comigo? Já não basta tudo o que eu sofri, e continuo sofrendo por um amor impossível? Nunca imaginei que eu pudesse sentir tantas coisas ao mesmo tempo. Dor, alegria, ciúmes, afeição, solidão, amizade... Duo provoca todo um turbilhão de emoção dentro de mim simplesmente com sua presença. E se ele sorrir...? Ah, então eu fico sem palavras, me falta o ar e parece que o mundo se enche de luz. Isso é estar apaixonado? Porque se não for, eu não sei o que é!

Na época em que eu era piloto, fui ensinado que os sentimentos eram prejudiciais, mas nunca pensei que pudessem ser tanto assim. Nunca imaginei um motivo para dar a vida pela pessoa amada, mas agora eu sei. Parece baboseira, mas já passei a aceitar que o Soldado Perfeito tenha virado uma gelatina sentimental. Senti os últimos traços da minha antiga personalidade se desvaneceram quando Treize me vingou. Sim, eu sabia que ele não iria falhar. Naquele mesmo dia em que fui à sua casa, recebi um telefonema dele dizendo que aceitava o plano, mas somente com a condição antes mencionada. Ainda sem idéia nenhuma de como eu iria fazer para cumprir a minha parte, eu assenti, e duas semanas depois ele voltara exultante, dizendo que tudo saíra do melhor jeito possível, e que Relena nem mais saía do quarto de tanta tristeza. Eu acertara em procurar o moreno. Só para confirmar, fui visitá-la, mas o mordomo disse que ela não poderia ver-me, pois estava doente. E com isso, senti que eu poderia ser somente eu, um pessoa normal, sem a barreira de gelo que eu construíra em volta de meu próprio coração.

Assim que cheguei da casa de Relena, me dirigi para a cozinha, onde sabia que Wufei estaria.

— Oi, Chang.

— Oi! Pelo visto está mais animado, heim?

Sorri para ele. Eu precisava arrumar um meio de falar-lhe sobre Treize. Nunca fui muito bom com as palavras, e dessa vez eu precisava escolhê-las com um cuidado gigante.

— Wufei, sabe o Treize?

Ele me olhou feio.

— O que tem? – disse o oriental com rispidez

— Ele adoraria sair com você.

O rosto dele se inflou de raiva na hora. Eu, pelo visto, tomei um caminho muito direto de lhe contar. Wufei achava que Kushrenada era por demais arrogante.

— Quê? Vai negar que se interessa por ele?

Essa foi realmente uma jogada arriscada. Eu não fazia a menor idéia se o rapaz a minha frente sentia algo além do desprezo pelo outro, mas eu TINHA que fazer algo.

— Não é verdade.

Pelo jeito como Wufei fechou a cara diante da afirmação, percebi que tinha atingido o ponto certo. Mas alfinetar não adiantaria. Resolvi então apelar.

— Se não fizer por você mesmo, nem por ele, faça por mim!

— Por você, Heero? O que você tem a ver?

— Oras, você é meu amigo, ele é meu amigo, e nada me faria mais feliz do que vê-los juntos.

Ele me olhou intensamente, parecendo ponderar a questão. Ficamos em silêncio por alguns instantes, nos olhando desafiadoramente. Finalmente, ele suspirou e se recostou na cadeira.

— Okay, Yuy, você venceu. Um encontro só não vai matar ninguém, certo? Mas é um só! Peça para ele me pegar amanhã, às 20h.

Sorri, satisfeito, num gesto agora tão normal para mim, e fui direto para o telefone, parecendo uma adolescente fofoqueira indo contar a última para as amigas. Tirando o "fofoqueira", era quase isso.

— Alô, Treize?

— Ele mesmo, quem fala?

— Heero Yuy.

— Oi, Heero, como vai?

— Bem, e você?

— Me recuperando do golpe que dei na garota. Sabia que Milliardo ficou uma fera comigo?

— Se recuperando? Hn... Mas será que ainda dá pra sair com o Chang?

— Tá falando sério?

— Eu minto?

— Nossa, você é genial! Como conseguiu isso?

— Segredos, meu amigo, segredos.

