EPÍLOGO

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Acordei cedo, a luz fraca do Sol adentrando pelas frestas da janela. Grunhi alguma coisa, achando que estava confortável demais para me deixar vencer pelos raios tímidos que, bem lentamente, iam aumentando.

Com um pouco de dificuldade, eu afastei Duo de mim, carinhosamente, ouvindo–o me chamar de Hee–Chan e ronronar dizendo que ainda era cedo demais para acordar.

Fiz sua vontade, mais uma vez, deixando– o perdido por entre os lençóis, rodando de um lado para o outro, desmantelando travesseiros e desarrumando ainda mais as fronhas.

Achando um felpudo roupão vermelho perto dali, eu o vesti, prendendo firmemente a faixa em minha cintura.

Saí do quarto, indo para a cozinha, disposto à fazer para Duo um café da manhã requentado. Sem as porcarias industrializadas e nada saudáveis que ele costumava comer.

Porém, minha maior surpresa foi dar de cara com Quatre na cozinha, uma bandeja simplesmente fabulosa em suas mãos.

O cheiro de café forte fez com que eu despertasse de vez, o que realmente foi muito bom.

– Heero. – Uma voz conhecida me chamou e eu me virei, dando de cara com os olhos verdes de meu amigo latino. Ele parecia estranho, visivelmente alterado. Ergui as sobrancelhas, perguntando– lhe mudamente o que estava acontecendo ali.

Para minha surpresa, a resposta veio do louro. Em tom sério demais.

– Precisamos falar com você. – Me virei, então, para ele, estranhando. Ele nunca falava daquela maneira, nem comigo, nem com ninguém. – É sobre... bem...

– Isso. – Um bolo de papéis cinzentos foi colocado diante dos meus olhos e eu reconheci– o rapidamente.

O jornal.

Segurei– o, puxando para que eu pudesse ler o que estava escrito.

Só a imensa manchete, escrita em letras garrafais, foi o suficiente para me fazer gelar.

RAINHA ABANDONADA.

– Já pensou no que fazer, Heero? – A voz de Quatre, impiedosa, fez minha cabeça latejar. – Duo vai ficar mal depois que ler isso.

– ... – Eu não soube o que dizer. Não tinha palavras.

– Vá falar com ele. – Trowa ordenou. Não, ele não pediu. Foi uma ordem legítima. – E, Heero...

– O quê? – Perguntei, os nervos já à flor da pele. Havia mais?

– ...Decida o que fazer... Com isso. – Uma caixinha de veludo vermelho foi jogada para o alto, em minha direção. Por reflexo, eu a peguei.

E reconheci no mesmo instante.

– Mas, Trowa, eu... – Nunca pensei que me veria daquele jeito. Perdido, incerto, visivelmente sem rumo. Trowa pareceu se compadecer da minha situação, mandando um olhar para o louro.

Quatre suspirou longamente, enquanto eu colocava a caixinha no bolso do roupão.

– Leve isso para ele... – Ele me falou, praticamente empurrando a bandeja em minhas mãos. – E, enquanto ele come, leia. Seja razoável, por favor. – Pediu, em uma quase súplica. Quase sorri diante da preocupação dele.

Com a bandeja em uma mão e o jornal na outra, rumei para o quarto, rezando para que minhas pernas não cedessem no caminho.

Ao entrar no quarto, bem lentamente, pude constatar que meu anjo ainda dormia, relaxado, lançado. Exatamente como eu o havia deixado.

– Duo... – Chamei– o, calmamente, sentando– se ao seu lado, enfiando– me no meio dos cobertores. O Sol estava escondido, para a minha surpresa, deixando o lugar ainda mais aconchegante.

Ele relutou para acordar, grunhindo e tentando esconder a cabeça sob o travesseiro. Mas eu não deixei.

Puxei– o para mim, notando que ele finalmente largava a preguiça de lado.

– Bom dia, anjo... – Murmurei, calmamente, enquanto ele sorria.

– Bom dia, Hee– Chan... – Ele se espreguiçou, coçando a vista com lentidão. Olhou para a bandeja, aspirando o cheiro do café. – Uhn, pra nós?

– Sim... – Murmurei, baixinho. Sentamos juntos, começando a conversar amenidades, enquanto eu servia– lhe torradas na boca e ele ria.

Eu sentia receio de estragar– lhe o bom humor, mas eu sabia que era preciso.

Calmamente, pedi– lhe alguns instantes para ler o que estava escrito no jornal.

E ele deixou.

Respirando fundo, eu comecei a ler a matéria, prestando atenção à cada reação dele.

Ao final, senti um receio cortante de olhar para ele, com medo de vê– lo desesperado ou com raiva. Mas eu sabia que teria de ser forte, por mim e principalmente por ele.

Mesmo um pouco hesitante, eu ergui meu rosto e encarei– o.

– Hee– Chan... – Ele sussurrou, baixinho, olhando para mim, enquanto eu colocava o jornal sobre a cômoda ao lado. – Estamos com problemas...?

– Não, anjo, não estamos. – Eu disse, carinhoso, acariciando os cabelos soltos dele, enrolando as mechas castanhas em meus dedos. – Nós vamos resolver isso.

– Heero... – Ele me chamou de novo, a voz um pouco mais séria. Eu suspirei, produzindo um som que indicava que eu o estava ouvindo. – Me diga.

– O que? – Perguntei, franzindo o cenho.

