Capítulo 3 – Voltando à tona
Assim que o sujeito fechou a porta atrás de si, eu respirei fundo uma, duas, três vezes até me acalmar. Tinha algo estranho nele, algo familiar, e eu não conseguia saber o que era. Eu estava feliz, sim, por arrumar um emprego, mas confuso com o que era. Não me sentia preparado para responder a toda aquela confiança depositada em mim, afinal, não só o meu emprego como o daquele rapaz loiro dependiam do meu desempenho. Sem falar que só a presença dele me deixava extremamente calmo, não sei por quê.
Ouvi o barulho da porta sendo aberta, e Jen entrou cheia de sacolas nas mãos.
— Quem era o sujeito saindo daqui, Trowa? – perguntou-me ela
— Guy Vexille. Ele veio me oferecer um emprego. Olhe.
Entreguei a ela o cartão que ele me deixara. Jennifer o examinou, e deu-me de volta.
— Então... você pretende ir lá?
— Claro que sim! Eu precisava de um emprego, não?
Ela simplesmente assentiu e foi guardar as compras. Eu fiquei na sala, assistindo TV, e logo adormeci.
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Com um suspiro resignado, resolvo abrir meus olhos. Acordei novamente com uma forte enxaqueca, e, embora contra minha vontade, tenho que me levantar e pegar o maldito remédio. Onde será que ele está? Na cômoda da sala não está, nem na mesa da TV, e muito menos na cozinha. A passos largos, vou caminhando pelo apartamento, à procura do pequeno vidrinho avermelhado antes que eu pire de tanta dor, detendo-me em alguns lugares para procurar com mais calma. O único lugar onde não olhei foi o quarto que divido com minha namorada.
Sabe, ainda hoje eu me pergunto se ela é realmente minha namorada, se é amante, ou se é somente uma prostituta que por algum motivo muito estranho resolveu me sustentar. Mas o modo mais simples de chama-la ainda é namorada.
Vejo que a porta está fechada, e me aproximo da maçaneta, mas paro quando ouço que ela está no telefone.
— Não, Mirian, ele ainda não descobriu nada! E o tal Winner voltou aqui novamente, acredita?
Eu não sou do tipo que escuta conversa atrás de porta, mas algo que prendia ali, minhas pernas não mais me obedeciam, e eu continuei escutando atentamente, a cada segundo entendendo mais e menos ao mesmo tempo.
— Não, não, ele não contou nada, dessa vez. Mas inventou uma história de querer contratar o Trowa para trabalhar com ele. E, vê se pode, inventou um nome falso! Hn? Guy... Vexille, acho. – ela parou um instante – Sério? Como ele pôde ser tão cara de pau? De um livro famoso? Que engenhoso!
Senti minha cabeça rodar, e me apoiei mais fortemente na porta. Além da enxaqueca, a forte pontada de uma lembrança que quase vem, mas não vem. E tudo o que me aparece na mente são flechas de penas brancas voando (1).
— ...e tem sido cada vez mais difícil conter as lembranças dele. A cada dia que passa parece que tudo quer voltar à tona! Ãhn? Oras, Mirian, porque senão ele me largaria e iria atrás do loiro, né? O que você faria de descobrisse que era um grande piloto na guerra, que tinha amigos maravilhosos, que ganha uma fotuna do governo e tem um namorado super rico e gostoso, heim? Iria continuar comigo? É claro que não ia!
As palavras dela se chocavam contra mim e eu achava que não conseguiria absorver tudo. Eram informações demais para mim em pouco tempo. E como se fosse um tufão, todas as lembranças voltaram. E eu desmaiei, caindo no chão com um baque surdo.
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Abri meus olhos devagar, e foi como se eu estivesse acordando de um enorme sonho. Todas as lembranças continuavam ali, como se nunca tivessem ido embora, como se os últimos 5 anos nunca realmente tivessem acontecido. Eu me lembro. Eu sou Trowa Barton, ex-piloto Gundam, já trabalhei num circo, fui dispensado de meus serviços para com o governo assim que a paz foi restaurada, morei com meus melhores amigos, até que eles foram embora e eu comecei a namorar Quatre Winner.
Com enorme impacto vieram as lembranças mais recentes, que incluíam Jennifer, vários médicos, e novamente Quatre, vindo me ver disfarçadamente, com uma oferta de emprego que nunca existiu, terminando com o estranho telefonema de Jen.
— Tro-san! Finalmente acordou! – a loira se aproximou alegremente, com remédios.
Segurei seu pulso com força, e senti toda uma raiva até então inexistente aflorar.
— Como você ousa esconder tudo aquilo de mim? – vociferei
— Tudo o que? – ela ainda tentou se fazer de desentendida
— Tudo, Jennifer. Sobre meu passado. Você sabia o tempo todo!
— Eu não...
— Ouvi sua conversa no telefone!
Ela ficou muda de espanto. Vendo que não havia mais como negar, ela começou a chorar.
— Eu me apaixonei por você, Trowa! E tive uma chance de viver ao teu lado! Mas quando coisas sobre o seu passado foram aparecendo, eu achei que, se você soubesse a verdade, não ficaria mais comigo.
— Eu tinha um namorado, sua infeliz! Você tem alguma idéia do quanto ele deve ter sofrido?
Eu estava realmente bravo. Mas foi então que eu me lembrei de Quatre. Eu precisava ir atrás dele, e dizer-lhe o quanto eu sentia muito e o quanto eu o amava.
Larguei o braço de Jennifer e deixei-a chorando suas falsidades sozinha, saindo do apartamento rapidamente. Enquanto o elevador não chegava eu pensava... Por onde eu iria começar a procurá-lo?
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(1) O livro é sobre arqueiros ingleses (que tinham penas brancas em suas flechas).
N/A: Demorou bastante esse capítulo, mas eu simplesmente não me sentia inspirada para escrever essa fic. E eu pretendia alongar um pouco, mostrando o Trowa no emprego novo e tudo, mas a fic me deu nos nervos e resolvi terminá-la rapidamente. O próximo será o último capítulo, e eu prometo que ele não demorará muito, tá? Meu plano original era fazer uma short-fic, então ela até que ficou grande. Eu não queria nada muuito extenso mesmo.
Eu queria agradecer imensamente à Goddess of Death GW, Isuimi, Tsubaki, Lu, Flávia e yue-chan, que comentaram o capítulo anterior.