— ...

— É para você vir pegá-lo amanhã às 20h.

— Muito obrigado, Heero. Mesmo.

— Eu é que agradeço, Treize.

Nos despedimos e desliguei o aparelho.

Mais dois dias se passaram depois disso, e minha vida continuou como sempre, sem mais surpresas. Wufei se negou a fazer qualquer comentário sobre o encontro, mas já o peguei suspirando pelos cantos algumas vezes.

Agora que eu pensava estar livre de meus problemas, me deparei com algo que eu tanto ansiei, mas que agora doía mais do que eu alguma vez pudesse sequer imaginar: Duo voltara. Ele estava feliz da vida porque ele e Anne estava se dando muito bem, então resolvera voltar para pegar o resto de suas coisas, indo de mudança definitiva para a casa dela.

— Você tem certeza, Duo? – perguntou Quatre

— Claro! Passei dias maravilhosos lá.

— Então vai nos deixar mesmo, Maxwell?

— Oh, não, FeiFei! Não pense assim. Pense que... estão tirando umas férias de mim.

Eu senti novamente a onda gigantesca de ciúmes surgir, e tratei de engoli-la junto com a torta de palmito que o loirinho fizera para o jantar. A cada vez ficava mais difícil fazer isso. Ainda mais porque os olhos violeta brilhava ao falar da garota. Maldita hora em que ela apareceu em nossas vidas! Tudo seria tão bom se ela simplesmente... sumisse. Eu já teria contado à Duo sobre o que eu sinto, já estaríamos juntos e felizes, ou então eu já teria entrado em depressão profunda e me matado, o que não seria tão mal assim, se considerarmos meu atual estado de conflito interior.

— Estou satisfeito.

Eu não conseguia mais ouvir a doce voz com que tanto sonhei proferindo mil e um elogios a uma pessoa que eu simplesmente desprezava. Deixei meu guardanapo na mesa e fui, com passos precisos e fortes, até meu quarto. Cinco minutos depois, Duo entrou.

— Está tudo bem, Hee-chan?

Ignorei terminantemente o apelido, pois eu agora o adorava, apesar de não poder demonstrar isso.

— É só um enxaqueca. - menti

Eu não gostava de mentir para Duo. Mas eu também não queria, e não podia, estragar-lhe a felicidade, deixando que se preocupe com meus sentimentos. Eu... posso me contentar somente com sua amizade, ao invés de lhe contar algo e perder até isso. Não deve ser mais difícil ou doloroso do que tem sido desde que admiti amar o americano.

— Tem certeza? – ele me perguntou desconfiado

— Absoluta. – repondi com uma veermência na voz que assustou até a mim

Ele suspirou, parecendo se convencer.

— Mas se pior você me avisa, tá? E tome uma aspirina.

Duo já ia saindo do quarto quando se virou novamente e perguntou:

— Hey, você ainda tem aquele livro de terror? O do hotel?

— Tenho sim, por que?

— Você me empresta?

Peguei o livro que estava em cima da minha escrivaninha a entreguei a ele. O rapaz trançado agradeceu e foi embora, deixando-me novamente sozinho em meu quarto. Era incrível o quanto eu sentira sua falta. Sua presença ali, sua voz pela casa, suas brigas matinais com Wufei, seu gosto bizarro para filmes, seu jeito cômico, suas piadas nas piores horas possíveis... Fiquei por um tempo indefinido ali, sentado na minha cadeira giratória, perdido em pensamentos que rodavam em torno de Duo. E só "despertei" quando ouvi a doce voz me chamando ao mundo real.

— Heero.

— Sim? – perguntei ainda meio atordoado. O tom de voz dele estava... estranho – Aconteceu alguma coisa, Duo?

— Bom... quando eu abri o seu livro, caiu um papel de dentro. – nessa hora eu gelei. Me esqueci completamente de que eu tinha alguns poemas guardados dentro de livros. – Eu fui ver o que era e...

Ele simplesmente me estendeu a folha de papel. Absurdamente temeroso, e sentindo as pernas mais bambas do que eu jamais havia sentido em toda a minha vida, abri o papel e li seu conteúdo

Contemplo o céu e ele me parece violeta

O vento que me sussurra sentimentos

Com cruéis intenções de amor...