– Não é só isso que você tem para falar. Anda. – Ele disse, com naturalidade. Ele era a única pessoa que conseguia ler nas entrelinhas, ele era o único para o qual eu era transparente.

E isso era maravilhoso.

– Eu queria saber, Duo... – Eu tomei coragem e enfiei a mão no bolso de meu roupão, achando rapidamente a caixinha de veludo. – O que você acha que eu devo fazer com isso?

Quando eu abri, eu pude ver a angústia estampada nos olhos violeta, fazendo com que meu coração apertasse dolorosamente. Estava prestes à me desculpar, quando ele me encarou.

Mas não havia ódio ou cobrança.

Somente... compreensão.

– O que você quer fazer com elas, Hee– Chan? – O apelido foi a gota d'água.

Que se danasse tudo!

Procurei com os olhos qualquer coisa que pudesse me livrar daquilo... E encontrei.

Duo gritou quando a caixinha e as alianças caríssimas voaram pela janela.

Levando lembranças.

Levando tristeza.

Levando lágrimas.

Levando... Relena.

Olhei, então, para Duo. Não esperava sentir os braços dele ao meu redor, abraçando– me com força.

– E então? – Perguntei, depois de algum tempo, quando notei que ele não iria falar nada. Suspirando, ele estalou um beijo na minha bochecha e, com os olhos brilhando de lágrimas, me encarou.

– Te amo, Heero. – Disse, com simplicidade.

A simples frase fez meu coração bater com mais rapidez, aquecendo meu corpo de maneira absurda.

Me amava.

Era eu. Só eu.

Abracei– o com força, escondendo o rosto dele no meu ombro, sussurrando– lhe o que ele queria ouvir, em japonês.

Dignei– me à olhar para o jornal pela última vez. Mas ele não era importante.

Jogando– o pela janela, abracei meu Duo com força.

Ele era meu.

E eu era dele.

E finito.

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RAINHA ABANDONADA

Parece mentira, mas é a verdade. A soberana, Senhorita Relena Darlian Peacecraft, foi largada no altar por seu 'ex– futuro– marido', Heero Yuy, também seu segurança pessoal.

Como se não bastasse ter chegado absurdamente atrasado para seu próprio casamento, mais até do que a noiva, o Senhor Yuy pareceu mudar de idéia, prestes à dizer o 'Sim'. Desculpando– se com Relena e com o próprio Padre, ele se retirou com pressa da igreja.

Conta– se que o Senhor Yuy chegou até mesmo à receber apoio do Padre Solo, em sua decisão de largar a Senhorita Relena.

"Não vejo o porquê de tanto questionamento, senhores. O Senhor Yuy é livre para fazer o que quiser. Se acreditou que não seria bom nem para ele nem para a Senhorita Relena que este casamento acontecesse, quem sou eu para contestar?", disse o Padre, em recente depoimento para nossa repórter.

A Senhorita Peacecraft, porém, não pensa assim.

"Eu não poderia imaginar que isso ia acontecer". Declarou ela, a voz abafada pelas próprias mãos. "Heero sempre foi um amor comigo. Nunca imaginei que isso iria... Oh, meu Deus...".

Durante nossa entrevista, ela não parou de chorar por um instante sequer, escondendo o rosto durante todo o seu monólogo, enquanto soluçava.

O Senhor Yuy não foi encontrado até o fechamento desta matéria, impossibilitando, assim, que nós tivéssemos acesso à sua versão dos fatos.

Porém, o Senhor Winner, grande amigo de Yuy, não se recusou à falar.

"A verdade é que Heero notou que certas coisas não devem acontecer. Acreditem– me, senhores, quando a poeira baixar, tudo vai voltar pro lugar de novo". Disse, antes de pedir desculpas e entrar em sua casa.

Ao que tudo indica, isso não é nenhum golpe de marketing ou qualquer coisa que pudesse servir para aumentar a popularidade da Rainha do Mundo, recentemente em baixa por culpa de alguns boatos espalhados por acessores e não– acessores.

A Casa caiu?

Ou teria o Pálacio desmoronado?

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– Hee– chan. – Chamei manhosamente.

– Sim, amor? – Meu coração acelerou ao ouvir ele me chamando tão carinhosamente.

– As alianças...eram muito caras? – Ele me olhou, seus olhos parecendo divertidos. – Quer dizer...

– Caríssimas. – Franzi as sobrancelhas. – Mas não são mais necessárias, não é? E nada desse tipo é necessário para nós. – Desviei o olhar, incomodado.

– Claro que não, Hee. – Respondi tristemente.

Será que Heero...não queria nada mais sério comigo?

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Aquela carinha emburrada era adorável, mas infelizmente eu tinha que desfazê– la.

– Esse tipo de coisa não é necessária porque estamos unidos por um elo muito maior. – Rapidamente seus olhos encontraram os meus. – Nos amamos...isso não basta? – Perguntei, incerto.

– Oh, Hee– chan, claro que basta! – Seus braços foram jogados a minha volta. – Me desculpe.Te amo tanto...tanto.

– Eu também te amo, anjo... demais.

O beijei carinhosamente fazendo uma nota mental para comprar um par de alianças para nós.

O que mais eu tinha a fazer ao ver aqueles olhos brilhando somente para mim?

Sim... Sim. Eu queria uma vida inteira ao seu lado.

Não uma noite, não um instante.

Eu queria uma vida inteira para poder desfrutar de sua doce companhia. Uma vida inteira para mostrar que alianças não queriam dizer nada.

Mas eu iria comprá– las, mesmo assim.

Fim