Disclaimer: Os personagens libidinosos e deliciosos de Saint Seiya são propriedade do Tio Kurumada. Portanto, tudo o que produzo utilizando os personagens originais dele são objetos de mera diversão e não têm fins lucrativos de espécie alguma. Os personagens, nomes e enredos originais dessa fic, mesmo não sendo de grande valia, me pertencem, contudo.

Comentário Pessoal: Caramba, depois de um fim de semana sem postar ( problemas técnicos de ordem emocional... ), aqui estou com outro capítulo da reta final de Incenso e Vela. Capítulo que me deu trabalho, mesmo o miserável já tendo sido escrito há séculos, mas eu caí na esparrela de revisar o texto e aí... bom, o resultado vocês conferem! Beijos!


Incenso e Vela

Capítulo 13

Inefável & Nefando

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O nascer do sol daquele dia fora particularmente belo. Mu acordou, o braço de Shaka estendido sobre seu peito, o corpo loiro enroscado no seu. Abriu os olhos e viu o resplendor de Apolo, em seu carro cruzar o céu: o astro rei invadir o firmamento.

Estava feliz.

Estava estupidamente feliz. Levantou-se para ver o nascente, com lágrimas nos olhos. Nunca tinha visto um sol nascer tão bonito. Tremia tanto de emoção que teve de se sentar para melhor admirar o espetáculo natural.

Foi até o altar budista que Shaka mantinha em Virgem. Não era bem o altar que queria, tudo que desejava era ver Brahma... ou mesmo a cabeça de elefante de Ganesha. Seus deuses... mas não tinha tanta importância – faria uma homenagem a eles no altar de Buda. Acendeu as velas e os incensos. Pôs frutas e copos d' água frente ao altar. Eram oferendas bem aquém da grande alegria que os deuses incutiram em seu coração, mas era melhor do que nada. Eram sinceras. Sorriu para o pequeno Buda dourado de Shaka. Muita adoração merecia também o deus que protegia sua querida criança dourada. Acendeu uma vela e um incenso para Buda igualmente. Por Shaka.

Banhou-se e vestiu-se como a muito não fazia, com a túnica longa e açafrão dos swamis de Ramakrishna; quando era criança, adorava provocar Shion dizendo-lhe que não queria ser cavaleiro de Athena, mas um swami – alguém que vivia apenas para procurar iluminação espiritual. Um dia, comprando a brincadeira, Shion admitiu que ele seria um melhor swami do que cavaleiro e que ele ia começar já a prepará-lo para tal. Deu-lhe a túnica açafrão e proibiu que lhe dessem comida ou mesmo que ele dormisse nas casas zodiacais: um swami dorme no chão, ao relento, sem se pentear ou banhar.

Depois de uma semana comendo apenas o que lhe davam ( e, óbvio, Shion instruíra todos que lhe dessem apenas o mínimo necessário para que não morresse de fome ), dolorido de dormir ao relento, gripado, de pés sujos e piolhos no cabelo, Mu admitiu para Shion que, talvez, não fosse tão bom ser um swami.

"Ora, Mu, você sabe que só sentiu as privações porque não meditou o bastante. Um verdadeiro swami saberia viver nessas condições por anos sem se importar. Você será um grande cavaleiro. E como tal, aprenda a respeitar os homens que vivem com privações. Suas privações serão de outra ordem. Quando chegar o dia, saberá."

Mu entendeu que, um dia, seria privado de coisas talvez mais importantes do que comida quente e cama macia. Agora, mais velho, começava a entender o que Shion dizia. Um cavaleiro tem privações emocionais e morais. Ele mesmo, vivera muitas. E, provavelmente – a idéia lhe correu como uma pequena e incômoda nuvem – as provações seriam piores daqui para frente... afastou veementemente essas idéias tristes. Não queria estragar a belíssima manhã com a qual os deuses o mimoseavam depois de uma noite tão doce com Shaka. Enfeitou os punhos com as pulseiras de Bombaim. Perfumou-se com essências de cedro e almíscar. Estava radiante. Pela primeira vez em anos olhou-se no espelho e achou-se bonito. Não era uma beleza esfuziante como Afrodite, mas era um homem bonito também. "Ah, meu Shaka... até isso você me deu..."

Não acordou o virginiano. Calçou as sandálias de couro para sair e chamar as virgens. Estava com vontade de repetir um daqueles memoráveis e felizes desjejuns que ele conheceu com Dohko e Shion. Quando dormiam juntos em Libra ou Áries, o casal permitia-se a presença do pequeno Mu. Mesmo quando pediam a criança que ficasse em outra casa, ele sempre podia fazer a primeira refeição do dia com eles. Eles estendiam as longas mantas hindus sobre o chão, sobre elas, a bandeja rasa de bambu. No centro da bandeja, o chá de Dohko e o leite de cabra que Shion dizia ser o segredo de sua pele de veludo. Em volta das bebidas, frutas, um pote de mel e o prato de queijo. Eles comiam com a mão e o pequeno ariano tinha permissão para beber do chá do chinês e do leite de seu mestre; era das suas lembranças mais caras. O silêncio das manhãs, eles todos nus, aquele ar de imensa liberdade segurança que ele só sentia ali, entre eles. Sua mente vagou livre, para suas memórias daquela manhã fria, fria... tanto tempo!

0o0o0o0 FLASHBACK o0o0o0o0

– Mu, querido, apanhe a coberta, está frio hoje.

– Você sempre mimando demais essa criança...

– Ora, Dohko, deixe o menino em paz!

– Toma, Mestre. A sua manta vermelha, a manta verde do mestre Dohko e a minha... cadê a minha, mestre?

– Ah, Mu... esqueci... esqueci sua manta em Star Hill...

– Eu trago ela, quer ver?

Dohko riu para Shion.

– Traga então, Mu.