Será que te querer é egoísmo demais?

Descobrindo o quanto eu te quero

Buscando incessantemente palavras pra te dizer que Te Amo

Sei que você não se deixaria levar por promessas

Você fechou seu coração pra mim...

Desejo que você saiba que eu descobri

O valor do seu sorriso e das lágrimas que eu não vi

E que em todo o meu silêncio

Você sempre será meu único...

Amado amigo, amado amante

Meu amor tem olhos violeta e o sorriso mais lindo do mundo!

Porque sim, eu descobri meu amor

E ele está em cada sorriso teu, todos os dias...

Heero Yuy, para Duo Maxwell..."

Com todas as minhas suspeitas confirmadas, senti simplesmente o chão desabar bem embaixo de mim. Agora ele sabia de tudo, e eu corria o risco de perder sua amizade para sempre. Não só corria o risco, como já considerava isso como um fato certo. E eu não podia negar nada, pois ele havia lido com os próprios olhos.

— Algum dia você pretendia me contar algo? – ele perguntou com a voz incerta

— Não. – respondi categoricamente

— Como não? – Duo alteou um pouco o tom de voz, fazendo com que eu me encolhesse involuntariamente.

— Simplesmente não.

— Não acha que eu tenho o direito de saber se meu melhor amigo nutre sentimentos por mim?

— Eu ia te contar. Juro que ia. Mas bem quando eu ia fazer isso, você apareceu com aquela menina, e eu achei que não valia mais a pena.

— Te passou pela cabeça que eu estaria com a Anne na simples tentativa de te esquecer? Por todos os Deuses, Heero, pense um pouco!

— Eu pensei! – disse, alteando minha própria voz – Pensei tanto que cheguei à conclusão de que não era digno do seu amor, e que você já devia ter percebido o quão cretino eu era, e me esquecido de uma vez por todas.

— NUNCA, tá entendendo, NUNCA repita uma coisa dessas de novo. Você é uma pessoa maravilhosa, Heero. E eu te amo demais. – ele fez uma pausa e suspirou – Quanto ao que aconteceu no passado, todo mundo erra. Eu também já errei várias vezes na minha vida, e isso não me impediu de continuar. Você só não pode é ficar se auto-depreciando tanto!

Ele se aproximou devagar de mim, e passou os braços pela minha nuca.

— Você é um amor, Hee-chan. O meu amor.

Ele então se aproximou rapidamente, e fechou a pouca distância que separava nossos rostos, me beijando docemente. Quando nos separamos, ele comentou, com um sorriso maroto no rosto:

— Belo poema, heim?

Sorri, sem jeito, e ele continuou:

— Tem mais?

Sorri mais amplamente, e abri a gaveta da minha escrivaninha, tirando o caderninho de capa escura onde estavam escritos meses de conflitos interiores e torturantes semanas sem a presença de Duo. Mas agora nada mais disse importava, pois estávamos juntos, e felizes. Quanto à Anne... bom, eu não sei o que exatamente vai acontecer com ela, mas acho que vai ter que arrumar outra pessoa para morar com ela.

FIM

N/A: E aí, o que acharam? Ficou bom? Essa foi uma das minhas fics que eu mais gostei de escrever, embora os primeiros dois capítulos tenham sido extremamente dolorosos de fazer. Espero que tenham gostado, e que eu tenha satisfeito todas as pessoas que, no primeiro capítulo, me pediram para continuar. Eu queria agradecer à MaiMai, Litha-chan, Anna Malfoy e Ilia-chan, que comentaram o capítulo anterior, e a todos aqueles que leram, e comentaram a fic.

Agradecimentos especiais à maravilhosa Sanosuke-chan, autora do poema belíssimo que aparece nesse capítulo. Muitíssimo obrigada por tê-lo escrito para mim, miga! Você é demais! Ó, gente, a Sano-chan também escreve fics aqui pro mas o email dela é quem quiser escrever para ela...

Mais uma vez obrigada a todos que leram minha humilde fic!