Disclaimer: Os personagens libidinosos e deliciosos de Saint Seiya são propriedade do Tio Kurumada. Portanto, tudo o que produzo utilizando os personagens originais dele são objetos de mera diversão e não têm fins lucrativos de espécie alguma. Os personagens, nomes e enredos originais dessa fic, mesmo não sendo de grande valia, me pertencem, contudo.
Comentário Pessoal: Gente, mais um capítulo! E para amantes de Mu e Shaka, finalmente, a coisa começa a desenrolar. Eu particularmente gosto muito desse pedaço do texto, porque a partir dele é que trabalho mais com nuances de personalidade do ariano e seu virginiano. Bom, é isso! Espero que aproveitem e gostem tanto de ler quanto eu gostei de escrever!
Incenso e Vela
Capítulo 8
Uma Alma Virgem
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duas semanas e meia depois da luta
"Shaka nunca mais desceu de Virgem? Mas que estranho..."
"Não sei porque, filho, ele nunca foi social."
"Páaaaara de me chamar de filho, Camus!"
"Desculpe, Milo."
"Estranho... ele estava um pavão... eu imaginei que ele fosse descer todos os dias para humilhar e exterminar alguns aprendizes... humpf... Steve Wonder versão Dinamarca."
"Melhor ele ficar lá dentro..."
"E as virgens?"
"Ele só quis uma, que também só foi lá duas vezes."
"E o que será que ele come então?"
"Parece que não come. Comenta-se à boca pequena que ele está doente."
"Tomara que morra."
"Milo!"
"Atacou você, o demônio..."
"Eu o ataquei."
"Não interessa. Fez Mu sofrer e ir embora daqui, outra vez... odeio ele!"
"Ele vai receber sua armadura de ouro logo, parece que hoje mesmo o Mestre chamou os hefestianos para abrirem a caixa e polirem as partes da armadura. "
"Um homem daqueles de armadura... o mestre enlouqueceu mesmo."
"Depois de Máscara da Morte nada me assusta."
"Já estou começando a achar que Máscara da Morte é melhor do que esse Shaka..."
"É horrível admitir, filho, mas eu também..."
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"Mestre Ares, aqui está a caixa da armadura de ouro de Virgem."
"Muito bem. Abram."
A caixa foi aberta. A cosmo energia da armadura revelou-se, e ela prontamente se montou na forma de um suplicante de joelhos.
"Veja, mestre!" – o jovem servo apontou para uma rachadura enorme no peito da armadura. – "Um buraco! E dos grandes!"
"COMO?"
"Um buraco na armadura!"
"Era só que me faltava agora... eu tinha me esquecido de que ela tinha ficado danificada depois da última guerra... maldição! Teremos que chamar Mu... só ele sabe consertar armaduras."
"Mestre, quer que eu chame alguém?"
"Sim, mande-me o jovem Laomedonte. Ele é o jovem que dizem ser o mais rápido entre os rápidos, não?"
"É sim, mestre... ele é impressionante."
"Mande-o buscar Mu onde estiver. Ele está em algum lugar na Índia, perto do Tibet. Em Pamir ou Jamiel. Diga a Laomedonte que será regiamente recompensando por sua tarefa..."
"Vou mandar que ele vá com a mensagem o mais rápido possível, mestre."
"Faça isso."
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Dias mais tarde...
"Não acredito que veio, Mu... por que fez isso?"
"É meu dever."
"Não acredito!"
"Milo, a armadura, independente de quem a vista, é uma garantia para Athena. Eu recebi este treinamento de Shion, só eu posso consertá-la."
"Dizem que é um buraco enorme..."
"Deve ser. A julgar pelo estado da armadura de Shion, que eu também tive de consertar."
"Vai precisar de sangue, não vai?"
"Se a fenda for mesmo do tamanho que Laomedonte me disse, será preciso mais sangue do que Shaka poderia dar."
"E aposto que você se ofereceria para completar a quantidade..."