A pequena criança sentou-se, concentrando seus esforços; enquanto isso, Dohko, de frente para Shion, cobria sua nudez com a manta verde, o ariano fazendo o mesmo com sua manta vermelha. Não demorou muito, entre eles, surgiu um pequeno volume: era a manta branca bordada em dourado de Mu. Ele a teletransportara até Libra.

– Agora, me dê a manta, sente-se aqui, venha, se cubra, Mu... está frio demais hoje...

Mu sentou-se no colo de Shion, enrolado na sua manta branca e dourada. O mestre o apertava e ajudava a enrolar a manta.

– Está quente agora?

– Sim, mestre.

– Pode se servir então.

Começaram a comer silenciosamente. Mu mordiscava a maçã que pegara, enquanto Dohko tomava seu chá e Shion bebia seu leite.

– Mestre Dohko, posso comer um pedaço do seu queijo? – a voz doce de Mu era encantadora.

– Claro que não. Você é muito novo. Um queijo desses não é para um menino.

Era Tofu, na verdade.

– Só um pedaço, Dohko, não seja miserável.

– Não. – o libriano divertia-se com a provocação de Shion. – Se ele quiser mesmo...

– Ouviu isso, Mu? Esse libriano velho quer ver se você pode pegar o queijo... mostre para ele!

Mu estendeu o dedinho, em um sinal que fez o quadrado de tofu deslizar até ele.

– Telecinese? Mas que criancinha folgada! Devolva meu queijo! – Dohko tirou o queijo facilmente dos dedos úmidos de Mu.

– Mas que violência! Mu! Reaja! – brincou Shion.

– Pode?

– Claro, eu autorizo você a tirar esse tofu do rabugento do Dohko... já comeu demais mesmo...

– Ah, não! Dois telecinéticos do mesmo lado é covardia! Vem para cá, ariano... – puxou o braço de Shion, até acomodar o amante entre suas pernas, despindo-o da manta vermelha e envolvendo-o num abraço junto com sua própria manta.

– Viu, Mu? Agora eu jogo do lado do inimigo...

– Será a Saga do Tofu.

– Que seja... – brincou Mu. Apontou para o tofu forçando o queijo a vir até ele. Shion interrompeu a trajetória do queijo com seu poder. Dohko observava, cheio de ternura, o duelo doméstico dos dois arianos pelo pedaço de tofu. De repente, sentiu o cosmo de Mu elevar-se anormalmente. Era natural, ele era muito criança para saber conter seu poder, mesmo em uma disputa de brincadeira. Sentiu também o cosmo de Shion erguer-se perigosamente, como se o ariano realmente disputasse a posse telecinética do queijo. A tensão cresceu de tal maneira que só acabou quando Shion, duro e pálido recostou-se em alívio contra seu corpo pedindo a Mu que apanhasse meias – tinha os pés frios.

Quando o menino se afastou para dentro dos aposentos de Libra, saltitando com o queijo na boca, o ariano voltou os olhos para o amante e sussurrou: 'eu quis e não pude tirar o queijo dele, Dohko! O cosmo dele bloqueou o meu...'

0o0o0o0 FIM DE FLASHBACK o0o0o0o0

A intimidade quase conjugal do pequeno Mu com as mais altas esferas do poder no Santuário era constante assunto de debates e deboches. Entre os mais velhos, causava escândalo que Shion vivesse uma vida de 'jovem esposo' com Dohko e que ambos tratassem Mu como um filho. Era escandaloso, eles diziam, que uma criança fosse coberta de privilégios, que a um pequeno aprendiz fosse permitido o livre acesso às casas zodiacais, à fortaleza de Star Hill e até mesmo que lhe fosse garantida presença em rituais muito secretos aos quais apenas Shion e Eurethalion podiam comparecer.

Entre as crianças órfãs e criadas em bandos por poucos mestres, era inconcebível que um menino tivesse uma 'família', um mestre cavaleiro de ouro ( privilégio que só Aioria desfrutava por ser irmão de Aioros ), uma morada longe dos dormitórios isolados na precária vila dos aprendizes. Enquanto se alimentavam de pão, leite e frutas, em pratos de porcelana cozida grosseira, sabiam que Mu comia nos pratos dos cavaleiros de ouro e que ele compartilhava da mesa onde os anciões se serviam nos banquetes de Star Hill.

Para o pequeno ariano, a contradição se converteu em comportamentos distintos que ele logo aprendeu a observar: ou o bajulavam em excesso, buscando vantagens da sua proximidade com o grande mestre; ou mesmo o hostilizavam frontalmente – com piadas, com escárnio, isolando-o, ignorando-o.

Dohko se queixava sempre com Shion sobre os mimos de Mu e de como o pequeno era agarrado em demasia ao mestre, de como estava sempre procurando aconchego junto a eles dois e de como a criança estava sempre junto deles. Foi com dor que, tanto Shion quanto Dohko, perceberam que o pequeno se achegava a eles por falta de opção: no santuário ele era claramente excluído. Os meninos sentiam-se traídos na presença do tibetano que além de ser estrangeiro, era preferido pelos mestres – mais até do que Aioria, uma criança também bastante estragada pelo excesso de zelo do irmão mais velho, Aioros, um rapaz de pouca idade mas de grande fama.

Sem ter a quem recorrer, Mu circulava perigosamente entre Saga, Kanon, Aioria e Aioros. Mas mesmo assim, não era o bastante... Aioria e Aioros eram irmãos, bem como Saga e Kanon. Ele era o único a quem laço nenhum prendia e sempre acabava sobrando quando treinamentos eram feitos em dupla. Assim, ele voltava sempre seus olhos esverdeados para o mestre a quem considerava como pai e a Dohko, a quem também amava como um pai.

