Hope Gardens

Capítulo 03: I'll fly with you

Reiko vestiu a camisola, escovou os cabelos, e se enfiou entre as cobertas de sua cama.

As luzes que vinham da rua projetavam-se fracamente através da janela.Seus olhos estavam tão atentos que ela teve a impressão de que permaneceriam abertos a noite toda, alheios à sua vontade de cerrá-los e ter domínio sobre seus próprios sonhos.

Sua mão tateou a superfície do criado-mudo, até que os dedos encontraram o controle remoto do aparelho de som.Aquele CD estava no player há semanas, mas Reiko não se incomodaria em ouvir mais uma vez a música que lhe fizera companhia em momentos agradáveis de solidão.

A canção começou a tocar, em volume baixo, tornando ainda mais confortável o ambiente fresco e familiar.

I still believe in your eyes

I just don't care

what you've done in your life

Baby I'll always be here by your side

don't leave me waiting too long

please come by!

Gostava da música porquê era boa, mas também porquê na letra havia tudo o que gostaria de dizer à Kurama.Mas ela não achava que ele fosse acreditar, ou até mesmo dar importância.

"Ele acha que eu sou uma criança, mas não sou! Crianças crescem, mas a idiotice dele só aumenta!" Disse, em voz alta, virando de lado e cruzando os braços.

Uma batida muito suave ecoou pelo cômodo, e Reiko percebeu que aquele som não fazia parte das notas musicais...

I still believe in your eyes

There is no choice

I belong to your life

Because I live to love you someday

You'll be my baby

And we'll fly away

Reiko sentou-se e ouviu mais uma vez.As batidas agora eram mais audíveis, embora discretas e intermitentes.

"Tem alguém do lado de fora... batendo na minha janela..." sussurrou, observando-a cautelosamente.

A garota então escorregou para fora das cobertas como se fosse um réptil, e rastejou até a parte de baixo da abertura retangular.

'Foi só eu ser nomeada e eles já começaram a vir me perseguir!'Pensou ela, estreitando os olhos enquanto forjava as correntes curtas que costumava usar para envolver seus punhos e braços.

Reiko flexionou os dedos e constatou que as correntes estavam bem encaixadas, protegendo sua pele e ao mesmo tempo conferindo maior nível de dano à qualquer belo rosto que fosse socado por ela.

Usando o seu poder psicocinético, a loira atraiu para si uma fita vermelha que estava sobre a penteadeira e amarrou algumas mechas de seus cabelos.Assim, ela poderia espancar mais à vontade seu provável inimigo, que estava batendo gentilmente na vidraça da janela...

Uma das abas de vidro foi forçada e acabou se abrindo!O sujeito se inclinou para dentro e Reiko achou que era aquele o momento ideal!Silenciosamente ela saltou, à tempo de...

"Espera, sou eu!"

"O QUÊ!"

Reiko havia agarrado o pobre rapaz pelo colarinho e estivera a ponto de atirá-lo para baixo.

"Desculpe se essa não é a hora nem o modo mais adequados, mas é que eu achei que você ainda estivesse acordada!".

O rapaz deu um de seus sorrisos gentis, que pareceu totalmente deslocado naquela situação: estava agachado, com as pontas dos pés raspando num instante o batente da janela, e no outro o ar, enquanto Reiko o observava, estática, deixando aparecer por baixo do lábio superior dois dentes muito afiados.Kurama começou a suar frio, e a se sentir num episódio particularmente ridículo de um dos animes favoritos de seu irmão mais novo...

O youko sentiu sua espinha dorsal dobrar-se tanto para trás que teve a certeza de que a qualquer momento somente uma parte de seu corpo despencaria dali.Seus dedos buscavam agilmente as laterais,mas sempre escorregavam.Reiko continuava com o braço enrijecido, atracada à gola de sua camisa, fitando-o obsessivamente, o que era mais constrangedor do que a situação em si.

"Eu queria que você me deixasse entrar ou me soltasse pra eu cair daqui de uma vez, Rei, por favor. É que eu estou meio desconfortável nessa postura, sabe?" Declarou, num tom casualmente debochado que iria irritá-la com certeza.

A garota amarrou a cara para ele e deu um suspiro forte ao puxá-lo para dentro de um jeito não muito educado: Kurama caiu de quatro sobre o tapete, mas pensou que era melhor do ter partido a coluna ou o pescoço.