"E por que não? Não seria a primeira vez..."
"Mu, você tem sangue da barata! Não é possível!"
"Faço pela armadura. – ele fingiu um ar displicente. – E Shaka?"
"O que tem ele?"
"Nada, só perguntei."
"Não sabemos dele. Ele não desce desde o dia da tal batalha."
"Não desce?"
"Não."
"E as virgens?"
"Dispensou todas, exceto uma. Parece que ela vai lá uma vez por semana e só."
"Mas o que ele come, então?"
"Não come."
"Não come?"
"Está doente."
"Não come há quase três semanas, Milo? Tem certeza?"
"É o que parece, eu e Máscara da Morte, bom, não é que a gente seja curioso, mas a gente é zeloso do que acontece aqui, você sabe, o Santuário é nossa casa..."
"Ahã..."
"A gente cercou a tal virgem... ela se chama Ifigênia... a gente deu uns agrados para ela, e ela soltou o verbo... disse que só vai lá uma vez por semana, para limpar a casa... ele medita o tempo todo, não come nada porque está doente. Ela disse que é um coisa de estômago, não sei bem, não entendi, mas parece que boca dele está embolotada de tantas feridas, nem água ele consegue beber direito..."
"Mas isso é muito sério, Milo..."
"Ele é um poço de orgulho e não aceita que ninguém abaixo de deus, o próprio, lhe dirija a palavra... não pediu ajuda e nem comunicou o Mestre... tomara que morra..."
"Milo, isso que você disse é horrível. Que coisa mesquinha..."
"Ah, é verdade, ele é poooooodre."
"Muitos dizem que você também é orgulhoso demais."
"Orgulhoso eu sou, que minha mãe não me achou no lixo não. Mas intragável como Shaka está para nascer..."
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"Anda, Aioria... não faz barulho. Acho que agora ele já está dormindo..."
"Eu quero ver se ele te pega invadindo a casa dele, Mu..."
"Ele deve estar dormindo..."
"Como você sabe? Ele está sempre de olho fechado..."
"Por isso estamos esperando há tanto tempo enfiados no mato, não é, Aioria?"
" Você sabe que acho isso tudo uma péssima idéia! Se ele quer morrer sem falar nada com ninguém, que morra, não é nossa responsabilidade..."
"Você que pensa. Shion sempre disse que éramos responsáveis uns pelos outros e eu levo este compromisso muito seriamente."
"É, ainda mais se tratando do Shaka."
"Não entendo seu escárnio, Aioria. Se sabe que eu o amo, porque me provoca? Não sabe que é por isso que me importo?"
"Pensei que tivesse um compromisso com os cavaleiros."
"Eu tenho. E com Shaka estou duplamente comprometido: como cavaleiro e como homem."
Entraram sorrateiramente na casa de Virgem. Os passos imperceptíveis de Mu aliados à rapidez de Aioria – conhecido no Santuário como 'Aquiles dos alígeros pés' – os fez chegarem até onde Shaka dormia. A pomposa cama esculpida em marfim estava vazia e feita. O loiro dormia estendido sobre uma delicada esteira de palha de bambu.
"O infeliz também gosta de dormir com o lombo no chão." – murmurou Aioria.
Mu fez sinal para que se calasse. Vagarosamente observou-o dormindo. Ergueu as mãos pálidas e esfregou-as. Elas se iluminaram, como se houvesse chama dentro delas. Com aquela pequena fagulha de luz, ele examinou Shaka. Estava muito branco e parecia mesmo um pouco abatido. Os lábios finos estavam inchados e rachados. O jovem indiano afastou os lábios delicadamente, para respirar melhor, e Mu deteve-se na boca querida de seu amado. Feridas do tamanho de botões, protuberâncias avermelhadas. Sussurrou para Aioria:
"Eu já tive isso. É rejeição à água e à comida do ocidente."
"Não me lembro de você ter ficado assim..."