Dohko, percebendo o que se passava, repreendeu Shion novamente por mimar Mu em excesso, aconselhando-o a deixar o menino tentar fazer amizades por si só. Shion, ao contrário, incentivava Mu a manter-se cada vez mais isolado, repetidamente dizendo-lhe que era um 'príncipe' e que não precisava da companhia de quem quer que fosse que não gostasse dele. Criado então entre a vontade de estar junto dos outros e o desejo de isolar-se sempre, Mu tornou-se um jovem com um estranho senso de piedade e carinho para com todos, mas distante. Normalmente acusavam-no de esnobe e de evitar a companhia dos outros por soberba – como se algum dia algum deles o tivesse desejado por amigo sem algum interesse. E mesmo anos depois da morte de Shion e da ida definitiva de Dohko para Rosan, ainda era para Mu que a maioria dos olhos se voltavam quando falavam no antigo mestre, na armadura de Áries.

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Atravessou Virgem ,com as belas sandálias de couro, quando ouviu Shaka chamá-lo.

– Onde vai?

– Buscar algo para comermos. – abaixou-se até a esteira no chão e beijou a boca fina e rosada que se oferecia para ele. Shaka segurou-lhe as mãos.

– Mu, sou o mais bem-aventurado de todos os homens sobre a terra... e por sua causa...

– Bem aventurado sou eu... que sobrevivi ao golpe de Shaka de Virgem e consegui beijar essa boca maravilhosa...

Shaka sorriu suavemente.

– Não demore... já sinto sua falta ao meu lado.

– Volto já... continue dormindo. Descanse. – beijou-o novamente e saiu.

Deitado, vendo o sol despejar-se por cada brecha que existisse na casa de Virgem, Shaka pensava consigo sobre a imensa felicidade que se apossava dele então. Não, aquilo não era como um nirvana... o nirvana era o vazio absoluto, a privação de todo o sentimento, uma paz limpa, inodora, incolor. Aquilo que sentia era não era vazio nem paz: era plenitude. Um sentir que o preenchia, um amor que doía quando respirava, uma dor deliciosa, uma chama que ardia dia e noite, um manancial de águas claras correndo dentro de si sempre, lavando-o e renovando-o a cada segundo. Uma euforia seguida de uma golfada de lágrimas e de mais euforia e uma avalanche de vontades que jamais tivera urgindo dentre dele: vontade de ver muitos poentes, e de tocar todas as flores e de gozar todas as estrelas de um céu estrelado, e de banhar-se nos mares e comer chocolate e beber conhaque... chorar de felicidade junto ao peito de Mu... tudo junto, tudo antagônico. Compreendia bem porque Buda era tão cauteloso em relação a este sentimento: ele era o caos absoluto...contudo, não era o caos absoluto a própria essência e natureza do universo? Então, que maneira mais fácil de perder sua individualidade e entrar em contato com os deuses do que deixar-se perder pelo caos do amor? Respirou fundo, sentiu o perfume de alecrim e lavanda – para ele, os eternos cheiros de Mu – até seus pulmões não suportarem mais. Uma suave brisa mexeu suas franjas. "Oh, Buda... como sou feliz... sou imensamente feliz, sou todo felicidade! É possível ser tão feliz de uma única vez? Talvez não seja correto... mas é assim que sou... e haverá mais amanhã e depois de amanhã... e mais daquele corpo junto ao meu... para sempre... "

- X -

– AIORIA! – Mu avançou contra o Leonino e voou no colo dele, abraçando-lhe a cintura com as pernas. Tamanho foi o entusiasmo e a surpresa do Leão, que ambos caíram pesadamente, Mu rindo com sua luminosa e sagrada gargalhada.

– Mu!

– FELIZ! Estou feliz! – deu-lhe um arrebatado beijo na testa.

– Mu, precioso falar com você.

O sorriso do rosto do ariano sumiu. Aioria não era um bom ator. Estava sério. Demais.

– O que houve?

– O Mestre acha que sua armadura está em Áries. Ele vai mandar chamar você em Star Hill e quando você estiver lá, vai mandar que revistem a primeira casa... dizem á boca pequena que ele planeja expulsar você como traidor... e se você resistir...

– Como assim? – Mu estava lívido qual morto.

– Ele quer a armadura de Áries. Todas as armaduras estão lá em Star Hill, exceto a do cavaleiro de Libra. Mas o cavaleiro de Libra está vivo e é considerado desertor. Já o de Áries...

– Está vivo e sou eu!

– Mas ele não pensa assim.

Levantou de cima de Aioria imediatamente, ajeitou a túnica.

– O que vai fazer, Mu?

– Não vou esperar que fale comigo. Eu mesmo falo com ele!

Desapareceu na frente dos olhos do Leão.

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– Você queria me ver. Aqui estou.

– MU! O que faz aqui? E vestido... vestido...

– Vestido como o Grande Mestre? Mas é isso o que EU sou.

– Maldito!

O mestre avançou pela sala em surto de raiva. Antes que Mu pudesse se mexer, ele o derrubou no chão, caído sobre ele de forma a imobilizá-lo. sentiu as mãos puxarem seu cabelo, o hálito junto da sua orelha e uma lágrima cair, perto dos seus olhos.

"αδελφός !"

– Você... você... – gemeu Mu. Claro. quem mais poderia ser? A voz do mestre aos seus ouvidos, entre soluços entrecortados de lágrimas. O corpo sobre os seu tremia violentamente.

– Mu... se arruma... vamos ao circo hoje... lembra?

O ariano arrepiou-se todo. As lágrimas vieram aos seus olhos sem que pudesse evitá-las e todo ódio e confusão da sua mente se esvaziavam com a amena lembrança dos seus dias tão tranqüilos. Adorava ir ao circo... com ele...

– Não posso... Shion vai me castigar se descobrir que fugimos...

– Não, Mu... ele deixa... o Aioros vai comigo... o Aioria também... vamos? Nós quatro?

– E o...

– Não! – a voz soluçou com mais força. – Ele não! Ele quer tirar ele de mim... invejoso! Aioros é meu... meu... meu, Mu... vamos...

– Por que? Por que você? E eu? Por que nós?