"O que é que você veio fazer aqui, ficou maluco? E se alguém tiver visto você, com que cara eu fico depois? Vão me chamar de piranha e ainda por cima vão dizer que fui quem te chamou aqui! Sim, porquê ninguém vai jamais achar que o exemplar, responsável e vitaminado Shuichi Minamino seja capaz de invadir o quarto dos outros sem ser convidado, agora imagine só que você...".

Kurama ficou de joelhos e ouviu cada palavra, com seus fascinantes olhos verdes voltados para o rosto da interlocutora faladeira e para o dedo em riste que ela apontava constantemente na direção de seu nariz.Parecia um cordeirinho ruivo, dócil e muito obediente.Só se despiu de sua capa de amabilidade quando Reiko esticou o braço para a lateral e um pequeno controle remoto voou lépido para a palma de sua mão.

"Porquê você desligou? Toda grande cena precisa de uma trilha sonora à altura de seus protagonistas...".

Ele se levantou e sorriu para ela.O controle remoto havia flutuado de volta para o criado-mudo.

Kurama fitou o semblante sério de Reiko e deu uma risadinha educada.Ela estava de braços cruzados e seu olhar transmitia pura inflexibilidade...ou pelo menos era isso que ela desejava que ele pensasse.

"Você está preocupada com a sua reputação? Não precisa, acho que ninguém me viu. Mas se por acaso tiver visto, a culpa foi sua, por não ter me deixado entrar antes".

O rapaz deu-lhe uma piscadela cúmplice, desarmando-a subitamente.Reiko cobriu a boca com as mãos e começou a rir de forma compulsiva, até que seu corpo tombou de lado na cama.

Enquanto ria, ela não percebeu que Kurama se sentara bem ao seu lado, e tinha começado a afagar seus cabelos com carinho.

Reiko parou de rir quase que de imediato ao se dar conta daquele conhecido toque delicado de mão forte sobre sua cabeça, e se sentou, tomando o cuidado de cruzar muito bem as pernas.

"Tá, Kurama, foi muito engraçado, ver você pendurado na minha janela... mas o que você veio fazer aqui afinal de contas?".

"O que mais seria, além de ver você depois de tanto tempo?".

"Mas você já me viu".

"Oh, querida, mas não do jeito que você está agora...".

Reiko sorriu para ele, antes de olhar rapidamente para a própria camisola, mas não se cobriu.Kurama notou que ela tinha ficado sem graça, mas procurava não dar importância ao próprio embaraço.

"Eu tenho o direito de estar vestida como eu quiser... você é quem tem de se comportar aqui dentro..." disse a garota, brincando com ele suavemente.

O ruivo deu um sorriso afetuoso, pensando em como o dela era lindo.

"Eu vim aqui pra te contar como foi o torneio. Você está querendo muito saber, não é?".

Reiko assentiu, ajeitou a barra da camisola e deitou-se de lado, apoiando-se sobre o cotovelo, com as pernas ainda cruzadas.Kurama julgou que sua expressão serena era a mesma que teria uma doce menina ouvindo uma estória contada pelo irmão mais velho.

"Bom, todos os nossos amigos lutaram bravamente, mas...".

"Você não quer deitar?" Indagou ela, não só interrompendo-o como também o fazendo sorrir novamente.

"Eu já invadi demais a sua privacidade...".

"Eu decido o quanto você pode invadir minha privacidade, ladrão das trevas...deita aqui".

Kurama deitou-se, na mesma posição em que ela.Por um momento, Reiko sentiu o rosto em brasas.

"Como eu ia dizendo, nossos amigos se esforçaram muito nas lutas, mas no Mundo das trevas existe uma grande variedade de guerreiros, e é claro que existiam poderes que superavam os deles, então, eles acabaram perdendo. Hiei lutou contra Mukuro,um dos reis das trevas,perdeu a luta,mas no final das contas acabou ganhando uma coisa bem melhor..."

"O que pode ser melhor pro Hiei além de ganhar uma luta e ver a Yukina feliz?".

Kurama deu uma risadinha prepotente, e colocou a mão em forma de concha ao lado dos lábios.