"Shion sabia que eu ia estranhar e quando as feridinhas apareceram ele mesmo cuidou para que não crescessem... é um excesso de acidez que cria essas feridas. Depois que me acostumei, já não senti mais nada."
"Então ele vai melhorar, podemos ir embora..."
"Não espere... se ele não comer, como vai melhorar?"
"Isso não é problema nosso". – Aioria ficou pálido de repente. – "Mu... a respiração..."
Mu tapou-lhe a boca deitando o indicador sobre os lábios de Leão.
"Quem vem aqui além de Ifigênia?"
"Todos os amigos dele, ou seja, ninguém..."
"Vamos embora. Eu tenho uma idéia..."
Antes de sair, Mu soprou suavemente uma mecha da franja loira que caía sobre o rosto de Shaka, e pressionou seus lábios contra as bochechas sem cor de Virgem. Suspirou. Teve medo de beijá-lo nos lábios como queria. Levantou-se e saiu com Aioria.
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"Mu, a respiração..."
"Eu sei que ele estava acordado o tempo todo, Aioria."
"Então..."
"O que queria que eu fizesse? Já estávamos lá. E ele é orgulhoso demais Aioria. Se percebesse que sabíamos que ele estava acordado, ficaria furioso, recusaria nossa ajuda imediatamente."
"Talvez tivesse sido melhor."
"Não, é claro que não! Já tenho uma idéia para ajudá-lo. Ele precisa comer e tomar o sumo de algumas ervas que vão baixar as feridas e a febre... você reparou que ele estava febril?"
Aioria balançou a cabeça em desaprovação.
"Mu, você é santo."
"Você é que é intolerante e impaciente demais."
"O que vai fazer?"
"Lembra-se de Polixena?"
"Sua ex? Como esquecer?"
"Ela voltou ao Santuário."
"Ah, agora que Shion não está mais aqui, os exilados retornam..."
"Pára, Aioria. Foi Polixena mesma quem me disse que preferia o serviço de Apolo em Tebas. Além do mais, ela não era mais virgem... e não podia mais servir à Athena."
"E sabemos bem porque ela não era mais virgem..."
"Ai, Aioria, não começa..."
"Acha que ela vai querer te ajudar?"
"Ela não me tem mágoas."
"Por que teria? Depois que vi o que você sabe fazer com a boca, já não me admiro que Polixena tenha se apaixonado tanto por você a ponto de largar a posição de primeira pitonisa de Athena."
"Está se esforçando para ser desagradável, e sei que faz isso sempre que tem ciúmes, mas seus ciúmes são ridículos... você sempre foi possessivo além das medidas, até com o que não ama."
"Mu, já disse que odeio quando banca o psicólogo para mim?"
"J�, mas eu não vou parar. Polixena foi um amor muito infeliz, mais para ela do que para mim. Ela perdeu tudo e eu não perdi nada. Respeite-a, por favor."
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"Polixena, preciso de um imenso favor seu. Se aceitar, preciso de toda a sua discrição e cuidado. Não confiaria essa tarefa a mais ninguém."
"Mu, você pode me pedir o que quiser."
Mu fitou os olhos rosados escuros de Polixena. Em outras épocas, ela era um pitonisa. Uma mulher de extraordinário poder, capaz de prever o futuro. E sempre fora linda, olhos grandes e brilhantes, cabelos lisos até os joelhos, brancos como nuvens. Apaixonaram-se perdidamente. Contentavam-se com olhares, até o dia em que Shion viajou para Tebas com o maior sacerdote de Athena, pai de Polixena e seu único superior na ordem religiosa do Santuário. Entregaram-se plenamente à paixão. Quando Shion retornou com Ereuthalion, o pai de Polixena, percebeu que algo estranho estava acontecendo. Armou então uma situação para que a jovem pitonisa fosse consultada sobre o futuro do santuário, mas como ele já esperava, ela não mais podia prever o futuro – o serviço de uma pitonisa estava extremamente ligado à sua virgindade que era exigida pelos deuses, em especial Athena, uma deusa também virgem.