Saiu de cima das costas do ariano. Caído, no chão, as veste enroladas sobre seu corpo, o cabelo azul espalhado sobre o chão. O tom infantil da voz que trazia em si as lembranças de um tempo tão melhor cessaram. A realidade o esmagou com a força de uma rocha. Não... não tinha mais doze anos... e não! Nunca mias iria ao circo com seus amigos ou com o pequeno Mu... nunca mais. Nunca mais seria ele. Aquelas lembranças felizes sequer lhe pertenciam mais. Virou-se para Mu e respondeu-lhe a pergunta:

– Nosso destino, irmão. Nosso destino... – o choro voltou a embargar sua voz. – Por que não me matou quando teve chance?

– Matar você! – segurou o pescoço do outro entre seus dedos brancos. – Eu não tinha motivo!

Ele te avisou.

– Ninguém nunca acreditou nele.

– Mas ele falava a verdade!

– Desgraçado! Como você consegue viver? Como consegue dormir? Devia ter te matado!

– Acha que eu vivo? Com o sangue dele em minhas mãos? Dele? A quem eu... amava...

– E o sangue do meu mestre, seu maldito!

– Ele sabia! Sabia que ia ser assim! Você e ele são culpados, tanto quanto eu! Por que não me pararam? Por que? Teria sido tão fácil!

– Como você fez com ele? Acha que algum dia Shion faria isso?

– Devia ter feito! Estaria vivo... e ele também...

– Athena... Athena não está lá, está? Você também a matou, seu maldito?

– Não, ela está viva... se não fosse assim... eu acho... o santuário teria entrado em colapso... os sacerdotes sentem o cosmo dela... se estivesse morta... acho que saberiam. Você sabe, Mu! Eles saberiam, não saberiam?

– Não sei!

– Desculpe... desculpe...

– Por que?

– Eu não sei! Eu... simplesmente... eu me tornei eu! Não sei porque e também... que diferença faz?

– Maldito! – segurou o pescoço novamente, com mais pressão. Tão fácil matá-lo! Por que não podia fazê-lo? – E se eu te matasse agora, hein? Podia te matar!

– Se não fizer... – gemeu, a pressão dos dedos aumentando em torno de seu pescoço. – Eu matarei mais...

– Desgraçado!

– Mas...

– Não fale!

– Édipo... Édipo...

– Não! Não!

– Somos como Édipo, Mu... não se foge do destino... – desvencilhou-se das mãos de Mu facilmente, porque o ariano estava tão fortemente abalado e soluçava tanto, que mal continha-se. – Sabe que vamos fazer como ele: andaremos, andaremos... sempre sobre nossos pés... sem lugar para fugir... o destino nos perseguirá até o inferno! Por que acha que Shion não me matou? Ele sabia!

– E então... tudo em vão! Tudo em vão! E justo você! Que eu amei como a um irmão! Os deuses não se cansam de serem irônicos comigo! O que mais nos faltará?

– Mu, vá embora! Vá embora porque eu não sei por mais... por mais quanto tempo... eu... eu não vou ser eu... – passou os dedos sobre o rosto do outro, secando suas lágrimas.

– Me mostre seu rosto! – exigiu, furioso.

O mestre abaixou a cabeça. No fundo do seu coração desejou enormemente que Mu o matasse. Ou que ele visse o seu rosto. Tocasse nele. Então, talvez, por mais algum tempo pudesse ser ele... ou o ele que achava que um dia tinha sido; tirou a máscara lentamente. Os cabelos jamais cortados caíram sobre os olhos azuis, a franja longa demais cobriu-lhe o rosto.

– Irmão... eu sinto muito...

Mu tomou-lhe o rosto entre os dedos e beijou-lhe a testa, abraçando-o.

– Que os deuses tenham piedade de você... e de mim por deixá-lo viver...

Levantou-se, ante o olhar do mestre sentado, ajeitou-se com sua belíssima túnica de grande mestre.

"Shion, você deixou-a para mim... para este dia... para aumentar o prazer do deboche dos deuses! O mestre que jamais deveria ter sido e é; e o mestre que sempre deveria ter sido mas jamais será. Que ironia... que doce ironia trágica..."

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Teletransportou-se para fora de Star Hill. Sabia que só voltaria a pisar ali depois de muito sangue ser derramado. Pensou em quanto sangue seria derramado então se ele, naquele momento, decidisse por matar o falso Mestre... mas de que adiantaria sujar suas mãos de sangue? Haveria rebelião, tragédia. E quem ia responder pela Athena que não estava lá? Se o santuário já vivia uma frágil ordem artificial imposta pela suposta presença da deusa lá, o que aconteceria se soubessem que ninguém os governava? Não. Era o fim de uma era o que estava vendo, degradação sua, dos que amara um dia.

Sentou-se no chão perto de uma pequena árvore. Chorou baixo. Não havia desespero ou mesmo dor em seu choro, só um fria conformação. Sentiu como se de repente estivesse sentado sobre o eixo do mundo, um vórtex de força análoga e ele, no meio do mundo, livre de todo o tempo ou ilusão dele, flutuando em uma dimensão mágica onde todos os tempos e momentos da sua vida eram concomitantes, acontecendo ao mesmo tempo, presentes, a balbúrdia da sua infância e sua adolescência caótica se repetindo e acontecendo em círculos diante dos seus olhos turvos e no meio de toda aquele pandemônio, uma mulher de túnica negra e cabelos da cor dos seus apareceu, resplandecente de jóias de ouro, vindo em sua direção; cacos de uma jarra que continha todos os mistérios da vida entre seus dedos úmidos de remorso, sua túnica manchada de pó de felicidade, atravessando uma floresta escura de folhas de todos os sorriso que um dia dera na vida. Dos olhos dela uma lágrima, ela perdida nas folhas e ele divisou a claridade de ouro dos cabelos de Shaka entre tudo. E viu nele a sua vida toda, as mãos culpadas da mulher, os olhos de Shion, os cabelos curtos macios de Aioria, as lágrimas de Saga, os crimes de Kanon, a revolta de Dohko, os mortos, os vivos, os tempos, as coisas, como se Shaka fosse o depositário final de tudo que lhe faltava e tinha acontecido. Compreendeu, com um deslumbre extático que Shaka, bem ou mal, era seu destino. Não escaparia dele – nunca. Os cacos da jarra estavam nas suas mãos frias, mas o pós da felicidade brilhava nos seus cabelos loiros, os mistérios cobriam o corpo dele como uma túnica. Levantou os dedos para tocá-lo. Uma nuvem cegou-o.