"Vou te contar um segredinho que todo mundo já sabe... Mukuro na verdade não era um homem, como sempre tinha se pensado... é uma mulher. E advinha o que aconteceu com ela e com o Hiei...".

Reiko franziu o cenho e arregalou os olhos quase no mesmo segundo.Ela ergueu as sobrancelhas e se inclinou um pouco na direção do youko.Este, com um sorriso maroto nos lábios, assentiu lentamente, os olhos luzidios de tanta malícia.

"O Hiei... juntou as 'espadas' com ela!"Perguntou Reiko, só para ter a satisfação de ouvir isso da boca de outra pessoa.

"Exatamente. Não é uma coisa assumida publicamente..." E Kurama assumiu um ar de pouco caso."Mas eu sempre sei de tudo o que acontece...".

Reiko riu mais uma vez, fitando Kurama com um olhar divertido.Ele ficou quieto, ouvindo o som do riso.Aquilo lhe fizera tanta falta enquanto estava no Makai, envolvido com Yomi e o torneio...

"Eu nunca podia imaginar que um dia o Hiei ia começar a aproveitar as coisas boas da vida! Essa é a notícia mais maneira que você podia ter me dado!".

"A única coisa que não mudou é o fato de que ele se recusa a dizer a verdade à Yukina."

"Kurama, você já pensou na possibilidade de a Yukina já saber que o Hiei é o irmão dela?".

Kurama fitou-a surpreso.

"Ela falou ou demonstrou alguma coisa à respeito?"

"Não... mas eu fiquei com essa impressão desde que ela se despediu dele lá no templo da mestra... e deu aquele colar à ele.Mas não sei se é só uma cisma minha..."

"É bem possível que seja".

"Tonto... vai, me conta, e o resto do pessoal?".

"Tiyu e sua turma ficaram por lá,treinando já para o próximo torneio..."

"São uns apresentados mesmo..." Disse, sorrindo e revirando os olhos ao se lembrar da trupe que havia conhecido no Torneio das Trevas."Tomara que percam de novo, pra deixarem de exibicionismo!".

"Porquê tanto carinho, Rei? E o Yusuke, resolveu ficar um pouco mais..."

"Kurama, me diz a verdade, o Yusuke pretende voltar mesmo? Porquê se ele não estiver, é melhor falar logo com a Keiko, ele não pode achar que ela tem a obrigação de...".

"Calma! É claro que ele vai voltar, mas você sabe como é o Yusuke,o forte dele não é se preocupar com horários e compromissos..."

"É, realmente... e então, quem é o novo rei das trevas?" Perguntou Reiko, repuxando o canto dos lábios, enchendo a boca para colocar uma pitada de deboche na expressão 'rei das trevas'.

"É impressão minha ou você acabou de fazer pouco caso desse evento tão importante?" Indagou Kurama, afetando polidez em tom de brincadeira.

"Tem montes desses eventos importantes nos inferninhos e bares do nosso distrito o tempo todo..."

"Você não quer comparar um embate entre os maiores guerreiros do Makai com uma briga de vagabundos que se embebedam e depois matam um ao outro, não é?".

"Os maiores guerreiros do Makai deveriam se preocupar em escolher um líder decente para conduzir o povo das trevas, e não quem dá o chute mais forte no traseiro dos outros".

"Não foi bem assim. Todas as lutas foram muito dignas."

"Imagino, dignas de...".

"Olha, se isso torna a sua vida mais feliz, quem venceu foi um guerreiro decente. Você ia gostar muito dele. O nome é Enki,e assim que tomou posse,determinou que nenhum ser humano seria incomodado pelos youkais,e tem mais,qualquer ser desse mundo que cair por acidente no mundo das trevas será...".

"Recolhido por uma patrulha e trazido de volta, são e salvo. Vamos ver se isso vai dar certo, vamos ver".Disse Reiko, coberta de expectativa e neutralidade.

"Como é que você sabe desse detalhe?" Indagou Kurama, deslizando a mão que estava livre na direção dela.Seus dedos alcançaram uma mecha dos cabelos loiros e ficaram brincando com ela.Os olhos azuis de Reiko piscaram rapidamente, e a garota parecia ter virado pedra de repente, tão rija que estava.