Apavorado pelo rumo das coisas, Shion mandou Polixena para Tebas, com a permissão de Ereuthalion. Mu ficou dias sem comer, penando de amor. Logo, porém, esqueceu-se da pitonisa de olhos cor de rosa e conformou-se em seguir seus treinamentos de cavaleiro. Shion temia Polixena mais do que temia Aioria. Afinal, uma mulher é sempre mais complicada. E se Polixena engravidasse? Como manter a concentração e a atenção integrais de Mu com algo assim acontecendo ao seu redor? Ao menos, o mestre pensava, Aioria é homem e é um cavaleiro – ele entende os treinamentos e os sacrifícios da vida de um defensor de Athena.
Assim, depois da morte de Shion e de Ereuthalion, Polixena voltou ao Santuário. Já não podia ser pitonisa, mas servia à Athena em posições de menor importância. Gostava de Atenas e amava o Santuário. Era sua casa. De fato, não se magoara demais por Shion tê-la tirado do Santuário. Também não sentia prazer em viver lá sob os olhos de censura daqueles à quem ela, dias antes, dava ordens. Agora, anos depois, sentia-se à vontade com seu destino e com as escolhas que fizera.
Mu explicou-lhe o que devia fazer. Ele prepararia para ela um concentrado de leite com ervas que ele sabia iam ajudar a curar e fortalecer Shaka. Mas como as feridas dele já haviam crescido demais, ele não podia engolir sozinho: ela teria de ministrar o leite com pequenos pedaços úmidos de pão, que Mu imaginava, seriam sólidos o suficiente para ajudar a alimentá-lo e ao mesmo tempo, macios o bastante para que ele os engolisse sem muita dor. Polixena aceitou a missão.
Ela foi até Shaka e disse-lhe que fora enviada por Ares, que eram ordens do mestre que seus cavaleiros tivessem o máximo de conforto possível.
Shaka riu, ironicamente.
Ajoelhou-se e sentou sobre as pernas dobradas, a coluna ereta, a cabeça erguida, de frente para Polixena. Ela cuidadosamente molhava pedaços pequenos de pão no leite e os levava até os lábios do cavaleiro. Ele engolia com uma certa dificuldade e a julgar pela expressão que fazia, o leite não devia ser dos mais saborosos... num dado momento, ele agarrou os punhos delicados da moça, apavorada:
"Quem mandou você?"
"Foi o mestre."
Ele apertou o punho com mais força, o cosmo dourado se elevou.
"Não minta, Polixena, sacerdotisa de Athena. Já te disseram o que posso fazer com meus olhos?"
"Me solte!" – ela puxou o pulso com força.
"Fale!"
"Se está tão desconfiado é porque já sabe quem foi... a única pessoa boa o bastante para se importar se alguém como você está vivo ou morto!"– ele largou o pulso dela, que saiu correndo do templo deixando a vasilha de madeira com o leite e os pedaços de pão ao lado.
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"Mu!"
A voz estava estranha – eram as feridas, claro. Ele estava mais abatido que na noite em que fora vê-lo. Arrepiou-se ao ver nas mãos dele, além do indefectível juzu, a vasilha de madeira que devia estar sob os cuidados de Polixena.
"Shaka..."
"Foi você que mandou a moça fazer isso, não foi?"
"Sim. Eu sou como uma espécie de 'médico' daqui, como Shion era. E como eu sabia de que enfermidade se tratava..."
"Por que fez isso?"
"Era o meu dever."
"Por que voltou?"
"Ares não te disse? Sua armadura está com uma rachadura muito grande. Eu vim consertá-la."
"Por isso voltou?"
"Sim... o que fez com Polixena?"
"Eu a mandei sair."
"Se não a quer, compreendo. Mas deve continuar com o tratamento, será bom para sua saúde. Eu vou precisar do seu sangue para o conserto, é melhor que esteja saudável..." – virou-se como quem ia embora. Sentiu as mãos de Shaka segurarem-lhe o braço.