Estava sentado na pedra, cercado de borboletas.

"Brahma! Tive uma visão... o que os deuses querem me dizer com isso? Que Shaka era o meu destino... mas disso já sabia... quem é mulher? O que ela representa?"

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Desceu as escadas. Estava mortificado com a visão, mas agora não havia tempo para tentar decifrá-la. Encontrou Aioria, pálido como um fantasma, esperando por ele.

– Mu! O mestre mandou...

– Me matar, eu sei, estou indo embora! Você viu Shaka?

– Não.

– Ele ainda não deve ter saído de Virgem!

– O que aconteceu entre você e o mestre, Mu? – Horemheb chegou correndo.

As notícias correram rápido.

– É melhor que não se envolvam... por Zeus, Horemheb... faça-me um favor, um favor imenso!

Horemheb olhou-o de soslaio, como se estivesse perplexo por Mu ter tido coragem de achar que ele se importava com alguma coisa além de si mesmo.

– Jure-me, você e Aioria, e depois falem com Camus e Milo, jurem-me vocês, por mim, por Zeus, por Athena, pelo que seja lá a maldita coisa em que acreditem, não maltratem Shaka!

– Mu, eu acho que...

– Nada! Não quero desculpas, eu quero a palavra de homem, de cavaleiro que vocês são, quero a palavra de vocês que não irão provocá-lo, prejudicá-lo ou hostilizá-lo, em hipótese alguma e que velarão por ele em minha falta! JUREM!

– Mu, não seremos as babás do seu homem...

– Nem ele permitiria que você o mimasse, Máscara da Morte... só me prometa que quando voltar não o encontrarei morto por alguma doença ou odiado por todos vocês!

Pode ser. – Máscara da Morte aquiesceu sem muita convicção. Para Mu, aquilo já tinha um ar de promessa solene.

– Por que está todo vestido como grande mestre? – balbuciou Máscara da Morte.

– Você sabe porque. Porque eu sou o grande mestre.

– Você é maluco! Aquele homem lá em cima vai te matar.

– Não vai não. Já vem tentando há um bocado de tempo e não conseguiu... e não conseguirá agora. – ele deu um suspiro fundo. Não adiantava mais adiar... era a hora... de dizer adeus. – Vou até Shaka. Por favor... distraia os criadinhos do Mestre... ele não vai vir atrás de mim pessoalmente, mas vai mandar a gente suja fazer o serviço... só os atrase...

– Mu...

– O que foi?

– Não vamos perturbar Shaka.

Se não conhecesse bem o canceriano, iria até ele e o beijaria no rosto pela gentileza. Mas como sabia que ele seria capaz de socá-lo pelo atrevimento, limitou-se então a sorrir discretamente, não lhe dando grande atenção. Nenhum gesto de carinho seria mais significativo do que aquele 'não vamos perturbar Shaka'. E Mu sabia: era de coração.

Assim que Horemheb e Aioria sumiram de suas vistas, Mu ameaçou começar o teletransporte até Virgem, mas antes que pensasse nisso, a figura de Shaka surgiu diante dos seus olhos. Arrepiou-se todo: seu adorado virginiano estava lívido como se vestisse uma máscara de cera.

– Mu, o que houve? É verdade o que ouvi? Que você é um traidor e que vão matá-lo?

"Maldito Santuário! Tudo aqui espalha-se como fogo em palha..." pensou Mu, angustiado. Queria tanto ter sido o primeiro a falar com Shaka, escolhendo as palavras mais doces, sussurrando-lhe amorosamente ao ouvido que voltaria... mas nem esse privilégio teve! Agora ele já sabia! E, mesmo censurando-se pelo egoísmo mau de seus sentimentos, era com alguma satisfação que via um misto de desgosto e desesperança no rosto do indiano. O calado e orgulhoso Shaka sofria com a separação! Zeus! Ele não lhe era indiferente!

E ele, lêmure, espiritual e elevado, para quem palavras eram artifícios de pouca valia, viu-se, pela primeira vez na vida, desejando intensamente o prosaico do prosaico: um 'eu te amo' da boca de Shaka. Sabia que não ia ouvi-lo – com a clarividência triste que lhe desvelara os olhos para partes do futuro, mas apenas o desejo de ouvir uma declaração do seu amado já enternecia o seu coração, como se a voz de Shaka já lhe sussurrassem as palavras to desejadas...

– É... tenho que ir para Jamiel.

– Por quanto tempo?

Percebeu o tremor da voz dele.

– Não sei. Talvez para sempre. – abaixou os olhos evitando o amante.

Atônito, Mu presenciou a cena mais insólita de sua vida. O virginiano caminhou até ele, passos lentos, morosos, como se ele ainda estivesse se decidindo sobre o que fazer. Encostou sua testa contra a de Mu e escorregou lentamente, até cair de joelhos frente ao tibetano, cercando-lhe a cintura.

– Não... Mu... por favor... não me deixe... não vá! Não vá...

Mu também ficou de joelhos, cingiu o corpo querido, envolvendo-o com as mangas longas do manto de Grande Mestre, protegendo-o do olhar de terceiros. "Devo ir, Shaka..." – beijou os olhos fechados, molhados de Shaka. – "eu preciso... ou fico aqui para Ares me matar."