"Não é só você quem tem novidades!" Exclamou a moça, deitando a cabeça entre os braços.Kurama imitou-lhe, e continuou a acariciar seus cabelos.Reiko então engoliu em seco, e resolveu fazer um pouco mais: flexionou o joelho, e descansou a própria perna sobre a de Kurama.

O contato foi gradual e suave.Ele sentiu o peso agradável da perna feminina sobre a sua e fitou sua companhia bem dentro dos olhos.Reiko sentiu um sorriso nervoso estremecer em seus lábios, mas o manteve cativo bravamente.

"Eu fui nomeada detetive sobrenatural" Declarou, tentando se desligar da sensação que o contato entre os dois lhe causava.Roçou um pouco a perna contra o tecido das calças dele quando se mexeu, quase o fazendo suspirar.

"Verdade? Mas e quanto àquela regra que diz que os detetives têm de ser genuinamente humanos?".

"Ela não existe mais. O comandante do Reikai agora é Koenma, e ele a derrubou".

"Você está querendo dizer que Koenma deu um golpe no pai e tomou o poder?" Perguntou Kurama, suavemente, como se quisesse manter aquela conversa apenas para tentar manter, junto com ela, o seu bom senso.Reiko começara a roçar timidamente sua perna contra a dele, mas agia como se tudo estivesse normal.

"Nós descobrimos que o rei Enma era um crápula, um bandido, um miserável! Você não tem nem idéia do que ele fazia...".

Porém, antes que pudesse se indignar com a lembrança das armações do ex-soberano do Reikai, ela foi surpreendida com uma belíssima orquídea cor-de-rosa, que surgira repentinamente, diante de seus olhos.Kurama manuseou a flor com delicadeza e habilidade, até enroscá-la nos cabelos de Reiko.

"Eu não sei qual é a sua flor favorita... mas eu acho que essa combina com você...".

Os dois estavam sentados sobre a cama, observando um ao outro.Reiko acariciou a flor com as pontas dos dedos, e sorriu meio sem jeito.

"Qualquer uma que você me der é a minha favorita...".

De repente, o aparelho de som voltou a funcionar, tocando a música que ela ouvia antes da entrada de Kurama.

And I'll fly with you

I'll fly with you...

I'll fly with you!

"Ai!" Reiko deu um gritinho irritado, voltando-se para trás e novamente para Kurama, com a mão no peito.

"Você já conseguiu ter um pouco mais de domínio sobre a sua psicocinese, não é?".

"Um pouco. Mestra Genkai disse que eu estou adquirindo estabilidade gradativamente. Tenho treinado muito pra isso... mas não deixa de ser complicado".

"Você movimentou muito bem o controle remoto".

"É, mas não liguei o som de propósito. Se nós estivéssemos na cozinha agora... você sabe, eu sou especialista em estourar os canos da pia...".

"O fenômeno é intrínseco e não acontece por acaso. Você estava pensando em ouvir música ou está sentindo alguma emoção instável neste momento?".

Every day and every night

I always dream that

You are by my side

Oh,baby,every day and every night

Well,I said everything's

Gonna be all right

Reiko fitou Kurama de uma forma tão intensa que o fez estremecer.Agora o seu desejo se tornara evidente e inegável para si mesmo.Seu olhar desceu das feições encantadoras do rosto da moça, e se detiveram em seus seios, que subiam e desciam suavemente, num ritmo ininterrupto de respiração.

"Acho melhor eu ir. Não quero mais atrapalhar o seu sono".

"Não. Se você for aí é que eu não vou conseguir dormir mesmo...".

And I'll fly with you

I'll fly with you…

I'll fly with you!

Kurama sentiu as mãos muito leves e carinhosas envolverem seus ombros.Seu coração começou a saltear loucamente, como que antevendo uma grande experiência ou acontecimento.

Ele segurou com gentileza o queixo de Reiko, procurando encontrar os olhos dela, e quando encontrou, seus dedos sutis acariciaram metodicamente aquela região, até alcançarem os lábios, carnudos e rosados.Ela os umedeceu com a língua, enquanto o observava, sem pensar nas conseqüências daquele ato tão simples, tão pequeno.

Kurama teve a impressão de que os lábios dela pediam, silenciosamente, por um beijo seu.

Fim do terceiro capítulo!O quarto e último virá em breve!Ainda estou em dúvida se vai ser hentai ou não...

Lonestar Karina: Muito obrigada pela review!