"Mu... eu..."
"O que, Shaka?"
A voz dele era um gemido irreconhecível.
"Eu ia preferir que fosse você a fazer isso..." – ele estendeu a vasilha para o ariano.
Mu engoliu o seco. Foram andando lado a lado, como sempre, em silêncio absoluto, até a casa de Virgem. Sentaram-se na mesma posição, um de frente para outro, os joelhos se tocavam. O coração de Mu estava disparado. Evitava olhar para o rosto de Shaka, porque não imaginava a reação que teria... suas mãos tremiam. Molhou o pedaço de pão deixado por Polixena no leite que ele mesmo preparara, com tanto amor, com as mais finas ervas curativas de Jamiel. Levou o pedaço de pão até a boca de Shaka, segurando-o pela extremidade, com medo de que seus dedos encostassem nele. O indiano tomou o pão, gotas de leite desciam umectando os lábios secos pela acidez, escorriam dos lábios, pelo pescoço e pelo peito.
Mu não sabia exatamente o que fazer, há muito seu sangue frio havia abandonado-o à própria sorte. Molhou outro pedaço de pão e atreveu-se a olhar para Shaka. Viu as lágrimas descendo dos olhos dele. Não disse nada. Levou o pão à boca do outro, mas dessa vez deixou seus dedos tocarem os lábios dele, vagarosamente, para poder perceber qualquer reação negativa de Shaka ao toque: estava ali para ajudá-lo a comer e se recuperar, mas feri-lo em seu orgulho num momento de fraqueza destruiria sua boa intenção.
Shaka não apenas permitiu o toque, mas lambeu o leite dos dedos de Mu; e sem também entender muito o que estava fazendo, chupou-os; a princípio, timidamente, depois, desesperadamente, como se sugasse deles a seiva da vida. Imóvel, Mu sentiu seu corpo inteiro reagir violentamente àquela carícia, um prazer obsceno invadir-lhe a alma. A língua do jovem indiano massageando seus dedos pequenos, ondas de calor arrebentando contra todo seu corpo, sentiu que não ia controlar mais a excitação evidente a cada vez que o outro investia com a língua em seus dedos, despertando seus desejos mais ocultos. Ia pedir que Shaka, por tudo que fosse sagrado, parasse – não ia suportar aquilo por mais tempo, mas não teve forças. Encostou sua testa contra o do virginiano, tão próximas, tão juntas, que só as mãos úmidas de leite de Mu separavam os lábios entreabertos de ambos, trêmulos e respirando com dificuldade. Mu conseguia ouvir o coração de Shaka bater desordenadamente... mas já não tinha certeza se era o coração dele... ou o seu...
"Mu..." – a voz de Shaka entrecortada em lágrimas – "Me deixe morrer..."
"Já não posso mais... não agora... come ..." – ele pôs outro pedaço de pão na boca dele – "come... por favor... Shaka..." – Mu limpou as lágrimas do outro com a mão que restava limpa. – "Você não está doente... é só uma irritação..."
O virginiano deitou a cabeça no ombro de Mu. O ariano sentia sua túnica umedecer com as lágrimas dele... ele soluçava.
"Estou doente na alma!"
"Mas... Shaka..."
"Na alma, Mu! Você não entende? Tudo em que creio é a minha fé e a razão da minha vida. É um cristal. E agora está fendido. Nada o retornará ao que era... vê como me humilho? Buda me deserdará. Sou um corpo indigno de abrigar as bênçãos do Iluminado..."
"Shaka, não é verdade... você é tão forte..."
"Não sou! Estou sujo! Sujo! Não diga que não percebe..."
"Não considero isso sujeira..."
"Sim... estou sujo... me penitenciava... não acha mesmo que passava fome porque sou orgulhoso ou porque não conheço as ervas?"
"Não acredito que..."