– Não... não... – ele soluçava inconsolável. – Eu o mato, Mu! Mato o mestre, mato quem ele mandou matar você... eu sou tão forte, você sabe que sou, eu os mato... ninguém vai tocar em você. Você não acredita? O meu cosmo queima em oito sentidos! Eu posso proteger você... para sempre... eu posso!

– Pssss... – deitou os dedos nos lábios do virginiano, imaginando se era humanamente possível amar Shaka mais do que o amava agora. – Não quero que se meta nisso, nem que desafie o mestre, nunca... a menos que... ele se prove indigno. Até lá, não o desafie. Jura que não vai se meter?

– Mu... Mu... – Shaka levantou a cabeça em fúria. – Seu infeliz, amaldiçoado! – avançou contra Mu com débeis socos e tapas. – Por que? Por que? Por que você tinha que... por que fez isso comigo? Por que? Se divertiu? Você se divertiu, demônio? - em um arroubo que Mu não esperaria sequer de Milo de Escorpião, Shaka deu-lhe uma bofetada tão forte que ele caiu. Não foi o bastante – o virginiano sentou-se sobre ele, agarrando-lhe o pescoço alvo com as duas mãos.

– Desgraçado! Eu devia ter te matado! Você não morreu com meu golpe... e viveu para me apunhalar pelas costas! Maldito seja! Devia ter te matado, devia!

A acusação muda: "por que me fez amá-lo, se sabia que teria que me deixar?"

– Shaka... – deslizou os dedos pela pele branca, arrepiada do virginiano. – Eu te amo.

O loiro finalmente soltou seu pescoço. Compreendendo bem a derrota moral que tinha tido, Shaka desabou a cabeça no peito coberto pelo manto do grande mestre.

Mu... Mu...

– Nunca passou pela sua cabeça de monge que eu também não pude evitar tudo? Shaka! Eu não pedi por isso... eu jamais seria tão ambicioso nos meus pedidos aos deuses...

O rapaz esfregou a pele branca contra os colares de contas coloridas, signos de distinção do Mestre do Santuário.

– Então faça você uma mandinga lêmure para parar essa dor! Estanque minha dor como estancou o joelho daquele homem! Se é que ele pode parar de sangrar...

– Amor, amor... não faz assim... Shaka, por Brahma, não chore desse jeito, não faz assim senão não vou conseguir sair daqui! Não vou poder te deixar se souber que você vai ficar assim quando eu virar minhas costas...

– Mu... – a voz era tão baixa, mas tão baixa, que se Mu não estivesse com a cabeça dele apoiada sobre seus ombros, não o teria ouvido. – Como vai viver sem mim?

Mu enxugou as lágrimas.

– Não vou, amor. Sem você não vou viver...

– Me leve com você, Mu... – os lábios de Shaka beijavam seu pescoço, terna e apaixonadamente. – Me leve... em seus braços... para onde você for... não importa onde.

– Não posso levá-lo... sua armadura está com Ares...

– Que me importa?

Mu trouxe imediatamente os olhos do outro ao alcance dos seus.

– Importa tudo! Sua armadura e sua missão são sua vida! Eu não! Eu sou um acidente! Você é o homem mais próximo de Deus, Buda lhe dará consolo... – havia uma farpa de mágoa em sua voz. – Você esquecerá de mim... logo... sua dor se extinguirá.

– Mu...

– Shaka, eu vou voltar... um dia... eu juro! – voltou os olhos fervendo de ódio para Star Hill. O maldito lhe tirara tudo. Até o gosto de viver. Se tivesse lhe atingido com um golpe, não doeria tanto em sua alma como ver Shaka de joelhos, com o rosto banhado em lágrimas, fraquejando naquilo em que sempre fora forte. Podia suportar tudo, menos aquilo.

– Mu...Mu... Mu... preciso dizer seu nome mil vezes para acreditar que ainda não foi embora... – soluçou. – Mu... eu estava tão feliz... só nascemos para sentir dor... quanto mais felizes somos, mas duramente somos punidos... tão feliz eu estava e tão cedo os deuses me castigaram...

– Não é verdade, querido, não é! Você é um homem pelo qual se vale a pena viver ou morrer... não me arrependo... a dor que sinto agora é mínima... nada comparada à dor de se viver sem ter alguém como você para amar. Amar você salvou minha vida... e eu vou voltar... me beije, Shaka... eu sentirei tanta falta de você!

Shaka ergueu o rosto de Mu, soprando-o docemente, vendo a pele do ariano arrepiar pelo seu hálito quente. Encostou seus lábios nos do ariano, um beijo rápido. Instintivamente, Mu entreabriu os lábios, umedecendo-os com a língua. "Isso, mesmo, meu menino celeste" suspirou Shaka "gosto deles assim: molhados, brilhando..." Voltou a beijá-lo, deixando sua língua deslizar suavemente dentro da boca que lhe era oferecida. Mu arrepiou-se todo ao sentir o cosmo de Shaka erguer-se aquecendo-o por dentro, amolecendo seu corpo todo. Ergueu seu cosmo também, as energias douradas se encostaram, provocando faíscas de ouro, como se quisessem fundir-se. O beijo e as carícias eram cada vez mais intensas, até o ariano tomar a iniciativa de se soltar de Shaka – teve medo da força dos cosmos que começavam a arder fora do controle de ambos: Mu já sentia a sua própria pele queimar, como se não conseguisse mais reter aquela força.

Quando seus lábios se descolaram, Mu ofegava, buscando ar; percebeu que também ele começava a fraquejar, sua cabeça girando em um turbilhão, o pensamento de morrer nos braços de Shaka não lhe parecia mal... mas não, não era desse tipo. Jamais faria isso consigo mesmo e muito menos impingiria esse sofrimento desnecessário a Shaka. Levantou os olhos úmidos e percebeu, pelos movimentos do chão e os barulhos no ar, que uma horda de homens de Ares descia para matá-lo. Poderia derrotá-los, mas isso deflagraria uma guerra no Santuário, obrigando todos os cavaleiros de ouro a tomarem posições... e isso era a única coisa que não queria.