Então Shaka não comia por não querer... mas é claro! Como fora tolo em acreditar que um homem como aquele não conhecesse engenhos simples de ervas, como o que ele lhe oferecia aos lábios...
"Vê? Acredita em mim agora? Vê como me humilhei em permitir que viesse aqui? Sou um miserável..."
"Mas Shaka..."
"Não diga nada! Só irá piorar. Estou perdido. Minha alma pura era virgem de sentir. Sentia só amor sublime dos deuses – igual para tudo que fosse vivente, neste e nos outros mundos, complacência e benevolência com todos os seres. Agora o mundo me corrompeu... minha alma foi desvirginada... e isso é mais sujo que qualquer intercurso perverso desses rudes vis aí de fora... sou pior que eles... a coroa da virgindade da minha alma está despetalada, o vento leva os pedaços da minha divindade para longe de mim..."
"Não posso crer que deus algum considere sujo isso que me diz..."
"Não fale, Mu... não fale!" – sentiu os braços hesitantes de Mu cingirem seu corpo. – "Abrace-me..."
"Shaka... está enganado... acredito que os deuses o vêem mais digno agora..."
"Entregue como estou? Humilhado? De joelhos? Não! Estou desgraçado..."
Mu sentiu um nó em sua garganta crescer. As lágrimas represadas por dias e mais dias romperam, como se partissem um dique em dois, sem controle nem pudor algum. Sentia-se imensamente culpado pela dor de Shaka... talvez, sem querer, tivesse feito-lhe um mal irreparável... aquele homem de poderes divinos era não mais que um menino por dentro. Jamais havia se confrontado com as questões que o amor daquela natureza trazia, as demandas do corpo, o amar uma única pessoa, o desejo de posse sobre o outro... Não estava pronto para se entregar a coisa alguma e seu contato com o mundo dos 'mortais' estava sendo devastador para ele.
"Não desejar, dizia Buda, é o caminho para não sofrer... eu nunca tinha sofrido antes, Mu..."
"Não sentir é a maneira mais covarde de se superar a dor, Shaka."
"Não tenho cicatriz em meu corpo, mas agora... tenho uma na alma."
"Minha pele tem marcas dos anos em que treinei... querido... você sobreviverá a mim..."
"Não..."
"Só me diga o que quer, Shaka, por Zeus! Eu farei o que você me pedir, qualquer coisa... me diga o que quer... quer eu que v�? Que eu suma? Eu sumo! É só você me pedir! Eu vou embora para sempre se você me pedir..."
"Não!" – Shaka gritou. – "Agora não... me abrace... isto não terá fim... até que..."
"Até que?"
Shaka fez uma longa pausa. Ele respirava descontrolado e fora de ritmo.
"Até que um de nós deixe de existir."
"Ah, Shaka..." – Mu o apertou em seus braços e ele parecia tão frágil e tão indefeso... faria qualquer coisa por ele! Qualquer coisa. "Isso também pode se arranjado..."
O virginiano levantou a cabeça, imediatamente, o rosto de menino iluminado:
"Aceitaria lutar contra mim, Mu?"
"Sim."
"Jura?"
"Assim que estiver mais forte, conserto sua armadura. E lutamos."
"Ah... obrigado! Obrigado..." – ele deitou a cabeça no colo de Mu. Abraçou-lhe os quadris e deixou-se deitar sob o chão lustrado de mármore de Virgem.
"Quer que eu vá agora, Shaka?"
"Fique comigo, por favor... até eu dormir..."
"Ficarei." – ele enterrou os dedos na cabeça sobre o seu colo, acariciando os cabelos perfumados e longos, os fios dourados como uma cascata de luz sobre seu corpo.
Quando Shaka adormeceu, ele o deitou sobre a esteira. Beijou-lhe os lábios descorados e secos, saiu de Virgem com as pernas bambas. Aceitou lutar contra Shaka... aceitou morrer. Um dia, ele se lembrava, vira Dohko lutar com Shion. Era um treinamento, mas Shion disse a Dohko que o atacasse com força, como se atacaria um inimigo. Dohko fez isso. Lembrava-se das vozes:
"Mais força, Dohko. Preciso saber o quão bem você se defende."