Abraçou Shaka com mais força, desesperadamente beijando-lhe o rosto mimoso, os braços, o pescoço, entremeando os beijos com sussurros de 'eu te amo', que Shaka, molinho e abandonado em seus braços recebia imóvel, entre soluços secos de lágrimas que já não vinham mais. Mu, penalizado, viu que Virgem não mais chorava de tristeza – ele estava assustado, atônito, hirto em seus braços, os lábios secos e esbranquiçados, mãos contraídas; era como se tivesse sido vítima de um golpe e estivesse em estado de choque.

Culpou-se, pela milionésima vez, por ter desvirginado aquele coração de anjo sem pedir licença... Zeus! Como foi irresponsável! É claro que ele não estava preparado para amar – e muito menos para sofrer de amor... respirou fundo. Passou os dedos por dentro da túnica de Shaka, fazendo cócegas sob seu braço branco. Aos poucos, as cócegas fizeram efeito, o virginiano começou a rir timidamente, entre algumas lágrimas.

– Ria para mim, Shaka... ria...

– Não consigo, Mu.

– Seu sorriso é tão bonito... você tem dentes brancos e pequenos.

– Só rimos quando estamos felizes, Mu.

– Shaka... criança...

– Mu! Foi minha culpa!

– O que foi sua culpa, querido?

– Eu não devia... ontem... estamos sendo punidos! Você não vê? O chicote dos deuses lambem nossas costas até nos envergar de dor... porque desafiamos os deuses! Só nascemos para sofrer, Mu! Fomos felizes demais e de uma vez só... agora estamos pagando!

– Shaka... isso não é verdade! Nenhum deus nos puniria por nos amarmos!

– Então o que é isso? É um prêmio? Estamos sendo agraciados com a perda um do outro?

– Não seja tolo! Não estamos nos perdendo... é uma separação breve... logo estaremos juntos...

– Logo! Logo quando? Mu... depois! Você não vai poder voltar ao santuário tão cedo... eu esperarei por você, não tenha dúvida! Mas e você? Você vai voltar quando a guerra começar! E nós teremos de esperar a guerra acabar... e se sobrevivermos! E uma guerra nunca acaba de vez! Sempre haverá outra e outra... Nunca teremos tempo para nós! Nunca, Mu! Você sabe! Você viu!

– Eu não vi isso, Shaka! – protestou em lágrimas.

– Viu! Me diga: morreremos jovens, não? Você viu! Ainda devíamos ser muito jovens!

– Não vi nossos rostos... – mentiu o ariano.

– Você jura?

– Juro.

Shaka olhou para os olhos de Mu, turvos de dor. Sabia que ele mentia. Mentiria ele também, fingindo que acreditava. Pela primeira vez, viu-se pensando em proteger Mu. Mentir para protegê-lo.

– Mu... você vai voltar? Para mim?

– Eu nunca sairei de perto de você! Não somos como os outros, Shaka! Estaremos sempre juntos, não importa a distância... vem... vamos, eu tenho que ir...

Mu levantou-se e ajudou Shaka a se levantar, descendo com ele até o portão das Arenas baixas. A partir dali, começava a Grande Vila e o Mercado, que cercavam toda a construção do Santuário e eram os limites da fortaleza com a cidade moderna. Dali, era o adeus.

Chegou até o portão, para onde caminhara de braços dados com Shaka. Reparou que, mesmo à muita distância, Horemheb os seguia. Seu coração teve um ligeiro momento de alívio. Máscara da Morte estava lá para protegê-lo, tinha certeza. Segurou o rosto de Shaka entre os dedos, na mesma busca inútil do dia do cinema: apreender os traços do rosto que tanto amava em seu coração.

– Mu...

– Fale, amor...

– Quero que leve uma coisa com você... – ele desenroscou o longo rosário das mãos. – Quando eu tinha três meses de nascido, houve uma epidemia na vila... eu fiquei muito, muito doente, meningite. Os monges acharam que eu fosse morrer... então eu acordei um dia com este rosário enrolado no meu corpo... e eu sobrevivi... Buda mesmo o teceu para mim, para que meu corpo humano e frágil fosse protegido de todas as enfermidades e perigos. – ele o pôs no pescoço de Mu. – Leva-o. Que ele proteja você... e... que você se lembre de mim...

– Shaka... não... não precisa... prefiro que fique com você. Meu coração ficará em paz sabendo que você está protegido.

– Já não há nada que possa me ferir, Mu. Apanhei tanto que estou dormente.

– Não fale assim... não fale... sabe o quanto eu sofro quando me diz isso? Preferia ter morrido no dia da luta!

– Cale a boca, Mu! – Shaka sacudiu Mu pelos ombros – Além do mais... não lhe dei o meu rosário... é um empréstimo temporário... sei que é o mais honesto dos homens... e morreria para me devolvê-lo... vai ter que me devolver ele, Mu! E só o aceitarei se for trazido em mãos, escutou? Eu o quero de volta... prometa-me que o trará de volta?

– Eu vou voltar... amor, eu juro que volto...

– Escute! – ele o segurou fortemente pelos braços – Não se atreva a fazer comigo o que Shion fez com Dohko!

– Não... nunca!

– Eu quero que volte, vivo! Não como uma sombra fantasma! Mu, seu maldito! Se você morrer eu vou ao Hades te buscar... não se atreva! Não se atreva a não voltar!

– Eu volto! Eu volto do Hades... de onde for... eu volto!

– Mu... por Buda... cuide-se... você é meu único ponto fraco.