"Mas, Shion..."
"Você é tão bom quanto eu, então sabe que não precisa me arrancar um braço para me mostrar sua força..."
"Está bem. Vamos l�, então."
Dohko era velocíssimo. Ninguém manejava um tridente como ele. Assim mesmo, seus golpes pareciam deslizar por Shion. Até em luta, pareciam estar sincronizados, como um finíssimo relógio suíço. Em uma leve distração de Dohko, Shion o pôs ao chão, para deleite de Mu, que então divertia-se com o que imaginava ser um 'treinamento comum'. Passou a espada pela nuca de Dohko e disse, olhando para o pequeno aprendiz:
"Agora, corta-se a cabeça fora, com um golpe muito rápido e bem preciso. Se tiver a grande sorte de ter um adversário como este aos seus pés, mata-o. Não terá sorte duas vezes."
Dohko virou-se bruscamente no chão e derrubou Shion ao seu lado.
"Eu digo o mesmo, Mu. Um adversário como Shion, só se tem sob as mãos uma única vez. Aproveite-a, ou estará morto."
Pena que nenhum dos dois foi fiel aos seus princípios de luta, no momento derradeiro. A hesitação foi fatal para Shion. Contudo, não era a mesma coisa entre eles, Shaka não o pouparia. E ele... bem, não teria coragem de aproveitar a sorte de tê-lo sob suas mãos. De repente, isso não parecia grande coisa. Nada parecia grande coisa, talvez porque ainda sentisse os lábios de Shaka sorvendo o leite e o pão de seus dedos, ou o peso delicioso da cabeça dele em seu colo, a textura dos cabelos dourados entre suas mãos, a voz dele, como uma sinfonia sacra, como música de Bach, dentro dos seus ouvidos, dentro da sua alma, entranhada em sua pele, em seu sangue, o seu coração como uma catedral em chamas, ardendo, ardendo. Sua cabeça zunia. Foi para Áries, mas não dormiu. Passou a noite em claro, acordado, mirando estrelas.
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Comentários & Agradecimentos:
Nana: Oh, Nana, querida! Você não precisa ter palavras! Afinal, você lê sempre tudo que eu escrevo com antecedência e mais do que isso, participa da composição sempre me dando uma força! Oxalá todo mundo tivesse um leitor querido assim, que ainda por cima, escreve bem pacas! Beijos, querida!
Gemini-sama: É, Muzinho safadinho, sim. Mas ele sofre, coitado! Ô homem complicado esse virginiano!
Eloarden Dragon: oi! Você não precisa se desculpar, antes tarde do que nunca! Espero que você goste da fic e continue gostando dela até o fim! Beijos!
Mikage-sama: brasiliense meiga! Sim, continuo! Olha aí mais um capítulo grandão! E esse chio de Muzinho e Shakinha sim! Nada de terceiros!
Ia-Chan: É, filhinha! O Mu de santo só tem a cara! Pura sou eu! Mas você disse bem: quem resistiria a ser consolado pelo belo Aioria? Mas nesse cap, só deu Shaka!
Mo de Áries: eu sei que deixá-los separados é uma crueldade sem tamanho, mas nesse capítulo, pelo menos, vamos ter o gostinho de ver os dois mais 'pertinho'!
Lola Spixii: Sensei já teve acesso a área vip, lê tudo com antecedência ainda comenta em real-time! Quem pode querer uma sensei melhor?E lamento: para Muzinho SÓ Shakinha!
Ufa!
Bélier, obrigada pela lembrança gentil no seu blog! Seus comentários são muito importantes; muito da composição do meu MuxShaka se deve ao imaginário que coletei lendo suas fics. Vera ( eu sei que você está aí! ), obrigada pelas leituras silenciosas! E a todos que lêem, um abraço e obrigado pela atenção!