O ariano impacientou-se consigo mesmo. Como era idiota esperar uma declaração de amor verbal do virginiano, se ele estava ali, entregue, todo seu! Quantas palavras precisava para corroborar a paixão dos beijos que trocaram, o calor do corpo ele sobre o seu, a singeleza do presente que ardia em seus dedos, aquele rosário tecido por um deus para seu mais querido pupilo? Era ridículo mesmo empobrecer seu amor por conta de três palavras que não faziam diferença! Sabia que Shaka o amava – sentia.

Segurou o indiano de frente para si e abriu as pálpebras queridas até ver o brilho azul dos grandes olhos, com cílios grossos.

– Eu te amo. Não se esqueça nunca. – beijou-lhe os olhos. Ciumentamente, acreditava que aqueles lindos olhos azuis eram só seus... estavam fechados para o mundo. Mas abriam-se para ele... – Não interessa o que digam de mim ou o que eu faça. Posso ser a mais suja das criaturas, mas amo você.

– Me beije na boca, Mu, por favor.

Mu beijou-o suavemente, mas Shaka não permitiu que o deixasse. Seus dedos longos e frios seguraram o manto escuro do mestre, sua língua prendia de Mu junto a sua. O ariano desejou que aquilo fosse eterno. Mas não era. Era efêmero, era um flor – que fora colhida, e agora morria, murchava, como aquele beijo, que morria na sua boca, talvez o último. Conseguiu, com muito custo, soltar-se de Shaka, as bochechas rosadas do virginiano ardendo de mágoa.

– Adeus, meu amor...

Ia virar-se, mas as mãos firmes de Shaka o seguraram.

– Diga "até logo, meu amor", não adeus!

– Até logo, amor...

– Mu... eu não vou esquecer do seu gosto...

– Eu também não. – botou a mão sobre o peito. – Não se esqueça de que ele bate por você.

Shaka pôs a mão sobre o seu peito também.

– Não se esqueça de que ele bate para escutar o seu.

A horda de cavaleiros enviada por Ares postou-se de frente para o ariano. Afastou Shaka e os encarou, orgulhosamente, os trajes do Grande Mestre ficam nele tão altivos quanto ficavam em Shion.

– Dêem um recado meu ao Mestre Ares...

Seus punhos brilharam numa chama dourada e ele aplicou um Extinção Estelar. Tamanha a fúria do golpe que os corpos dos cavaleiros que o perseguiam foram encontrados jogados até perto da casa de Touro.

– Digam a ele, e quem interessar possa, que sei meus golpes muito bem.

Shaka subiu, em silêncio, entre os mortos, os feridos e os apavorados mercadores que habitavam a vila, até passar por Horemheb, sem encará-lo. Voltou calmamente para Virgem, com a imagem recorrente de Mu se desvanecendo, como uma nuvem delicada de pós dourado, no meio da sujeira do santuário, se teletransportando para longe. Para sempre, talvez. Nunca desejou tanto a voz de Buda como naquele momento. Ela não veio.

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Comentários & Agradecimentos:

Valkiriah: me perdoe! Eu não esqueci de você, mas na hora H eu peguei só os comentários do capítulo 11! Mas eu vi o seu review! Ah, você tem razão, Internet bichada, ninguém merece! Beijocas e boa sorte com sua conexão e suas aventuras de leitora de fis no colégio!

Nana: Nana-Chan! Minha ídola! Cada capítulo se superando mais e mais! Você me deixa muito contente com sua evolução como ficwriter e pela oportunidade de estar perto ( mesmo que só virtualmente ) de alguém tão legal quanto você, minha querida!

Bélier: dona moça, muito, muito obrigada por tudo. Além de ser uma 'Bíblia CDZ' ambulante, você ainda tem a generosidade de ser esse doce comigo! Obrigada, outra vez.

Ada Lima: Ada, futura aluna de Letras ( faço fé e recomendo! )! Mais um capítulo postado, já ultrapassamos a linha dos 100 ( ai... ai! ). O seu foi review 99! Que CHIQUE! Beijocas...

Ilia-Chan: Segredos revelados! Muzinho não precisa mais mentir para o Shaka... mas você tem razão: precisava ter um segredinho para ter uma boa reconciliação! Hehehe... beijocas!

Amy: Fada! Mais baby Hô para você hoje! Vive reclamando que eu não falo do baby Hô e não ponho aquele ítalo egípcio para trabalhar! Olha ele aí!

Hakesh-Chan: Não precisa ficar tão saltitante! Já estamos de volta com mais tragédias para vocês que gostam de ver meus anjinhos sofrerem... humpf!

Elindrah: Ahá! Pareceu a margarida! Que bom! Ah, sim... obrigada por tudo... não importa constância dos reviews ( tia Vê está velha para dar importância demais para essas miudezas! ) mas sim que eles sejam feitos de coração e de boa vontade quando a pessoa estiver a fim! Obrigado por aparecer!

Aniannka: Eita! Nem eu imagina a essa altura do campeonato aparecer uma leitora nova! Seja bem vinda e guarde lenços... esse capítulo também está muito 'choroso'... obrigada demais pelos elogios!

Ia-Chan: Pois é, chiliquinhos ciumentos do Shaka.. justo ele que joga duro na retaguarda, com ciúmes daquele corpinho libidinoso do Mu! Mas nesse cap não tem chiliquinho nenhum!

Mo de Áries: Menina! Que bom que você gostou! Mas cá entre nós: quem não ia gostar de um Shakinha safadinho daquele jeito? Ô mente suja a minha! Obrigada por tudo, querida! Você é das mais fiéis das minhas leitoras! ( viu como eu reparo? ). Beijocas!

YEAH!


Verinha, minha anjinha-da-guarda, por revisar, betar, recusar e palpitar minhas fics, muito, muito obrigada. E não tenha dúvidas de que você me honra com sua ajuda e que você está SIM muito à altura do que escrevo!

Aos meus outros quietinhos, silenciosos do meu Brasil varonil, povo de MSN, email e afins, um grande obrigada, um beijo enorme, uma leitura maravilhosa para vocês, que possam se divertir lendo tanto quanto eu escrevendo!